SER, AO GOSTO COMUM
Eleva
Quem exprimir gratidão
Eleva a felicidade,
Baixa a arterial tensão,
Dorme com mais qualidade,
Mesmo a relação humana
Melhora que dele emana:
Da depressão o pendor
Baixa como baixa a dor.
E o efeito é duradoiro:
Cada mês de bom agoiro
Prolonga por meio ano
A benesse em todo o pano.
E é benéfica a medida
Em toda a fase da vida.
Mesmo o idoso que é pouco ágil
Já não liga a ficar frágil:
Escolhendo a gratidão,
Concentra-se no que é bom.
Ainda caminha por si,
Ainda continua vivo,
Vive a sós sem ter ali
Muleta humana a que é esquivo...
É confiar em que é capaz
De aguentar o que aí vem,
De concentrar-se, eficaz,
No que é certo vida além,
Por muito que diminuta
Seja a final que disfruta.
Surpresa
Mas que surpresa tão boa
Quando não estou à espera
Dum café e duma broa
Ou que a porta me abram mera!
E porque me sinto grato
Do inesperado favor
Que me chegou por tal acto
Vou replicá-lo em redor.
Ficam todos de ar surpreso
Mas a espiral desta escada
De trepar do monte ao teso
Da vida é o que alegra a estrada.
Cinco
O melhor de ter cinco anos
É um copo de chocolate
Com uma palhinha ser,
Sem danos e sem enganos,
O repique com rebate
De sinos a prometer
Que aí vem, já de seguida,
O melhor dia da vida.
Música
Ninguém consegue explicar
Com música o que acontece
Ou quando ou onde a benesse
Faz de nos vir a tocar.
Mas é um fio condutor
Capaz de ligar pessoas
Como nem vinho nem broas
Ligam com tanto esplendor.
Por isso é que em fundo, à mesa,
Tanto a música se preza.
Íntimos
É do nascimento à morte
Que os mais íntimos amigos
Se revelam, desta sorte,
Ser esteios dos abrigos:
São alguém com quem falar,
Em quem confiar também
E com quem é bom estar.
Sempre o mesmo vida além?
Sempre
o mesmo, não se iludam,
Só as circunstâncias mudam.
Sanduiche
Se uma sanduiche quiser
A partir do ponto zero,
Os legumes a crescer
Na horta com todo o esmero,
Todo o sal a rer do mar,
A vaca a ter de ordenhar,
Como o mais que ela incorpora,
- Tem seis meses de demora,
Para além do prejuízo
Dum milhar gasto sem siso.
Troca de bens de mercado
É o que me poupa este fado.
Houve um tempo desta sorte:
Miséria inimaginável
Com trabalho até à morte...
Partilha é dita inefável
Que a quenquer o torna forte
Além sempre do expectável.
Importa
Pouco importa o patamar
Em que tem-se o que se quer,
Importa é quanto gostar
Daquilo que se tiver.
A boa emoção que almejo
Satisfaz mais que o desejo.
Aplaudir
Finda o teatro numa sala,
Todos a aplaudir de pé.
Ninguém em casa faz gala
De aplaudir. Então porquê?
Temos o mesmo espectáculo
No ecrã do televisor,
Em qualquer outro cenáculo
Que disponha dum visor...
Hoje em dia possuir
Podemos o que quisermos,
Mas, ao na sala o fruir,
Possui-me ele nos seus termos.
Ao não ter lugar a aplauso
É miséria que em mim causo.
Mais
É sempre muito mais fácil
Odiar e destruir.
Acarinhar, construir,
Tão mais saboroso e grácil,
De tão negro nosso fado,
É muito mais complicado.
Derrota
Sem o pranto
Da derrota
Não é tanto
Um encanto
Nem a glória
Que se anota
Da vitória.
Grilhões
Vida fora usamos todos
Os grilhões que nos forjámos.
As escolhas são os modos
Que em bigorna martelamos
E que para sempre duram
Entre o que não dura eterno.
São memórias que depuram
Por outrem que amor é terno
Ou que desamor prendi
Ao meu tornozelo aqui.
