SER, AO GOSTO RITMADO



























Requer



Sem amor não há relação

Que aguente.

O amor, porém, não é, não,

Suficiente.

Relacionamento vivo

Requer permanente

Cultivo.





Especial



Ser especial

É praticar todo o ano

O simples, o normal,

O prático, o mundano.

Isto é que preza,

Afinal,

A grandeza.



Não é o que a impede,

É o que a acalenta,

Fundamenta

E pede.





Cobarde



Uma qualquer arma na mão

E o cobarde mais franzino

Vira logo um fanfarrão

E assassino.



Se, porém, uma escuridão

Imprevista se lhe arrima,

Logo o cobarde então

Volta ao de cima.





Tente-se



Não é possível fazer,

Tente-se o que se tentar,

Quenquer

Nos amar.



Não há nunca nenhum feitiço

Para isso.



Podemos, porém, sempre acender

De luar

Nosso chamiço...





Corrente



A vida,

Por mais rotineira,

E repetida,

Quando olhada à beira,



É de magia

Uma permanente

Corrente

Quando o olhar se distancia.





Atrás



O homem passa a vida a viajar

Atrás da felicidade

Como se não pudesse acreditar,

Por muito que estique a idade,

Que a consegue apanhar.



Até que completa a volta ao mundo

E reencontra o lar.

E vê, ao fundo,

A lareira a crepitar.



A quentura

Da ternura

Acalenta mais que a lava...



- E eis como ele

É doravante aquele

Que, mal a si próprio o explica,

Trava

E fica.





Pedra



Quem somos é uma pedra encastrada

Cá bem no fundo.

Podemos passar a vida a tentar

Desenterrar

A pedra aqui encaixada

Ou então construir, fecundo,

À roda dela,

Por todo o mundo,

O palácio da cinderela.



Para o que quer que recolha

É minha a escolha.





Abri-lo



Por vezes uma prisão

Pode não ser prisão nenhuma,

Mas apenas um portão

Que eu presuma

Fechado

Porque nunca abri-lo hei tentado.





Comida



A comida são ingredientes recolhidos

Mais receitas, meras palavras anotadas.

Tudo nadas,

Em vários sentidos.



Até um dia

Aparecer o indivíduo certo.

Então, aí, como eu desperto:

Que magia!





Nuvem



Uma nuvem inevitável

Eternamente se suspendeu

Entre de tuas esperanças o sopro inefável

E o céu.

Não há como retirá-la:

É de eterno peregrino a tua mala.





Raro



Raro chegamos onde é preciso

Sem curvar com preito,

Com ponderado siso,

E recurvar com jeito

Preciso

O que deveria, no plano, ser direito.



Não é perda de tamanho,

É o custo do ganho.





Única



Quando ninguém

Recorda,

Que fica?

Fica, tempo além,

A única corda

Que o mundo justifica:

A impressão digital

De cada vida

Impressa no mundo material

A determinar-lhe a corrida.





Corajosa



A mais corajosa das atitudes:

Ter esperança

Quando esperança já nem houver a que te grudes.

Aí é que o fito

O Todo alcança

A rebentar de Infinito.





História



A história de alguém

Jamais é só dele mesmo a história.

É surpreendente o que no limo,

Para além

E por baixo da memória,

Ele sempre contém

Na fundura do imo.





Coragem



O maior dos dons:

A coragem de seguir em frente.

A mesma determinação em mil tons

Permanentemente.



É o que o amor é,

O que o amor faz:

Manter-nos de pé

A correr atrás dum horizonte,

Para além e por detrás

De toda a ponte.





Lonjura



Todo o homem é uma espera

De olhos virados para diante

E eis como então gera

O instante.



E eis como na lonjura fito

O Infinito.





Mundo



O mundo não é o mundo,

É o quadro que exprime

Um real real, lá por trás, mais ao fundo,

Tela sublime

Cuja cor

Revela a interioridade do pintor.





Eventos



Os eventos, enquanto alguém os anda a viver,

Parecem aleatórios.

Olha-os em retrospectiva quenquer

E devêm mascarados envoltórios

Dum nítido percurso em terreno maninho:

- São, afinal, um caminho!







Primavera



Primavera nem sempre é felicidade

Quando uma tristeza escura

Aumenta de profundidade

Porque se afigura

Que apenas a outrem, nunca a nós, se destina

A primaveril sina.





Ímpeto



O ímpeto amoroso

Corre à rédea solta

Até que com a razão o entroso

Ou o desengano o revolta.



É o caçador

Que a lebre persegue e apanha

E, se calhar, de lado a irá pôr,

A ver se a seguinte que lhe foge ganha.



Todos somos olhos enganados:

De longe, tudo são doirados;



De perto,

Só tempestades no deserto.





Lentes



O ciumento

Olha com lentes de aumento:



O pequeno devém grande,

Torna-se o anão gigante

E a suspeita que o comande

É da verdade o garante.



Nunca o entendimento é livre

Com o que é para que vibre.





Leva



A formosura

Num momento leva atrás

Quem a vê, quem a conhece.

E a via então que a procura

Só de alcançá-la satisfaz

O coração que ela aquece.



E tanto o enobrece

Que da vida sobre a ameia

O mundo clareia

E em guerra ou paz

Incendeia.





Desgraça



A desgraça revela

Na rotina diária, freima de cuidado,

A parcela

Que hão ocultado:

Somos, sem mais,

Apenas mortais.





Questão



A ideologia

Não é fundamental,

A teoria

Fica sempre mal

Quando posta perante

A problemática questão pessoal:

Esta é que é determinante

E tudo julga, no final.

As pequenas insignificâncias

Passam à frente das concepções grandes

E é nestas minúsculas instâncias

Que ganhas ou perdes o que mandes.



É triste,

Mas é o que existe.



Pior, porém, seria

Submeter a vida à teoria:



Esta foi sempre da humanidade uma sina

Literalmente assassina.





Entretece



O passado,

Mais que a memória

(Sou sempre um desmemoriado),

É a vitória

Que entretece todo o fado,

Desde o meu inconsciente

A todo o mundo presente.



A percepção

Que dele tenho

É uma minúscula demão

Do real de imensurável tamanho.



Quando me atinge

Com a figura de alguém

E finge

Que sou esse que aqui me tem,

É um engano,

Como se o mais não entrasse no plano.



Eu sou esse e tudo e todos os mais

Naquele que sou,

Poeira de estrelas com sinais

Dum infinito voo.



Sou, nos minúsculos gestos meus,

A reencarnação de Deus

Nos trejeitos de mim particulares,

Singulares,

Que me conformam

E que no que sou me tornam.



Revivo em mim milhões de vidas

Ignoradas, esquecidas,



Mas sou eu, único, aqui

Desde o instante em que vivi.



Todo o outro mora em mim

Sem se confundir assim



Comigo, este nada medindo

Desta irrepetível janela, o Infindo.





Imo



O meu imo é liberdade

Do Infinito, Total,

Identidade

De amor incondicional.

Força tão desmedida

E destemida

Que é a primeira

E derradeira

Prioridade

Da vida.





Fundo



No fundo, sou o mais alto

Que me lograr conceber.

É pena não ter o salto

De me ser.

Mas vou trepando, no entanto,

Por enquanto...





Itinerário



Se alguém requerer

Doutrem aceitação,

O itinerário que irá ter

É o da rejeição.

E com a premência

Duma interminável exigência:



Terás de me dar mais,

De dar o que eu quero,

De acordo com meus sinais

E tanto quanto espero.



Senão são te aceito,

Ir-te-ei criticar, exigir

Meu preito,

Destruir...”



É sempre este o jeito

De quem de si se demitir.





Apenas



Ninguém me pode dar

O que apenas é de meu alcance:

De mim gostar

Em quanto me abalance.



Estar de bem com a vida

É ter meus afectos em dia:

O que vem de dentro é que legitima a via,

Tudo respeito então a que me convida.



O contexto material

É meramente circunstancial.



Despir-me deste escudo,

Centrar-me no imo,

Leva-me à raiz do cimo

Em meu íntimo mudo.



Poderei desfrutar então da matéria:

Não há mais nenhuma dependência séria.





Perenemente



Teu imo espera perenemente por ti,

Que para os outros pares de olhar.

Fica ali,

O que prefere

Sempre a aguardar:

Conseguir ser.



Dá-te força para te configurar

Segundo tua fundura,

Luz que és na figura

Dum corpo a se confinar.



A luz quer abraçar o mundo

E encantar a todos.

Só desvendada bem do fundo

E de todos os modos:

Compreendida,

Aceite,

Intuída

E procurada na dor e no deleite.



Sou eu em estado puro,

Eu de mim originário,

Raio de luz atrás do muro

De meu terreno fadário.



Então saberei

Para que vim

E fá-lo-ei,

Enfim.





Protagonizo



Se protagonizo uma atitude negativa

Para me defender,

Ela irá dentro de mim permanecer

Como personagem viva

A toda a hora

Enquanto a não mandar embora.



De tal modo me tapando

Que já nem sei quem sou,

Nem quando,

Nem por onde vou.



Mora aqui

Dentro de mim,

Já não sou quem me vivo nem me vivi,

Assim.



Máscaras mil de personagens

Em lugar de minhas imagens.





Ouvires



Quando em tua cabeça ouvires uma voz

Que te exige, diminui ou amedronta

E continuares a obedecer-lhe após

Com raiva, controlo, vitimização à tonta,



Andas a alimentar

Tua máscara de carnaval,

Em lugar

De te viveres a ti, afinal.



Incorporas de tal modo o personagem

Que não és quem és

Em nenhum través

Da viagem.





Detesta



Meu imo só quer amor,

Detesta qualquer agressão

Tensão,

Resistência sem valor.



Quanto mais por ele for,

Assim,

Mais perto me irei propor

Da fonte original de mim.



É uma trilha intensa

Que pela lonjura além se mete

E o céu recompensa

Quem com ela se compromete.



Na trilha sem fim

Germino a semente infinita de mim.





Traio



Quanto mais fizer de forte

Mais traio a fragilidade

Que é o recorte

De meu norte,

Mais me perco de minha identidade.



Então atraio a mim, a todo o momento,

O mesmo negativo evento.



Enquanto não mudar de atitude,

Há sempre uma ponta de inferno

A que interno

Me grude.





Mutuamente



Mãe e filho dão-se mal?

Falta o perdão.

O perdão é o sinal

Da paz que mutuamente se darão.



Enquanto tal

Não ocorrer,

Só mais dor mutuamente se irão

Oferecer.





Inevitável



O evento que for inevitável

É de acolher interiormente.

Apenas então o que for viável

Poderei discernir em frente.



Se me revolto,

Não me solto.



No fatal aprisionado,

Nunca mais chegarei a nenhum lado.



Com o Universo em paz,

Voarei livremente,

Sem nada a me prender, cogente,

Atrás.





Memória



Teu acto consciente

É determinado

Pela memória inconsciente

Do que houver de antanho cultivado.



O que nesta houver

De negativo

Tem aquele de o converter

Em positivo.



Melhoraste a atitude?

Então o efeito,

À dor atreito,

Já não te ilude,

- És cada vez mais um príncipe eleito.





Chegar



Tudo o que até hoje vivi

De alegria e de tormento

Foi só para chegar aqui,

A este momento:

O momento da luz que ilumina

Minha sina,

Com o fermento

Que me destina.



É meu subtil deserto

Donde espicaçado lentamente me liberto.





Quem



Quem procura

Ter, ter e mais ter

Inaugura,

Sem o entender,

Toda a dor

Que for

A de perder.



Neste vida,

Na seguinte

Ou por toda a eternidade.



Até que uma qualquer alma condoída,

Boa ouvinte,

Lhe recolha a enfermidade

E com ela reconverta tanto ter

Em ser, ser e mais ser,



Criando cada dia

Mais e mais alegria.





Atrais



Ninguém te faz nada,

Tudo é também de tua responsabilidade:

Atrais à tua estrada

Cada eventualidade.



A alegria

Para entreveres a plenitude.

A tristeza de cada dia

Que se te grude

Para lhe desfazeres o bloqueio

Que te deixa a vida a meio.



Uma vez ele desfeito,

É de novo alegria que colhes vida a eito.



É assim com tudo:

Fermentas na masseira

Quanto de ti se abeira,

Mudo.





Ego



Meu ego tem de garantir

Minha sobrevivência,

Doutro modo iria cair

Na primeira ribanceira

Sobranceira

Da vida a qualquer iminência.



Se não me enchera de medo,

Nadaria no mar dos tubarões,

Trocaria a refeição

Sem podridões

Por qualquer distracção

De riso tredo,

Morreria no Inverno

Ao frio externo...



O medo leva-me à precaução:

É o ego que garante o corpo são.



Quando principia a controlar tudo,

Proibindo correr riscos,

Trancando o ignoto, o inexplorado fora dos apriscos,

Aí é que prejudica

Da vida o conteúdo

A que se aplica.



Anula meu imo

No exagero protector,

Já não sinto de meu cimo

O fulgor,

Nem de meu profundo limo

O sabor.



Findo anulado

Na encarnação,

Já não sou o espírito encarnado,

Mas a carne da traição.



Eliminada a dinâmica dos opostos,

Findo vago rosto no meio de vagos rostos.





Íntimo



Teu íntimo não se cura

Sozinho.

Quem nele se configura,

Na privacidade de teu ninho,

É quem misteriosamente o depura

E apura

Para desbastar da vida qualquer terreno maninho.



Só, contudo, o fará

Se tua escolha o quiser cá.



Se, ao invés, acreditas

Que és tu quem opera a íntima cura,

Teu ego concitas

E toda se perverte a tua lisura.



Tarde ou cedo,

Mais à frente,

Irá reverter-se teu folguedo

E cairás novamente

Doente.



Há sempre um lado de lá,

Que em tua fundura está



E é o que é decisivo

Em tudo quanto em ti for vivo.



Não deixa de o ser

Por ser esquivo:

É o que é quenquer

Na fundura onde não chega nenhum crivo.





Lugar



Todo o lugar é lugar há milhões de anos,

Com sensações,

Emoções,

Pessoas a reviver por aqui ancestrais planos,

Tudo ali guardado na memória

Desde a mais arqueológica história.



Tudo tem de ser remetido para a Luz

Do imemorial tempo que o anima,

Para que nada do que traduz

Traduza um clima

De lonjura

À Infinidade que nele se depura.



Para que o que nos destina

Seja apenas a Luz que nele nos fascina,



Sem interferências escuras

Numa Luz que nele então já não apuras.





Morreram



Todos os que morreram por aqui continuam,

Pela Terra do Universo.

Uns com a Luz actuam,

Outros alheios a ela, num viver disperso.



Não trepam estes ao coração da Intimidade

Fulgurante

Por apego à humanidade,

Ao que largaram pelo mundo adiante,


Cada qual daquilo dependente

Emocionalmente.



Apego aos indivíduos e bens cá de baixo,

Sem espiritualidade apontada ao Infinito,

Prisão

Até na religião,

Pesado cacho

De tradição e de rito.



O impulso para subir,

Com o apego findará sempre a não ir.



Outros à Luz não se alteiam

Por medo.

As religiões,

Pejadas de punições,

Com o inferno tanto ameiam

Que, mais tarde ou mais cedo,

Vinga em muitos este credo:

Então ao terror se rendem

E é cá em baixo à escuridão que se prendem.



E há os que por amor

Mal entendido

Ignoram o apelo do Fulgor,

De tanto amar quem ficou por cá perdido.



O amor vincula

Tão fortemente

Quem para a arena dele pula

Que, conseguintemente,

Há muito quem não logre subir

Para onde mais a Luz luzir,

Não se desvincula.



E por aqui aprisionado fica

E mais a cela escura da prisão nos multiplica.





Baixo



O espírito que até à Luz não quer subir

Escolheu tanto o apego à matéria

Que aqui em baixo fica a bulir,

A tentar fruir

De bens e relações que, alma sidérea,

Perdida a pele,

Nunca mais ficam ao alcance dele.



Com tanta revolta, raiva e ressentimento

Ficou

Que aqui acabou,

Acorrentado à Terra a todo o momento.



A emoção que viveu foi tão pesada

Que não se liberta doravante agora,

Alma aprisionada

Que nunca mais logra ir-se embora.





Metade



Metade de mim

Mergulha no céu

Enquanto eu

No mundo incarnei

E por aqui andarei

Perdido sem fim...



A tentar desviar o véu

Que me encobre de mim.





Abismos



O caminho

Tem curvas, abismos, pedras...

Só medras

Se não fores só do fácil adivinho.

Tem tudo o que é preciso

Para atingir o viso.



Fácil não é,

Mas é o teu.

Pode quebrar-te o pé,

Mas imagina o que seria se, sandeu,

Outro seguiras, enganado,

Que não fora de teu fado.



