A  SANTA  IDOLATRIA

 

 

 

BARTOLOMEU  VALENTE

 

 

AROEIRA, 2015-08-30

 

QUADRAS  DE  AMOR

 

Longe

 

É o amor modo de ser,

Vai tão longe quanto as preces:

- Nunca deixei de te ver,

Por mais longe que estivesses.

 

 

Mal

 

É amar mal a quem queremos

Querer, sem que lhes agrade,

Que felizes os armemos

Mas contra a sua vontade.

 

 

Divino

 

É o amor dos inimigos

Que do divino tem marca:

É o divino nos umbigos

Humanos que então abarca.

 

 

Bem-aventurado

 

Bem-aventurado é quem

Libertar sabe a alegria

E a nosso lado se atém

Sempre, mesmo no mau dia.

 

Falta

 

Não há falta de recursos

Quando da riqueza vão

Os rios talhando os cursos:

- Há falta de coração.

 

 

Compaixão

 

É a compaixão com que vela,

De Deus rosto em térreo pano,

A prática que revela

Deveras o ser humano.

 

 

Resolvem

 

Não são leis, instituições,

Que resolvem os impasses.

Fazem falta corações

Com que os muros ultrapasses.

 

 

Família

 

Família será o lugar

Onde aprendo a trabalhar

Para que o mundo em vigília

Seja inteiro uma família.

 

 

Inaugura

 

Aquele que perde a vida

Pela vida dos demais

Na morte inaugura erguida

Nova terra sem taipais.

 

 

Pai

 

Se Deus é pai em vigília,

Põe-te a família de pé.

- Cria tu, então, família

Com quem família não é!

 

 

Diferente

 

A pessoa a quem amamos

Será sempre diferente.

Senão, para que a escolhamos,

Que houvera de inteligente?

 

 

Brandamente

 

É o amor a mão suave

Empurrando, o gesto fino,

Brandamente, pena de ave,

Para longe o que é destino.

 

 

Cavar

 

Se cavar demasiado

Nos outros profundamente,

Arrisco a ruir-me ao lado

A amizade tida em mente.

 

 

Saber

 

Muitas vezes vida fora

Findei a me apaixonar.

Descubro, contudo, agora:

Não é, não, saber amar.

 

 

Árvore

 

Quando o sol da vida queima

Ou o tufão nos devora,

A amizade cobrir teima

Como árvore protectora.

 

 

Acalentam

 

Os amigos acalentam

Uns aos outros a esperança,

São gentis em quanto tentam

Ao sonhar que o sonho alcança.

 

 

Cimeiros

 

Desde os cumes altaneiros,

Quem nos ama é quem nos veste

Com os valores cimeiros

Em que a vida além investe.

 

 

Alvorada

 

A amizade prolongada,

Jóia do tempo polida,

Finda brilhando, alvorada

Derradeira duma vida.

 

 

Caminho

 

No caminho que nos leva

Para a casa dos amigos,

A erva, por mais que deva,

Não cresce, ruma aos abrigos.

 

 

Fundo

 

O amigo é mais que um afago,

Mergulha fundo nos limos,

Como uma pedra no lago,

Ao fundo das almas imos.

 

 

Mão

 

Abrem à festa uns postigos

Da vida a tal nada atreita:

Um homem sem ter amigos

É esquerda mão sem direita.

 

 

Qualidade

 

A mais bela qualidade

Que mais fundo faz sentido

Na verdadeira amizade:

- Compreender, ser compreendido.

 

 

Clarividente

 

Dizem que o amor é cego,

O que às vezes é evidente.

A amizade beira o pego,

Porém é clarividente.

 

 

Alicerce

 

A amizade é o alicerce

Que nos ampara ao cair

E que trava o rumo, cerce,

De qualquer mundo a ruir.

 

 

Conservam

 

As amizades conservam

Além do que nos degrade:

Velhos amigos preservam

Para sempre a mesma idade.

 

 

Sequer

 

Podes crer, não há perigo

Nem sequer do que aconselho.

Para mim, meu caro amigo,

Tu nunca serás um velho.

 

 

Solidão

 

A amizade até deserta

Das palavras: fazem dó.

É uma solidão liberta

Da angústia de se estar só.

 

 

Durarão

 

Todas as vivências boas

Durarão a vida inteira,

Tal como, sem cobrar loas,

A amizade que joeiras.

 

 

Mágica

 

Mágica a amizade é mais

Do que o amor que fruir:

Mais dura e nunca é demais,

Jamais deixa de existir.

 

 

Dores

 

Porque nos amamos tanto,

Amor às resmas e resmas?

É que as dores, entretanto,

Nossas serão sempre as mesmas.

 

 

Solidário

 

Qualquer um é solidário

Do amigo com dor, sem preço.

Mas bem mais lhe é necessário

Para sê-lo no sucesso.

 

 

Verdadeiro

 

Um amigo verdadeiro

Nunca nos fecha o caminho,

A não ser quando, embusteiro,

Este engane ao ser maninho.

 

 

Bondade

 

Aquele que vem doar

Como acolher a bondade,

Não o da prenda que agrade,

Será o amigo sem par.

 

 

Abrigos

 

Quantas vezes nos criámos

Um ao outro, com ousio,

Como abrigos, feitos ramos

Na fogueira contra o frio!

 

 

Colar

 

Meu amigo, em ti remoço,

Que tu és o meu tesoiro,

És sempre o meu colar de oiro

Em redor do meu pescoço.

 

 

Encontrar

 

Se eu te encontrar algum dia,

Longa após separação,

Como saudar-te devia?

- Só o bater do coração!

 

 

Ínfimos

 

No mundo, tão vasta herdade,

Somos ínfimos implantes

Mas os laços de amizade

A nós tornam-nos gigantes.

 

 

Verdadeiro

 

Quando o amigo é verdadeiro,

Não é um gelo que quebremos,

Geada a fundir Janeiro,

É o chão sólido que temos.

 

 

Unido

 

A felicidade é o mundo

Unido pela amizade,

Uma luz que em vida inundo

Mergulhada em liberdade.

 

 

Fonte

 

Em toda a altura da vida

A amizade é sempre a fonte

Da existência desmedida

Que me brotar no horizonte.

 

 

Riso

 

Não é o riso um mau começo

Para qualquer amizade.

Melhor fito em que eu a meço

É que há-de ser de verdade.

 

 

Família

 

Divertida, aborrecida,

Família, grande ou pequena,

Única instância da vida

Que as mais faz valer a pena.

