A SANTA IDOLATRIA
BARTOLOMEU VALENTE
AROEIRA, 2015-08-30
QUADRAS DE AMOR
Longe
É o amor modo de ser,
Vai tão longe quanto as preces:
- Nunca deixei de te ver,
Por mais longe que estivesses.
Mal
É amar mal a quem queremos
Querer, sem que lhes agrade,
Que felizes os armemos
Mas contra a sua vontade.
Divino
É o amor dos inimigos
Que do divino tem marca:
É o divino nos umbigos
Humanos que então abarca.
Bem-aventurado
Bem-aventurado é quem
Libertar sabe a alegria
E a nosso lado se atém
Sempre, mesmo no mau dia.
Falta
Não há falta de recursos
Quando da riqueza vão
Os rios talhando os cursos:
- Há falta de coração.
Compaixão
É a compaixão com que vela,
De Deus rosto em térreo pano,
A prática que revela
Deveras o ser humano.
Resolvem
Não são leis, instituições,
Que resolvem os impasses.
Fazem falta corações
Com que os muros ultrapasses.
Família
Família será o lugar
Onde aprendo a trabalhar
Para que o mundo em vigília
Seja inteiro uma família.
Inaugura
Aquele que perde a vida
Pela vida dos demais
Na morte inaugura erguida
Nova terra sem taipais.
Pai
Se Deus é pai em vigília,
Põe-te a família de pé.
- Cria tu, então, família
Com quem família não é!
Diferente
A pessoa a quem amamos
Será sempre diferente.
Senão, para que a escolhamos,
Que houvera de inteligente?
Brandamente
É o amor a mão suave
Empurrando, o gesto fino,
Brandamente, pena de ave,
Para longe o que é destino.
Cavar
Se cavar demasiado
Nos outros profundamente,
Arrisco a ruir-me ao lado
A amizade tida em mente.
Saber
Muitas vezes vida fora
Findei a me apaixonar.
Descubro, contudo, agora:
Não é, não, saber amar.
Árvore
Quando o sol da vida queima
Ou o tufão nos devora,
A amizade cobrir teima
Como árvore protectora.
Acalentam
Os amigos acalentam
Uns aos outros a esperança,
São gentis em quanto tentam
Ao sonhar que o sonho alcança.
Cimeiros
Desde os cumes altaneiros,
Quem nos ama é quem nos veste
Com os valores cimeiros
Em que a vida além investe.
Alvorada
A amizade prolongada,
Jóia do tempo polida,
Finda brilhando, alvorada
Derradeira duma vida.
Caminho
No caminho que nos leva
Para a casa dos amigos,
A erva, por mais que deva,
Não cresce, ruma aos abrigos.
Fundo
O amigo é mais que um afago,
Mergulha fundo nos limos,
Como uma pedra no lago,
Ao fundo das almas imos.
Mão
Abrem à festa uns postigos
Da vida a tal nada atreita:
Um homem sem ter amigos
É esquerda mão sem direita.
Qualidade
A mais bela qualidade
Que mais fundo faz sentido
Na verdadeira amizade:
- Compreender, ser compreendido.
Clarividente
Dizem que o amor é cego,
O que às vezes é evidente.
A amizade beira o pego,
Porém é clarividente.
Alicerce
A amizade é o alicerce
Que nos ampara ao cair
E que trava o rumo, cerce,
De qualquer mundo a ruir.
Conservam
As amizades conservam
Além do que nos degrade:
Velhos amigos preservam
Para sempre a mesma idade.
Sequer
Podes crer, não há perigo
Nem sequer do que aconselho.
Para mim, meu caro amigo,
Tu nunca serás um velho.
Solidão
A amizade até deserta
Das palavras: fazem dó.
É uma solidão liberta
Da angústia de se estar só.
Durarão
Todas as vivências boas
Durarão a vida inteira,
Tal como, sem cobrar loas,
A amizade que joeiras.
Mágica
Mágica a amizade é mais
Do que o amor que fruir:
Mais dura e nunca é demais,
Jamais deixa de existir.
Dores
Porque nos amamos tanto,
Amor às resmas e resmas?
É que as dores, entretanto,
Nossas serão sempre as mesmas.
Solidário
Qualquer um é solidário
Do amigo com dor, sem preço.
Mas bem mais lhe é necessário
Para sê-lo no sucesso.
Verdadeiro
Um amigo verdadeiro
Nunca nos fecha o caminho,
A não ser quando, embusteiro,
Este engane ao ser maninho.
Bondade
Aquele que vem doar
Como acolher a bondade,
Não o da prenda que agrade,
Será o amigo sem par.
Abrigos
Quantas vezes nos criámos
Um ao outro, com ousio,
Como abrigos, feitos ramos
Na fogueira contra o frio!
Colar
Meu amigo, em ti remoço,
Que tu és o meu tesoiro,
És sempre o meu colar de oiro
Em redor do meu pescoço.
Encontrar
Se eu te encontrar algum dia,
Longa após separação,
Como saudar-te devia?
- Só o bater do coração!
Ínfimos
No mundo, tão vasta herdade,
Somos ínfimos implantes
Mas os laços de amizade
A nós tornam-nos gigantes.
Verdadeiro
Quando o amigo é verdadeiro,
Não é um gelo que quebremos,
Geada a fundir Janeiro,
É o chão sólido que temos.
Unido
A felicidade é o mundo
Unido pela amizade,
Uma luz que em vida inundo
Mergulhada em liberdade.
Fonte
Em toda a altura da vida
A amizade é sempre a fonte
Da existência desmedida
Que me brotar no horizonte.
Riso
Não é o riso um mau começo
Para qualquer amizade.
Melhor fito em que eu a meço
É que há-de ser de verdade.