Quebrar-te-ia

Dos pés à cabeça

Teu corpo inteiro de ilusória fantasia,

Peça a peça.

E pior, enfim:

Por ele jamais atingirias o Fim.



A vantagem

De cumprires tua viagem

Sem de ti te desviar

É já não te enganar

A triagem

De qualquer outro trilho a par.



E, afinal, o sarilho

É o polimento de teu trilho.





Obstáculo



Nem sempre o obstáculo

Que me testa

É o não do pináculo

Duma negativa aresta.

Pode ser o cenáculo

Duma vindoira festa.

É que a vida põe-me à prova,

A ver se me aprova ou me reprova.



A ambiguidade daquilo

Não me diz se é sim ou não o sigilo,



Quando me pergunto se o caminho

É o correcto naquilo que adivinho.



Como o destrinçar?

Apenas pela intuição do imo

Em busca de meu último cimo,

Pelo meio do nevoeiro a vislumbrar.



Só neste cume

É que eu finalmente cuido que me arrume.





Algema



Porque é que a vida não lhe dá o que quer?

Porque a vida quer que mude

Uma meta, uma atitude

Qualquer

Com que se ilude.



É para que se liberte

Que leva a que a algema se lhe aperte.





Continuar



Se estiver sempre a querer

Aquilo que não tiver,

O eco da vida vai, a seguir,

Continuar a atrair

Não ter.



O pensamento negativo

Imprime nas partículas do mundo

O rumo dele, ao vivo,

Segundo a segundo:

E tudo propenderá

A ir indo para acolá.



Ao invés, o pensamento positivo,

Sem demora,

Imprime no mundo um rumo construtivo

Desde agora.



As minúsculas partículas,

Ridículas,



Não são nada indiferentes:

Talham mesmo o corpo das gentes.





Antanho



Quanto maior dificuldade

Em sentir tranquilidade,



Maior a memória

Inglória



Que de antanho nos vem

De que nem tudo estava bem.



Quero muito algo

Pelo que me faz sentir,

Fidalgo

Do porvir.



Se agora conseguir

A emoção antes que algo aconteça,

Antecipo o vindoiro, desde logo a vir,

Desde já me atravessa.



Já menos a matéria me comanda,

Sou doravante eu quem nela manda.





Controlar



Ao não controlar eventos

Que a vida lhe queira enviar,

Cria espaço para os ventos

Que ela manifestar

Na magia

De cada dia.





Aceitar



O grande caminho

É o de aceitar e fruir.

Aceitar a conjuntura

Que advier em meu terreno maninho

E deixar fluir

A corrente que, segura,

Me leve a bom porto:

Ao que for atribuído a mim,

Contra a secura

Do jasmim

De meu horto,



No destino

Clandestino



A que a vida

Me convida.





Tapar



Escolhas de só tapar buracos,

De estancar hemorragias vitais

Actuais,

Sem alternativas que evitem tantos cacos,

Que se escavaquem tantos cavacos,

Conduzirão a esmo,

Amanhã, a mais do mesmo.



Por minhas mãos o ciclo de inferno

Não termina, tornado eterno.





Melhor



O caminho escolhido

A partir do melhor de minha interioridade,

Por mais corredores em trevas por onde haja transcorrido,

É sempre à Grande Luz vocacionado.

E tanto para lá se inclina

Que mais tarde ou mais cedo aí termina.



Dentro de mim, essa

É que é inelutavelmente a grande promessa.



De todo o impasse na via seguida

É a perene saída.





Escreve



Porque Deus escreve direito

Por linhas tortas,

Não é por meu jeito

Que abro portas,



É de ir afeito

Ao que, meu imo, exortas,

E porque, em fé dúbia, espreito

Para Além do que comportas.



E porque, mal ou bem,

Me disponho, em horas mortas,

Para o que à frente me vem

De novidade das hortas,

Do que à vida mais convém.



Sei lá bem onde me leva

A correnteza,

Aqui do meio da minha treva,

Só sei que é uma beleza!





Busco



Primeiro não sei,

Busco saber

E, pouco a pouco, aprenderei.

Depois, porém, a questão que se puser

É a do que nem sei que não sei:

Como descortinar na escuridão

Tal aleijão?



Só mantendo-me aberto

Ao boqueirão do cósmico abismo,

Desperto,

Enquanto cá por dentro cismo.

É o baptismo

Da escuridão,

Embora com medo,

Na boca com o credo,

Mas sempre palpando o mundo com a mão,

Os pés firmes no degredo

Do ignoto chão.





Muitos



Muitos são os chamados,

Poucos o hão escolhido,

Ao chamamento que, a silentes brados,

Nos quer transmitir o sentido,

Da vida o rumo

Da cumeeira para o sumo.



E é pena,

Que a perda não é pequena:



Afinal, é àquele cume

Que tudo em mim se resume.



Uma vez elidido,

Ando a vida inteira por aqui perdido...







A fé infantil

Acredita que o que ocorrer

Há-de ter

O perfil

Do que o crente quiser.



A fé adulta

Para outro nível

Catapulta,

Bem mais credível:



Acredita

Que seja o que for que aconteça,

É o que melhor me concita

A que cresça

Rumo à infinidade

Que o Infinito em mim grade,

Mesmo que não seja o mero

Desejo do que quero.



O melhor para mim,

Sei lá bem o que é, por fim!



Mesmo uma lotaria

Chega a provocar tanta confusão

E maldição

Que eu ainda acabaria

Por dizer-lhe que não.



Só queremos segurança

E conforto,

Traiçoeiro porto

Quando nos alcança:

Paralisam ambos o caminho, em seguida,

Estancam a vida.



Quando desistimos de crer

Que sabemos o melhor para nós,

Desata o ego a desaparecer,

Rompem-se-lhe os cipós.



Tudo o que operar

Daí para a frente

É para melhorar

A vida da gente:

Não a exterior,

Material,

Mas a interior,

Radical,



Nem que para tal seja preciso

Dar-nos cabo do juízo:



Mesmo um cataclismo

Traz-nos então lições de abismo.



A fé na inteligência superior da Vida,

Deixando que ela siga os próprios planos,

Leva logo a melhorar, em cada surtida,

Do destino os danos.



E tudo culmina

A melhorar-nos de repente a sina.





Permanência



Ego,

Minha defesa,

Minha sobrevivência,

Meu apego

À presa

De excelência,

Garantia a que se aferra

A minha permanência na Terra.



Mas depois há o outro lado:

Ser feliz,

Concretizando cada sonho desde a raiz,



Cumprir minha missão

Pelos regueiros do chão,



Ser iluminado,

Não frustrado,



De luz um pequeno facho

Cá por baixo...



- Quando tudo isto a mim próprio me empalma,

Já não sou ego mas alma.



Já não sou igual

Sendo o mesmo,

Mudei de sinal

Quando, vivendo, nestoutro me ensimesmo.



Quem quer alma quer amor,

Todos somos um, na multímoda maneira

De compor

Da vida as telas,

Todos somos pontos de chegada

De poeira

Das estrelas:

O Todo num nada!



Não somos separados,

Nem dos mais, nem da natureza,

Nem, se bem olhados,

Do Universo que no seio nos apresa.



Quando um sofre, sofrem todos:

Arrepiam-me da Terra os cataclismos

Por nos termos deixado levar de engodos

Que nela cavam apocalípticos abismos,

Como de ternura me emociono

Porque sob os escombros mia

Um gato sem dono

E a cidade pára, a resgatá-lo para a luz do dia...



Que é que, volta e meia,

Pela paz, pela calma,

Cá dentro de mim anseia?

- Alma, sempre alma.



O ego, para escapar à dor,

Repete a fuga

Como da guerra ao fragor,

E o padrão imprime dentro de quem se lhe aluga.



Nunca chega, porém, das almas ao retiro

Por que eternamente suspiro.



Pode caçar uma lebre mais,

Um êxtase, jamais.



Ora, demente

É o mesmo sempre operar

À espera de resultar

Diferente.



O ego empalma

O primitivo

Dispositivo

De alma.



E a mente

Serve-o, preclara,

Subserviente,

E nunca pára.



Se relaxar,

À flébil alma iremos aceder,

À fundura onde é proibido chegar

Se apenas cuidar

De sobreviver.



Aí moram sentimentos nobres,

Um novo universo

Donde um homem novo cobres,

À ética grandeza converso.



Aí, o ego,

De dominador, devém subordinado,

Um pego

Transposto vigorosamente para o outro lado:

Uso-o em sossego

E sem apego,

Não sou por ele dominado.



Sei quando é adequado

E quando deve retirar-se

Para haver alma a manifestar-se.



Ego garante na Terra a vida,

Alma garante ao Infindo a subida.



Importa a harmonia

Dos dois

E a hierarquia,

A chave de iluminar-me os arrebóis.



Se pender para um lado,

O efeito

É a catástrofe, como final resultado

Deste meu íntimo pleito.



O inverso traduz

O roteiro da infinita Luz,



Por onde poderei, de sonho ao luar,

Finalmente caminhar.





Místico



O corpo místico de Cristo

Não se institucionaliza numa Igreja,

Não é isto

Que Deus almeja.



Monta e desmonta

Tendas no Tabor:

Remonta apenas, eterno remonta

Às eternamente transitórias criaturas do amor.



Nada permanece,

Tudo perece.



Institucionalizar

É trair

O fluir

Eterno deste caminhar.



Não preza,

Neste engano,

A beleza

Por trás do pano

De Deus a andar

Sem parar

Pela infinda, interminável natureza.





Proporcional



Em mim

A violência

É proporcional à íntima resistência

Ao imo, de modo que assim



Repare que quanto mais me iludo

Mais me grudo

À negativa vivência.



Até que de vez aceite olhar,

Ver,

Entender

E escolher

Obrar

Como luz sidérea

Arroteando a matéria.





Sempre



Há quem é muito feliz,

Sempre olhando o positivo,

O lado bom, de raiz,

E sempre esquivo

Ao negativo.



É uma ilusão,

A fugir à realidade,

Dos problemas à compulsão,

Da dor à ferocidade.



Nem sempre tudo pode estar bem,

O absoluto não nos mora ao alcance,

O contrário fatalmente joga também

No lance:

É sempre num conflito de contrários

Que temos de equilibrar nossos sumários.



Crer num bom absoluto

Ou num absoluto mau

É não ver no produto

Que há sempre uma sombra que ensombra qualquer vau,

Que há sempre um passo por onde passe

Mas também o turbilhão e as pedras dum eventual impasse.



E nossa função,

Perante isto postos,

É a harmonização

Dos opostos,

Numa lida

Que nunca tem folga vivida.



Quem se recusa a ver o lado mau

É tão errado

Como quem o lado bom recusa, o varapau

Só vislumbrando em cada passo dado.



Todos iludidos

E, no fim de tal rota, de vez perdidos.



A vida, a grande mestra,

Mostra que não é um mar de rosas

De que gozas

Nem à sinistra nem à dextra.



O pendor negativo da vida

É que leva a escolher

Ou o que a dor revalida,

Fruto da atitude repetida,

Ou o que a elimina

Porque contra o que a destina

Inaugurei um novo rumo de ser:

Inaugurei, fecundo,

Um novo mundo.





Segurança



Garante o ego a sobrevivência

Através da segurança,

Sentinela da vivência

Até onde o olhar lhe alcança.



Tapa a memória de antanho

Por outrem ou por mim vivida,

Não vá o ganho

Perder-se sem valia adquirida.



Impede com isto

Que atinjamos a emoção,

De alma o por ele malquisto

Coração.



Ora,

Aqui é que mora



O motor

De minha caminhada

Interior.

Com ela parada,

Fico eternamente a marcar passo

No mesmo traço

Da estrada.



Só após revisitar toda a dor,

Minha ou doutras vidas herdada,

A fim de transpor

Para outros trilhos cada jornada,

De meu íntimo feito revisor

E reconstrutor,



- Aí é que a vida poderá ser

Um prazer



Cada itinerário pejado,

Então, de significado.



Temos sempre, sem ludíbrio,

De escolher

Qual o equilíbrio

A promover.



Uma vida toda controlada,

Sem golpes de asa,

Como é que agrada?

Não, nunca abrasa.



Tudo em conformidade

Com a comunidade,



Emprego, casamento,

Estatuto e papel de cada elemento,



Tudo seguro,

Sem as tristezas que com o tempo apuro



E que, afinal,

Com o tempo se acumulam em montanha colossal...



Obcecado com um controlo inviolável,

De repente dou comigo num mundo inseguro, incontrolável.



Ora, se aquele fora o rumo certo,

Tudo seria maravilhoso, decerto.



E não é:

Logo, corri à falsa fé.



É que meu imo

Não pára,

Dispara

Lá do cimo

E, mais tarde ou mais cedo, desbarata

Todo aquele que o maltrata,



Indivíduo, comunidade ou país,

Todos findarão dobrando a cerviz.



Atira-me com o medo

E a fragilidade.

Se, em lugar de resistir, cedo

E se quão frágil sou deixo que me invade,

Aí entrego tudo aos Céus,

Ponho-me nas suas mãos.



Deixo de controlar os rumos meus

Acolhendo o inesperado

Que me vier de todo o lado:

Fico seguro em qualquer de meus desvãos.





Vim



À terra vim de tudo

Desnudo,



Inocente

Dependente.



Como é que meu ego pretende

Ter direito a tudo o que entende?



Direito ao que a vida lhe der e não der,

Mesmo àquilo para que nada fizer?!



E, quanto mais a vida revela

Que não é assim,

Mais guerreia

Grita, esperneia,

A tentar impor dele a tabela

Para que, ao fim,

A vida venha a ser

O que ele quer.



Ora, a gratidão que em mim endosso

É de considerar que nada é nosso:

A vida não nos deve nada,

Ao contrário,

Nós é que lhe devemos, desde a entrada,

Todo o numerário.



Quando descubro que nada tenho,

Não possuo nada,

Que a vida nada nos deve em seu desempenho,

É que reparo na pilha de bens acumulada

Durante a minha jornada,

No que a vida me deu,

No que todos os dias me entrega de seu.

Aí, então,

Principia a gratidão.



O Céu pensa em mim

E de mim cuida neste abundante festim.



Grato,

Desato

A ver que sou capaz,

Que, olhando o Céu por nós,

Corro protegido após,

De minha aventura assumido capataz.



Amor incondicional

E gratidão:

O eixo fundamental

Da emoção,

O cósmico coração

Universal.



Aqui chegado, minha escolha

É a do bem mais sublime que logre identificar,

Com os valores mais elevados que recolha.

De alegria a esfusiar,

Entro no mundo,

Jucundo,

E o mundo tem doravante a queda

De pagar-me na mesma moeda.



Tudo tende a vir com a alegria

Que em mim principia.



É difícil de manter

No dia-a-dia,

Temos permanentemente de escolher

A cada instante

Pela vida adiante.



Ora, cruzamo-nos fatalmente

Com quem

A mesma escolha, de repente,

Não tem:

Presos no trânsito, há um que apita,

Outro que grita,



Este que ao telefone discute...

- Como é que tudo isto em mim repercute?



Quantas vezes ignoro

Minha atitude pendurada do Bem Universal

Para tombar no coro

Do ruído infernal

Que nos agride

E onde, assim parados, ninguém progride!



Não posso deixar-me enclausurar

Na prisão da miopia,

Todo o horizonte a se estreitar

No egoísmo daquela hora, daquele dia.



Quem escolheu isso

É que tem tal compromisso.



Se não for o meu,

Por aí não irei eu.



Mas quanta recaída

Terei de enfrentar em minha vida!



Dentro em mim o meu sentido

Ainda não findou o rumo já escolhido.



Terei de ir à fundura de meu interior

Verificar que é que anda aí

Que ainda não condiz com o teor

Da infinitude da utopia que escolhi.



Se atraio violência

À minha existência,

É que algo não foi ainda libertado

De minha essência,

Anda enclausurado

Numa atitude rasteirinha qualquer

Que o Infindo perdeu de vista ao escolher.

Perdeu de vista o Bem universal

E logo o negativo em minha vida dá sinal.



No fim agradeço

A quem me provocou este tropeço:



Permitiu-me, ao me agredir,

Um passo adiante progredir.



A gratidão à minha infinitude

Um pouco mais ajuda a que me grude.



Todo o mal

Tem uma virtude:

A do real

A que alude.



Nenhum mal, portanto, é absoluto:

Posso dele retirar um bem como produto.



É só entender

O que houver

De negativo em mim

E extirpá-lo de raiz:

Reconverto a atitude ao melhor de meu confim

E actuo em conformidade ao que aí meu imo quis.



Andarei sempre a evoluir,

Que o Infindo é o inatingível a atingir.





Seguro



Afirma o ego:

Se elidires o mal,

Ficas seguro, em sossego,

Ao final.



Ao lado murmura o imo:

Se praticares, universal, o Bem,

Do Bem já trepaste ao cimo,

É o seguro que te convém.