 

 

Sós

 

Quando a sós, temos a mente

A ver, ouvir e pensar.

Ora, quando houver mais gente,

Mais vozes me irão somar.

 

 

Uma

 

Apenas há uma emoção,

As mais, coroa em redor.

Vê-lo muda tudo então:

- Tudo é uma emoção de amor.

 

 

Cultiva

 

Tudo o que eu sentir é o chão

Que o amor cultiva em norma:

Toda e qualquer emoção

É o amor sob outra forma.

 

 

Enamorado

 

Se te não pesa algum lado,

É indiferente a medida.

Mas tens medo: enamorado

És de ti como da vida.

 

 

Agradeço

 

Tinha um cobertor menino

Que acarinhava o amor

E hoje, longe no destino,

Agradeço ao cobertor.

 

 

Coração

 

Quando fores diferente

E a fundura te ilumine,

És então quanto fascine:

- Coração de toda a gente.

 

 

Abre-se

 

Quando um coração reparte,

Não quer nada molestado,

Abre-se de parte a parte

E é por inteiro então dado.

 

 

Sério

 

O amor sério vive o exemplo

De quaisquer templos sagrados:

É que os pilares do templo

Juntos andam separados.

 

 

Teor

 

É preciso muito amor

Para por fim transformar

Duma qualquer casa o teor

No teor que tem um lar.

 

 

Maior

 

O bem é maior que o mal,

Embora mal haja em tudo.

Mas é o amor que, afinal,

Conquista tudo o que mudo.

 

 

Vivos

 

É o amor que nos mantém

Sempre vivos, no sentido

Que deveras isto tem:

- Mesmo após termos morrido.

 

 

Apenas

 

Apenas mútua paixão

E amizade de raiz

A um casamento darão

O que o tornará feliz.

 

 

Coração

 

Só vai morrer quem não vive

Dos afectos que se tramam

No que jamais se lhe esquive:

O coração dos que o amam.

 

 

Perdem

 

As famílias com poder

Nunca são terreno fácil,

Crescem quezílias a haver,

Perdem o gratuito e grácil.

 

 

Pleno

 

O amor, se o conseguir ir descrevendo,

É que o não estarei vivendo em pleno:

Tão íntimo é o registo em que vai sendo

Que é o inefável no que é tão terreno.

 

 

Oiro

 

Faz novos amigos

Que serão de prata,

Mantendo os antigos

Que o oiro remata.

 

 

Riqueza

 

A riqueza traz abrigos

Mas contém fragilidade:

Ser rico sem ter amigos

É sempre infelicidade.

 

 

Fica

 

É quando ninguém nos quer

Que inda nos fica a esperança

De alguém um dia querer

Gostar de nós sem fiança.

 

 

Campeão

 

Que importa ser campeão

Se não tem ninguém que o ame

Para campeão ser então

Com ele em tudo o que aclame?

 

 

Doente

 

Antes doente de ti

Que impedido de sofrer

Da solidão que sofri

Sem ti, vazio de ser.

 

 

Importa

 

Que me importa donde vim,

Que me importa aonde vou

Se me aconteces assim

Todos os dias que sou?

 

 

Segundo

 

És, em teu olhar tranquilo,

Num segundo,

Aquilo

Que me leva a esquecer o mundo.

 

 

Sorrir

 

Sorrir para um velho

Eis que o anuncia,

Não é destrambelho

É ganhar-lhe o dia.

 

 

Conta-me

 

Minha mãe conta-me histórias

Como para adormecer

E é sempre destas memórias

Que acorda de vez quenquer.

 

 

Ouvir

 

Singular

É o segredo de existir:

- Amar

É também e sobretudo ouvir.

 

 

Silêncio

 

Como dói o silêncio

Do amor que se foi!

Como dói!

- Vence-o, por amor do que sofres, vence-o!

 

 

Perfume

 

O perfume do interior

De teu prazer,

Que país melhor

Para fazer?

 

 

Precisa

 

O amor precisa do corpo, o amor,

Nem que seja a mão para apertar

O frio livor

Do morto que restar.

 

 

Melhor

 

A melhor casa não é a que imite

Os maiores paços,

Mas a que permite

Os melhores abraços.

 

 

Paredes

 

As paredes que separam

Não deviam separar,

Que servem, se bem reparam,

Para proteger o par.

 

 

 

Tocar-te com o pé debaixo da mesa,

Momento para recordar...

Como o eterno se preza

De ser tão singular!

 

 

Porta

 

Ficamos horas à porta a falar de nada

Por miúdo

E vale uma estrada...

- Vale por tudo!

 

 

Gemidos

 

Gritar gemidos de amor

Para saber que o céu existe,

Saborear da morte o fulgor

Que a vida nos dá nos mistérios que aliste.

 

 

Longe

 

Se um dia ficar longe de ti,

É que fiquei longe da vida.

Então, aí,

Que pode haver de seguida?

 

 

Gosto

 

Gosto tanto mais das pessoas

Quanto mais nelas vislumbro as estrelas

E são assim tão boas

Só porque vives comigo nelas.

 

 

Nós

 

Nada nos apagará de nós,

Nem a morte nos aparta:
A morte não desata os galhos dos nós,

Ata-os de modo que nem a eternidade os parta.

 

 

Olha

 

Só quem olha desde a fundura de dentro,

Agora

Aguenta amar o centro

Desde cá de fora.

 

 

Virão

 

Primeiro chegam as memórias,

Depois virão os actos memoráveis:

Antes de te amar, do amor as glórias

Já me procuravam desde eras infindáveis.

 

 

Resiste

 

É um furor

Tão enfuriado

Que só resiste ao amor

Quem nunca foi amado.

 

 

Perdes

 

No amor o que topas

É que perdes a brida.

Sei lá bem onde param minhas roupas

E sobretudo a vida!

 

 

Parede

 

Quando me dóis

Há uma luminosidade

Que da parede destruída vem depois,

Na misteriosa penumbra da profundidade.

 

 

Lentidão

 

Lentidão, só para reconhecer os pontos cardeais

De tua boca, de teu peito...

Quanto ao mais,

Não é pressa, é da ternura o jeito.

 

 

Vale

 

Quando acenas,

De repente o sol saltita pela minha empena.

És uma pessoa apenas

E já tudo vale a pena.

 

 

Máquina

 

Limpa a máquina do café, limpa,

Afinal, a febril alma.