Inveja
A inveja tanto se aloja
Na choça do miserável
Como nos oiros da loja
Do herói mais inigualável.
O reles como o ingente
Todos cruza, indiferente.
Pedirá
Quantas vezes o doente
Pedirá o que lhe não dão
Mas dão-lhe constantemente
O que lhe convém então!
É contigo e com os teus.
- Vê o que não será com Deus!
Contra
Pouco haverá que fiar
De chaves, portas, paredes,
Se livre houver de ficar
O querer contra tais redes.
Menos é de confiar
De verdes e poucos anos
Se aos ouvidos, a exortar,
Criminosos houver planos.
A rocha é fragilidade
Quando a esboroa a vontade.
Luta
A luta entre bem e mal
Ninguém dela vê resquício:
Em nós é que a firo, tal
Se em nós for prenda ou suplício.
O que ocorre lá por fora
Vem do que dentro em nós mora.
Então, cósmico destino,
Para onde é que o inclino?
O que importa é dentro em mim
O que ocorre até ao fim.
Perda
De tanto um poder buscar,
Com a maior impotência
O há-de a vida confrontar:
De toda a perda a violência.
- Tudo o que chega ao limite
Vira ao invés o que emite.
Monstrinho
O monstrinho que evoquei
Do que em criança sofri
Vive dentro em mim, aqui,
Pronto sempre a ser meu rei.
Nem me deixa respirar
E de meu negror se aleita,
Pronto a se manifestar
Cada vez que a dor espreita.
E, se lhe não der a volta,
É o diabo em mim à solta,
Nem sequer me reconheço
De mim em cada tropeço.
Tenho de o reconverter
No que de bom retiver
E assentar nesta angular
Pedra o meu novo lugar.
Então é que um homem novo
Começa neste renovo,
Então é que destruí
O inferno que em mim vivi.
Fugir
A criança passa a vida
A fugir do que tem dentro,
Fuga do íntimo à medida
Que mais ignore este centro:
- Religar, no Infindo berço,
O eu, o mundo, o Universo.
Acedo
Comigo me concilio
Se acedo ao melhor de mim,
Buscando-me até ao fim,
Onde de Infindo me avio.
Concilio-me em redor,
Com a família, os amigos,
A freguesia maior,
Compartilhando os abrigos
Seja lá bem com quem for.
Ao harmonizar contrários,
Reconcilio o País
Mais os Continentes vários,
Findo no mundo os covis,
Damos as mãos a, no fundo,
Juntos salvarmos o mundo.
Na odisseia de encontrar-me
Na melhor raiz de mim,
Ao Cosmos findo a entrosar-me
De harmonia num festim:
Ando a universalizar-me
Num trilho que não tem fim
Mas permite aproximar-me.
Eu, os mais e o Cosmos num
Único feixe entrosados...
- Algum dia aqui chegados,
Eu e Deus éramos Um.
Sonho
O sonho que à noite sonho
É o portal do inconsciente,
Mui perto donde disponho
Do além da fronteira à frente.
Daí que lhe aflore ao cimo
Sempre alguma coisa do imo.
Há sonhos maus, pesadelos,
E bons sonhos, mesmo a rir.
Os do indivíduo com elos
E os com todos a intervir.
Símbolos universais,
Símbolos individuais.
O que importa é a dimensão
Emocional que tiverem,
Cada símbolo em questão
Ao remetente que houverem:
O comum lê-o toda a gente,
O próprio só o próprio sente.
O inconsciente, na raiz,
É o que eu sou de infinidade,
O Infindo que, por um triz,
Falho em materialidade,
Aquilo que, ao fundo, sou,
Mas nem vejo onde aqui estou.
Foca-te, pois, na emoção
Que o sonho em ti te deixou,
Pouco importa na questão
A imagem que o provocou.
Foca-te nela e a activa,
Fá-la recrescer bem viva.
Ela é que fará intuir,
Quando negativa for,
Que perda está para vir
Da atitude a recompor.
Se a prevines, reajustando
Teu dia, tudo flui brando.
O sonho é primeira forma
De trazeres dor antiga
À presente plataforma
Para pores fim à briga.