A sina

Os dois me destina.



Como harmonizá-los?

O imo comanda,

Da vida a desatar qualquer agravo.

O ego previne abalos,

Executa o que o imo manda,

Fiel escravo,

Perenemente

Presente,

Para que o imo

Devenha meu primeiro

E derradeiro

Arrimo.





Peça



Meu ego leva-me a julgar

Que não sou nada,

Peça vulgar

Aqui separada

De máquina abandonada.



É o que me provoca o vazio interior

E a tudo me obriga

A fim de me impor

Como alguém especial,

De nobre liga,

Único a meio da amálgama geral.



Ora, o que a cada um

Torna único, especial,

É a flébil alma que em jejum

O ego nos põe, sem darmos por tal.



O ego pretende a segurança,

O imo quer o infinito amor

Cujo teor

Ninguém alcança.



Mas é o que de melhor tenho de meu,

A minha pontinha de Céu.



O sagrado mora em nós.

Com escolhas da insondável profundidade

Que único me tornem,

Abro a porta dos meus grandes Avós

Que moram na eternidade,

De modo que as pétalas divinas a fronte me ornem,

Incrível,

Na fronteira do mundo invisível.



Ora, quando isto é vivido com o ego,

À Terra me rendo,

É o apego

Me prendendo:

Tudo devém competição,

Poder,

Domínio sobre qualquer

Coração,

Busca da imunidade

Que me garanta identidade.



Tudo isto, porém, é ilusório,

Leva apenas à impotência.

Minha fragilidade é o fim inglório

Da ocorrência.



Quanto mais por aqui busco meu ganho

Tanto mais meu vazio aumenta de tamanho.



Interface entre luz e sombra,

Meu fito derradeiro

É iluminar a alfombra

Por onde vou trilhando meu carreiro.



Somos visitantes iluminados

A trazer a luz à Terra,

Para que a matéria bem marcados

Tenha os pés por aqui caminhados,

Enquanto a aventura se nos não encerra.



Prescindir da imunidade, do poder e do domínio

Permite iluminar de alma o fascínio,



Luz de amar e de entender,

O agir todo inteiro a acender

A iluminação

Que nos revela o chão

Com uma ponta

Onde a fímbria do Infinito já desponta.



Quando escolho o Bem universal mais elevado

Que vislumbro a partir da utopia de mim

Começa devagar, por todo o lado,

A vida a transformar-se, por fim:

É a luz no túnel fechado

A despontar ao longe. Até que enfim!





Compaixão



Terei pena

Ou compaixão?

À pena meu ego me condena,

Elevando-me ao balcão,

Por cima da cena

Do que estrebucha atolado no regueirão.



Moro aqui,

No andar superior,

E ele ali,

No inferior.



Ele é um coitado que não alcança,

Nem de longe nem de perto,

Não é um indivíduo certo,

Ignora da vida a dança...



Ora, isto é presumir que eu

Sou com quem tudo certo deu.



Não tenho pena de quem

Melhor do que eu viver

Nem também

Do que igual me parecer.



Com a pena, outrem desvalorizo,

Porém, como pena sinto,

Salto no plinto,

A mim então me supervalorizo:

Eu sou o bom em questão,

Outrem, seja lá quem for, não.



Com isto farei mal a mim,

Com este ego a aumentar minha lixeira.

Quando a outrem me comparo assim,

Minha atitude com o mais reles emparceira,

Não moro no balcão,

Refocilo na esterqueira

Do chão.



E o por mim desacreditado

Mais se condena,

Pois, ao ver-se digno de pena,

Mais crê, desolado,

Que toda a riqueza interior

Não tem, dado o seu teor,

Qualquer significado.



E a ajuda que eu lhe der

Será fatalmente material,

De fora para dentro,

Já que dele só consigo ver

O exterior, o tremedal

Onde inserido

De interioridade o esventro,

À fachada reduzido.



Ora, há miseráveis muito felizes.

Olhando com o meu ego

Nem sequer suspeitarei de tais matrizes,

Verei da miséria o podre rego,

A emoção nem vislumbro das raízes.



Creio ajudá-lo,

Porém escolho por ele,

Em lugar dele obrarei, para meu regalo,

Afirmo mais inchada a minha pele

E mais pelo interior o diminuo

Quando deste modo actuo.



A compaixão é o contrário:

A dor de alma doutrem ecoa

Dentro em mim, como um sudário,

Dói-me de morte como dor à toa,

Minha frágil alma dobra-me a finados.

Tantos sonhos enclausurados

Dentro dum corpo tão alheio à Luz!



Mesmo vivendo melhor que eu,

Como por dentro se reduz

A um sandeu!



Sinto a tristeza do ambicioso,

De ego empolado,

A simular na gargalhada o fingido gozo

Do fel íntimo tragado.



Qualquer alma só quer amor

E compadeço-me daquela.

Minha ajuda muda logo de teor

Na sequela.



A melhor condição exterior

Pode esconder, a todo o momento,

Uma qualquer alma em perene sofrimento.



Minha ajuda vai ser toda pelo interior,

Pela escolha em função do cimo

Derradeiro do imo,

Pela utopia original

De cada qual,

Pelo atendimento,

Em qualquer comportamento,

Da paisagem mais abrangente,

Mais universal,

Que puder ser atendida

Na rota de vida escolhida.



Aí quenquer

Pode entender,



As escolhas desatar

A mudar,



Cada trilha a plenificar-se,

Até que, finalmente, ele venha a encontrar-se.



Aí, logo que viu,

Foi ele que conseguiu:



Resulta, pois, valorizado,

Cumpriu de alma o caminho destinado.



Começou por dentro a crescer,

O Infinito desatou nele a ser.





Colo



No grande colo dos Céus

Tudo é amor incondicional,

Protecção,

Aceitação,

Acolhimento

Por Deus,

Em lugar de julgamento.



Mesmo o juízo final

É também o recolhimento

No total

De todo e qualquer desvio de momento.



E a grande comunhão,

Assim o queira cada coração,



Na liberdade

Que é o que de Infinito nos persuade.



A criança, ao nascer,

É o que quer,

De tão habituada

Na raiz do imo

Ao que lhe vem da toada

Do cimo.



O projecto de ser quem sou

Que vida fora me pauta

É dar-me colo por onde vou,

Na minha frágil alma, sempre incauta.



É não depender

Do colo da mãe,

Do pai, de quenquer,

Sempre de fora um qualquer

Que encontrar de mim além.



Habituei-me a projectar

A esmo

Tudo de que necessitar

Para fora de mim mesmo.



Cobramos doutrem o colo

Que ainda não aprendi

Que é de festa o bolo

De cada qual se acolher a si.



Ora, a vida não o deixa,

Seja qual for nossa queixa.



Na vida, tudo é relativo.

O colo definitivo



É o de além do fundo mais profundo

Que em ti mora, não no mundo.



Só o pressinto

Quando ao Além me ligo

E aí o postigo

Pinto

De um derradeiro abrigo.



Ligar-me ao Céu que em mim aflora

É dar-me um golo

Do colo

Que demora.



Quem aí vai fica tranquilo,

Calmo.

O vazio interior desato, palmo a palmo,

Lentamente a extingui-lo.





Violência



A violência

Com que a vida nos acossa

É proporcional à nossa

Resistência

Ao que a vida dar-nos vem

Para irmos por nós dentro e mundo fora mais além.





Deveras



Há gente,

Por maior que seja o abalo,

Que é deveras resistente

E ganha calo



Nas ideias e nas metas,

Nas acções e relações,

Nas razões que tem por sempre correctas,

Em quaisquer intervenções...



E há quem, ao invés, muito há-de insistir

Em algo que ele intuir



E que o tempo há-de mostrar

Que é com que se há-de contar.



A força desta tensão

É convicção.



Resistir

Põe de lado o que se intui:

Perante a vida que flui

É uma barreira erigir.



As pessoas e os eventos

Dirão que não é dali

Que sopram prósperos ventos.

Só quem foge do medo

Descobri

Que se pauta por tal credo.

A fuga, porém, é tão intensa

Que não há quem a convença.



É normal,

Quando algo temo,

Escapar-lhe ao menor sinal,

Já que é figura do demo.

Busco refúgio no rosto

De tudo o que for-lhe oposto.



Um déspota morre sozinho.

Se lhe herdei, embora sem o nem saber, o horror da solidão,

Encho de gente o meu ninho,

Então:

Vivo nesta dependência,

Vivo a vida de meus filhos,

Ajudo em qualquer pendência,

Nunca desato os cadilhos...



Um dia todos se cansam

E ao ostracismo me lançam.



Aí terei de encarar

Comigo mesmo, a par.



De forma, porém, violenta,

De tanto ir contra o que a vida tenta.



Puxo a corda de meu lado,

A resistir ao puxão

Que a vida quer noutro traslado,

Ignorando que a outra mão

Tem o empurrão

Do Universo.



Ora, ninguém

Ganha em ser dele diverso,

Tal a força que ele tem.

Ninguém lhe ganha

No jogo do apanha-apanha.

Acabarei por quebrar,

Por o lado oposto

Nunca ponderar

No que acolho no meu posto.



Só consigo ver o meu,

Mesquinho,

Nunca o tamanho do céu

Adivinho.

Portanto, nunca o sublinho.



Quem só quer fugir à dor

Só vê o lado que dói menos,

Seja a evidência o que for

Não cederá seus terrenos.



Resistência ou convicção?

Se não é o melhor de ti,

Darás contigo no chão,

Seja qual for teu frenesi,

Não resulta, é tudo em vão.



Se é por teu imo que apontas,

Se é o ideal que tens de ti,

Então, na dor a na alegria,

Já contas,

És outro num outro dia.



Abertas as asas,

Voas por cima das casas.



A vida só te espreita

De emboscada

Porque te quer a pegada bem atreita

À jornada.





Civilização



Nossa civilização,

Das religiões desencantada,

Olha enviesada

O pregão

Dos intermediários

Que é suposto saberem tudo do Todo,

Ignorando, perdulários,

De cada qual o singular modo.



E assim massificam

Toda a gente sobre quem pontificam.



É o talhão

Planetário do cristão,



Entremeado com o do judeu,

Do muçulmano e ateu,



Ao lado do dos budistas

Amalgamados aos hinduístas...



Se todos são diferentes,

Que dizer do individual,

Um dentre a mole das gentes

Que se não identifica daquilo com nenhum sinal?



Cada qual é diferente,

Cada qual é especial,

Um é o único entre a gente,

Singularidade total.

Ninguém é igual aos mais,

Todos somos mutuamente desiguais.



Tratamento espiritual

Massificado?

O efeito fatal:

É alienado.



Quando a própria singularidade

Cada qual entende,

Então pára de agir como a comunidade,

De pensar como a tribo pensa.

Buscar a individualidade

É que o prende,

A interioridade

Indefinidamente intensa

E cá por dentro extensa.



Chegado aqui,

Repara

Que, dentro de si,

Tudo é escuro, duma tristeza rara,

Um frio breu

No reduto do íntimo seu.



Herdei por múltiplas vias,

Cósmicas, genéticas, culturais,

Uma infinidade de sangrias

Letais.



Se herdei raiva de injustiças

De sofrimentos atrozes,

Terei de retomar estas liças,

Dar corpo às extintas vozes.

Terei de aprender e entregar

Ao imo do Universo o que dali me calhar.



E terei de mudar-me por dentro

Até vislumbrar a fundura de meu centro,



Para mundo fora espargir

A luz que lograr atingir.



Ora,

Muitos fogem para fora de si

E permanecem lá fora.

Não encontram aí

A fundura do ser que são.

Pelo que outrem deles espera

Agirão,

Até nos gostos de cada Primavera

Ou Verão,

E farão

O que outrem fizer,

O bem é o bem que ele entender.



Na globalização

Todos repetem o que outros repetirão.



Esvai-se a singularidade,

Não há mais unicidade.



Ninguém faz nada diferente,

Todos ao mesmo:

Não têm de pensar, tudo é evidente,

Integram-se no rebanho a esmo.



Não havendo nada diverso,

Não há diverso que operar.

Se alguém ficar sozinho,

Logo se aflige, disperso,

E, em lugar

De inovar,

Sonhando no seu cantinho,

Lendo, ouvindo música, evocando,

Uma dor, uma alegria...

- Não, liga logo a um amigo,

De ouvir seu imo a fugir ao perigo.



Assim ninguém consegue

Aquilo que, no fundo, deveras persegue.



Quão mais noutrem se focar

Mais longe dele próprio irá findar.



Quão mais vazio

Mais rejeita estar consigo.

Um amigo

É um disfarçado abrigo

Para o frio.

Doutrem tanto depende

Que nunca mais optimiza

O próprio universo.

Esparso, fende

Ao acaso a brisa,

Poeirame disperso.



Quanto mais outrem quiser,

Menos sabe quem é;

Quanto menos souber,

Mais outrem quer ao pé.



Ora, quanto mais com outrem estiver,

Mais comigo terei de estar

Se quiser

Com o pendor de meu imo vida além operar.



Quanto mais noutrem me focar

Mais findarei sozinho:

É a vida a me aguilhoar

Para o meu caminho.



Que tua vida seja o fulgor

Dum ideal de ti tão elevado

Que quem se te aproxime sinta apenas o pendor

De poder ser melhorado.



Então teus relacionamentos

Serão da Infinidade fermentos.



Senão, ao invés, qualquer coisa serve:

Outrem tapa apenas o buraco

Da frustração que em mim ferve

Porque me abandonei na berma, feito um caco.





Queremos



Todos queremos alguma coisa

Ou então, quando delas o desencanto

Em nosso íntimo poisa,

Queremos doutrem, após,

O recanto

Que gostar de nós.



Afinal, porém, não visamos nem um nem outro fito,

Mas o sentimento

Que cada sonhado evento

Traz nele circunscrito.



Podemos, contudo, sentir

Sem o estímulo que o produzir.



Basta sonhá-lo

No imaginário.

De olhos fechados, quase a dormir,

Evocamos a vivência de regalo

Como se estivéramos fruindo tal itinerário.



Deixamos a emoção germinar

E crescer mais e mais,

Desde a raiz.

Não preciso de nada, a par,

Para fruir de emoções vitais

Para ser feliz.



E opera em todos os domínios.

Queres saúde? Apela

Para os fascínios

Dela.

Embora doente,

O inverso sente,

Terás sempre um novo encanto

A meio do pranto.

Trabalho? Imagina

Teu fantástico emprego,

Que o sonho, além da alegria,

Um tudo-nada o mundo inclina

A satisfazer teu apego

Algum dia.

Sente-te lá

E vive o “ainda não” como “já”.



Não precisas de gatilhos exteriores

Para a abundância,

Os interiores

É que a mantêm à distância.

Ao mudá-los

Semeias a vida de regalos.



Uns são pessimistas,

Outros compulsivos

Optimistas.

Carregam, neles redivivos,

Trilhos herdados

Mal assimilados,

Doravante a requerer ser resolvidos,

Não traídos.



Treinar a abundância

É reprogramar padrões,

Instância a instância,

Com positivas emoções.



Cuidado com o ego!

Dentro da cabeça

Não nos deixa em sossego:

Não tens nada, tudo na vida te tropeça.

Porque pretendes, salafrário,

Sentir o contrário?”



Ponhamo-lo de lado,

Basta que sintamos,

Já temos o desejado.

Portanto, continuamos.



Como a vida opera em eco,

Só me dá o que eu já tiver.

Em meu beco

Tudo principia a despontar

No sonho que sonhar,

Nada material precisarei de ter.



O gatilho que me dispara o Infinito

É o meu interior quando o concito:



Basta fazê-lo,

Que a vida deixa de ser pesadelo,



Para gradualmente voar

Sobre nuvens, ao luar.





Fora



Viemos à Terra aprender que a infinitude

Mora fora de alcance,

Seja qual for a virtude

Do lance.



O perfeccionismo

Que eu tiver

É de não entender

Meu abismo

De ser.



Aqui, na vida material,

A perfeição é meramente o fanal:

Nenhum navegante

Aproa a ele,

Passa ao largo, distante,

Segue adiante,

Ou nos baixios irá perder a pele.



Podemos perseguir a perfeição

A vida toda,

Findaremos destruídos em vão

Sem atingir a boda.



Ainda é o nosso pendor

Larvar

De fugir da dor:

É do medo de errar.



Exigimos

Para além do que podemos.

Cruéis connosco, traímos

A apetência que sentimos

De pegar nos remos,

A espalhar

No mar da vida,

A universalidade da utopia pressentida.



Sendo connosco rasteiros,

Jamais da conquista do cume

Que tudo e todos assume

Seremos pioneiros

Nem parceiros.



Pouco importa o que fizer aqui,

Se sai bem ou mal,

Se é perfeito

Ou sem jeito,

Que o que conta é se respondi,

Afinal,

Ao que meu imo me pedir:

Se tive em mente tudo e todos ao agir.