E o coração, de pé, no peito impa

E do amor afaga cada folha de palma.

 

 

Amantes

 

Os amantes são hóspedes do mundo:

Aí seguem pelo seu

Caminho deslumbrado e fecundo

De céu.

 

 

Nunca

 

Os amores existem no cadinho

Da verdade que inteira nunca está lá.

Basta-lhes um bocadinho

E já está!

 

 

Redor

 

Olho em redor e não

Te vejo, descomedido.

Então

Estou perdido.

 

 

Conheço

 

Não te conheço o que vislumbro aí.

No fim,

A indefinição do eterno a aflorar em ti

É que me apaixona assim.

 

 

Conduzo

 

Conduzo olhando a estrada

Mas é para ti que eu olho:

És tu a inteireza da jornada

Em cada quilómetro do que em mim acolho.

 

 

Respirar

 

Não preciso de ti para respirar,

Não,

Mas para perder a respiração

Ao te olhar.

 

 

Suportar

 

Suportar os meus defeitos

Não to quero, pois a par

O que espero de teus preitos

É que és capaz de os amar.

 

 

Mistério

 

Sou feliz quando a mim olhas

E o mistério das raízes

É que o que daqui recolhas

É que ambos somos felizes.

 

 

Sábios

 

O cientista sabe das veias da tua mão,

Mas não é saber de sábios.

Os sábios é que saberão

Que elas principiam e terminam em meus lábios.

 

 

Índio

 

Índio nativo me descubro,

Do meio-dia em plena escuridão,

Quando, de excitação ao rubro,

Te olho como a descoberta da civilização.

 

 

Choque

 

Há um antes de te tocar

E um depois do toque.

Ninguém logra deveras explicar

O milagre do choque.

 

 

Instalares

 

Trocaria

Todos os amigos do mundo, enfim,

Para te instalares um dia

Em mim.

 

 

Vento

 

Um vento alegre me arrebata

Por cima de toda a folha

Quando teu olhar me desacata,

Quando me de dentro olha.

 

 

Olhas

 

Quando me tu olhas,

Até Deus se cala,

Feitas as escolhas

Com que o mundo abalas.

 

 

Luas

 

Preciso de ti, das quatro luas

Sob o traço,

Para abrir as ruas

Onde passo.

 

 

Dói-te

 

Dói-te a perna e eu coxeio,

Falta-te ar e eu não respiro,

Perdes a voz, não vozeio...

- Sou tu quando me remiro!

 

 

Espelho

 

Espelho

Do poente ao alvor,

A espiar meu artelho:

Amo-te para me ver melhor.

 

 

Riso

 

O riso não implica rir,

Pode apenas me bronzear

À soalheira de teu olhar

E eu a deixar-me ir, deixar-me ir...

 

 

Distante

 

És a minha terra eternamente distante

A que, apesar de tudo, ainda pertenço,

Eu, sempre do portal diante

Que eterno transponho perdido no imenso.

 

 

Metade

 

Metade sonho, metade céu,

Eis o que és,

Mais o indefinível caminho que cresceu

Na intérmina senda das pegadas de teus pés.

 

 

Cuidados

 

Dias solitários

Cheios de gente em redor...

Faltam-me teus cuidados primários,

Quem me vem findar a dor?

 

 

Desértica

 

Sem ti, tudo,

Perdida a magia,

É, sobretudo,

Uma desértica travessia.

 

 

Posições

 

Em todas as posições,

Com ou sem dor nos artelhos,

Não logro contigo senão ilusões

De estar de joelhos.

 

 

Ferido

 

Ferido da vida, no ermo

Do assédio,

Feliz do enfermo

Que te tiver por remédio!

 

 

Colo

 

O teu colo

Onde me acoite

É de rouxinol um solo

Que afasta a noite.

 

 

Véu

 

Quando teu corpo vier,

De todo despido o véu,

Então, mulher,

Vou para o céu.

 

 

Percorro-te

 

Percorro-te como se o mundo

De que todo o mundo se gaba

Em ti acabara, fecundo.

E acaba!

 

 

Pequena

 

És tão pequena!

E de pequena seres é tal o modo

Que mais do que me exalta e serena,

- Ocupa-me todo.

 

 

Novena

 

A vida é tão pequena

Quando, dela no lugar,

Eu disponho da novena

De te poder amar!

 

 

Raspão

 

Tocaste-me de raspão

E foi tão profundamente

Que um vulcão

Explodiu em mim de repente.

 

 

Laço

 

Amamo-nos o mais possível por inteiro.

Um laço terno,

Como tudo, é passageiro.

Por isso é que o tornaremos eterno.

 

 

Repouso

 

Quando nos olhamos,

Um repouso apaziguador chega e ocupa o lugar.

De que mais precisamos

Para continuar?

 

 

Chegar

 

Acontece amor

Apenas quando a poesia

Nem chegar lá poderia,

Fora qual fora o fervor.

 

 

Humanidade

 

A humanidade mói nas despedidas,

Doemo-nos ao nos apartar.

As pegadas são facadas desferidas,

Carrego às costas cada um que amar.

 

 

Imaginei-te

 

Imaginei-te de mil e uma formas

Espreitando-te da vida ao meu postigo.

Em todas sempre noutra te transformas

Mas eu estou lá sempre contigo.

 

 

Lonjura

 

Se pensar não servir

Para amar maior lonjura

Mais vale nem pensar, pese embora a má figura,

Para apenas sentir.

 

 

Doem

 

Há palavras que doem.

Se não atender à palavra atirada,

O próprio grão do amor moem

Até o reduzirem a nada.

 

 

Humanidade

 

Gostamo-nos com humanidade:

Quando calha,

Em lugar de felicidade

Há uma falha.

 

 

Solilóquio

 

O amor é o monólogo

Partilhado,

Do solilóquio o prólogo

De ter-te solidária a meu lado.

 

 

Instalar

 

Muito cuidei, de minha vida

À janela,

Até descobrir que fazer, à medida,

Para te instalar nela.

 

 

Fraqueza

 

A fraqueza o amor adia,

Porém eu não o acabo,

Que amar é também levar a cabo

A derrota interminável da cobardia.

 

 

Vejo

 

Olho-te e vejo a eternidade.

Olhas-me e vês: é verdade.

Quais ideias, ordens ou conselhos?!

- Por dentro de nós andamos sempre de joelhos.

