SORRIR COM TUDO































Cão



Tive um professor na infância

A ensinar que os professores

Vão errados na inerrância.

O meu mentor dos mentores,

Quer o acreditem ou não,

Foi de minha infância o cão!





Mente



Tenho mente de macaco,

Para trás e para a frente,

Passado e futuro um caco

Escaqueirando o presente.





Gozo



Que gozo gratificante

O do adulto, ao reparar

No anúncio do ano escolar

- E nada a ver, doravante,

Já com ele ter, a par!





Cabelo



Nós adoramos cabelo

E, porque temos tão pouco,

Afagar do cão o pêlo

Acalma até mesmo o louco.

É uma memória primeva

Que o mamífero em nós ceva.





Ambos



Inteligência e beleza

Um par são de divorciados

E quem ambos juntos preza

Se calhar toca a finados.





Caminho



É estranha a escola,

Ninguém está onde devia:

Todos pegam na sacola

Para pôr-se a caminho doutra via.





Bolachas



Anda até ao lado obscuro.

Auguro



Que temos bolachas incríveis:

São invisíveis!





Presença



Dos homens certos a presença

Faz no mundo toda a diferença.



A dos errados, porém,

Também...





Forma



Não é uma qualquer prosa

A forma que mais abala

A mulher vaidosa,

- É ignorá-la.





Obviamente



Licenciatura?

Após ler tanto romance,

Obviamente em Literatura.

Como quem descanse,

Após tanto bate-que-bate

Em doçaria

Com uma licenciatura que seria

Em chocolate.





Chatice



Que chatice de vida!

Nem se pode ir à retrete

Sem antes, em triplicado, ser preenchida

A requisição que lhe compete...





Contínuas



Contínuas dores

Fatalmente findarão...

...Ou findarão o que fores

No caixão.





Frango



Se te dão um frango inteiro,

Retribui, por tua pele,

Que o pago não é cimeiro,

Com uma perninha dele.





Voa



Ao que vive de esperanças

No vindoiro,

Não voam do tempo as contradanças,

São um espreguiçadoiro.





Desaforo



Quando o rico é liberal,

Encontra quem canonize

Qualquer desaforo seu abismal

E, ante todo e qualquer rosto,

Preconize

Como bom, muito bom, o seu mau gosto.



Dinheiro, mais que poleiro,

Dá um excelente tinteiro.





Ladrões



Sabedoria e virtude, as riquezas

Sobre que não têm poder os ladrões.

Delas não querem fazer presas,

Não são fortuna que acartem

Quando entre si os quinhões

Repartem.



Sejam ladrões condenados

Ou livres, dos refinados...





Rico



O rico, no matrimónio

Ao buscar bens a contento,

Casa-se com o demónio,

Em nenhum céu tem assento.





Ganhar



Ganhar o sustento

Folgando?

Quanto admirador no intento!

Quanto invejoso a ver quando...





Cumpre



Em política

Cada qual se tem por génio.

Ora, a realidade é somítica:

Um num milhão cumpre o convénio.



Todos, porém, querem ser tratados

Como génios importantes

Mais os cônjuges aperaltados

E os criados,

Até o cão e o gato antes

Do restante mundo de atrasados!...



Pedantes?

Não! - gritam

Em tudo o que pontificam.

Tantos génios ignorados,

Por aí espalhados pelo chão,

Coitados!...





Ego



Em nome do poder

Vale tudo:

O ego quer

E o mundo é este entrudo.





Nade



Há tanto quem na piscina

Nade ao murro, à bofetada,

Pontapés a cada esquina,

Que eu chego a crer que, coitada,

São lágrimas desta sina

Qualquer água acumulada,

Choro triste de menina...



- Mas a piscina é tão linda

Que até a fúria ali finda.





Maioria



Ninguém pode ser quem não gosta,

De que não pode ter

Orgulho.

Porém, nisto de ser,

A maioria aposta

No entulho.





Acreditas



Só acreditas vendo?

Mas antes dos microscópios havia

Vírus. E quem os via?

Só crendo.

E antes dos telescópios havia

Galáxias. E quem as via?

Só crendo.



E tu continuas a crer

Que é só ao ver?



Então em ti o facto

Não tem impacto?



Isto não é ciência,

De vez.