É sempre a minha vocação universal

Que me afere, no fundamental.



É que o ideal

Que perseguimos

É o da universalidade

Quando agimos:

Semeamo-la de verdade

Na matéria,

Deixa de ser apenas espiritual

E sidérea.



Quanto mais a norma que me conduzir

For abrangente

De todos e tudo

Mais serei luz

No meio ambiente

A que me grudo,

Sendo embora sempre um miúdo.



Mais em redor então irradia,

Apesar da opacidade,

Em reverberação fugidia,

A Infinidade.



Quanto mais por aqui for,

Mais tudo fluirá melhor,



Cada escorço

Já não requer tanto esforço,



Acontece o que quer

Que tiver de acontecer.



Todo o diverso para diante não vai,

Antes cai.



E a vida, contra o que o perfeccionista prescreve,

Devém leve.



Não importa o que fizeres,

Como o fizeres é que importa.

Saia pior,

Melhor,

Fora do prazo que houveres

Para o cultivo lhe fazeres

Em tua horta,

O que conta

É se teu acto apronta

Luz provinda da altura do Universo

Ou o inverso,

O mesquinho

Limiar de teu ninho.



O único fecundo

É a luz da abrangência universal

Espalhar-se pelo mundo

Na norma que dirige cada qual.

Tudo o mais, inglório,

Perante isto

É, se bem visto,

Acessório.





Precisão



A universalidade da norma

Por que me conduzo

Tem a precisão da forma

Do sapato de vida de meu uso.

Se lhe falta um nível,

Não deixa apenas de ser credível:

Não vou para onde devia ir,

Não ocorre o que era de ocorrer,

O trilho a seguir

Ninguém mais o logra ver.



O ideal de mim

É de meu imo o tema musical:

Se uma nota desafina, ao fim

O desastre é fatal,

Não soará nada bem

O que de mim provém.



Se um evento que me ocorre

For insuportável,

Não me socorre

Tentá-lo aligeirar,

Encurtar,

Tornar tratável

A ferida

Dorida.



Abreviamos,

Ajeitamos

O que não for grácil

Vida fora, a torná-lo mais fácil.



Só porque nos dá jeito

E nem vemos que é que ali se leva a peito.



Importa ser rigoroso,

Não do medo

Tenebroso

Que as religiões tornaram credo,



Mas da alegria

De ver fluir de nosso íntimo a magia



De ir sendo quem sou

Por onde vou,



Cada vez mais perto

De em floresta transmudar o meu deserto.



Ser eu,

Não outro qualquer,

Mais fácil embora

Fora

Estoutro escolher,

Impondo-me um véu.



À distância

Perder-me-ia de mim,

De lonjura a qualquer ânsia

Poria fim.



Doenças, depressões e bloqueios

Seriam doravante os meios

De, enfim,

Me despertar meus moribundos anseios.



Se, porém, minha escolhe for precisa,

É o Universo que visa



E nele mais e mais fundo se entrosa.

E a resposta rigorosa



É que dele me provém no mesmo tom

Tudo o que é bom.



A vida, ao correr dos anos,

Transmuda-se revelando seus arcanos.



Quando deixamos a cada evento de dar um jeito,

Deixa a vida de o fazer,

Toma então a peito

Deveras ser.



Quanto mais universalidade envolveres em torno

De teu agir,

Mais a vida irá devolver-te, a seguir,

Do Universo a bênção, em retorno.





Adversário



Quando alguém é confrontado

Com a insegurança, a agressão,

Com tudo descontrolado,

A impotência, a exclusão,

- Em vez de fragilizar-se,

Não,

Contra-ataca,

Alto a guindar-se,

Toda e qualquer parte fraca

Do adversário que haja à mão,

A rojá-lo pelo chão.



Pode até sair vencedor,

Contudo matou de vez

O amor,

Por quem fez tudo o que fez,

Mesmo quando nem de tal é sabedor.



Ao disparar o gatilho

Do poder, raiva, revolta,

Da vitimização

Perante qualquer sarilho,

Da manipulação

De quem pretende andar à solta,

Do controlo, culpa e apego

E doutros mais que nos tiram o sossego,



- Não resolve dentro em si

O que veio resolver aqui.



Quantos à beira

Do abismo

Evocam a emoção mais rasteira

Para evitar o cataclismo!



E não resolvem nada,

Senão entupir ainda mais a própria estrada.



Não perguntam a pergunta que regula:

Sou deveras eu

Quem grita, se enraivece e manipula

Com todo este escarcéu?



Quanto maior o medo do que doeu

Mais quenquer tenta fazer de forte,

Grita, esperneia, perde o norte,

Chama à pedra a defendê-lo

Tudo o que prometer fazê-lo.

E repete, repete

O pesadelo

Que por dentro dele próprio se intromete,

Com o próprio imo sem mais elo.



Cresce a violência do desafio,

Da resposta cresce a violência

Sem se vislumbrar de rumo o fio

Que quebre tal repetência.



Aumentam as perdas,

As dores

Devêm cada vez maiores?

Mais os bloqueios eriças de cerdas,

A fugir dos horrores.

E findas com pendores

Do que aqueles que herdas

Bem piores.



É para que entendas, urgente,

Que tens de parar

Definitivamente

De lutar.



Quando a vida perde a resistência,

Aí é que se rende e cai.

Então, acolhida a impotência,

Entrega-se e vai

Pedir ajuda e protecção.



Ao cumprir este guião,

Nosso imo, se contra se não lutar,

Sabe muito bem

Para onde tem

Que nos levar.



Escolher alma é mudar de estratégia,

Ir ao fundo do poço colher

A cristalina água régia

Com que meu imo entende minha vida enflorescer.



Então darei a volta

A todo o diabo à solta



Que em mim ande e em meu redor

Até que finalmente aponte

No horizonte

A luminescência do alvor.





Nunca



Nunca conheço ninguém

Tão inteiramente bem



Que logre saber

Que é que veio na vida aprender.



Mesmo connosco

Este saber é tão tosco



Que chegam a decorrer anos

Antes de desvendarmos tais arcanos



E nunca ficaremos seguros

De havermos transposto todos os muros.



As lições de sabedoria

Da vida têm magia



E são tão profundas

Que nunca desvendarás até ao fim em que é que abundas.





Casca



Cremos

Que pessoas e bens

É sempre o que perdemos.

Crês que é teu tudo o que tens:

Da casca até ao caroço

Tudo é nosso.



Ora, a vida,

Em toda a indefinida



Plenitude,

É a grande mestra da virtude



Para quem queira aprender.

De almas orientadora,

Mostra o que houver de se fazer

E como, a toda a hora.



Em todas as alturas

Pede que entregues tudo em que seguras:



A melhor forma de viver

Sem ser

Entre amarguras,

Desapontado,



É a de lhe devolver

De bom grado,

Na hora em que o pedir,

Aquilo que nos emprestou.



A fim de conseguir

Cada qual de tudo se desvincular

Para, a seguir,

Poder levantar voo,

Novas alturas a desvendar.



Ao desvincular-me fico de alma vazia

Doutrem que não seja eu,

Com minha mais sublime utopia

Pronta a adejar até mais pináculos do céu.



A perda não existe,

Já que nada é nosso:

Findou o empréstimo que até ali persiste,

Fica vago doravante o poço,

Pronto para acolher novas águas

Para lá das mágoas.



A vida emprestou-nos aquilo de que precisámos

(Contra embora o que quisemos,

Tão mal nos compreendemos)

E retira-no-lo ao deixar de ter função.



Entendamos

Então:

É para que me esvazie do que em mim houver,

A fim de um mundo novo em mim caber.



Entristece,

Dá saudade,

Nunca mais, porventura, esquece,

Mas de vez me desvinculei.



É da vida a eterna lei:

- Que liberdade!





Aprendemos



O que aprendemos na infância,

Pela adolescência além,

É o contrário da importância

Do sabor que à vida advém.



E findamos viciados

A tal ponto

Que às novas gerações trasladamos os dados

Sem desconto:

Ei-los aí todos olhando enviesados

Da magia da vida para o conto:

Um homem não chora,

Que é fraqueza;

A razão demora

Mas é o que nos preserva e preza...”



Então

Não acolho a minha fragilidade,

Quando a fragilização

É que me abre a porta para a autenticidade.



Tenho de aprender o luto da perca,

Desprendido entregando tudo ao Universo

Que me cerca,

Adverso.

E terei de me converter

Porque a vida nunca irá perder



Na terapia

Com que me desafia.



Não é minha inimiga

Mas aliada à minha fundura,

Portanto briga

Com quanto em mim me trai a lisura.



Briga com meu ego,

A exigir-me dele o desapego.



Briga com a minha mente

Quando esta as emoções me não consente.



Porque tenho de encontrar-me com meu imo

E trepar-lhe da exigência ao cimo.



Como ele só me fala pela emoção,

Esta é de cultivo o meu torrão,



A que a mente

Tem de, lúcida, servir constantemente.



Aí é que terei de discernir

Qual a norma universal que irei cumprir,



Qual de meu ideal a utopia

Que tudo e todos abarque algum dia.



Meu ego com a razão

Garante-me a sobrevivência:

É o meu alicerce enterrado no chão,

Não, porém, toda a existência.

Como ir realizando minha essência,

Então?



Minha débil alma em meu imo desperta,

Quer-se manifestar:

É a emoção alerta

A me fustigar.



Tenho de dar-lhe o primado

Com a razão a servi-la

De modo continuado,

Dos eventos da vida em cada fila.



Só com este equilíbrio

Poderei ir-me alcançando sem ludíbrio.



É acolhendo minha fragilidade

Que a emoção de meu íntimo me invade



E apelando à razão

Que a gerirei sem nada nem ninguém pôr em questão.



A vida já não irá fazer mal

A quem já um fragilizado for total.



Na vida o que fará sentido

É a gente se sentir:

Aí o mais-além, ao ser medido,

Torna-me a medida do porvir.





Ciclos



De ciclos a vida é feita

Num eterno retorno,

Só que a um patim superior afeita

Quando de nossas mãos se ajeita

Ao torno,

Na volta perfeita.



Aliás, toda inteira a natureza

Nenhum outro ritmo preza,



Desde a Terra aqui diante

À galáxia mais distante:



Tudo gira e corre

Senão morre.



E muda:

Nunca à pegada atrás se gruda.



Mais rápido ou mais lento,

Nada é o que ontem foi a cem por cento.



A diferença é que nós

Podemos sempre dizer não

Ao degrau que vem após

Cada estação.

Chamados a mudar,

Findamos quanta vez a recusar!



Ora, o que tem de ser

Tem tanta força

Que de nada vale me prender

Ao que o torça,

Distorça,

Pois nada o pode reverter.



Tudo, ao fim,

Apenas reforça

Meu mal-estar de perder

E assim

Perder-me de vez de mim.



As espécies migradoras

Nunca põem em questão

Ir ou não ir, mesmo a desoras.

Apenas vão,

Que, senão,

Mui difícil, em seguida,

Lhes há-de ficar a vida.



O ser humano, porém,

Fica: mais inferno é o que aí vem.



Na natureza ninguém reclama,

A vida é o que é,

E dela a trama

É a alfombra para a pegada de meu pé.



Evitaríamos a maioria

Dos problemas

Que temo e que temas

Se tal fora sempre a nossa via.



Quando nós não aceitamos

Que as coisas são o que são,

Aguardamos

Pela muda que terão

E aí nos aprisionamos.



Para diante não vamos

E elas também não vão

Para onde desejamos,

Seguem o desvio

Dum inesperado desafio.



Porque é que fico então doente?

É que seguro na mão

O que já está indo embora.

Arrastado na corrente,

Afogo-me no golfão

A toda a hora.



Só que a vida desatou a andar

E não há nada a fazer:

Ou desato a caminhar

Ou ir-me-ei perder.



Sente os sinais da mudança

E deixa-te ir.

É isto que nos alcança

Que adoremos, afinal, este porvir.



Podemos tanto ir a gosto

Como ir a contra-gosto.



Se for contrariado,

Irei a arrastar os pés,

A cada tronco agarrado,

A ver se paro de vez.

É tentativa falhada,

O resultado fica em nada.



A vida

Prossegue na corrida,

Que lhe importa o desvio na estrada?

Eu é que findarei amolgado e ferido

De quanto me houver batido.



Mas poderei fluir com o rio

E acreditar

Que, neste corropio,

A vida me leva onde tiver de me levar.



Aí, nesta triagem,

Ficarei, em breve,

Mais leve

Para a viagem.



Já que tenho de descer o rio,

Quanto mais conseguir

No desafio

Me divertir,

Melhor.



Ou irei contente

Para a frente,

Ou contrariado,

A tentar-me impor,

E, no fim, serei desfeiteado.

Porque ao termo

Acabarei sempre por chegar, vivo ou enfermo.



Quando for a hora de ir

Pela ladeira,

Irei, queira ou não queira:

A mim presente,

Terei diante o porvir.



- Irei de costas ou de frente?





Planeia



O espírito sidéreo

Planeia a próxima encarnação

A partir de seu etéreo

Coração,

Com a precisão

Das leis cósmicas universais:

Galáxia, estrela, planeta,

A Terra da bonança e dos temporais,

Um cometa,

Um animal, uma planta,

A criança que nos desafia e nos encanta...



Com a poeira das estrelas do passado

Chegam-nos emoções e medos,

De mil bloqueios o traslado,

Das derrotas os arremedos.

E, por todos os lados,

A paisagem dos miradoiros alguma vez alcançados.



Todas as emoções, boas e más,

Vêm ao de cima.

As boas,

Para a música da vida que ecoas.

As más,

Para que as retomes de trás

E lhes transmudes o clima,

Visando colocá-las sobre a rima

De quanto vida além te satisfaz.



Enfrenta-as e reconverte,

Mudando o que as provoca:

Dentro de ti vê que acerte

Tua atitude no valor que lhes coloca:

Desvincula-te e entrega

No princípio da refrega.



O Universo sabe bem

O que, no fundo, te mais convém.



Os mais não são maus,

São quem te provoca a perca,

Varrendo-te as costas da vida a varapaus,

Deixando-a mais cerca

Da porta aberta

À descoberta.



Se as perdas acolhes

E entregas,

O que recolhes

Já não são mais refregas.



Acertaste já na medida

Que te impele a nova ida,



Já chocaste o ovo

Dos caminhos do renovo.



Findam as perdas, vêm os ganhos,

Quando choro a dor de todos os tamanhos.



Atraio o mau evento

Quando não reparo para onde sopra o cósmico vento.



Quando reparo e o sigo,

Seja qual for meu desabrigo,



Com o melhor de mim a abrir

Nele o porvir,



Toda a dor é libertada e, em breve,

A vida fica mais leve.





Teimamos



A vida que teimamos em levar

Com toda a lógica

Não tem lógica nenhuma.

É a singular

Demagógica

Espuma



Com que o ego afasta nosso imo,

Alheando-nos de nossa interioridade,

De nossos afectos, nosso arrimo,

De nossa identidade

O altaneiro cimo.



Termino longe do Céu

Que é meu,



Da fronteira do Além

A que meu íntimo se atém.



Todos somos formatados

Para estes traslados.



Hoje em dia apenas vale o facto,

A ciência,

Num pacto

De ingénua e falível evidência.



A prova é a base,

Porque comprova,

Para a fase

De tudo quanto a gente mova.



Ora, tudo isto é o ego

A ver se nos entrega a pedra angular do sossego.



É para dominar

E poder então conseguir

Controlar,

A fim de evitar

Que nós nos deixemos ir.



O ego não sonha,

Não o excita o fulgor da utopia.

Quem aqui me ponha

É alma apenas, a deleitar-me cada dia.



O ego fala,

A alma sente

E, porque cala,

Muito em nós, inadvertido, naqueloutro consente.



Para o ego, até uma emoção

Haveria de ter

Uma lógica qualquer.

Não tem,

Porém,

Que é coração,

Mora infinitamente para além.



Ora, a vida não é racional

Nem científica,

Não deixa que experimentalmente a provem, afinal,

Nem que a comprovem, terrífica.



A vida é o sonho

Da magia,

A alegria

Que ponho

E me extasia

No melhor de minha utopia.



Somos sensoriais

E, se isto guia

Nossa vida,

Jamais

Teremos extravio na trilha prosseguida.



Correr mais,

Mais se esfalfar?

Não verei disto os sinais

Para continuar.



O ego bem grita,

É uma voz maldita.



Alma adiada fica à espera

Se eu dele for na quimera.



Corre, corre!”

É o que me diz.

Não me diz jamais o que faz:

Depois por dentro de ti morre!”

Mas é o que ele me traz

Por trás

De todo aquele benemérito verniz.



Até que um dia despertamos

E nunca mais o jogo dele jogamos.