Família
Divertida, aborrecida,
Família, grande ou pequena,
Única instância da vida
Que as mais faz valer a pena.
Sós
Quando a sós, temos a mente
A ver, ouvir e pensar.
Ora, quando houver mais gente,
Mais vozes me irão somar.
Uma
Apenas há uma emoção,
As mais, coroa em redor.
Vê-lo muda tudo então:
- Tudo é uma emoção de amor.
Cultiva
Tudo o que eu sentir é o chão
Que o amor cultiva em norma:
Toda e qualquer emoção
É o amor sob outra forma.
Enamorado
Se te não pesa algum lado,
É indiferente a medida.
Mas tens medo: enamorado
És de ti como da vida.
Agradeço
Tinha um cobertor menino
Que acarinhava o amor
E hoje, longe no destino,
Agradeço ao cobertor.
Coração
Quando fores diferente
E a fundura te ilumine,
És então quanto fascine:
- Coração de toda a gente.
Abre-se
Quando um coração reparte,
Não quer nada molestado,
Abre-se de parte a parte
E é por inteiro então dado.
Sério
O amor sério vive o exemplo
De quaisquer templos sagrados:
É que os pilares do templo
Juntos andam separados.
Teor
É preciso muito amor
Para por fim transformar
Duma qualquer casa o teor
No teor que tem um lar.
Maior
O bem é maior que o mal,
Embora mal haja em tudo.
Mas é o amor que, afinal,
Conquista tudo o que mudo.
Vivos
É o amor que nos mantém
Sempre vivos, no sentido
Que deveras isto tem:
- Mesmo após termos morrido.
Apenas
Apenas mútua paixão
E amizade de raiz
A um casamento darão
O que o tornará feliz.
Coração
Só vai morrer quem não vive
Dos afectos que se tramam
No que jamais se lhe esquive:
O coração dos que o amam.
Perdem
As famílias com poder
Nunca são terreno fácil,
Crescem quezílias a haver,
Perdem o gratuito e grácil.
Pleno
O amor, se o conseguir ir descrevendo,
É que o não estarei vivendo em pleno:
Tão íntimo é o registo em que vai sendo
Que é o inefável no que é tão terreno.
Oiro
Faz novos amigos
Que serão de prata,
Mantendo os antigos
Que o oiro remata.
Riqueza
A riqueza traz abrigos
Mas contém fragilidade:
Ser rico sem ter amigos
É sempre infelicidade.
Fica
É quando ninguém nos quer
Que inda nos fica a esperança
De alguém um dia querer
Gostar de nós sem fiança.
Campeão
Que importa ser campeão
Se não tem ninguém que o ame
Para campeão ser então
Com ele em tudo o que aclame?
Doente
Antes doente de ti
Que impedido de sofrer
Da solidão que sofri
Sem ti, vazio de ser.
Importa
Que me importa donde vim,
Que me importa aonde vou
Se me aconteces assim
Todos os dias que sou?
Segundo
És, em teu olhar tranquilo,
Num segundo,
Aquilo
Que me leva a esquecer o mundo.
Sorrir
Sorrir para um velho
Eis que o anuncia,
Não é destrambelho
É ganhar-lhe o dia.
Conta-me
Minha mãe conta-me histórias
Como para adormecer
E é sempre destas memórias
Que acorda de vez quenquer.
Ouvir
Singular
É o segredo de existir:
- Amar
É também e sobretudo ouvir.
Silêncio
Como dói o silêncio
Do amor que se foi!
Como dói!
- Vence-o, por amor do que sofres, vence-o!
Perfume
O perfume do interior
De teu prazer,
Que país melhor
Para fazer?
Precisa
O amor precisa do corpo, o amor,
Nem que seja a mão para apertar
O frio livor
Do morto que restar.
Melhor
A melhor casa não é a que imite
Os maiores paços,
Mas a que permite
Os melhores abraços.
Paredes
As paredes que separam
Não deviam separar,
Que servem, se bem reparam,
Para proteger o par.
Pé
Tocar-te com o pé debaixo da mesa,
Momento para recordar...
Como o eterno se preza
De ser tão singular!
Porta
Ficamos horas à porta a falar de nada
Por miúdo
E vale uma estrada...
- Vale por tudo!
Gemidos
Gritar gemidos de amor
Para saber que o céu existe,
Saborear da morte o fulgor
Que a vida nos dá nos mistérios que aliste.
Longe
Se um dia ficar longe de ti,
É que fiquei longe da vida.
Então, aí,
Que pode haver de seguida?
Gosto
Gosto tanto mais das pessoas
Quanto mais nelas vislumbro as estrelas
E são assim tão boas
Só porque vives comigo nelas.
Nós
Nada nos apagará de nós,
Nem a morte nos aparta:
A morte não desata os galhos dos nós,
Ata-os de modo que nem a eternidade os parta.
Olha
Só quem olha desde a fundura de dentro,
Agora
Aguenta amar o centro
Desde cá de fora.
Virão
Primeiro chegam as memórias,
Depois virão os actos memoráveis:
Antes de te amar, do amor as glórias
Já me procuravam desde eras infindáveis.
Resiste
É um furor
Tão enfuriado
Que só resiste ao amor
Quem nunca foi amado.
Perdes
No amor o que topas
É que perdes a brida.
Sei lá bem onde param minhas roupas
E sobretudo a vida!
Parede
Quando me dóis
Há uma luminosidade
Que da parede destruída vem depois,
Na misteriosa penumbra da profundidade.
Lentidão
Lentidão, só para reconhecer os pontos cardeais
De tua boca, de teu peito...
Quanto ao mais,
Não é pressa, é da ternura o jeito.
Vale
Quando acenas,
De repente o sol saltita pela minha empena.
És uma pessoa apenas
E já tudo vale a pena.
Máquina
Limpa a máquina do café, limpa,
Afinal, a febril alma.