É de inteligência

Uma infinita carência,

É a estupidez

Camuflada da atitude

Duma científica virtude.





Cargos



Quando o Estado dispuser

De cem cargos lá no topo,

Dez os irão preencher

De bem servir com o escopo.



Noventa serão ladrões

Entre os dedos a escapar-nos

Com cunhas e corrupções

E que andam a governar-nos.





Estranho



Por estranho que pareça,

Governar,

Mesmo pela mais divina cabeça,

É sempre desagradar.





Carrega



O burro que carrega o livro sagrado,

Não é só do zurro,

Em todo o costado

Continua a ser burro.





Compartilhada



Quando por muitos compartilhada, a anormalidade

Inverte o sinal:

Torna-se uma identidade

Normal.





Cerrados



Um dia olharão atrás,

Aos cerrados em fronteiras,

Uns aos outros se matando, cada qual mais ladravaz,

Por uns riscos nos mapas, umas leiras,

E dirão, enquanto nos choram:

- Que parvos foram!





Prazer



O prazer não supõe

O mal,

Depende do serviço a que se põe,

Afinal.

O gozo não se opõe

Ao ideal,



Doutro modo o ideal seria

De sofrer a mania,



A sentença

De que todos não seríamos mais que uma doença.





Cesto



Se teu interlocutor

Jamais é por ti ouvido,

É só o cesto onde depor

Os termos que hajas parido?





Processou



Processou um hospital

Porque, após a cirurgia,

A esposa não dá sinal

De sexo ter algum dia.



Operou-se às cataratas”

- Responde o hospital então -

O que se fez e é das actas

Foi melhorar-lhe a visão...”





Agente



Um agente da polícia

Telefona para a esquadra:

Tenho aqui uma sevícia

Que no habitual não quadra:



Uma mulher deu um tiro

No marido, por pisar

O chão que ela, no seu giro,

Acabara de lavar.”



Deteve-a?” - diz-lhe o sargento.

Ainda não, de momento.

É que, por meu desagrado,

O chão inda está molhado...”





Céu



Um céu vermelho à sonoite

É de bom tempo sinal.

Céu azul que a noite acoite,

Se não for só fantasia,

Não tem nada de anormal,

- É só sinal de que é dia!





Fisco



Depois de ouvir um sermão

Sobre mentiras e engano,

Um homem escreve então

Ao fisco a que causou dano:



Não consigo já dormir

Vendo que tanto menti

No texto que mandei ir

Declarando o que fruí.



Junto mil euros em falta.

Se não dormir com tal gesto,

Acordado por noite alta,

Então mando-vos o resto.”





Apaixonei-me



Apaixonei-me. A seguir,

Nem dei pelo desacato:

Deixei de dormir

Com o gato.





Palpitar



Não é só ficar insone,

Palpitar o coração...

A voz dela ao telefone

Provoca-me uma erecção!





Primeiro



Vi pela primeira vez

Todo o meu primeiro amor

Quando ela em vapor se fez,

Curvilínea, com fulgor,

E cantou até ao fim,

De certeza, só por mim...





Lágrimas



Reparei que amava quando

Lágrimas nos olhos dela

Vi discretas aflorando

Só por mor desta sequela:

A nossa equipa ali logo

Acabou ganhando o jogo.





Agonia



Quando ela me adoeceu

Com a gastroenterite

E agonia em mim sentiu

Tudo, quando em mim tal cite,

Então é que hei reparado

Que ando mesmo apaixonado.







Legumes



Não quero legumes à mesa da messe

Porque, enfim,

Paguei para que a vaca os comesse

Por mim.





Fácil



É mais fácil dizer sim

À sobremesa em questão,

Que evito a fadiga, assim,

De andar sempre a dizer não.





Político



O político-mor

No seu melhor:



Qualquer cidadão

Com dois dedos de testa

Em si votaria.”



Ah, não!

Isso só não presta.

Só os que têm testa?!

Preciso duma maioria...”





Quiser



É louca a mulher

E o homem, estúpido.

Se, cúpido,

Quiser saber



A razão

Que a mulher apouca,

É que a mulher é louca

De quão estúpidos os homens são.





Acabámos



Acabámos, minha namorada e eu.

Como se eu dela não gostasse!

Ela queria casar-se, entendeu?