Não sei como irá ser

Na brusca

Luminosidade do amanhecer

Mas aí principia a verdadeira busca.





Perdão



Perdão, perdão, bem no fundo, não existe,

Só existe gratidão.

Perdão para o mal que persiste

Quando eu, afinal, é que lhe dei a mão?!

Não fará muito sentido então...



Eu atraio mal e bem,

Irradio o que de mim provém



E semeio mundo fora

Nos trilhos de cada hora.



E é o que atrás torna também:

Cada qual tende a ficar

Como a mim me vir a par.



É o que com o mundo partilha

E semeia, por igual, na minha trilha.



Não há, pois, nesta perspectiva, que perdoar:

Tudo sempre bate certo

No roteiro para o longe ficar perto.



Tudo aquilo que ocorreu

Tinha mesmo que ocorrer

Para o degrau a subir:

Também eu

O levei, se foi mau, a acontecer

Por não tê-lo sabido prevenir.



Aí acedo à dor enclausurada

Em mim e no mundo,

Para finalmente lhe abrir a portada

De novos valores, atitudes e sentidos

Com que a fecundo,

Livrando-nos de vez de seus gemidos.



Por mais que tenha doído

Até à cura,

É por aqui que eu e os meus teremos ido

Em trilha segura.



Daí, então,

Só haver lugar à gratidão.



Atraí o que atraí

Para aprender o que tinha de aprender.

Desde que ao patim subi,

Só me resta agradecer,

Mesmo a quem mais me fez sofrer.



No fundo, foi quem mais me ajudou

A ser o homem novo que hoje sou.



Se tivermos que perdoar

É porque o que foi feito estava errado.

Ora, errado, na fundura mais funda, é deste modo ajuizar:

O Universo coloca tudo no lugar

Predestinado,

A inclinar-nos a caminhar

Para o lado

Certo

A partir do lado errado.

E o longe finda mais perto.





Surpresa



A surpresa,

Quando pré-anunciada,

Quanta expectativa a preza!

Depois, quando consumada,

Que desiludida

Tantas vezes torna a vida!





Seguinte



Quanto mais longe estivermos

Do derradeiro desastre,

Mais perto é de nos vermos

Do seguinte que em nós encastre.



A menos que mudemos

Entretanto

Por dentro de nós o julgamento,

E melhoremos

O valor, a norma de comportamento,

Até o que na utopia é para nós o encanto.



E que tudo isto nos conduza

Ao acto que inteiro o reproduza.





Efeito



Vitória sobre o fanático?

A não ser que o desenlace

O cace,

Tem efeito pouco prático.



E a paz de ambos os lados?

Torna os fanáticos mais desesperados.



Com a vitória e com a paz

Espia o perigo

De teu novo amigo,

Quando apenas tua morte o satisfaz.



Apenas a infatigável vigilância

Vai com tempo abrir caminho à tolerância.



Ou, ao invés, a guarda acorda

Quando já o arganaz roeu a corda.





Força



A força mais destrutiva

Do planeta

É a do patriotismo

Quando outros patriotismos submeta.



É a força mais construtiva

Quando da história o abismo

Humildemente acometa,

Bravo,

Dando a mão a qualquer outro patriotismo

Escravo.





Complexo



No complexo terreno maninho

Que a cerra,

É muito improvável

A um homem sozinho

Ganhar a guerra.



Mas é viável,

Perdido no meio do pó

Dela na cerca,

Que um homem só

A perca.





Destino



Há o destinado.

Por mais que tentemos afastar o precipício

Do destino programado,

Iremos sempre acabar

Onde deveríamos estar

Desde o início.



Para anular o poder do Universo

Ninguém é terso.





Porque



Porque é que aqueles que amamos morrem

E nós não?

Vontade de Deus...” - as igrejas socorrem.

Mas não basta nunca, em tal ocasião.



Não entendem mesmo nada

Do escuro de cada jornada.



Deus não quer, lá no fundo,

Só que nós inda não dominámos o mundo.



E muito menos o segredo sidéreo

De seu mistério.



Há muito, há infinitamente que crescer

Até a humanidade algo aprender.





Pensamento



Um assassino

Pode matar vítimas várias.

Um pensamento franzino

Pode contagiar tantas áreas

Que, com uma brisa ligeira,

Pode ameaçar

Ou salvar

A vida da Humanidade inteira.





Pântano



Vivo no pântano, flor

De lótus cuja

Cor,

Apesar da podridão,

Nunca se suja,

Antes se alimenta do aluvião.



Desafio que há-de

Eternamente fustigar a Humanidade.





Pratica



O amor à pátria não se grita

Pela rua.

Quem deveras o debita

É o que o pratica quando actua.



E pratica-o onde calha:

Num campo de agricultura

Ou na lura

Dum campo de batalha.





Caso



O caso pessoal,

Sem mais nada a que se arrime,

Ou o resolve a medida de ordem geral

Ou é um crime:

É a resolução

Por baixo de mão.

Corrupção ou compadrio,

É sempre um desvio.





Renúncia



Felicidade é renúncia, não posse.

Ao desvincular-me de tudo, nada querendo,

É que então terei tudo o que requerido fosse

Para feliz ir vivendo.

É interior a atitude

Que em feliz me mude.





Cultura



Cultura não é encher

A mente de infindas coisas,

Decorar a fachada de quenquer

Com inúmeras loisas.

Pouco importa ao espírito mobilá-lo,

É formá-lo.





Preciso



Quando só do bem houver sinal,

Quem o preza?

Quem o não despreza?

Então é que é preciso o mal

Para o bem revelar toda a pureza.





Refugia-se



A verdade,

Impedida de iluminar, debaixo do alqueire,

Refugia-se nos corações de quem se abeire

E ganha em profundidade,

A vida interior a tecer,

O que à superfície perder.



Um dia brotará da obscuridade

Com vigor tão profundo

Que dela a claridade

Há-de rasgar as trevas do mundo.





Um



Todos se tornam um,

Cada qual submisso e reverente,

Disposto a dar tudo sem pago algum

Por quem autenticamente

Chegou dele à funda degradação,

À fome e aos piolhos,

Para lhe infundir, do coração,

Esperança aos molhos,

Olhos nos olhos,

De modo a fazê-lo sentir

Orgulho no porvir.



Aqui a multidão anónima desaparece.

E todos seríamos um na superabundante

Amante

Quermesse.





Crença



Quando a crença é forte demais,

Vira crendice:

Vê o que não existe jamais,

Não vê o que houver lá

E que era o que se visse,

Não fora a tontice

Com que o crente que enguice

Cegará.





Mútuo



Jamais é dum só todo o saber,

Em cada qual tem seu pendor

E pode indefinidamente crescer

Pelo mútuo relacionamento que importa propor

Com os outros e com o mundo.

Todavia, por mais que seja fecundo

E correcto,

Jamais é completo.





Diferente



Um bom livro reler

É uma nova descoberta:

Diferente estou a ser,

Pela certa.



Olho-me nele ao espelho:

Ele é igual, na matéria muda,

Mas o que reflecte de mim, de ano em ano mais velho,

Com o tempo muda.





Tolice



Ter esperança

Na difícil hora

Não é mera tolice que alcança

Uma demora.



A história é competição

E crueldade

Tanto quanto compaixão,

Coragem, bondade

E sacrifício.

É balança

Que dança

Entre malefício

E benefício.



O pendor que eu sublinhar

É que, em seguida,

Irá determinar

A vida.





Invés



O ódio não é o invés do amor,

Mas a indiferença.

O que apaga de qualquer arte o fulgor

Não é da feiura a sentença,

É a indiferença.

À fé não se lhe opõe a heresia,

Nem sequer a descrença

Que a desafia,

Mas a indiferença.

E a tudo o que é vida

O que lhe contradiz a sorte

Não é a sentença

Da morte

Sofrida,

É a indiferença.



Tudo parado

Sem que nada desperte,

Inerte,

Isto, sim,

É o fim

Malfadado

De qualquer fado.





Contam



Voluntarioso

E persistente

Contam o poder imperioso

Em cada qual existente.

São os termos sublimes

Em que toda a história arrimes.





Gera



Uma vida pretensamente perfeita,

De tão atreita

Ao sofrível

Da vida a que andar afeita,

Gera sempre uma qualquer arte horrível.





Depois



Depois duma lesão

É escuridão,

Sobretudo.

É a solidão,

A sensação

De que perdemos tudo.



O escopo

Era atingir o topo.



Ora, uma vez aí, então

Foi o trambolhão.



Mas depois, contra a corrente,

A gente



Vai,

Acredita em si, que não cai.



E, quando duvidam todos

E à margem nos põem,

Da vida os mil engodos

As campainhas farão que ecoem

Para toda a gente a gente ultrapassar

Com determinação.



O instinto humano é o de navegar

Da vida com a monção

Contra o olhar

Que nos diz não.





Raros



Raros não abandonam os amigos,

Se a maioria os tem por depravados.

Mais raros ainda se acreditam nos respigos,

Veros ou falsos, que os mantêm condenados.

Estes, porém, são os incondicionais

Que os céus nos tornam reais.





Dificuldade



Quando tens dificuldade em viver

Porque da vida puxaste um gatilho

E há vítimas a sofrer

Por mor de tal sarilho,

A pergunta que tens de fazer

É se lograrias viver descansado

Se o não tiveras puxado.



A vida não aceita que fujas:

A saída de qualquer conjuntura,

Longe de pura,

É sempre de mãos sujas.





Cidade



A cidade consegue

Engolir as pessoas.

Nem as persegue,

Engole-as, como as boas.



Ou então, em seu ventre, como elas,

Logra escondê-las.



São duas vertentes da mesma colina

Que ao anonimato nos destina.



Quantas vezes, porém,

É o que mais convém!





Mata



A popularidade

De que disponha,

Por muito que agrade,

Depressa devém enfadonha.



E então a fama,

Que tristeza!

É uma trama

Que nos mata por inteiro a singeleza.



Quantas vezes se observa

Que o anonimato

É o discreto fato

Que melhor nos preserva!





Sem



Como estrada

Sem abismos e uns apriscos

Na jornada,

Uma vida sem riscos

Não é nada.





Perde



Sem desafios

A vida

Perde os fios

Com que lida.



Ao filho do rico

Que veio de pobre

Dá-lhe um fanico

Quando a vida lho cobre.



Quem

Todo e qualquer privilégio

Tem

Um desafio régio

Mantém:

Ajudar todos os mais

A atingirem condições iguais.



Ao traí-lo,

Se não morrer de nédio,

Há-de morrer cada dia mais, em sigilo,

De tédio.





Propósito



Toda a vida tem um propósito,

Quer elevado,

Quer ignorado.

Nunca, porém, será um depósito



De dinheiro, de fama ou de poder.

Quem por isso viver



Está perdido:

Perdeu de vez o sentido.





Tenho



Se tiver fé,

Tenho esperança.

É o pé

Que me lança

Com fervor

Para o amor.



Uma vez o círculo fechado,

É só vivê-lo:

Tudo estará consumado

No derradeiro elo.





Atingir



Terá muito a ver com a idade

A evidência:

Para atingir profundidade

A vida quer paciência.



Tal qual como o Universo:

Demorou uma eternidade

A amadurar este momento

Em que, com ele, a contento,

Converso.





Gratificação



Ninguém sabe esperar,

Embora muito haja a ganhar

Com gratificação retardada:

Menos problemas comportamentais,

Melhores exames nacionais,

Menos stresse na jornada,

Maior concentração,

Amizades que perdurarão...



- Da vida a geral pendência

Adia a recompensa.

Portanto, ter paciência

Compensa.





Rir



Rir sabe bem,

É saúde a germinar,

Alma a fortalecer-nos também,

Tudo correctamente a se focar,

Da vida combatendo a tristeza

Do aperitivo à sobremesa.



Muda toda a perspectiva

O moral alevantado,

Distrai-nos de forma activa,

Outro sou por todo o lado.

E que leveza

Onde antes a vida apenas pesa!





Presos



Findamos de tal maneira

Presos à dor

Que a vida nada nos peneira

Que divertimento for.



Rir é viver o momento,

Evita perder-me no passado

Ou andar permanentemente focado

À espera do tormento

Que auguro

No futuro.



Rir nunca me ilude:

É saúde.





Perdido



Se eu não for verdadeiro comigo

Por dentro,

Não consigo:

Perdido o centro,

O resto da vida trair-me-á.





Lançar



Uma vida sem falhas

Não teria

Nem calhas

Para uma avaria,

Nem corria

A lançar novas malhas

Contra o pino da utopia.



Não é por acaso

Que no caminho

Mil conflitos aprazo

Para o meu copo de vinho.





Acolher



Aceitar

Não é o que irei procurar



Quando já não tiver

Nada a perder.



Seria a minha frota,

Da vida em meio ao furacão,

Acolher a derrota,

A resignação.



Quando estiver pronto para avançar,

Aceitar?!

Não é aceitação,

É rendição.



Quando sinto a trilha derrotada,

Vencida,

E era tempo duma arrancada,

Duma sortida,

Quando atiro as mãos ao ar

E admito andar metido

No que de vez me anda a superar

E aí fico tolhido,

Maduro, por norma,

Para tentar doutra forma,

- Resignado, vergo:

Não aceito, postergo.



Aceitar é o pendor positivo

De principiar

E todo o esforço aguentar

Porque tudo é vivo

No que colho em meu arquivo.



Não é o ponto de chegada

De andar

Farto de tentar

Numa vida encurralada.





Oferta



Aceitar é receber,

Como numa oferta qualquer



Ou de desculpas num pedido

Acaso havido.



Acolher o ponto

Em que meu imo se encontrar a caminho,

Guiado, de pronto,

Pelo Espírito que em meu íntimo adivinho.



É integrar-me com minha marca na comunidade,

No modo como abraço o amigo,

Como a lição me invade

E persuade

Na escolha que prossigo.



Aceitar é acreditar

Que algo há de radical e verdadeiro:

Crer no que o Espírito me quiser ensinar

O dia inteiro.





Ambos



Aceitar é acolher o momento

Feliz

E o obstáculo cuja matriz

É um tormento

Que, mais dia menos dia,

Me perturba e desafia.



Ambos, com iguais pretensões,

Me dão lições.



Ouvindo-os, trepo pela minha fasquia

Rumo à sabedoria.





Valorizamos



Aceitação

É acolher

As conjunturas que ocorrerão

Como o Universo quiser.



Mantemo-nos no presente,

Valorizamos o que ocorre,

Calmos em corpo, alma e mente,

Que nos socorre,

De mansinho,

O Espírito universal todo o caminho:



Milagre ou tragédia,

Tudo o que vier

Virá ao mando da rédea

Do que de melhor pode ocorrer.



O fito visado pelo Universo

É o meu berço.





Bênção



A bênção é uma dádiva excepcional

E surpreendente de Deus

Que o espírito nos alenta como um portal

Do bem-estar dos céus.



Ilumina-nos o dia,

Muda-nos o ponto de vista,

Valida-nos a fé com a magia

Que do Além corre na interminável pista.



Toda a bênção espera

Uma abertura,

Que nas almas reverbera,

Pura.



Quando atribulados,

Faz-nos supor

Que somos guiados

Por uma força superior.



A bênção é de se partilhar

Com os mais:

É um dos sinais

Para encorajar.



Não pode ser arrogância, presunção,

Vaidade nem malícia,

Nem dar a sensação

De que Deus tem uma milícia

Que favorece

Enquanto os outros esquece.



Tudo é para construir

E unir.



Se a bênção uso

Para separar,

Dividir

Para reinar,

Acuso,

Ao fim e ao cabo,

Que este meu lugar

É do diabo.





Efeito



A bênção de Deus

Tem um efeito dominó:

Se para a alegria

Te arrancou do dó

E te ergueu do pó,

Então os risos teus

Espalham em redor o cântico dos céus.

E, por magia,

Em volta se repete a cantoria,



De boca em boca,

Como rio que no mar bravo desemboca.





Custam



As bênçãos da provação

Custam a identificar,

Parecerão

Castigos, em lugar.



Uma doença crónica,

Que diagnóstico mais perturbador!

A não ser que ponha a tónica

Em como de busca é factor

Ou de escrita inspirador,

É mesmo ocasião de ajuda,

A outros ao dar a mão...

- E tudo logo muda

De feição.



Aliás, os bens materiais

Nem sempre bênçãos serão:

Conquistam-nos tantos indivíduos desleais,

Tantos que os mais espezinharão!



Poderão

Aprender

Com a desilusão...

Não é, porém, uma bênção qualquer

Dispor do mundo à mão,

Feito escravo de quenquer,

Esborrachado no chão.

Como não abusar

E os mais assim não maltratar?



Contudo, é a bênção que no rico

Mais vezes traída verifico.





Servir



Andamos aqui a aprender

A servir todos os mais.

Temos dons apenas para o fazer,

Como fanais.