E o coração, de pé, no peito impa
E do amor afaga cada folha de palma.
Amantes
Os amantes são hóspedes do mundo:
Aí seguem pelo seu
Caminho deslumbrado e fecundo
De céu.
Nunca
Os amores existem no cadinho
Da verdade que inteira nunca está lá.
Basta-lhes um bocadinho
E já está!
Redor
Olho em redor e não
Te vejo, descomedido.
Então
Estou perdido.
Conheço
Não te conheço o que vislumbro aí.
No fim,
A indefinição do eterno a aflorar em ti
É que me apaixona assim.
Conduzo
Conduzo olhando a estrada
Mas é para ti que eu olho:
És tu a inteireza da jornada
Em cada quilómetro do que em mim acolho.
Respirar
Não preciso de ti para respirar,
Não,
Mas para perder a respiração
Ao te olhar.
Suportar
Suportar os meus defeitos
Não to quero, pois a par
O que espero de teus preitos
É que és capaz de os amar.
Mistério
Sou feliz quando a mim olhas
E o mistério das raízes
É que o que daqui recolhas
É que ambos somos felizes.
Sábios
O cientista sabe das veias da tua mão,
Mas não é saber de sábios.
Os sábios é que saberão
Que elas principiam e terminam em meus lábios.
Índio
Índio nativo me descubro,
Do meio-dia em plena escuridão,
Quando, de excitação ao rubro,
Te olho como a descoberta da civilização.
Choque
Há um antes de te tocar
E um depois do toque.
Ninguém logra deveras explicar
O milagre do choque.
Instalares
Trocaria
Todos os amigos do mundo, enfim,
Para te instalares um dia
Em mim.
Vento
Um vento alegre me arrebata
Por cima de toda a folha
Quando teu olhar me desacata,
Quando me de dentro olha.
Olhas
Quando me tu olhas,
Até Deus se cala,
Feitas as escolhas
Com que o mundo abalas.
Luas
Preciso de ti, das quatro luas
Sob o traço,
Para abrir as ruas
Onde passo.
Dói-te
Dói-te a perna e eu coxeio,
Falta-te ar e eu não respiro,
Perdes a voz, não vozeio...
- Sou tu quando me remiro!
Espelho
Espelho
Do poente ao alvor,
A espiar meu artelho:
Amo-te para me ver melhor.
Riso
O riso não implica rir,
Pode apenas me bronzear
À soalheira de teu olhar
E eu a deixar-me ir, deixar-me ir...
Distante
És a minha terra eternamente distante
A que, apesar de tudo, ainda pertenço,
Eu, sempre do portal diante
Que eterno transponho perdido no imenso.
Metade
Metade sonho, metade céu,
Eis o que és,
Mais o indefinível caminho que cresceu
Na intérmina senda das pegadas de teus pés.
Cuidados
Dias solitários
Cheios de gente em redor...
Faltam-me teus cuidados primários,
Quem me vem findar a dor?
Desértica
Sem ti, tudo,
Perdida a magia,
É, sobretudo,
Uma desértica travessia.
Posições
Em todas as posições,
Com ou sem dor nos artelhos,
Não logro contigo senão ilusões
De estar de joelhos.
Ferido
Ferido da vida, no ermo
Do assédio,
Feliz do enfermo
Que te tiver por remédio!
Colo
O teu colo
Onde me acoite
É de rouxinol um solo
Que afasta a noite.
Véu
Quando teu corpo vier,
De todo despido o véu,
Então, mulher,
Vou para o céu.
Percorro-te
Percorro-te como se o mundo
De que todo o mundo se gaba
Em ti acabara, fecundo.
E acaba!
Pequena
És tão pequena!
E de pequena seres é tal o modo
Que mais do que me exalta e serena,
- Ocupa-me todo.
Novena
A vida é tão pequena
Quando, dela no lugar,
Eu disponho da novena
De te poder amar!
Raspão
Tocaste-me de raspão
E foi tão profundamente
Que um vulcão
Explodiu em mim de repente.
Laço
Amamo-nos o mais possível por inteiro.
Um laço terno,
Como tudo, é passageiro.
Por isso é que o tornaremos eterno.
Repouso
Quando nos olhamos,
Um repouso apaziguador chega e ocupa o lugar.
De que mais precisamos
Para continuar?
Chegar
Acontece amor
Apenas quando a poesia
Nem chegar lá poderia,
Fora qual fora o fervor.
Humanidade
A humanidade mói nas despedidas,
Doemo-nos ao nos apartar.
As pegadas são facadas desferidas,
Carrego às costas cada um que amar.
Imaginei-te
Imaginei-te de mil e uma formas
Espreitando-te da vida ao meu postigo.
Em todas sempre noutra te transformas
Mas eu estou lá sempre contigo.
Lonjura
Se pensar não servir
Para amar maior lonjura
Mais vale nem pensar, pese embora a má figura,
Para apenas sentir.
Doem
Há palavras que doem.
Se não atender à palavra atirada,
O próprio grão do amor moem
Até o reduzirem a nada.
Humanidade
Gostamo-nos com humanidade:
Quando calha,
Em lugar de felicidade
Há uma falha.
Solilóquio
O amor é o monólogo
Partilhado,
Do solilóquio o prólogo
De ter-te solidária a meu lado.
Instalar
Muito cuidei, de minha vida
À janela,
Até descobrir que fazer, à medida,
Para te instalar nela.
Fraqueza
A fraqueza o amor adia,
Porém eu não o acabo,
Que amar é também levar a cabo
A derrota interminável da cobardia.
Vejo
Olho-te e vejo a eternidade.
Olhas-me e vês: é verdade.
Quais ideias, ordens ou conselhos?!
- Por dentro de nós andamos sempre de joelhos.