 

 

Noite

 

A noite nada tinha de especial

E foi de sempre a melhor noite:

Deste-me de vez o teu aval,

Terei sempre, no deserto, onde me acoite.

 

 

Despedida

 

O abraço de despedida sabe a perda,

Prenúncio de dor e que dói tanto.

A vida lerda

Dilui-se em pranto.

 

 

Sem

 

Viver uma vida sem ti,

De mil coisas uma ruma.

No fim de contas, tudo aí

Não é viver vida nenhuma.

 

 

Sempre

 

Acama-me

Em teus braços enxutos,

Ama-me, para sempre ama-me

Nestes poucos minutos.

 

 

Demanda

 

Nenhuma parte de mim

De ti me ficou isenta

Na solidão do confim,

Na demanda que me inventa.

 

 

Doer

 

Tem de doer

Onde o nós não for perfeito:

Eu casmurro até mais não ser,

Tu a escavar o que ferir a eito.

 

 

Inteiro

 

Contigo não podia ser a meio,

Nem a três quartos,

Tinha de ser todo inteiro, embora com receio

Duma vida em que tudo são salas de partos.

 

 

Mania

 

Ele queria sofrer,

A mania de tudo dominar.

Ela recusou, não quer.

Então ele fugiu dacolá: ficou dela a par!

 

 

Aperto

 

Amar não bate certo,

Por mais que andemos. E andamos!

Amar é um aperto

De que nunca nos livramos.

 

 

Preferir

 

Ai de mim se preferir a liberdade

Àquilo que és em mim!

Longe de ti: que fatalidade!

Longe de vez: que horror de fim!

 

 

Assegurar

 

Queremo-nos um ao outro segurar

Como quem quer

Assegurar

A possibilidade de viver.

 

 

Adivinho

 

O amor está em tudo.

Adivinho que adivinhas

Que sou um sortudo

Por ele caminhar quando caminhas.

 

 

Pequeno

 

Por mais que seja pleno

É sempre vacuidade:

Amar é um dia pequeno

Para a necessidade.

 

 

Velhice

 

A velhice,

Quando nos amamos,

É sempre a esquisita traquinice

Duma juventude onde parámos.

 

 

Cola

 

É a cola que pega,

A melhor dentre as boas:

O amor chega

Para unir as pessoas.

 

 

Solitária

 

A medida do horror

Uma espada tem primária:
- A morte do amor

É uma dor horrivelmente solitária.

 

 

Resolvido

 

Problema resolvido com humor,

Todas as respostas dadas,

É amor,

Escondido embora nas jogadas.

 

 

Cura

 

Procuro a cura

Das feridas sofridas no recontro.

Acordo à tua procura

E aí então me encontro.

 

 

Separa

 

Aos poucos vamos diluindo

A lonjura que nos separa aos dois

E, embora assim indo,

Não deixamos de ser mais únicos depois.

 

 

Registo

 

Quando acordo, acredito no amor

E acordo todos os dias.

É o meu registo do valor

Das mais-valias.

 

 

Parte

 

Os sonhos contêm

Da vida a melhor parte da trama

De quem

 Ama.

 

 

Pouco

 

Fica mais um pouco a cochilar

Assim,

Que lá fora está aquilo que te vem roubar

De mim...

 

 

Resignado

 

Por isto é que, resignado, mordo

Uns aperitivos de caju:

- Quando acordo

Apeteces-me tu!

 

 

Connosco

 

O amor é a maneira, ao errarmos

No mundo tosco,

De nos encontrarmos

Connosco.

 

 

Recanto

 

Preciso de ti a me surpreender

No recanto do jardim

Para saber

De mim.

 

 

Espicaçar

 

Preciso de ti a me espicaçar

Na raia de meu confim

Para pensar

Em mim.

 

 

Vivo

 

Tanto te vivo e te vivi

Sem princípio nem fim

Que preciso de ti

Para precisar de mim.

 

 

Sem

 

Devia ser capaz de ser

Sem de ti precisar?!

Infeliz de quenquer

Que o julgar!

 

 

Cuido

 

De ti cuido com tanto frenesi

Do princípio ao fim

Que preciso de ti

Para cuidar de mim.

 

 

Outro

 

Amor é do outro precisarmos

Para após

Cuidarmos

De nós.

 

 

Quero

 

Porque quero estar vivo?

Liminar,

O motivo

É para te amar.

 

 

Preciso

 

Preciso de estar vivo,

Atento ao que a vida, por fim,

Traz nela cativo,

Porque é a vida que te traz a mim.

 

 

Mudei

 

Mudei a vida

Em toda a escala

Para te poder, na forma devida,

Dedicá-la.

 

 

Deixo

 

Não deixo de ser quem sempre fui,

De ter cabeça com ideias,

De ser quem por ti se intui,

O sangue ao apaixonar de minhas veias.

 

 

Mais

 

É estranho:

Sou mais eu,

Com inteiro ganho,

Sempre que sou teu!

 

 

Escraviza-me

 

Escraviza-me a ti,

Escraviza-te a mim...

- A melodia de fundo do Big-Bang ouvi,

Finalmente, assim!

 

 

Intimidade

 

Na vida à beira

Do deserto,

Intimidade verdadeira

É ver a dor de perto.

 

 

Equívoco

 

Um amor sempre feliz

É um equívoco tão tacanho

Que, de raiz,

É uma tristeza de todo o tamanho.

 

 

Morte

 

A morte custa menos a aguentar

Quando temos

Os ombros de quem amemos

Para chorar.

 

 

Aviso

 

Eu a dormir na noite lisa

E alguém a me morrer...

A morte não avisa

Que uma fatia de mim se vai perder!

 

 

Vazio

 

Da morte o vazio,

Meias esferas que o vácuo aperta violentamente,

Sempre mundo além uniu

Muita gente.

 

 

Sem

 

A morte gelada:

A vida de quem amas a morrer

E tu sem poder

Nada...

 

 

Competir

 

Como competir, impenitente,

Com quanto em mim conformes?

Deus é omnipresente,

Mas é comigo que tu dormes.

 

 

Belisco-me

 

Belisco-me, real, entre gestos bisonhos

De quem mal acreditou.

Só não acredita em sonhos

Quem nunca amou.

 

 

Prémio

 

O amor é providencial:

Para amar, um mundo inteiro,

E logo o teu aval

A dar-me o prémio de primeiro!

 

 

Quão

 

Quão mais te conheço mais te amo.

Os defeitos e as virtudes

São o tramo

Com que mais e mais a ti me grudes.