Utilizados por inteiro,

Tornam-nos felizes

E em redor todo o terreiro

Se engalana com iguais matizes.



E operam melhor

Quando interligados

Com tudo o que em mim sublinhados

Lhes puder pôr.



Todos temos múltiplas qualidades.

Se as conjugo,

A caminhada estugo

E há mais romaria nas festividades.





Inteiro



Vivemos para cumprir

Por inteiro o nosso potencial,

Crendo em nós próprios por igual,

Ao ir,

No total.





Através



Através de meu imo

O espírito do Universo me guia

Para o que me desafia,

A obrigar-me a usar

Os meus dons de caminhar

Até ao cimo,

Para aprender lições,

Melhorar doutrem a vida,

Voar de nuvens aos bulcões

De todo o potencial de minha lida.





Dádivas



Do espírito as dádivas são inestimáveis,

Às lágrimas nos levam, de surpreendentes.

Jamais lamentaremos, de tão agradáveis,

As lições daqueles presentes,



Cada qual mais significativo

Que o anterior de que vivo.



E eu a crescer até ao fim

Por dentro de mim.





Atinge-nos



Atinge-nos a intuição por emoções, sentimentos,

Coincidências, pensamentos,



Que nos trepam à cabeça,

Impelindo a agir acaso por uma rua travessa



Ou a evitar um rumo maldoso

Ou perigoso...



Uma voz interior

Ou um súbito impulso

E eis-me de repente com um doutor

Que se me não limita a tomar o pulso.



Não é imprevisível

Nem aleatória,

É orientação deliberada de meu íntimo invisível,

Pejado de divino na memória.



Poderei nem lhe dar ouvidos,

Que a escolha é sempre minha.

Porém, de sentidos

Esta adivinha

É que me completa

Uma vida repleta.



O que do contrário me persuade

Jogar-me-á nalgum recanto encurralado,

Esmagado

Pela negatividade.



O empurrão do espírito em meu imo quer visar,

Quantas vezes às avessas,

O meu bem-estar,

Embora acaso por portas travessas.



Nunca a intuição finda errada,

Se a detecto

De meu imo no tecto,

Comigo de mão dada.



Só haverá dano

Se provier de meu engano,



Se a confundir

Com meu ego a pretender dirigir.



Pode ir por um caminho indirecto

Mas leva-me ao lugar

Correcto

Aonde chegar.



E quantas vezes o desvio

Provém de meu feitio!



Teimo em comprovar,

Primeiro,

Que não existe alternativa ao lugar

Verdadeiro.



Então porque me queixo

Se sou eu que melhor rumo não lhe deixo?





Previra



Se eu previra com exactidão

O efeito da interior orientação,



Que entusiasmo poderia ter vivido

Com a surpresa?

Assim lesa,

Nada teria de divertido...





Sinais



O Universo inteiro

São sinais da Infinita Interioridade

De que me abeiro,

Que por todo o lado me invade,

Mas de que habitualmente me distraio.

E assim

A mim

Me traio.



Ora, os sinais em minha particular direcção,

De fortes,

Captam inelutavelmente a atenção,

Sugerindo nortes.



Os sinais

São distantes

Cumprimentos cordiais,

Vindos ao recinto meu,

Reconfortantes

Do Céu.



Laços inquebráveis

Com o Além,

Revelam quanto connosco estão, infatigáveis,

Os que neles até nós vêm.



Ouvindo-os, do Espírito do mundo

Me fecundo.





Particulares



São particulares sinais

Que me envia alguém

Do Além:

Desde insectos, animais,

Penas, canções e cheiros

A religiosos parceiros...



Um sinal poisa

Em qualquer coisa



Que me evoque um ente querido

Falecido,



Naquilo agora ali como que vivo

E activo.



Não é nenhuma reencarnação,

Mas um modo meio brincalhão



De nos dar a saber,

Chamando-nos a atenção,

Que está connosco como num dia de vida qualquer.



Às vezes é o sincronismo,

De eventos e encontros improváveis simultaneidades,

Ou dispara um autoclismo,

Tremeluz as electricidades,



Mexe com torneiras,

Esconde brinquedos de que te abeiras,



Faz desaparecer

Um objecto que se quer...



Mil maneiras divertidas

De nos pregar inocentes partidas:



Não acreditas que estou aqui?

Pois olha o que aprontei para ti!”



Ora são números significativos

(Aniversários, telefones, o da porta de casa,

A idade dos envolvidos, os de ignorados arquivos...)

Ora sons (o estalo da brasa,

Uma respiração a compasso,

O ritmo dum passo...).



Às vezes provocam-nos arrepios,

Num ombro uma pressão

De ausente mão,

Nos ouvidos murmurados cicios,

Na cabeça um ligeiro

Formigueiro...



Tudo inusitado,

Tudo significativo,

Tudo sinal inesperado

De alguém

Aqui morto e Além

Vivo.



E não há dois sinais

Iguais



Quando o significado

É tão personalizado.





Acompanha-o



O sinal que o Além me manda

Acompanha-o o meu reconhecimento.

E um sentimento

De oportunidade indefectível por ele anda.



Sinto, confiado,

Que está relacionado



Com alguém querido

Falecido



Ou com uma orientação

Que procuro para a acção.



Uma nuvem é mais que nuvem

Quando as mãos de magana

Nela se enluvem

De minha perdida mana.



Ou a música predilecta

Dum filho já ido

Quando de repente a ouvir, discreta,

Num lugar perdido...



Há uma ligação natural

Entre o sujeito e o sinal



E um baque no coração

Na evocação.



E o momento

Em que me brota diante

É, no reconhecimento,

Importante:

Vem-nos ajuda

No instante em que tudo muda.



Às vezes é só dizer olá,

Mas é sempre um conforto

Que nos vem de lá,

Das terras para além do último porto.



É um modo de mostrar que o Espírito está presente,

De encorajar a esperança,

Oferecer permanente

Assistência

Quando duvidamos de que se alcança,

Insistir na paciência,

Na aceitação, na confiança...



É um modo subtil de encaminhar,

De reforçar a crença,

Sem lugar

Sequer

A qualquer

Sentença.



Às vezes nem mesmo nos é dirigido,

Mas afecta-nos agradavelmente,

Embora visando, no sentido,

Algo ou alguém, algures no nosso ambiente:

Ajuda-nos a ajudar,

Então, a par.



E basta-nos reparar

No Espírito presente

Para lhe dar lugar

A caminhar

Connosco, pelo meio de toda a gente.





Rígida



Sem rígida expectativa

Sobre o tipo de sinal

Que um Espírito activa

É mais fácil, afinal,

Ao criar comigo um elo,

Para ele, enfim, fazê-lo.



Nem todas as ocorrências

São sinais.

Porém, nem tudo se reduz a evidências

Científicas, sempre apenas residuais.



Há sempre um outro lado

Habitualmente ignorado,



Com uma profundidade

Que, de distraídos, de nós se evade.



E era o que mais contaria

Para o nosso dia-a-dia.





Avançado



O mais avançado sinal

Espiritual



Um corpo giza

E nele se materializa.



Solidifica a energia

Que a um ou muitos envia,



Em grau diverso

Conforme é mais ou menos terso.



Poderei senti-lo sentado

Na cama a meu lado,



No corpo sentir-lhe as mãos,

Os lábios no rosto,

Na cama os desvãos

Dum corpo ali posto,



Afinal presente,

Embora desta vida ausente.



Quando o afectivo laço

Foi mais forte,

O traço

Da morte

Cede com mais desembaraço

A este recorte

De renovado compasso

De boa sorte.



Caem deste lado os panais,

Os escudos de defesa,

E os entes espirituais

Cruzam novos abraços entre quem se preza.



Porque a vida continua,

Não há morte que a diminua.



O nosso míope olhar,

Ao tudo nos ocultar,

É que tudo desvirtua.



É apenas um preconceito

Que nos ceifa a vida a eito



E joga toda a maravilha

Para fora de nossa trilha.





Orienta



Ao dormir, o sonho orienta e conforta

E ajuda a aprender

O que andar escondido atrás da porta,

Sem o eu poder

Ver.



Dirige a atenção

Para as áreas da vida

Que mais precisarão,

Com a sugestão

De reajustamentos à medida.



E o ponto de encontro pode ser

Entre os espíritos e mim

Quando eles me incitam a gosto a viver,

Ou pretendem que eu saiba quão bem eles estão assim,

Ou comigo querem encontrar-se numa rara

Vivência cara a cara.



Num sonho podemos visitar o passado

E prever o futuro.

Aquele não pode ser mudado,

Uma pontinha deste é o que por mim inauguro.



Poderei não conseguir

Dele todo o escuro

Impedir,

Mas preparo-me com antecedência

Dele para a ocorrência.



E poderei introduzir na engrenagem

Ora o óleo, ora a areia,

Conforme a boa e a má triagem

Do que nele nos ameia.



A mente e os mais pendores de alma

Operam em conjunto

Para ajudar

O sonho a realizar,

Da vitória com a palma,

Todo o rol de tarefas por junto,

Incluindo ligar também

Esta vida com o Além.





Encare



O Espírito, quando me visita

Em sonho,

Quer que o que me suscita,

Embora medonho,

O encare dum ângulo positivo,

Com a intuição a revistar o que vivo

Para enquadrar a mensagem que for

Em meu interior.



Tudo visa descansar-nos

E avisar-nos,

Ofertando pistas

Para o que estamos a sentir subconscientemente,

Mais as listas

De ultrapassar as camufladas faces

Dos impasses

E saltar para a frente.





Fonte



O sonho é também fonte de ideias.

Donde vem a inspiração?

Da intuição

Que atravessa as portas-meias



E vai até mesmo ao lado de Lá

Recolher o que haverá



E que doutro modo ninguém imaginaria

Sequer que existia.





Telepática



As almas comunicam pela ideia,

Não requerem a palavra.

Telepática ameia

Vigilante sobre a lavra,



As mensagens

Têm mais clareza

Do que as imagens

De qualquer língua que se preza.



A ideia comunicada

É entre qualquer vida animada:



A pessoa ou o animal

Comunicam, a este nível, por igual.



Por isto é que com o Universo

Também deste modo converso:



É mais vivo

Que qualquer outro teor de vida, sempre esquivo.





Quase



Do além uma qualquer visita

É quase sempre de cura,

Ou para o vazio que uma morte nos suscita,

Ou para à Luz remeter alguém que a não procura,

Embora já

Do lado de Lá,

Ou para o medo da solidão

De quem desbrava a sós, doravante, o mundo à mão...



São então inestimáveis

Os momentos

Inefáveis

Em que de aquém e de Além se cruzam os ventos

E alguém amado

É de novo compartilhado.





Auguro



Se num sonho auguro

O futuro,

Então ando a ser preparado

Para um trauma que há-de vir

De algum canto inesperado

E, ao validar tal porvir,

Valido também a minha força de intuir.



Pode até ser bom augúrio,

Até posso rir, mal afeito,

Do jeito,

Porventura espúrio,

De tal feito.



Do espírito a onda

Sempre revela

O que, embora o não queira, eu esconda

Da vida por trás de alguma tela.





Maravilhoso



Em sonho ou meditação

O maravilhoso acontece:

Eis que me aparece

Acaso, então,

Um ente querido

Aqui já falecido

Mas no Além

Doravante muito bem.



E todas são significativas

Aquelas imagens poderosas,

Vivas mais que as vivas,

De tão gozosas.



É uma benesse ocasional

Dos sonhos ou meditações no rol,

Mas, afinal,

É um farol.





Anjos



Mil anjos nos rodeiam,

A proteger, orientar,

Com gentileza a ensinar,

Que de compaixão e graça nos semeiam.



Como o Universo nos protege!

Agindo em nome de Deus,

Conduzem a conjunturas onde a escolha elege

O que me pode ajudar nos trilhos meus.



Mais luminoso adivinho

O caminho.





Mensageiros



Anjos,

Mensageiros de Deus

Que dedilham banjos

Nos fígados meus.



Energias

Que as minhas empurram

Para as melhores vias

Quando em meu peito as feras urram.



Assumem por vezes uma aparência

Animal ou humana,

Quando, sem tal evidência,

Alguém se engana:

O desconhecido a quem atendo

Ou ajudo,

Sei lá bem quem estou vendo

Ou se não me iludo!...



De repente

Eis o Outro Mundo aqui presente



E eu sem dar por nada,

Distraído na jornada!



Pratique ou não

Qualquer religião,



Creia ou não creia

Na existência desta vigilante ameia,



Eles sempre nos elegem

Como quem eles protegem.



Temos muitos a acompanhar

Cada qual a vida inteira,

Em todo e qualquer lugar,

De toda e qualquer maneira.



O jeito é, porém, discreto,

Subtil:

Não dou por ele em nenhum aspecto,

Diluído entre causas mil.



Destas nem faz parte das parcelas,

Esconde-se a agir atrás,

Por dentro delas,

O jeito mais eficaz:



Um grupo de influência

É mais eficiente em mais pistas

Se agir, em consequência,

Sem dar nas vistas.





Rosto



O rosto dum salvamento angélico

Pode ser o dum ente querido

Já falecido,

Por eu apenas deste andar famélico.



Conforta-me de imediato

E, a par e passo, declina

Uma intervenção divina

Em acto



Que me garantiu segurança.

Tudo o é,

Porém, a minha pouca fé,

De tão rotineiro o ver, não o alcança.



Então, num imprevisto,

De repente, eis que O avisto.





Simples



De Deus as lições e os pedidos

São tão simples e modestos!

De Deus que poderia, garantidos,

Pedir quaisquer aprestos

E contenta-se com uns perdidos,

Humildes restos!...



- É do que mais gosto

Em seu rosto.





Debata



Há muito quem se debata com raiva

Em relação

À pressão

Da crença organizada onde não caiba.

Deus e religião

O mesmo nunca serão.



Deus é o ser que for,

Positivo, puro e bom,

Um amor

De tal teor

Que nem lhe suspeitaremos o tom.



Religião são tradições,

Princípios e práticas criados

Em organizações,

Teoricamente para servir

E adorar Deus, a seguir.



Podemos usá-las

Para acertar o caminho,

Por entre as valas

Do dia vizinho.



Só que a Deus, no que de Infindo pontifica,

Nenhuma religião personifica,



Por mais que se pretenda

Dos Céus uma prenda.



Aliás, esta pretensão

É de orgulho refinado

Uma ilusão

E é o princípio de todo o pecado.



Deus não tem preferidos,

Uma fé contra outra defendendo.

Não é: “Para aqui,

Católicos queridos!

Fica aí,

Judeu horrendo!

Para além,

Maometano pelém...”



Deus não é um estúpido qualquer

Que dele queiram fazer!



O que conta

É apenas o bem ou o mal ao Homem aprontado

Na vida, uma vez pronta,

O caminho terminado.





Desmedida



Deus, a desmedida luz branca

De contornos doirados,

Que as paredes de qualquer divisão desbanca

E nos faz sentir de paz e amor rodeados...



E depois não é nada disto

Que é visto.



Pura luz...

Mas que é que isto traduz?



- Misterioso Alguém

Sempre além, sempre além, sempre além...





Reflecte



Um relacionamento

É um espelho,

Reflecte a força, a falha e quem sou neste momento,

Quanto por dentro vou sendo novo ou velho.



Todos somos interdependentes,

Temos mil e uma oportunidades

De nos mutuamente valorizarmos,

De nos consolarmos,

Entrementes,

Através das idades.



Toda a vida seria bem melhor

Se pelo menos dela uma qualquer encumeada

Fora impactada

Pelo amor.





Versão



O amor

É da vida o melhor.

Por isso, em ladeira corrompida,

É destruição desmedida:

Ora é mal interpretado,

Sendo muito doloroso,

Ora manipulado,

Mal comunicado,

Tudo letal por ser tão poderoso.



Nossas escolhas e as dos mais

Influem-nos demais.



Uma infância dolorosa

Ora leva a não amar,

Ora a buscar amor à grosa

Por perdidas estradas,

Sempre nas gentes erradas.



Há modelos, porém,

Do que convém.



Importa andar atento

Ao sabor bom que vier no vento.



Embora seja único o amor,

Diverso amamos nosso par

Do que nossos pais, filhos ou irmãos

E de amigos o calor

Singular

Reveste ainda outras afectivas demãos...



Mesmo quando nos faz sofrer

(E sempre o faz:

É o preço de eterno crescer...),

O amor recupera e atinge a paz



Porque nosso íntimo tem esperança

E sabe como é bom

Quando dele o tom

Nosso ouvido, para a dança,

Nos alcança.





Repara



Cada qual repara em si como um ente

Independente.

Porém,

Ninguém

É de si responsável exclusivamente

Nem pela maneira particular

Que tiver de amar.



Os outros e os eventos

Transformam-nos e encorajam,

Influem nos intentos

E no teor

Como nossos afectos reajam

Ao amor.