Noite
A noite nada tinha de especial
E foi de sempre a melhor noite:
Deste-me de vez o teu aval,
Terei sempre, no deserto, onde me acoite.
Despedida
O abraço de despedida sabe a perda,
Prenúncio de dor e que dói tanto.
A vida lerda
Dilui-se em pranto.
Sem
Viver uma vida sem ti,
De mil coisas uma ruma.
No fim de contas, tudo aí
Não é viver vida nenhuma.
Sempre
Acama-me
Em teus braços enxutos,
Ama-me, para sempre ama-me
Nestes poucos minutos.
Demanda
Nenhuma parte de mim
De ti me ficou isenta
Na solidão do confim,
Na demanda que me inventa.
Doer
Tem de doer
Onde o nós não for perfeito:
Eu casmurro até mais não ser,
Tu a escavar o que ferir a eito.
Inteiro
Contigo não podia ser a meio,
Nem a três quartos,
Tinha de ser todo inteiro, embora com receio
Duma vida em que tudo são salas de partos.
Mania
Ele queria sofrer,
A mania de tudo dominar.
Ela recusou, não quer.
Então ele fugiu dacolá: ficou dela a par!
Aperto
Amar não bate certo,
Por mais que andemos. E andamos!
Amar é um aperto
De que nunca nos livramos.
Preferir
Ai de mim se preferir a liberdade
Àquilo que és em mim!
Longe de ti: que fatalidade!
Longe de vez: que horror de fim!
Assegurar
Queremo-nos um ao outro segurar
Como quem quer
Assegurar
A possibilidade de viver.
Adivinho
O amor está em tudo.
Adivinho que adivinhas
Que sou um sortudo
Por ele caminhar quando caminhas.
Pequeno
Por mais que seja pleno
É sempre vacuidade:
Amar é um dia pequeno
Para a necessidade.
Velhice
A velhice,
Quando nos amamos,
É sempre a esquisita traquinice
Duma juventude onde parámos.
Cola
É a cola que pega,
A melhor dentre as boas:
O amor chega
Para unir as pessoas.
Solitária
A medida do horror
Uma espada tem primária:
- A morte do amor
É uma dor horrivelmente solitária.
Resolvido
Problema resolvido com humor,
Todas as respostas dadas,
É amor,
Escondido embora nas jogadas.
Cura
Procuro a cura
Das feridas sofridas no recontro.
Acordo à tua procura
E aí então me encontro.
Separa
Aos poucos vamos diluindo
A lonjura que nos separa aos dois
E, embora assim indo,
Não deixamos de ser mais únicos depois.
Registo
Quando acordo, acredito no amor
E acordo todos os dias.
É o meu registo do valor
Das mais-valias.
Parte
Os sonhos contêm
Da vida a melhor parte da trama
De quem
Ama.
Pouco
Fica mais um pouco a cochilar
Assim,
Que lá fora está aquilo que te vem roubar
De mim...
Resignado
Por isto é que, resignado, mordo
Uns aperitivos de caju:
- Quando acordo
Apeteces-me tu!
Connosco
O amor é a maneira, ao errarmos
No mundo tosco,
De nos encontrarmos
Connosco.
Recanto
Preciso de ti a me surpreender
No recanto do jardim
Para saber
De mim.
Espicaçar
Preciso de ti a me espicaçar
Na raia de meu confim
Para pensar
Em mim.
Vivo
Tanto te vivo e te vivi
Sem princípio nem fim
Que preciso de ti
Para precisar de mim.
Sem
Devia ser capaz de ser
Sem de ti precisar?!
Infeliz de quenquer
Que o julgar!
Cuido
De ti cuido com tanto frenesi
Do princípio ao fim
Que preciso de ti
Para cuidar de mim.
Outro
Amor é do outro precisarmos
Para após
Cuidarmos
De nós.
Quero
Porque quero estar vivo?
Liminar,
O motivo
É para te amar.
Preciso
Preciso de estar vivo,
Atento ao que a vida, por fim,
Traz nela cativo,
Porque é a vida que te traz a mim.
Mudei
Mudei a vida
Em toda a escala
Para te poder, na forma devida,
Dedicá-la.
Deixo
Não deixo de ser quem sempre fui,
De ter cabeça com ideias,
De ser quem por ti se intui,
O sangue ao apaixonar de minhas veias.
Mais
É estranho:
Sou mais eu,
Com inteiro ganho,
Sempre que sou teu!
Escraviza-me
Escraviza-me a ti,
Escraviza-te a mim...
- A melodia de fundo do Big-Bang ouvi,
Finalmente, assim!
Intimidade
Na vida à beira
Do deserto,
Intimidade verdadeira
É ver a dor de perto.
Equívoco
Um amor sempre feliz
É um equívoco tão tacanho
Que, de raiz,
É uma tristeza de todo o tamanho.
Morte
A morte custa menos a aguentar
Quando temos
Os ombros de quem amemos
Para chorar.
Aviso
Eu a dormir na noite lisa
E alguém a me morrer...
A morte não avisa
Que uma fatia de mim se vai perder!
Vazio
Da morte o vazio,
Meias esferas que o vácuo aperta violentamente,
Sempre mundo além uniu
Muita gente.
Sem
A morte gelada:
A vida de quem amas a morrer
E tu sem poder
Nada...
Competir
Como competir, impenitente,
Com quanto em mim conformes?
Deus é omnipresente,
Mas é comigo que tu dormes.
Belisco-me
Belisco-me, real, entre gestos bisonhos
De quem mal acreditou.
Só não acredita em sonhos
Quem nunca amou.
Prémio
O amor é providencial:
Para amar, um mundo inteiro,
E logo o teu aval
A dar-me o prémio de primeiro!
Quão
Quão mais te conheço mais te amo.