 

 

Partes

 

São do amor as artes

Que se abriam

Quando encontras em ti partes

Que nem sabias que sentiam.

 

 

Primor

 

Ao ir por diante,

Dos primores o primor,

É que o mais chocante

É sempre o amor.

 

 

Saída

 

A solução mais empreendida

Em todos os assuntos:

Não há saída

Se não sairmos juntos.

 

 

Gnómicos

 

Em trejeitos gnómicos

Muita risada nos vem.

Temos de ser cómicos

Para nos amarmos bem.

 

 

Anedota

 

O amor leva a que a uma anedota se resuma

Até uma tragédia consumada,

Até o que não tem piada nenhuma

Tem piada.

 

 

Rir

 

Amar é saber rir,

Da engrenagem o melhor dos untos:

Juntos continuamos com porvir

Porque ainda rimos juntos.

 

 

Envelhecemos

 

Envelhecemos e tudo em nós descai,

Mas por dentro cantamos serenatas ao serão.

A pele cai,

Nós, não.

 

 

Sorte

 

Minha linha da sorte

Tem claras fronteiras:

Tudo o que quero até à morte

É que até à morte me queiras.

 

 

Tanto

 

A excitação envolve tanto,

Tanto pendor!

Mas, entretanto,

Também amor.

 

 

Passo

 

Passo a vida, enquanto vibre,

A te palpar

E Deus me livre

De o deixar.

 

 

Bonita

 

Ao envelhecer, vais ficar

Mais bonita que jamais

E só eu terei olhar

De em ti ver encantos tais.

 

 

Muito

 

Quando nos conhecemos,

Há muito que nos conhecíamos.

Sei lá bem desde quando é que vivemos

O que nem sabemos que vivíamos!

 

 

Muda

 

Quando olhas para mim

Com teu olhar de miúda,

Em mim algo da fundura sem fim

Para sempre muda.

 

 

Antes

 

Por aqui a fazer

Que andaria eu

Antes de ser

Teu?

 

 

Ansioso

 

O dia ansioso por te amar,

Quando passo a vida

A amar-te, singular

E sem medida...

 

 

Automático

 

Teu sentido prático,

Quando estou em teus braços,

Põe-me em automático

Todos os passos.

 

 

Sorris

 

Sei lá bem

De que terra sou quando sorris!

Só sei que quero ser também

Desse país.

 

 

Muros

 

Pode haver mil muros entre nós,

Que o amor os torna tão hialinos

Que nos veremos atrás deles, após,

No Infindo, cristalinos.

 

 

Esticar

 

Queremos, meu bem, esticar o dia,

Espreguiçar a esperança,

O sonho que quase desabrocharia

Em dança.

 

 

Desejo

 

Temos um desejo incontrolável

De nós

Que nos une, inconfessável,

Enlaçando e enlaçando como manta de retrós.

 

 

Chega

 

O amor que o trilho nos junca,

Alado e leve,

Não chega nunca,

- Sempre lá esteve.

 

 

Perca

 

Nenhuma lágrima é uma perca

Enquanto puder contar

Com tua mão bem cerca

Para a secar.

 

 

Que

 

Que estejamos um do outro saciados

Todos os dias todo o dia,

Que não haja recantos ignorados

Por preencher de magia!

 

 

Fronteiras

 

Ocupas-me todo,

Ocupo-te toda.

Fronteiras fechadas, deste modo

Só entra quem nós quisermos à roda.

 

 

Casal

 

Em cada casal,

Dois egoístas

Que são, no final,

Definitivamente altruístas.

 

 

Traço

 

O abraço

É o metro com que eu entro

A medir, dum traço,

Os indivíduos por dentro.

 

 

Até

 

Saí,

Sei lá bem para onde!

Ia até ti...

O mais ainda bem que se esconde.

 

 

Nada

 

Depois de ti sentia

Com toda a fé

Que nada restaria

De pé.

 

 

Conta

 

Tinha medo de te amar

E, quando tal é a trama,

É porque, sem conta se dar,

Já se ama.

 

 

Vesti

 

Eis que me vesti

Para morrer

Em ti

...E assim para a eternidade viver!

 

 

Espera

 

Que espera de minutos grandes,

Tão diabólica! E tão boa

Desde que a tu comandes,

Embora, para mim, à toa.

 

 

Fénix

 

A fénix gigante a debicar-me o peito,

Vontade louca de fugir dali

E de ficar ali para sempre, sem jeito,

Desde que sujeito a teu cru bisturi.

 

 

Carruagem

 

Ao fundo da carruagem

Estavas tu, inteiramente tua.

Vi logo que contigo esta viagem

Era mesmo para a lua!

 

 

Viagem

 

O amor é assim:

A viagem durou

Até ao fim

E eu sem nenhuma ideia do que demorou!

 

 

Pele

 

O amor nele

Dispõe de tais modos

Que nem precisa de pele

Para nos arrepiar todos.

 

 

Prémio

 

Repara
Quanto meu prémio é um castigo:

Nada pára

Se tu não parares comigo.

 

 

Prisioneiro

 

Sou prisioneiro cuja sentença

Me prende em meu confim.

Só tua presença

Me liberta de mim.

 

 

Senhas

 

Minha vida é uma espera

De que venhas.

E vens: pagas sempre, infalível, as senhas

Da quimera.

 

 

Condição

 

Sou feliz

Na condição de que aconteças.

É sempre por um triz

Mas pagas sempre as promessas.

 

 

Basta

 

Amo-te incondicionalmente.

Basta tu existires

Que, de repente,

Vejo-te ao Infinito a subires.

 

 

Contigo

 

Sem sequer supor

Que estava na planura rasa,

Contigo olhei em redor

E descobri que estava em casa.

 

 

Casas

 

As vivências no lar comum, más ou boas,

As fomes, as sedes...

As casas não são paredes,

São pessoas.

 

 

Depois

 

Depois de te conhecer, as demais

Não valiam uma tentativa.

O vazio era maior nos tremedais

Que o que pode encher qualquer alma viva.

 

 

Colibri

 

Depois de ti,

Tudo o que não foras tu

Me esvaziava mais, colibri

Sem mais flor, feita tabu.

 

 

Solitário

 

Solitário de ti,

Sempre disponível, pronto.

Amar é estar aí,

Mesmo em figura de tonto.

 

 

Contingente

 

Amar,

Embora contingente,

É o único verdadeiro lugar

Que temos em frente.