Ora, eu não queria que ela casasse...





Dói



Vai ao médico a doente,

Que lhe dói o corpo inteiro.

Mostre!” - diz à paciente

O clínico, ali, primeiro.



Põe ela o dedo no braço

E grita logo de dor.

Na coxa e, com embaraço,

Dum grito contém o horror.



No pé toca, igual esquema

Logo aumenta o alarido.

Diz-lhe o médico: “o problema

É ter o dedo partido!”





Sempre



Sempre estiveste comigo

Nesta vida acidentada:

Passámos pelo perigo,

Pela cabeça pelada,

A falência da família...

- E tu, nem uma quezília...



O ataque de coração,

Quando a nossa casa ardeu,

Na noite do furacão

Quando um raio me atingiu...

- De repente ando a pensar

Que, se calhar, dás-me azar!





Jogas



Se jogas para fugir

À realidade da vida,

Nisto então andas a ir

Com os mais de igual medida:

É por isto, sobretudo,

Que toda a gente faz tudo.





Dinheiro



Dinheiro? Que palermice!

Porque é que tanto o gosto lhe apanho?

Acima ou abaixo de certo nível de ganho

É só preocupação e chatice...





Deitar-lhe



O dinheiro, só por si,

É sempre uma tentação:

Mesmo quem não precisa nunca vi

Senão a deitar-lhe a mão...





Depois



A lição da vida

A aprender,

Só depois de acabada e conseguida

A logro, por norma, entender.



Enfim, depois de quanta asneira a vida nos junca,

Mais vale tarde que nunca.





Fotógrafo



Do fotógrafo a anedota

Conhece bem apanhada?

Pois então tome lá nota:

- Ainda não foi revelada!





Missa



À igreja vão as galinhas

Mui bem postas, é um regalo.

Porquê, será que adivinhas?

- Pois vão à missa do galo!





Pires



À chávena o pires diz,

Arfando muito contente:

- Como me sinto feliz

Com teu rabinho tão quente!





Petiz



Diz o petiz, admirado,

Ao petiz que ao lado acolho:

- Porque é que o mar é salgado?

- Pelo bacalhau de molho.





Pata



Que ocorre quando o elefante

Numa pata apoio aplica?

Sem mais longe ir por diante,

- O pato viúvo fica.





Milagres



Os milagres acontecem”

- Diz o autocolante.

Por entre os carros que ao fresco arrefecem,

Dirijo-me ao condutor do volante:

Desculpe o tempo que me consagre.

Tem por acaso aí algum milagre?”



Sei lá bem

Se, com impacto,

Ele não tem

Algures um bom contacto...





Encontra



Onde é que se encontra o oiro

Dum campo aurífero?

No antro mais pestífero

Onde enterrar um tesoiro:

Nas tabernas, nos hotéis,

Nos bordéis...



Mal o encontra o prospector,

Logo o gasta.

Que valor é que isto tem, que valor,

Se for sempre doutrem a jóia que engasta?





Dever



O dever inspirado pelo temor,

Que alergia!

O dever inspirado pelo amor,

Que alegria!

Por fora, igual presença,

Por dentro, que diferença!



E restam ainda os que só pensam nos factos:

Ou a tal são pelo ambiente

Coactos

Ou nem reparam nos impactos

Ou nem chegam a ser gente.



Quem nega a própria interioridade

Quem julga ser,

Ao de pé se ter:

Duma besta qualquer a superficialidade?



Por muito que arvore juízo,

Que falta de siso!





Prever



Não posso prever o futuro?!

Claro que posso e é sempre certo.

A questão é que, quando o auguro,

Logo ele aproveita este postigo aberto

Para trocar de rosto

Mudando de posto...





Bolso



Dinheiro é apenas dinheiro.

Por isso é bom que, de vez em quando,

Sorrateiro,

Do bolso nos vá deslizando.





Meninas



As meninas bem parecidas

Em geral são burras.

Por isso faz as malas,

Querida entre as queridas,

Porque, quando falas,

Zurras.





Multa



É mesmo de patriota

Rejubilar com a multa, quando mal estaciona,

Porque isto denota

Que o sistema funciona.





Lápis



O lápis é uma singular

Ferramenta:

Pego nele quando me apetece inventar

E ele inventa.