Os defeitos e as virtudes
São o tramo
Com que mais e mais a ti me grudes.
Partes
São do amor as artes
Que se abriam
Quando encontras em ti partes
Que nem sabias que sentiam.
Primor
Ao ir por diante,
Dos primores o primor,
É que o mais chocante
É sempre o amor.
Saída
A solução mais empreendida
Em todos os assuntos:
Não há saída
Se não sairmos juntos.
Gnómicos
Em trejeitos gnómicos
Muita risada nos vem.
Temos de ser cómicos
Para nos amarmos bem.
Anedota
O amor leva a que a uma anedota se resuma
Até uma tragédia consumada,
Até o que não tem piada nenhuma
Tem piada.
Rir
Amar é saber rir,
Da engrenagem o melhor dos untos:
Juntos continuamos com porvir
Porque ainda rimos juntos.
Envelhecemos
Envelhecemos e tudo em nós descai,
Mas por dentro cantamos serenatas ao serão.
A pele cai,
Nós, não.
Sorte
Minha linha da sorte
Tem claras fronteiras:
Tudo o que quero até à morte
É que até à morte me queiras.
Tanto
A excitação envolve tanto,
Tanto pendor!
Mas, entretanto,
Também amor.
Passo
Passo a vida, enquanto vibre,
A te palpar
E Deus me livre
De o deixar.
Bonita
Ao envelhecer, vais ficar
Mais bonita que jamais
E só eu terei olhar
De em ti ver encantos tais.
Muito
Quando nos conhecemos,
Há muito que nos conhecíamos.
Sei lá bem desde quando é que vivemos
O que nem sabemos que vivíamos!
Muda
Quando olhas para mim
Com teu olhar de miúda,
Em mim algo da fundura sem fim
Para sempre muda.
Antes
Por aqui a fazer
Que andaria eu
Antes de ser
Teu?
Ansioso
O dia ansioso por te amar,
Quando passo a vida
A amar-te, singular
E sem medida...
Automático
Teu sentido prático,
Quando estou em teus braços,
Põe-me em automático
Todos os passos.
Sorris
Sei lá bem
De que terra sou quando sorris!
Só sei que quero ser também
Desse país.
Muros
Pode haver mil muros entre nós,
Que o amor os torna tão hialinos
Que nos veremos atrás deles, após,
No Infindo, cristalinos.
Esticar
Queremos, meu bem, esticar o dia,
Espreguiçar a esperança,
O sonho que quase desabrocharia
Em dança.
Desejo
Temos um desejo incontrolável
De nós
Que nos une, inconfessável,
Enlaçando e enlaçando como manta de retrós.
Chega
O amor que o trilho nos junca,
Alado e leve,
Não chega nunca,
- Sempre lá esteve.
Perca
Nenhuma lágrima é uma perca
Enquanto puder contar
Com tua mão bem cerca
Para a secar.
Que
Que estejamos um do outro saciados
Todos os dias todo o dia,
Que não haja recantos ignorados
Por preencher de magia!
Fronteiras
Ocupas-me todo,
Ocupo-te toda.
Fronteiras fechadas, deste modo
Só entra quem nós quisermos à roda.
Casal
Em cada casal,
Dois egoístas
Que são, no final,
Definitivamente altruístas.
Traço
O abraço
É o metro com que eu entro
A medir, dum traço,
Os indivíduos por dentro.
Até
Saí,
Sei lá bem para onde!
Ia até ti...
O mais ainda bem que se esconde.
Nada
Depois de ti sentia
Com toda a fé
Que nada restaria
De pé.
Conta
Tinha medo de te amar
E, quando tal é a trama,
É porque, sem conta se dar,
Já se ama.
Vesti
Eis que me vesti
Para morrer
Em ti
...E assim para a eternidade viver!
Espera
Que espera de minutos grandes,
Tão diabólica! E tão boa
Desde que a tu comandes,
Embora, para mim, à toa.
Fénix
A fénix gigante a debicar-me o peito,
Vontade louca de fugir dali
E de ficar ali para sempre, sem jeito,
Desde que sujeito a teu cru bisturi.
Carruagem
Ao fundo da carruagem
Estavas tu, inteiramente tua.
Vi logo que contigo esta viagem
Era mesmo para a lua!
Viagem
O amor é assim:
A viagem durou
Até ao fim
E eu sem nenhuma ideia do que demorou!
Pele
O amor nele
Dispõe de tais modos
Que nem precisa de pele
Para nos arrepiar todos.
Prémio
Repara
Quanto meu prémio é um castigo:
Nada pára
Se tu não parares comigo.
Prisioneiro
Sou prisioneiro cuja sentença
Me prende em meu confim.
Só tua presença
Me liberta de mim.
Senhas
Minha vida é uma espera
De que venhas.
E vens: pagas sempre, infalível, as senhas
Da quimera.
Condição
Sou feliz
Na condição de que aconteças.
É sempre por um triz
Mas pagas sempre as promessas.
Basta
Amo-te incondicionalmente.
Basta tu existires
Que, de repente,
Vejo-te ao Infinito a subires.
Contigo
Sem sequer supor
Que estava na planura rasa,
Contigo olhei em redor
E descobri que estava em casa.
Casas
As vivências no lar comum, más ou boas,
As fomes, as sedes...
As casas não são paredes,
São pessoas.
Depois
Depois de te conhecer, as demais
Não valiam uma tentativa.
O vazio era maior nos tremedais
Que o que pode encher qualquer alma viva.
Colibri
Depois de ti,
Tudo o que não foras tu
Me esvaziava mais, colibri
Sem mais flor, feita tabu.
Solitário
Solitário de ti,
Sempre disponível, pronto.
Amar é estar aí,
Mesmo em figura de tonto.
Contingente
Amar,
Embora contingente,
É o único verdadeiro lugar
Que temos em frente.