Mesmo o pai tirano

E contraditório,

O mano

Manipulador compulsório,

Ambos contribuem, pelo sim e pelo não,

Para a nossa formação.



O amor é de incarnar

Em todo e qualquer acto,

Desde falar

Com o vendedor sem impacto

Ao agente de voluntariado

Mais abnegado...



Importa perseguir

O que amamos

E contribuir

Com amor em todos os ramos

Para cada vez mais fecundo

Tornar o mundo.



O amor é a motivação

Que a operar mais inspira

Do que apenas amar

No seio do lar,

Com sua murada tira

De preservação.



A comunidade, o País, o mundo inteiro

O amor enfaixa,

Dadivoso e pioneiro.

Ame, pois, também fora da caixa

E que todo e qualquer gesto

Seja de amor um protesto:

Cozinhar,

Ler para o companheiro cego,

Uma prenda entregar

Com carinho e desapego,

Uma mensagem de vida,

Profunda e prática,

Que oferta, na saída,

A máquina automática...



Tudo o que o amor

Na teia da vida

Integre

Torna o mundo mais acolhedor

E alegre.





Torna-me



O amor

Torna-me seguro,

É estabilizador.

Se o abandono auguro,

É o medo

Da indiferença,

Da falta de presença,

Da ausência, esgotado todo o credo.

Isto pode, em lugar,

Impedir de amar.



Se me não sentir seguro ou fui ameaçado

No passado,



Desconfiarei que todo e quenquer

Tolher-me quer.



Ficarei apreensivo

Com patrão, colega,

Um familiar qualquer,

Quando adrega,

Mesmo um amigo... E me esquivo

Então,

Numa vida toda enrodilhada em hesitação.



Nenhum medo vale, porém,

O que o amor vale para além.





Choca



Não vem sozinho

O amor.

É tão transformador

Que choca no ninho

A espiritualidade inteira:

Fé, esperança, compaixão,

Generosidade, graça, gratidão...

- Todos os dons peneira

Interligados,

Como interligados vivemos

De aquém

Ao Além,

Mesmo que, desconfiados,

Em tal nem acreditemos:

Aquilo que é

Não depende em nada de nossa fé.



O amor mais forte

Apura-nos a intuição,

Alimentando o norte

Rumo ao imo, até à derradeira escuridão.



O amor

Profundo

Finda num desejo:

O inefável ensejo

De mudar para melhor

O mundo.





Cancro



O cancro nunca vence.

Apenas o amor vence, repetidamente:

Ligando aquém e Além,

Convence,

No arroubo que partilha e sente,

Que na mão invulnerável tem

Para sempre, desmedida,

A vida.





Transcende



O amor verdadeiro

Cura e transforma,

Transcende a dor mais funda de qualquer parceiro.

Os entes queridos

Já falecidos

Querem que disponhamos de toda e qualquer forma

De renovo

Para sermos felizes de novo.



Nenhum se importa

De dar um empurrãozinho do viúvo à nova amada

Para ela lhe bater à porta,

À chegada,

A ver se ele entende a mensagem

Para a viagem.





Acompanha-o



O perdão

É inacreditável:

Acompanha-o uma inelutável

Sensação

Agradável!



E eu que o nunca via

Quando me enraivecia!



Muito mau,

Afinal, comigo

É o pretenso amigo

Varapau!





Permanente



A cura do perdão

Não é da noite para o dia,

É permanente evolução,

A partir de cada fasquia.



Minha interioridade

Tem de dominar a mente,

Sentir-me grato pela totalidade

Do que me trouxer o presente,

Quer de perda quer de ganho,

Tudo o que dias além apanho.



Raiva e ressentimento abandonar,

Que difícil, em meio ao frenesi!

Mas também, que bênção singular

Ali

Recebi!



É difícil esquecer,

Perdoar mais difícil há-de ser.



Viver agrilhoado, porém, à dor no foro interno

É viver

No inferno.





Pedem



A atitude de gratidão,

Quando estou de mau humor,

É pedirem que me deixe de queixar?

Não,

O caminho a me propor

É o de lembrar

Quanta felicidade o gesto de agradecer

Me há-de trazer.



E traz,

A principiar

Pela íntima paz.





Gratidão



A gratidão é uma pedra angular

Da felicidade

Porque nos obriga a olhar

A panorâmica imensidade

De quanto de bom hoje nos preenche a medida

De nossa vida.



Há dor e tragédia,

Mas o pendor da vida positivo

Mede-a

Em tudo o que aqui trouxer de vivo.



Para sentir gratidão

É analisar a razão

Do optimismo

Constantemente.

Quando em gratidão me abismo

Como modo de ser consistente,

Aí, da vida no remansoso rio,

Eu com os mais beneficio.



Aumenta o bem-estar e a felicidade,

A energia

Germina irradiante empatia

E generosidade.



Quem viver agradecido

Vive menos deprimido.



E satisfeito

Com a vida e o preito



Em aumento

De todo o relacionamento.



É mais dono e senhor

Dos próprios objectivos,

Do próprio crescimento,

De auto-aceitação com um pendor

Entre pendores festivos.



Cônscios da alegria,

As bênçãos reconhecemos,

A vida é uma euforia

De banquetes ideais extremos.



A gratidão

Faz crescer alma em nosso coração.



É difícil senti-la

Na vida atarefada e confusa.

Quem a não perfila

E não usa

Tem a comunidade a empurrá-lo

Para o que trará maior abalo.



E a gratidão

Esboroa-se perdida pelo chão.



Quanto mais grato me sentir,

Porém,

Mais dons da vida irei conferir

Também.



E as coisas boas, cheias de paz,

Contrabalançam as más.





Ignoramos



Tantas vezes ficamos presos

A nossos dias de cão

Que ignoramos os pesos

Que uns para os outros temos, em cada ocasião.



Vivemos interligados.

Em termos de gratidão,

Devemos ser recordados

Do efeito de dominó

Que uma atitude gentil,

Acalmado o pó

Da multidão,

Outras mil e mil

Desencadeia

Entre quem nos rodeia.



Todos os momentos

De nosso dia

São elos e cada um se alia

A uma cadeia

De eventos.



Se acordo ressentido com meu par

Porque a loiça não arrumou,

Distraio-me então, a par,



Saio de casa,

Os pés a ferver, em brasa,



Entro na loja de ferragens,

Derrubo o expositor de mensagens



Sobre o proprietário,

Ferindo-o de modo vário,



O que alarma a esposa dele,

Histérica com quanto o atropele...



Ao invés, se acordar agradecido

Porque meu par normalmente

Arruma a loiça, comedido,

Dou-lhe, de repente,

Um desconto desta vez

Que o não fez,

O que nos faz sentir amados

E os donos da loja animar, de tão por bem visados,

O que lhes dá tão bom humor

Que o marido à mulher leva uma flor...



Semear afectos positivos

Leva a relva, em redor, a reverdecer os motivos.



É uma melodia cumulativa,

A cada estrofe, mais uma entidade cativa.



Todos, pois, beneficiam dos cimos

Quando gratos nos sentimos.





Rosto



Quando o rosto de alguém se ilumina

E nele lemos a gratidão,

Todos beneficiam da bendita sina

Em questão.



É que, logo após,

Há um toque de banjo

No vislumbre de anjo

Que acordou em nós.





Quer-me



O mundo espiritual quer-me feliz

Por mim e pelos mais.

Feliz, tenho a alegria de partilhar o meu cariz

Pelos bornais

De quem me rodeia,

De mancheia em mancheia:



É tempo, dinheiro, conselho,

Paciência com qualquer destrambelho,



Ou a mera palmadinha

A encorajar quem se me avizinha...



E, quando me debater com a dor,

Meu fundo de felicidade

É para me recompor

E para levá-la a outrem que ela então invade.



Elo da cadeia,

Quando me reforço, reforço toda a teia.





Carrego



Por mais dolorosa, desafiante e injusta

Que seja a vida que carrego à minha custa,



A do além

Tem



Outro matiz:

O Céu é um lugar feliz.



Ao transpor a vida para o outro lado,

Sou saudado



Por tudo quem foi meu conhecido,

Num encontro de alegria desmedido.



Sinto-me em paz, seguro e amado,

Ao íntimo amor de Deus ligado.



Não há julgamentos, culpas, invejas,

Raivas, receios, egos

Nem outras emoções malfazejas

A afundar-me em escuros pegos.



Do Outro Lado não há sofrimento,

Movem-se livres as almas

E todo o tormento

Se confina

Ao corpo humano que se fina

Nas pacíficas calmas

Do derradeiro momento.



Na vivência de quase-morte,

O Espírito canta, dança e brinca

Com os animais à sorte

Em que se finca,

Numa paisagem de tal deslumbramento

Que até nos tiraria o alento.



No Céu as almas sentem-se realizadas,

De viagens terminadas,



Apesar dos múltiplos obstáculos:

Ali moram no reino dos pináculos.



A lição a aprender,

De difícil nível

Ao parecer,

Se infeliz se estiver,

Devirá impossível.



O inferno

Eterno



É mera potencialidade

Haja embora quem o grade



Desde cá

E consigo o leve para Lá.



A escolha do inferno aqui e agora

É de quenquer

Que a fizer

E depois demora,

Porque indefinidamente é onde a pessoa mora.



Até que queira

Trocar de peneira



Para as recolhas

Serem algum dia do Céu escolhas.





Erro



Quando a culpa interiorizo,

Sentindo vergonha,

Aceito que sou o erro que diviso.

Não é verdade, porém, o que suponha.



A culpa do sobrevivente

É a única coisa que o sobrevivente lese.

O Espírito não quer que em tanta gente

Nas almas pese.



O sobrevivente

A um acidente,

Quando os outros o não são,

Na guerra, na catástrofe natural,

No cancro, de órgãos na doação,

No choque viário da rua vicinal...

- Qualquer um pode sentir

A culpa toda a vida a lhe entupir



Quando a tragédia ocorre

Dum ente querido que lhe morre.



É mais fácil culpar alguém

Do que aceitar

E lidar

Com o significado que tem

Uma pessoa querida

Sair de vez de nossa vida.



Enfrentar uma realidade complicada

É tarefa mais pesada.



Culpa e vergonha pesarão ainda mais

Se erradamente interpretamos os sinais



De como afectam o sentimento

Doutrem, nalgum momento.



Se, ao tirar o carro da garagem,

Pisar acidentalmente

O canteiro que é motivo de romagem

De meu vizinho da frente,



Sinto-me um idiota,

Ofereço-me para o replantar,

Pagando a justa quota

Do que o lesar.



Mas então o vizinho

Continua furioso, inconsolável.

Fico pior com o que nele adivinho

De insuperável.



É culpa, vergonha e arrependimento

Em cadeia com que me atormento.



Julgo-me um condutor falhado,

Leviano no modo como encarei o canteiro,

Com remorso por não ter comprado

Mais uma ervilha de cheiro...



Se calhar, ao vizinho, nunca mais volto a encará-lo,

Tal é o abalo!



E eis como de neve a bola

Se descontrola.



Ora, nunca podemos provocar

Dor emocional a ninguém.

Podemo-la desencadear,

Mas a angústia de alguém

É de dentro que lhe vem.



Nunca, em nenhuma hora,

De alguém de fora.



O vizinho poderia

Ver as rosas esmagadas

Por uma positiva via:

Agora poderia

Um novo jardim, de flores renovadas,

Plantar

E a agradecer-me acabaria

Por eu, com generosa fartura,

O ajudar a pagar

A factura.



Então,

Ficar devastado ou não,



Pingo de vinagre ou gota de mel,

- É escolha dele.





Extrema



Raiva extrema, a longo prazo,

Se reprimida, projectada

Ou mal orientada,

Para auto-flagelação deriva acaso,

Para perigosos actos, malévolos, vingativos

Que de nós afastam, fugitivos,

Os que poderiam, em lugar,

Nos apoiar.



Não tratada, maus hábitos gera,

Leva a fumar, a beber, à droga

E a atitude extrema impera

Onde cada um se afoga,

Como a justiça à própria mão,

Convicta de justificada opção.



Nossa indignação comparar

À doutro qualquer

Só serve para magoar

Quem o fizer.



Embora seja bom falar,

O excesso

Inverte o processo

Do que se ande a tentar:

Sempre a bater no mesmo ponto,

Pode qualquer um pôr de vez tonto.



Quanto mais intensa,

Mais a raiva afecta a imagem

Com que cada qual se pensa

Na abordagem.



Terapeuta, grupo de apoio

Correm o risco de embarcar em igual comboio.



Repisar

Tende

A nos levar a contar

A quem cremos que nos entende.



Tal, porém,

Nunca se vem

A confirmar

Porque aquele a quem apele

Não mora na minha pele.



Só funciona com quem sente e pensa

Por igual com igual sentença.



Portanto, atenção:

Nestes tremedais

São mui poucos os sinais

De salvação.





Ocorrem



Os milagres ocorrem permanentemente

Ao redor,

Nós é que rotineiramente

Tendemos a ignorá-los,

Subvalorizá-los

Como um dado menor.



E acabamos por mal os interpretar

Porque nem sabemos o que procurar.



É um evento que desafia a razão

E podemos atribuí-lo

A divina intervenção,

Sempre em sigilo,

Por detrás da mão



Dum terapeuta, dum santo,

Dum poder superior

Ou de qualquer alma de encanto

Que lhe obedeça ao teor.



Podemos vê-lo a desenrolar-se,

Ser parte dele

Ou desvendar quem, sob disfarce,

O incarnou na própria pele.



Todos partem de Deus,

Seja lá quem for o agente,

Na terra ou nos céus,

Que o represente.



Lógicos não são,

Da natureza contrariam as comuns leis.

Vemo-los na salvação

Da morte em múltiplos papéis:

Acidentes, catástrofes naturais,

Riscos de vida, doenças terminais...



Mas são também a conversa significativa,

Outros quaisquer sinais,

Um evento que nos mude a perspectiva...



Milagre deveras,

Porém,

É o que a crescer por dentro consideras

Que nos mantém.



Não muda o quando do que atino,

Mas o como da chegada a meu destino.





Boa



O milagre fascinante

Pode dar a boa história

Mas o que é mais importante

É o que na interioridade traz à glória.



Sendo excepção sempre à regra,

Devemo-lo reconhecer

Até compreender

A bênção que integra.



Encará-los como nada de mais,

Quando são incríveis, significativos, especiais?!



Marcam um momento

Decisivo

Dum crescimento

De alma e de vida, num nível mais esquivo

De aprendizagem

Na nossa terrena viagem.



Aproximam-nos do melhor

Nosso íntimo recurso

E levam-nos mais longe, em patamar superior,

Nosso percurso.



São sempre tão pessoais

Que não há dois iguais.



Atentos, pois, à aguilhada

Que nos leva a correr na estrada.





Duplo



Um duplo de profissão

Arrisca diariamente a vida:

Não são milagres, então,

De enfiada, de seguida.



À doença terminal

Sobreviver

Quando diagnosticada por fatal,

Sem ninguém tal

Desfecho entender,

É um milagre que pode levar

A renovar relacionamentos,

Nossa fé a refundar,

Acaso a ponderar

Doutra vocação os elementos...



O nascimento normal dum bebé

Não é o milagre da vida,

Mas já o é

Todo o amor, paciência, generosidade

A que ele nos convida

Só por ser tão frágil graciosidade.



O milagre é doutra dimensão,

Não exterior,

Mas interior:

É o que toca e recria o coração.





Bênçãos



Bênçãos de mudar a vida

São milagre, de seguida,



Quando, uma a outra acumulada,

Elevam o trilho a uma nova encumeada.



A bênção de encontrar

O bom recanto de estacionar,



A bênção de, a seguir,

Um amigo meu descobrir



Que (nova bênção) me marca o cirurgião

Que me trata duma lesão,



Levam ao milagre, a seguir,

De um filho meu redescobrir



De que eu me perdera algures no turbilhão

Da vida em convulsão.



O milagre raro se vê,

Mas aquilo em que culmina

De alguém na sina,

É.





Inunda-me



Quando o milagre me toca,

Inunda-me de vigor, coragem e optimismo,

O que provoca

Esperança e fé para trepar de qualquer abismo.



A positividade é contagiosa

E os efeitos duram:

É o aguilhão de Deus na prosa

Dos dias que se não curam.



É o choque, a recordar

De Deus o poder:

Toca a acordar!

A vida é boa, querem saber?”





Inscrito



O milagre nem sempre é inesperado,

Pode estar inscrito no decurso

De nosso percurso,

Uma nota ao lado.



Inspira-o quem

Ensina a outrem o que aprendeu,

Retribui ou tenta fazer bem

O que antes não conseguiu.



Poderemos a um impossível sobreviver

E milagre lhe chamarão,

Mas é parte dum plano maior qualquer

Para divulgar o que se aprender,

Até a fé incendiar o chão.