 

 

Meio

 

Tu ausente,

A cama despovoada,

Eu carente

É a vida já meio acabada.

 

 

Veras

 

Embora estejas presente,

Amo-te com tantas veras

Que, deveras,

Viverei sempre carente.

 

 

Desprotegido

 

És um bebé desprotegido, no rosto de carmim

Que eleges

E, mesmo assim,

Me proteges.

 

 

Antes

 

Conhecemo-nos

De modo tão fundo e tão veloz

Que, amor, sabemo-nos

Antes de nós.

 

 

Partilhado

 

O silêncio partilhado

Coração a coração

Já não é mais desolado:

- Não é apenas solidão.

 

 

Livrar-te

 

Porque sofres entender

Não tento,

Importa é livrar-te de qualquer

Sofrimento.

 

 

Falésia

 

Amar

Uma casa na falésia inaugura,

Com o mar ao fundo, a batalhar,

E a família a sentir-se ali segura.

 

 

Beira

 

À beira do precipício

E sentimo-nos felizes...

Amamo-nos do Infinito no bulício

Das raízes.

 

 

Quando

 

Quando me dou,

Oficialmente teu,

É quando sou

Mais meu.

 

 

Pedras

 

Grande amor é o que resistir

Do cotio às pequenas pedras de tropeço

Que o querem impedir

De crescer o que cresço.

 

 

Talha

 

Cada dia resistimos à vida de cada dia.

Temos um amor que sofre de mão estendida

E do que sofre talha e envia

Vida.

 

 

Bem

 

Nós sofremos tudo bem

Por dentro do coração:

Tudo dentro nos convém,

Nada esconso, tudo à mão.

 

 

Contraste

 

Amar é um contraste activo

No que tem de saboroso:

Amar é tanto enjoativo

Como é tão delicioso!

 

 

Saudades

 

Ter saudades é, de si,

Doutrem ausência de traços.

Tenho saudades de ti

Mesmo preso nos teus braços.

 

 

Primeira

 

A vez primeira, o abraço

Deu para entender que dantes

Em nada lhe encontras traço,

Seja o que for que lá plantes.

 

 

Dois

 

Amar, dois corpos parados,

De olhos fechados a ver,

Sem nada bulir aos lados,

Tudo por dentro a mexer.

 

 

Possível

 

Amar é também fazer

Do possível nossa parte,

Sem questionarmos quenquer

Do que dele há-de ser arte.

 

 

Tanto

 

Amar tanto é companhia

Como estrada acompanhada

E quem a estrada não via

É companhia estragada.

 

 

Cumprir

 

Amar é nunca saber

Se vamos depois cumprir

E depois cumprir quenquer

Sempre fiel, a seguir.

 

 

Riso

 

O riso dela,

Um mero som

E a vida logo cheia, estrela

Incendiada a iluminar o chão.

 

 

Força

 

Uma ausência sentir

É a melhor sentença

Para a força medir

Da presença.

 

 

Vazio

 

A vida é o vazio

Que só te oferece

Quem te ama: desafio

De abandonar-te quem nunca te esquece.

 

 

Cheiro

 

Teu cheiro na solidão...

Caminhas através do cheiro

Para dentro de mim então:

Mesmo só, de nós me abeiro.

 

 

 

O amor vê tudo

Num além daqui,

Menos o que estiver, sobretudo,

Diante de si.

 

 

Piores

 

Os meus piores momentos

Contigo

Foram os que não vivemos no alumbramento

Do nosso íntimo abrigo.

 

 

Ausência

 

O tamanho da lesão

Duma ausência mede

A fundura da paixão

Donde procede.

 

 

Sem

 

A vida sem amizade,

Seja qual for o poder

Ou a riqueza que houver,

É só tristeza o que a invade.

 

 

Sempre

 

O amor sempre impõe a trama,

Sempre de nós em lugar:

Amamos quem a gente ama,

Não quem mandemos amar.

 

 

Cúmulo

 

Cúmulo da pouca sorte

É não ser amado alguém,

Mas não amar é, porém,

Na infelicidade, a morte.

 

 

Saboreio

 

Quando estou apaixonado,

Saboreio o meu normal:

O amor mostra em todo o lado

Do eterno qual meu sinal.

 

 

Desnuda

 

O amor desnuda os amantes,

Mais do que um do outro em face,

Perante si próprios antes

No espelho daquele enlace.

 

 

Fácil

 

É fácil viver sem ódio,

Muitos jamais o sentiram.

Mas sem amor, mata o bródio

Da vida que nunca viram.

 

 

Derrete

 

Por mais duro que alguém seja,

Derrete ao fogo do amor.

Se não derrete, flameja

Da chama fraco o calor.

 

 

Sem

 

Pode nem ter nome, acaso,

Nem tão lindo ser que arquive...

Verdadeiro é que o aprazo:

Sem um amor ninguém vive.

 

 

Harmonia

 

Em vez da felicidade,

È o amor uma harmonia

A encontrar na opacidade,

Com meu par, no dia-a-dia.

 

 

Inseguro

 

O amor é sempre inseguro.

Quem tem certeza de o ter,

Ou não tem ou tem, impuro,

Um simulacro qualquer.

 

 

Férias

 

Num amor jamais há férias,

Nem nada de parecido,

Vive pleno em gestas sérias

Com tudo, mesmo o aborrido.

 

 

Forte

 

Como forte fica alguém

Quando seguro, de entrada,

De que, mais do que o que tem,

Tem que é gente bem-amada.

 

 

Aproximar

 

Amar tanto é aproximar,

Próximo pôr o distante,

Como espaço ao invés dar

Ao perto demais diante.

 

 

Enquanto

 

Enquanto vives, procura

Amar, que mais que o amor

Nada em vida se afigura

Que se encontrou de melhor.

 

 

Fogo

 

O fogo do amor, à toa,

Não consome nem destrói.

Aquece, ilumina e foi

Sempre o que me aperfeiçoa.

 

 

Prevalece

 

Para não amar alguém

Muito motivo se tece.

Para amá-lo, um só. Porém,

Este sempre prevalece.

 

 

Oposição

 

O amor traz a liberdade;

A lealdade, escravidão.

Na aparência há identidade

Mas, no fundo, há oposição.

 

 

Mais

 

O amor é mais que jucundo,

Mais que fecundo atar nós:

O que amarmos bem do fundo

Torna-se parte de nós.