Meio
Tu ausente,
A cama despovoada,
Eu carente
É a vida já meio acabada.
Veras
Embora estejas presente,
Amo-te com tantas veras
Que, deveras,
Viverei sempre carente.
Desprotegido
És um bebé desprotegido, no rosto de carmim
Que eleges
E, mesmo assim,
Me proteges.
Antes
Conhecemo-nos
De modo tão fundo e tão veloz
Que, amor, sabemo-nos
Antes de nós.
Partilhado
O silêncio partilhado
Coração a coração
Já não é mais desolado:
- Não é apenas solidão.
Livrar-te
Porque sofres entender
Não tento,
Importa é livrar-te de qualquer
Sofrimento.
Falésia
Amar
Uma casa na falésia inaugura,
Com o mar ao fundo, a batalhar,
E a família a sentir-se ali segura.
Beira
À beira do precipício
E sentimo-nos felizes...
Amamo-nos do Infinito no bulício
Das raízes.
Quando
Quando me dou,
Oficialmente teu,
É quando sou
Mais meu.
Pedras
Grande amor é o que resistir
Do cotio às pequenas pedras de tropeço
Que o querem impedir
De crescer o que cresço.
Talha
Cada dia resistimos à vida de cada dia.
Temos um amor que sofre de mão estendida
E do que sofre talha e envia
Vida.
Bem
Nós sofremos tudo bem
Por dentro do coração:
Tudo dentro nos convém,
Nada esconso, tudo à mão.
Contraste
Amar é um contraste activo
No que tem de saboroso:
Amar é tanto enjoativo
Como é tão delicioso!
Saudades
Ter saudades é, de si,
Doutrem ausência de traços.
Tenho saudades de ti
Mesmo preso nos teus braços.
Primeira
A vez primeira, o abraço
Deu para entender que dantes
Em nada lhe encontras traço,
Seja o que for que lá plantes.
Dois
Amar, dois corpos parados,
De olhos fechados a ver,
Sem nada bulir aos lados,
Tudo por dentro a mexer.
Possível
Amar é também fazer
Do possível nossa parte,
Sem questionarmos quenquer
Do que dele há-de ser arte.
Tanto
Amar tanto é companhia
Como estrada acompanhada
E quem a estrada não via
É companhia estragada.
Cumprir
Amar é nunca saber
Se vamos depois cumprir
E depois cumprir quenquer
Sempre fiel, a seguir.
Riso
O riso dela,
Um mero som
E a vida logo cheia, estrela
Incendiada a iluminar o chão.
Força
Uma ausência sentir
É a melhor sentença
Para a força medir
Da presença.
Vazio
A vida é o vazio
Que só te oferece
Quem te ama: desafio
De abandonar-te quem nunca te esquece.
Cheiro
Teu cheiro na solidão...
Caminhas através do cheiro
Para dentro de mim então:
Mesmo só, de nós me abeiro.
Vê
O amor vê tudo
Num além daqui,
Menos o que estiver, sobretudo,
Diante de si.
Piores
Os meus piores momentos
Contigo
Foram os que não vivemos no alumbramento
Do nosso íntimo abrigo.
Ausência
O tamanho da lesão
Duma ausência mede
A fundura da paixão
Donde procede.
Sem
A vida sem amizade,
Seja qual for o poder
Ou a riqueza que houver,
É só tristeza o que a invade.
Sempre
O amor sempre impõe a trama,
Sempre de nós em lugar:
Amamos quem a gente ama,
Não quem mandemos amar.
Cúmulo
Cúmulo da pouca sorte
É não ser amado alguém,
Mas não amar é, porém,
Na infelicidade, a morte.
Saboreio
Quando estou apaixonado,
Saboreio o meu normal:
O amor mostra em todo o lado
Do eterno qual meu sinal.
Desnuda
O amor desnuda os amantes,
Mais do que um do outro em face,
Perante si próprios antes
No espelho daquele enlace.
Fácil
É fácil viver sem ódio,
Muitos jamais o sentiram.
Mas sem amor, mata o bródio
Da vida que nunca viram.
Derrete
Por mais duro que alguém seja,
Derrete ao fogo do amor.
Se não derrete, flameja
Da chama fraco o calor.
Sem
Pode nem ter nome, acaso,
Nem tão lindo ser que arquive...
Verdadeiro é que o aprazo:
Sem um amor ninguém vive.
Harmonia
Em vez da felicidade,
È o amor uma harmonia
A encontrar na opacidade,
Com meu par, no dia-a-dia.
Inseguro
O amor é sempre inseguro.
Quem tem certeza de o ter,
Ou não tem ou tem, impuro,
Um simulacro qualquer.
Férias
Num amor jamais há férias,
Nem nada de parecido,
Vive pleno em gestas sérias
Com tudo, mesmo o aborrido.
Forte
Como forte fica alguém
Quando seguro, de entrada,
De que, mais do que o que tem,
Tem que é gente bem-amada.
Aproximar
Amar tanto é aproximar,
Próximo pôr o distante,
Como espaço ao invés dar
Ao perto demais diante.
Enquanto
Enquanto vives, procura
Amar, que mais que o amor
Nada em vida se afigura
Que se encontrou de melhor.
Fogo
O fogo do amor, à toa,
Não consome nem destrói.
Aquece, ilumina e foi
Sempre o que me aperfeiçoa.
Prevalece
Para não amar alguém
Muito motivo se tece.
Para amá-lo, um só. Porém,
Este sempre prevalece.
Oposição
O amor traz a liberdade;
A lealdade, escravidão.
Na aparência há identidade
Mas, no fundo, há oposição.
Mais
O amor é mais que jucundo,
Mais que fecundo atar nós:
O que amarmos bem do fundo
Torna-se parte de nós.