Se a atitude de valor
Reformulas, de supor
É que teu agir a siga.
Desmontas nisto o gatilho
Que detrás hoje prossiga
A enegrecer o teu brilho.
E nisto tu te libertas
Com tuas pegadas certas.
Assim te adiantas à vida,
Colaborando com ela,
E a dor finda de seguida,
Desactivada a sequela.
Varres a dor dentro em ti,
- O Infindo desponta aí.
Jarro
Copular, que fácil é!
Fornicar, mas que excitante!
Mas jarro vazio ao pé
É duma mesa abundante.
Amar com o corpo inteiro
Por inteiro é diferente:
Se com amor emparceiro,
Sacro é daí para a frente.
Pingue-pongue
Ouvir para reagir
Em lugar de compreender
Torna o diálogo, a seguir,
Um pingue-pongue qualquer
Em que, ao fim, nenhum dos dois
É compreendido depois.
Trava
Sob a raiva, a frustração
Há vulnerabilidade
Que os dois nunca sentirão
Que o outro tem de verdade.
Quando o entenderem, então,
A emoção trava a escalada,
É um aterro liso o chão
Para a conversa trocada.
E, em vez de falar um ror,
Cada qual ouve melhor.
Miúdo
O miúdo brinca à mesa:
“Sou a bruxa!” - E a varinha
Mágica com singeleza
Aponta logo à madrinha:
“És uma rã!” E ela alinha,
“croac!”, na brincadeira.
“És agora uma gatinha!”
“Miau!” - responde, faceira.
“Num urso, de igual maneira,
De peluche dou-te o traço!”
E então salta da cadeira
E corre a dar-lhe um abraço.
Pertencem
Todas as horas do dia
Pertencem, de facto, a todos:
Cada qual mereceria
De cada qual simpatia,
- A alegria de bons modos.
Esvazia
Nunca a preocupação
Esvazia um amanhã
Das tristezas que lá irão.
Esvazia, temporã,
Este hoje a que tudo orça,
Contudo, de toda a força.
Intenções
Não bastam as intenções,
Por melhores que elas sejam.
Quem lide há com as questões
Que os fins visam que se almejam
Com intenção elevada
Mas sempre da forma errada.
Deitarão tudo a perder,
Sempre embora sem querer.
Afaste
Não deixes que o treinador
Te afaste do que te atrai.
Não permitas que teu pai
Seja teu mau professor.
Nem em nome da família,
Nem da equipa com que cases...
Dás-lhes a melhor vigília
Se adorares o que fazes.
É deixar tudo de fora
E ser a própria cabeça
Até o mundo que demora
Acolher tua promessa.
Entrei
Entrei num mundo de limo
Para aprender a lição
De trepar-me até ao cimo
E semear-me no chão.
Tudo é de me enriquecer,
Para que meu imo, um dia,
De tanto amadurecer,
Alinhe, como devia,
Prisioneiro do fascínio,
De Deus com todo o desígnio.
E pela repercussão:
Os mais aprendem de mim
Como eu com eles então,
Em tessitura sem fim.
Desata o mundo a avançar
Com as nossas atitudes?
Andamos a melhorar,
Há força em nossas virtudes...
- Este é o fito com que todos
Nascemos, de mil e um modos.
Bofetada
A gratidão é engraçada.
Com Deus quando em comunhão,
Até duma bofetada
Chego a sentir gratidão:
É que ia fora da estrada
E retorno ao trilho chão,
Retomando a caminhada
Com o guia-mor à mão.
Quando isto não entendi
É que de vez me perdi.
Mera
Como posso ter certeza
De que um sinal é sinal?
Pela mera singeleza
De que tudo é, no final.
Pode é ser particular
Ou de alcance universal,
E ora a fé me há-de falar,
Ora alguém espiritual.
Mesmo em dúvida, entretanto,
Em tudo perpassa o encanto.
E é sempre um encantamento
Da Infinidade o momento.
Tristeza
A tristeza, o pessimismo
Pesam-nos na economia,
Na saúde e relações:
O presente é um cataclismo!
Iguais razões, todavia,
Há de optimismo aos montões.