Aliás, o milagre pode sempre ocorrer,

Mesmo quando o livre arbítrio de alguém

Fez ao inferno entre nós sangue escorrer,

Deus nunca lhe fica refém:

Altera o caminho

E ergue uma montanha onde antes era um montinho.





Muda



O milagre não muda o quando

Mas o como de ir chegando.



Posso enoitar-me na furna

De cada dia

Ou nos píncaros iluminar a nocturna

Fantasia,

Atingindo mais rápido a aurora

Agora.

O milagre é o arrebol

Deste sol.



A melhor alternativa

É levar vida feliz,

Saudável e produtiva

Como meu íntimo quis,

Sempre a evoluir cá por dentro

À medida que em mim me adentro,



Durante o tempo concedido

Para o teor de alma haver crescido.



O milagre não vem ao caminho

Por acaso.

Presente raro, requer carinho

Caso a caso:

Em meu contexto de vida, que é que me indica,

Para meu trilho em frente que significa?



É um momento de espanto

A explodir

Que a vida ajuda a prosseguir

Pela ladeira do encanto.





Curar



Curar é restaurar alma,

Quer nela própria, singular,

Dum jeito qualquer que nos acalma,

Quer por melhoria do bem-estar

Físico ou emocional

Que nos cruza dentro e fora no total.



Quando em minha essência reparo,

Sou este eu a unificar

Mil facetas dum raro

Mundo íntimo singular:

Sou alma e deixo-a curar

Sem fim, num itinerário

Onde tudo sempre anda a mudar,

Com novos contratempos e obstáculos.



Caso contrário,

Andarei só seguindo em frente

E falharei os pináculos

Que desafiam toda a gente.



Importa ficar revigorado,

No nosso melhor,

Para poder ser aproveitado

Cada pingo de felicidade

Que a vida venha pôr

Ao nosso lado.

Ora, tal, só com alma de verdade.



A cura física

É tísica



Se abandona a interior

No corredor.



A curar a dor nas costas

Se eu fizer a cirurgia,

Perderei logo as apostas

Quando, a seguir,

Todo o dia

Discutir

Com meu irmão:

Foi isto a causa da lesão.



Se não extraio a raiz,

Perco tudo quanto fiz.



O nosso sofrimento pode ser alimentado

Por medo, culpa, fúria e dramas do passado



Que o acentuam

De tanto que nos acuam.



Temos, pois, de reparar

Quanto por nós o incentivar.



Não há do corpo doença,

Do espírito ou da mente

Isoladamente,

Todas de todos são pertença.



Na hora de curar

Ou se os três vão reparar



Ou qualquer resultante equilíbrio

É um ludíbrio.



Se cuida que está curado

Inteiramente,

Ou mente

Ou é um doente acabado.

Nem terá cura:

- Vive já na sepultura.





Preciso



De gente cheia

Que de algum modo o longe alcança,

É preciso uma aldeia

Para educar uma criança.



A cura virá de múltiplas fontes

E horizontes,

Desde a minha fé ao meu anseio,

Meditação, oração,

Médicos pelo meio,

Terapeutas, especialistas,

Amigos que um rumo indicarão

Ou sugerem pistas...

- No fundo, tudo assegura

A bênção e a cura.



Mesmo quando for do lado de Lá,

Por fim ocorrerá.





Menor



Nem sempre a persistência

É fundamental:

O caminho de menor resistência

Pode ser o mais espiritual,

- Com a mais funda vivência

A semear por inteiro todo o mundo temporal.





Avisa



Deus avisa, mas talvez

Eu me distraia, no momento...

Da próxima vez,

Livra-te dum ror de sofrimento:
Ouve-me quando eu te disser

Uma palavra qualquer.”





Mal



Se passar uma vida preocupada

Com tudo o que de mal pode ocorrer,

Em breve me irei convencer

De que o melhor, em cada jornada,

É não fazer

Nada.





Carreiras



À medida que as laborais carreiras

Começaram

A avançar,

Prosperaram

E desataram

A comprar

Carros maiores,

Casas melhores,

Roupas mais caras,

Coisas mais raras...



Como nada daquilo

Tem agora nenhum valor!

Rico ou pobre, se permanentemente intranquilo,

Disto que é que importa o teor?



Um do outro se perderam,

Cada qual o outro requer.

Viveram,

Agora não é viver.

Não precisam de mais nada,

De raiz:

O par amoroso basta, em cada jornada,

Para tornar feliz.





Consigo



Eu insisto

E persisto

E consigo sempre o bolo

Porque (o que é incrível)

Sou demasiado tolo

Para crer que é impossível.



O homem é assim

E assim há-de ser até ao fim.





Cegueira



Fé e cegueira, que bem combinam!

A fé dum iluminado

É de cegueira um tratado:

Cruzada, guerra santa, inquisição,

Revolução...

- Todos os divergentes eliminam

Em nome da intocável iluminação.



Como usam antolhos,

Não olham aos produtos.

Como árvore boa se reconhece pelos frutos,

Não abrem os olhos.



Não é fé, é fanatismo:

Confundem-se, mas, entre ambos, que abismo!





Passado



Após a guerra,

O passado anda escondido,

Não na terra

(Que já mal dá broas,

Cemitério apodrecido),

Mas enterrado dentro das pessoas.





Indivíduo



É um indivíduo seguro,

Normal,

É um de nós: é o que dá gozo.

É por isso que apuro

E é real:

É mesmo muito perigoso.





Liberdade



A liberdade individual

É aquilo com que nascemos:

Da vida em meio ao vendaval,

Temos remos



E um chamiço

Para atear o regalo.

O Estado não pode dar-nos isso,

Apenas tirá-lo.





Combater



Combater o mal com o mal

Leva a que o mal prolifere entre em nós,

Até atingir, letal,

O coração do hospedeiro, após.

Aí mata, sem ninguém ver,

O que deveria defender.



Pode haver muito inimigo lá fora.

O mais perigoso, porém,

É o que já cá mora

Dentro do muro também.



E tão mais mortífero se nos depara

Quão mais nele ninguém

Repara.





Precisar



Ninguém precisa de estar

De todos os factos a par

Para saber a verdade.



O facto, o facto, o facto

É de nossa idade

O demoníaco pacto.



Factos, nunca os teremos todos:

Portanto, generalizamos, num símile.

A verdade nunca a teremos inteira,

Só dela modos:

A verdade verdadeira,

Em todos os campos, é apenas verosímil.



Quem o contrário emana,

Embora em nome da ciência,

É porque se engana

E, do alto de sua pretensa eminência,

A todos nos dana:

E acaba sempre a matar

Os galileus que o mundo germinar.





Esbanjar



Escolas, hospitais,

Polícias, tribunais,



Vias de comunicação,

Reformas, assistência...

- Tudo formas serão,

Evitando a pestilência,

Primeiro,

De esbanjar bem o dinheiro.



Casinos, bares,

Tabernas, lupanares,

Drogas,

Acompanhantes de luxo...

- Tudo formas onde afogas

Das mágoas o atoleiro

Em debuxo,

Modos de esbanjar mal o dinheiro.



Em ambos os rumos

É sempre esbanjar...

- E se a vida os prumos

Pedir

De inventar, criar,

Expandir,

A que só logra responder,

Quem o quiser,

Ao investir?



A escolha da via

Não é só a daquela dicotomia.



Há sempre à espreita uma terceira

Na tua peneira.





Julgado



Um homem é julgado pelos actos,

Pelo que disse e fez.

Julga-se a si próprio por outros factos:

Pelo que podia ter dito e feito.



É de tal jaez

Que chega a nem se prestar preito.



Tem apenas por travão

A própria imaginação,

A dúvida, em escala

Em perene mutação,

E o clima

Onde entala

A própria auto-estima.





Gosta



Ninguém gosta que lhe chamem

Cobarde,

Mormente

Se o que sente

É que não é nada com que o tramem:

É mesmo o que nele, em segredo, guarde.





Série



Uma série de coincidências

Coincidência não pode ser:

É uma pergunta

Às ciências:

Cada qual as junta

Até compreender.

Ou , pelo menos, até vislumbrar

Qualquer aura dilucular.





Solidão



A solidão

Magoada

Não pode ser reconfortada

Pela proporção.



Mesmo a amizade

É para ela um festim

Por trás da vidraça que desagrade

Pela lonjura sem fim.



Mesmo a compaixão

Mais indigente

Lhe humedece o coração,

De tão carente.





Perdem-na



Todos os homens querem infeliz

A sua prostituta.

Doutro modo ela dá luta

E perdem-na (crêem) de raiz.



Seja esposa, amante ou companheira,

É sempre igual de queda esta ladeira.



Nem vêem que a inversa via

É que de vez a mulher conquistaria.



A mulher inteira

Definitivamente parceira.





Procura



Um homem, na prostituta,

Procura a namorada perdida,

A esposa que, na luta,

Findou abandonada,

A mãe, a irmã, a protegida,

A filha que perdeu algures pela estrada...



E procura-se a si próprio também:

É uma escuridão reflectida

Na luz emprestada

Que dali lhe advém

Embaciada.





Efeito



Numa amizade recém-nascida

Um segredo

Envida

Um efeito fortalecedor

Como o medo

Duma ameaça exterior

Conjura cada força singular

Para em comum atacar.





Meta



Somos todos drogados

Pela vida.

Nela viciados,

Vivemos isolamentos partilhados,

Nunca uma união, a meta inatingida.



Eternos dependentes,

Quem nos limpa, quem nos livra das correntes?



Quem a união inteira que se almeja

Nos entrega um dia de bandeja?





Solidão



A solidão que se aprecia

Não é a sós,

É um nós,

É uma solidão com companhia.



Aliás, toda a vida

É uma solidão parecida.





Mundo



No mundo inseguro,

Mulher que caiu

Não tem futuro.



Contudo, ao lado,

Homem que ascendeu

Não tem passado.





Efeito



A depressão é um efeito secundário

De se estar a morrer.

O cancro é um efeito secundário

De se estar a morrer.

A rotação no grupo de apoio é um efeito secundário

De se estar a morrer.

- Como tudo na vida, em resumo sumário,

O há-de ser.

Até o vislumbre do lado de Lá, inevitável fadário,

Embora acaso para nos desde agora enaltecer.





Estaremos



Um dia estaremos todos mortos,

Todos, sem quaisquer reconfortos.



Um dia chegará

Em que nem um restará



Para lembrar que alguém existiu

E algo empreendeu.



Nem o génio que transcendeu tempo e espaço

Nem o madraço.



Tudo o que fizemos,

Construímos,

Quisemos,

Descobrimos...

- Tudo ficará esquecido,

Em vão

Terá sido.



Ou não:

Na cósmica economia

A marca inscrita jamais se apagaria,



Implanta no Universo a sua minúscula verdade

Para a eternidade.



Embora o não herde,

No fim nada se perde.





Dor



A dor, além de não ter medida,

Tem isto de estuporado:

Exige ser sentida.

O que é tramado.

Que raio de vida!





Manter



Quem promete

Faz lá ideia do que estiver

A prometer!

É isto o amor, é o que lhe compete

Ser:

Manter a promessa,

Aconteça

O que acontecer.

Ou então, ligeiro,

Não é amor verdadeiro.





Demais



A morte é sempre a meio,

A meio da vida,

A meio duma respiração.

Duma batida

Do coração,

Sempre cheio

Demais para a medida

Concedida.



E depois aos mais

Que é que acontece?

- É o que permanentemente perguntar me apetece.

Mas não há jornais,

Nesta desfeita,

Nem de cá para Lá,

Nem de Lá para cá,

Que dêem conta da colheita

Da messe.



É sempre a meio...

No frio,

Não há pavio

Que acenda alguma luz sobre o recheio

Da quermesse.





Morbidez



Temporários

Por excelência,

Somos todos efeitos secundários

Da morbidez da existência.



Quem já não sofre

É que abriu o cofre



E vê Lá,

Afinal, o que há.





Viver



Toda a gente deveria

Poder viver o amor verdadeiro

Que duraria

De seguida

O tempo inteiro,

Pelo menos,

Duma vida.



Embora haja para Além

Outros acenos

Também...



Este amor, porém,

Que Amor seria?





Imortaliza



Não se imortaliza ninguém

Falando dele ou escrevendo.

A linguagem contém

Um limite tremendo:

Grava na terra

O que concita,

Enterra,

Não ressuscita.





Baloiço



A vida é

O baloiço a que o miúdo se agregue,

Meia curva, meia recta:

Por mais impulso que dê,

Por mais alto que chegue,

Nunca consegue

A volta completa.





Discutimos



Ambos discutimos, argumentámos, sofremos...

- Depois

Perdemos

Os dois.



Não é da lida,

É assim a vida...





Estranho



O estranho das casas

É que parece nada ocorrer de valor

Nas brasas

De seu interior.



Apesar de conterem, entrelaçada e sofrida,

A maior parte de nossa vida.



É igual com toda a exterioridade,

Por muito que ao cientismo

De nossa cultura

Lhe desagrade:

Escapa-lhe sempre a fundura

Do abismo.



Ora, é desta que traço a figura

Com que me crismo.





Morbidez



Na doença

Há sempre mais

Que a morbidez da sentença:

É que nos separa dos demais.

E às vezes é bem pior

Que qualquer outra dor.





Poeira



Somos poeira de estrelas.

Com tantas cidades e portos,

Palácios, quintas, pórticos e cancelas,

É maravilhosamente estranho

Vivermos neste maranho

Em que tudo foi construído pelos mortos.

Ainda por cima é lindo!

Benvindo, mundo, benvindo!





Sol



O sol de Verão

Entrança

Na dança

Tudo o que alcança

E acende luz por todo o chão.



E à tarde

Ainda ele arde

Para todo o coração,

Mesmo cobarde.



E noite dentro

É a criança

Que recusa

Ir para a cama.

Quando nele me concentro

Em aliança,

Abusa

De quem o ama:

De repente

Luz

Até que a manhã rebente

Por dentro de quem seduz.



Já não há noite nem dia,

Tudo é da luz a magia.



E do calor,

Como o amor,

Como a acalmia.





Sentir-me



A humanidade

É uma oportunidade

De me maravilhar

Com a majestade

Singular

Da criação.

De me entusiasmar

De gratidão,

Mudo,

Ao me maravilhar

Com tudo.

Aqui presente,

Sentir-me miúdo, tão miúdo,

De tão infinitamente

Graúdo,

Na raiz

De nossa comum matriz.





Degrau



Toda a representação de algo

É mera representação:

Nunca galgo

O degrau que me poria em comunhão.



Ora, tudo é representação na vida.

Como ser, então,

Em seguida?

Só por tenteio, palpação

Eternamente comedida.



O triunfalismo o que goza

Na jornada

É uma morte dolorosa

Cruelmente adiada.



Com o engano

Que nos despreza

Dum principesco pano

A cobrir da refeição a inexistente mesa.





Cozinha



Às vezes, Deus, em pessoa

Cozinha o Céu em vários pratos

Que nos servem com uma broa

De luz borbulhante, a pipocar nos palatos,

Enquanto pétalas de flor,

À brisa, por aqui, por acolá,

Saúdam o amor...



- E tu estás lá! E tu estás lá!

Ali comigo

Dos Céus ao abrigo.





Crês



Crês que não és especial,

Pois o mundo nem sabe que existes.

É um insulto para mim, afinal:

Por mais gente que listes,

Eu, eu sei que tu existes.

Ainda por cima és único, individual.



Em que ficamos então,

Se nem sequer há repetição?





Finou



O prazer de recordar

Finou-se, fanado,

Quando se finou, deste lado,

Com quem o gozar.



A morte é multifacetada

No vazio da jogada.



As coisas deixam de ser importantes

Como o eram horas antes.





Indiferente



O Universo quer a nossa atenção

E nós, a atenção do Universo,

Para que não fique indiferente à punção

Do que nos acontece de adverso.

E não apenas ao colectivo,

Mas a cada um, individual e vivo.





Equilibro



Da infância os dilemas

São os dilemas da vida.

Com que balança aos esquemas

Lhes equilibro a medida?



Pertença e traição

Como se conjugarão?



A força do grupo

Contra a coragem de ser quem sou,

Frente ao apupo

Do rumo por onde vou...



- É a vida inteira contida

Já na semente da vida.





Deveras



Todos os dias somos bombardeados

Pelo deveras extraordinário:

O melhor dos melhores,

O pior dos piores...



E cá vamos desesperados

Pelo juízo sumário:

Não sou de todo

Extraordinário de nenhum modo.



Como conseguir ser o tal

Indivíduo excepcional?



A pressão,

Mesmo que nos acelere a corrida,

Dá-nos cabo do coração,

Em seguida.



E sem nenhuma razão:

Cada um só tem de equilibrar sua medida,

Genial ou não.

Tudo o mais é uma ilusão

Que nos anda a ser incutida.