Nunca
O amor nunca se conjuga
No passado, ou então mente:
Ou para sempre subjuga
Ou nunca amou veramente.
Originalidade
É na originalidade
Da obra da vida inteira
Que o amor diz, de verdade,
Do que for qual é a maneira.
Escapa
Por mais que à razão me incline,
Algo lhe escapa, pressente-se:
- O amor nunca se define,
Sente-se.
Tranquilo
Verdadeiro amor tranquilo
Há-de ser de céu azul,
Mesmo se dentro perfilo
Que em trovões de fé pulule.
Inteiro
Qualquer quantidade pode,
De inteira, se dividir.
Só ao amor não acode:
Dá-se inteiro ao repartir.
Sensato
Um homem sensato pode
Como um doido apaixonar-se,
Contudo dele sacode
A tal como um tolo dar-se.
Prova
É prova de muito amor
Algum desgosto, ao perdê-lo.
Se o desgosto demais for,
Mata o íntimo tal zelo.
Duas
Sou moeda de duas faces:
Nunca posso amar ninguém
Se primeiro, em tais enlaces,
Não amar a mim também.
Saborear
Amar é saborear
Nos braços de quem amamos
Do céu o tronco e os ramos
Que Deus lá depositar.
Passamos
Passamos nós meia vida
À espera de quem amamos,
A outra meia é perdida
Se a perdê-lo pelos tramos.
Manifesta
O amor não se manifesta
No desejo em copular,
Antes no de partilhar
O sonho ao sono da sesta.
Fogo
Sentir o amor das pessoas
Que nós amamos é um fogo
Que alimenta o que apregoas
Vida fora, agora e logo.
Urgência
A vida tem uma urgência singular
Em mudar-nos:
Amar
É ultrapassar-nos.
Perdão
O perdão não é à toa,
É o efeito doutra trama:
Sempre na medida se perdoa
Do que se ama.
Cimos
O amor bebe dos cimos
Do que jamais é presente:
Só amamos o que não possuímos
Inteiramente.
Incompatível
Se a conjuntura do amor
Incompatível devém
Com a função, o valor
Supremo ao amor retém.
Contra
É estranha a propriedade
Contra a corrente a correr:
O amor nunca tem idade,
Pois está sempre a nascer.
Fogo
Embora não imortal,
Pois é fogo onde se apure,
Que o amor seja, afinal,
Infinito enquanto dure.
Risco
O amor corre o risco singular
De perder, separando o que reúna.
De facto, para que nada nos separe,
Só se nada nos una.
Única
O amor
Brota e cresce nos balcões,
Única flor
Sem ajuda das estações.
Nunca
Por querer ou sem querer,
Nunca julgamos
Quenquer
A quem amamos.
Vergonha
Há quem não sinta vergonha
De outro qualquer ter amado
Quando de amor não disponha
Por entre ambos ter findado?
Perto
O amor é querer-se perto,
Se longe (longe é o deserto).
E mais perto se bem perto,
Que dois num é que está certo.
Saímos
Quando pelo amor saímos
De nós próprios é que antolhos
Caem e nos descobrimos
Tais quais ante nossos olhos.
Amantes
Os amantes só reparam
Nos defeitos de quem amam
Se o encantamento param
E então do vácuo reclamam.
Efeitos
Quando julgamos o amor
Por maioria de efeitos,
Mais ao ódio contrapor
O vou que à amizade aos jeitos.
Tempo
É o amor uma paixão
Fora do tempo que auguro:
Não admite o outrora vão
E não admite o futuro.
Ninguém
Ninguém, mesmo sem cultura,
Que não se torne poeta
Quando o amor toma figura
E o agarra preso à seta.
Pouco
Muito pouco ama quem pode
Exprimir já por palavras
O muito amor que lhe acode,
Diz ele, a queimar-lhe as lavras.
Acamam
Num amor sempre se acamam
Bom e mau, é de raiz.
Se duas pessoas se amam,
Não há o total, pois, feliz.
Fluir
Amar sempre é descobrir,
Mesmo numa vida atroz,
Nossa riqueza a fluir,
A fluir fora de nós.
Duvidamos
Quando nós somos amados,
Não duvidamos de nada.
Quando amamos, avariados,
Tudo é dúvida na estrada.
Plenitude
A plenitude é o teor
Do que apela rente, rente...
O homem só pelo amor
Se realiza plenamente.
Lugar
Da integridade o lugar,
Sem faltar nunca à verdade
Nem liberdade ocultar
É, sem par, uma amizade.
Ajusta
Quando se ama de verdade,
Tudo se ajusta.
A fidelidade
Nada custa.
Além
O que fizer por amor,
Se o amor for bem real,
É sempre além do pendor,
Do pendor do bem e mal.
Bom
É tão bom ter-te, tão bom
Que o mais devém secundário.
Este é o problema. E o tom
Nunca muda de sumário.
Gostamos
Do primeiro amor
Gostamos nós mais.
Dos outros, reais,
Gostamos melhor.
Medo
Um homem tem sempre medo
Duma mulher que, fortuito,
Lhe desvendou o segredo
De mulher que o ame muito.
Vemos
Com os olhos
Não o vemos, não,
Ao amor em seus refolhos,
Mas com o coração.
Beijar-te
Uma vez que fosse,
Beijar-te, a fremir,
É a forma mais doce
De sorrir.
Força
O amor é a mais inefável
Das forças de que me inundo,
E a mais potente, infindável
Que pode existir no mundo.
Nascer
Donde irá nascer o amor?
Duma falha do Universo,
Talvez de acaso um error...
- Nunca da vontade é um verso!
Vento
Faz a lonjura ao amor
O que o vento faz ao fogo:
Finda ao pequeno o calor,
O grande inflama onde afogo.