 

 

Nunca

 

O amor nunca se conjuga

No passado, ou então mente:

Ou para sempre subjuga

Ou nunca amou veramente.

 

 

Originalidade

 

É na originalidade

Da obra da vida inteira

Que o amor diz, de verdade,

Do que for qual é a maneira.

 

 

Escapa

 

Por mais que à razão me incline,

Algo lhe escapa, pressente-se:

- O amor nunca se define,

Sente-se.

 

 

Tranquilo

 

Verdadeiro amor tranquilo

Há-de ser de céu azul,

Mesmo se dentro perfilo

Que em trovões de fé pulule.

 

 

Inteiro

 

Qualquer quantidade pode,

De inteira, se dividir.

Só ao amor não acode:

Dá-se inteiro ao repartir.

 

 

Sensato

 

Um homem sensato pode

Como um doido apaixonar-se,

Contudo dele sacode

A tal como um tolo dar-se.

 

 

Prova

 

É prova de muito amor

Algum desgosto, ao perdê-lo.

Se o desgosto demais for,

Mata o íntimo tal zelo.

 

 

Duas

 

Sou moeda de duas faces:

Nunca posso amar ninguém

Se primeiro, em tais enlaces,

Não amar a mim também.

 

 

Saborear

 

Amar é saborear

Nos braços de quem amamos

Do céu o tronco e os ramos

Que Deus lá depositar.

 

 

Passamos

 

Passamos nós meia vida

À espera de quem amamos,

A outra meia é perdida

Se a perdê-lo pelos tramos.

 

 

Manifesta

 

O amor não se manifesta

No desejo em copular,

Antes no de partilhar

O sonho ao sono da sesta.

 

 

Fogo

 

Sentir o amor das pessoas

Que nós amamos é um fogo

Que alimenta o que apregoas

Vida fora, agora e logo.

 

 

Urgência

 

A vida tem uma urgência singular

Em mudar-nos:

Amar

É ultrapassar-nos.

 

 

Perdão

 

O perdão não é à toa,

É o efeito doutra trama:

Sempre na medida se perdoa

Do que se ama.

 

 

Cimos

 

O amor bebe dos cimos

Do que jamais é presente:

Só amamos o que não possuímos

Inteiramente.

 

 

Incompatível

 

Se a conjuntura do amor

Incompatível devém

Com a função, o valor

Supremo ao amor retém.

 

 

Contra

 

É estranha a propriedade

Contra a corrente a correr:

O amor nunca tem idade,

Pois está sempre a nascer.

 

 

Fogo

 

Embora não imortal,

Pois é fogo onde se apure,

Que o amor seja, afinal,

Infinito enquanto dure.

 

 

Risco

 

O amor corre o risco singular

De perder, separando o que reúna.

De facto, para que nada nos separe,

Só se nada nos una.

 

 

Única

 

O amor

Brota e cresce nos balcões,

Única flor

Sem ajuda das estações.

 

 

Nunca

 

Por querer ou sem querer,

Nunca julgamos

Quenquer

A quem amamos.

 

 

Vergonha

 

Há quem não sinta vergonha

De outro qualquer ter amado

Quando de amor não disponha

Por entre ambos ter findado?

 

 

Perto

 

O amor é querer-se perto,

Se longe (longe é o deserto).

E mais perto se bem perto,

Que dois num é que está certo.

 

 

Saímos

 

Quando pelo amor saímos

De nós próprios é que antolhos

Caem e nos descobrimos

Tais quais ante nossos olhos.

 

 

Amantes

 

Os amantes só reparam

Nos defeitos de quem amam

Se o encantamento param

E então do vácuo reclamam.

 

 

Efeitos

 

Quando julgamos o amor

Por maioria de efeitos,

Mais ao ódio contrapor

O vou que à amizade aos jeitos.

 

 

Tempo

 

É o amor uma paixão

Fora do tempo que auguro:

Não admite o outrora vão

E não admite o futuro.

 

 

Ninguém

 

Ninguém, mesmo sem cultura,

Que não se torne poeta

Quando o amor toma figura

E o agarra preso à seta.

 

 

Pouco

 

Muito pouco ama quem pode

Exprimir já por palavras

O muito amor que lhe acode,

Diz ele, a queimar-lhe as lavras.

 

 

Acamam

 

Num amor sempre se acamam

Bom e mau, é de raiz.

Se duas pessoas se amam,

Não há o total, pois, feliz.

 

 

Fluir

 

Amar sempre é descobrir,

Mesmo numa vida atroz,

Nossa riqueza a fluir,

A fluir fora de nós.

 

 

Duvidamos

 

Quando nós somos amados,

Não duvidamos de nada.

Quando amamos, avariados,

Tudo é dúvida na estrada.

 

 

Plenitude

 

A plenitude é o teor

Do que apela rente, rente...

O homem só pelo amor

Se realiza plenamente.

 

 

Lugar

 

Da integridade o lugar,

Sem faltar nunca à verdade

Nem liberdade ocultar

É, sem par, uma amizade.

 

 

Ajusta

 

Quando se ama de verdade,

Tudo se ajusta.

A fidelidade

Nada custa.

 

 

Além

 

O que fizer por amor,

Se o amor for bem real,

É sempre além do pendor,

Do pendor do bem e mal.

 

 

Bom

 

É tão bom ter-te, tão bom

Que o mais devém secundário.

Este é o problema. E o tom

Nunca muda de sumário.

 

 

Gostamos

 

Do primeiro amor

Gostamos nós mais.

Dos outros, reais,

Gostamos melhor.

 

 

Medo

 

Um homem tem sempre medo

Duma mulher que, fortuito,

Lhe desvendou o segredo

De mulher que o ame muito.

 

 

Vemos

 

Com os olhos

Não o vemos, não,

Ao amor em seus refolhos,

Mas com o coração.

 

 

Beijar-te

 

Uma vez que fosse,

Beijar-te, a fremir,

É a forma mais doce

De sorrir.

 

 

Força

 

O amor é a mais inefável

Das forças de que me inundo,

E a mais potente, infindável

Que pode existir no mundo.

 

 

Nascer

 

Donde irá nascer o amor?

Duma falha do Universo,

Talvez de acaso um error...

- Nunca da vontade é um verso!

 

 

Vento

 

Faz a lonjura ao amor

O que o vento faz ao fogo:

Finda ao pequeno o calor,

O grande inflama onde afogo.