Semelhante
O amor é a capacidade
De entender o semelhante
Por trás da desigualdade
Do que é diverso o bastante.
Cimos
Amamos apenas cimos,
Debaixo, pois, deste tecto:
Amo o que não possuímos
Nunca, nunca por completo.
Nós
Amar é querer que seja,
Não eu e tu, mas um nós
E que o outro que se almeja
Cume de mim seja após.
Ilusão
Do amor a emoção
A todos nos impõe os termos
Da enganadora ilusão
De o outro conhecermos.
Mostrar
És amado apenas quando
Podes mostrar a fraqueza
Nunca a força provocando
Que tua fundura lesa.
Inteira
O prazer do amor nos dura
Apenas por um instante,
Desgosto de amor supura
Pela vida inteira adiante.
Falar
De tanto falar de amor
É nele que nos centramos
E, sem sequer o supor,
Até nos apaixonamos.
Certeza
Para mim é suficiente
Da certeza ter o alento
De que eu e tu, no presente,
Existimos um momento.
Delicioso
O amor é delicioso.
O interesse de quem ama
Confunde-se, saboroso,
Com o do amado, na chama.
União
É o amor uma união
Entre duas solidões
Que se respeitam então
Da vida pelos baldões.
Medida
Toda a medida do amor,
Para além de toda a vida
Iluminar de fulgor,
Será de amar sem medida.
Vantagem
A vantagem dum amor
Sobre uma libertinagem
É multiplicar melhor
Do prazer qualquer triagem.
Primeiro
Num amor quem se curar
Primeiro é quem há ficado,
Sem pelo outro aguardar,
Pelo amor mais bem curado.
Solidão
Amar é dar de presente
Um ao outro a solidão,
Última de si semente
Dos que entre si se darão.
Só
O amor sempre principia
Quando alguém se sentir só
E termina quando um dia
Quer só ficar, já sem dó.
Único
Ficamos enamorados
Quando a gente se dá conta
De que o par, entre encontrados,
Único é de ponta a ponta.
Louco
O amor sabe sempre a pouco,
Donde escangalha a jornada:
O amor ou é louco, louco,
Ou não é amor nem é nada.
Possibilidade
O amor, possibilidade
De dois entes se entreterem
Sem nunca, de idade a idade,
Um doutro se aborrecerem.
Termo
Um só verbo nos liberta
De todo o peso da dor
Duma vida, a mais incerta:
É sempre o verbo do Amor.
Indiferença
Quem vive na indiferença
É aquele que nunca viu
Quem faz de vez a sentença:
O par que não descobriu.
Renunciar
Renunciar ao amor
É mesmo tão insensato
Tal saúde não me impor,
Que o eterno é que eu acato.
Recordar-te
Algo ter a recordar-te
Era admitir que eu, inerte,
Afinal, de minha parte,
Podia um dia esquecer-te.
Nada
Para quem sabe amar bem,
Nada, mesmo o mais incrível,
Com o tempo que convém,
É deveras impossível.
Desastre
Num amor não há desastre
Maior do que a morte em vão,
Encastre após o que encastre,
De toda a imaginação.
Precisos
Nada nos torna no mundo
Precisos seja a quem for,
Mesmo em deserto infecundo,
Nada senão mesmo o amor.
Certeza
De ser amado a certeza
Torna ao tímido robusto,
Torna-o natural à mesa
Da vida que lavra a custo.
Suficiente
Se o coração estiver
Já morto, que nada sente,
Então já viviu quenquer
Muito mais que o suficiente.
Alegria
A alegria vem do amor
E o pior deste momento
É dele o vento me impor
Sempre um ror de sofrimento.
Teme
Aquele que teme o amor
É que vem temendo a vida,
Morto é já sem o supor,
É pegada sem medida.
Mal
O mal,
Seja qual for,
Nunca pode estar, afinal,
No amor.
Mudar
Amar
É a flébil alma
Duma casa que foi calma
Mudar.
Inocência
Todo o verdadeiro amor,
Lá na fundura da essência,
É mais do que é de supor,
É uma segunda inocência.
Trama
Uma lei não tem valor
Se não se enquadrar na trama.
Só existe uma lei no amor,
Tornar feliz a quem se ama.
Problema
Do amor quem vê no problema
Problema de ser amado
Inda não viu que o que tema
É o poder de amar toldado.
Saber
Amar é sempre actuar,
Nunca marcar passo, a ver.
Saber amar não é amar,
Nunca amar é só saber.
Escolho
Em amor é sempre um erro
Falarmos de más escolhas.
Se escolho, o que em mãos encerro
É mau, de excluir outras olhas?
Obrigado
É do amor ser obrigado
A sempre, sempre aumentar,
Sob pena de, nalgum lado,
Enfraquecer e findar.
Escapa
Escapa do afecto terno
Que o tempo mata, fatal:
Só há um amor eterno,
O amor também racional.
Doença
O amor, preso ao sentimento
Que nos arroube total,
Ante a mente é mais tormento,
Grave doença mental.
Estado
Amor é estado final
Em que os homens mais verão
Todas as coisas tal qual
Como de facto não são.
Tropeça
O amor percorre uma estrada
Em que tropeça a miúdo.
Nasce o amor de quase nada
E morre de quase tudo.
Filho
O amor é filho
Da ilusão
E pai do sarilho
Da desilusão.
Beira
É o amor a bela flor
À beira do precipício:
Só coragem e vigor
Para a colher desde início.
Novo
Com medo, o peito bateu,
Sei que de novo nasci:
És a forma de ser eu,
Sou forma de ser-te a ti.
Obra
O amor vem como o trabalho,
É persistência, presença,
É uma obra de arte que talho,
É um acto, nunca sentença.
Turbilhão
É Física o amor
No turbilhão do sentimento
E é Química na fusão do reactor
Do casamento.