 

 

Semelhante

 

O amor é a capacidade

De entender o semelhante

Por trás da desigualdade

Do que é diverso o bastante.

 

 

Cimos

 

Amamos apenas cimos,

Debaixo, pois, deste tecto:

Amo o que não possuímos

Nunca, nunca por completo.

 

 

Nós

 

Amar é querer que seja,

Não eu e tu, mas um nós

E que o outro que se almeja

Cume de mim seja após.

 

 

Ilusão

 

Do amor a emoção

A todos nos impõe os termos

Da enganadora ilusão

De o outro conhecermos.

 

 

Mostrar

 

És amado apenas quando

Podes mostrar a fraqueza

Nunca a força provocando

Que tua fundura lesa.

 

 

Inteira

 

O prazer do amor nos dura

Apenas por um instante,

Desgosto de amor supura

Pela vida inteira adiante.

 

 

Falar

 

De tanto falar de amor

É nele que nos centramos

E, sem sequer o supor,

Até nos apaixonamos.

 

 

Certeza

 

Para mim é suficiente

Da certeza ter o alento

De que eu e tu, no presente,

Existimos um momento.

 

 

Delicioso

 

O amor é delicioso.

O interesse de quem ama

Confunde-se, saboroso,

Com o do amado, na chama.

 

 

União

 

É o amor uma união

Entre duas solidões

Que se respeitam então

Da vida pelos baldões.

 

 

Medida

 

Toda a medida do amor,

Para além de toda a vida

Iluminar de fulgor,

Será de amar sem medida.

 

 

Vantagem

 

A vantagem dum amor

Sobre uma libertinagem

É multiplicar melhor

Do prazer qualquer triagem.

 

 

Primeiro

 

Num amor quem se curar

Primeiro é quem há ficado,

Sem pelo outro aguardar,

Pelo amor mais bem curado.

 

 

Solidão

 

Amar é dar de presente

Um ao outro a solidão,

Última de si semente

Dos que entre si se darão.

 

 

 

O amor sempre principia

Quando alguém se sentir só

E termina quando um dia

Quer só ficar, já sem dó.

 

 

Único

 

Ficamos enamorados

Quando a gente se dá conta

De que o par, entre encontrados,

Único é de ponta a ponta.

 

 

Louco

 

O amor sabe sempre a pouco,

Donde escangalha a jornada:

O amor ou é louco, louco,

Ou não é amor nem é nada.

 

 

Possibilidade

 

O amor, possibilidade

De dois entes se entreterem

Sem nunca, de idade a idade,

Um doutro se aborrecerem.

 

 

Termo

 

Um só verbo nos liberta

De todo o peso da dor

Duma vida, a mais incerta:

É sempre o verbo do Amor.

 

 

Indiferença

 

Quem vive na indiferença

É aquele que nunca viu

Quem faz de vez a sentença:

O par que não descobriu.

 

 

Renunciar

 

Renunciar ao amor

É mesmo tão insensato

Tal saúde não me impor,

Que o eterno é que eu acato.

 

 

Recordar-te

 

Algo ter a recordar-te

Era admitir que eu, inerte,

Afinal, de minha parte,

Podia um dia esquecer-te.

 

 

Nada

 

Para quem sabe amar bem,

Nada, mesmo o mais incrível,

Com o tempo que convém,

É deveras impossível.

 

 

Desastre

 

Num amor não há desastre

Maior do que a morte em vão,

Encastre após o que encastre,

De toda a imaginação.

 

 

Precisos

 

Nada nos torna no mundo

Precisos seja a quem for,

Mesmo em deserto infecundo,

Nada senão mesmo o amor.

 

 

Certeza

 

De ser amado a certeza

Torna ao tímido robusto,

Torna-o natural à mesa

Da vida que lavra a custo.

 

 

Suficiente

 

Se o coração estiver

Já morto, que nada sente,

Então já viviu quenquer

Muito mais que o suficiente.

 

 

Alegria

 

A alegria vem do amor

E o pior deste momento

É dele o vento me impor

Sempre um ror de sofrimento.

 

 

Teme

 

Aquele que teme o amor

É que vem temendo a vida,

Morto é já sem o supor,

É pegada sem medida.

 

 

Mal

 

O mal,

Seja qual for,

Nunca pode estar, afinal,

No amor.

 

 

Mudar

 

Amar

É a flébil alma

Duma casa que foi calma

Mudar.

 

 

Inocência

 

Todo o verdadeiro amor,

Lá na fundura da essência,

É mais do que é de supor,

É uma segunda inocência.

 

 

Trama

 

Uma lei não tem valor

Se não se enquadrar na trama.

Só existe uma lei no amor,

Tornar feliz a quem se ama.

 

 

Problema

 

Do amor quem vê no problema

Problema de ser amado

Inda não viu que o que tema

É o poder de amar toldado.

 

 

Saber

 

Amar é sempre actuar,

Nunca marcar passo, a ver.

Saber amar não é amar,

Nunca amar é só saber.

 

 

Escolho

 

Em amor é sempre um erro

Falarmos de más escolhas.

Se escolho, o que em mãos encerro

É mau, de excluir outras olhas?

 

 

Obrigado

 

É do amor ser obrigado

A sempre, sempre aumentar,

Sob pena de, nalgum lado,

Enfraquecer e findar.

 

 

Escapa

 

Escapa do afecto terno

Que o tempo mata, fatal:

Só há um amor eterno,

O amor também racional.

 

 

Doença

 

O amor, preso ao sentimento

Que nos arroube total,

Ante a mente é mais tormento,

Grave doença mental.

 

 

Estado

 

Amor é estado final

Em que os homens mais verão

Todas as coisas tal qual

Como de facto não são.

 

 

Tropeça

 

O amor percorre uma estrada

Em que tropeça a miúdo.

Nasce o amor de quase nada

E morre de quase tudo.

 

 

Filho

 

O amor é filho

Da ilusão

E pai do sarilho

Da desilusão.

 

 

Beira

 

É o amor a bela flor

À beira do precipício:

Só coragem e vigor

Para a colher desde início.

 

 

Novo

 

Com medo, o peito bateu,

Sei que de novo nasci:

És a forma de ser eu,

Sou forma de ser-te a ti.

 

 

Obra

 

O amor vem como o trabalho,

É persistência, presença,

É uma obra de arte que talho,

É um acto, nunca sentença.

 

 

Turbilhão

 

É Física o amor

No turbilhão do sentimento

E é Química na fusão do reactor

Do casamento.