QUADRAS DO SER
Totalitária
A crença totalitária
Provém sempre deste engano:
Foi na ideia originária
Amiga de quanto é humano.
Errado
É sempre um conceito errado
A sociedade perfeita:
É humano o passo mal dado
Na pegada a que se ajeita.
Aguilhão
A verdade nunca pode
Ser de vez enunciada,
É aguilhão que nos sacode
Em perene caminhada.
Prescrito
O tempo de qualquer modo
Tem o destino prescrito:
Sempre todo e qualquer Todo
É sugado do Infinito.
Querela
Eliminem a querela
Do meio da humanidade:
- Logo acendemos a vela
À morte que nos invade.
Sagrado
De sagrado não há canto,
Seja qual for a magia:
Seja qual for, lugar santo
É sempre uma idolatria.
Identitária
Uma falha identitária
Pode levar-me a odiar
Por esta razão primária:
- Há os que são de ódio lugar.
Paz
O combate é o dia-a-dia.
É a paz perpétua de sorte
Que só se encontra na morte:
- Só que é o sonho que me guia.
Via
A verdade não é una,
Integral não se enuncia
Nem ao mundo se coaduna
Dela, aqui, uma só via.
Apostas
A verdade são apostas
Sobre a luminosidade:
Nunca errar é andar de costas,
Nunca alcançar a verdade.
Catapulta
A verdade não resulta,
Jamais ela é resultado,
Antes sempre é catapulta
Que me atira a um outro lado.
Erro
Sempre aqui nos mora o erro,
No coração da verdade.
Quão mais a esta me aferro,
Mais de erro tudo ela invade.
Sombra
Uma verdade sem erro
Nunca fará mais sentido
Que uma luz em que me encerro
Sem sombra atrás ter erguido.
Sujeito
Todo o sujeito é uma fera
A quebrar com fero abalo
A grade, a jaula da era
Em que tentem encerrá-lo.
Diálogo
Um diálogo deveras
É o que dá-me um abanão,
Responde a minhas esperas
Pondo-me a fundo em questão.
Pulmão
A terra tem um pulmão
Onde, da vigília à sesta,
Todos lá respirarão:
Será o pulmão da floresta.
Insegurança
Sofro aqui de insegurança:
Comparo meu bastidor
Com o que além outro alcança
...E é dele a cena melhor!
Heróis
Os heróis duma criança
São na história imaginados
Mais quem de os ler não se cansa,
Apesar dos pés cansados.
Ventos
Quando há ventos de mudança,
Muitos constroem muralhas,
Outros, o moinho que alcança
Moer o vento nas calhas.
História
A história com que topamos
É luta, conflito e falha,
Mas aquela que contamos
É todo o sol que nos calha.
Acredito
Acredito na unidade:
Ninguém nela desfalece.
Como na diversidade:
A diferença enriquece.
Começa
A vida começa quando
Um indivíduo dá conta
De quão cedo e sem comando
Acaba, logo ali pronta.
Sombra
Quando alguém hoje se senta
À sombra, é que há muito atrás
Alguém plantou esta lenta
Árvore que sombra faz.
Instante
O instante ante o desespero
Muitas vezes, na triagem,
É apenas momento mero
Que nos precede a coragem.
Prémio
O melhor prémio da vida
É ser viável trabalhar
Com medida e sem medida
No que vale a pena obrar.
Maldições
Maldições não vêm de Deus,
Vêm de nós, de nossos actos:
Isto, em crentes ou ateus,
São do castigo os impactos.
Injusto
Todo e qualquer acto injusto,
Embora por boa causa,
Trará com ele e sem custo
A maldição, finda a pausa.
Pisem
Não temo, não, que me pisem,
Erva do campo maninho:
Mal erva pisada visem,
Torna-se ela num caminho.
Saudade
A saudade faz o jogo
De eu até saudades ter
Daquilo que nem advogo
Nem gosto de reviver.
Dinheiro
O dinheiro, ai, o dinheiro
Pode ser bom servidor
Quando mando nele inteiro
Mas é sempre um mau senhor.
Biombo
Por detrás de cada livro,
Biombo de furta-cor,
Dispo-me no que ali vibro,
Despe-se por trás o autor.
Ilusão
O mundo aos pés, que ilusão!
Parece tão, tão real
E é só de tempo questão,
É tudo fumo, afinal!
Perdida
Confiança que se pede
É confiança perdida.
O generoso concede
Se é reclamado em seguida.
Rivalidade
Rivalidade é sinal
De início da decadência,
Do desenlace final
A esboroar na ocorrência.
Sonha
Mais correcto é que se exponha,
No juízo que o condensa,
Um homem pelo que sonha
Que por aquilo que pensa.
Moral
O que interessa à moral
É o respeito cego dela,
Não um efeito final
Nem se este efeito atropela.
Lúcidos
Dos lúcidos não é o mundo,
Findarão reconhecidos
Sempre a título (infecundo)
Póstumo dos já servidos.
Vendido
Sempre o vendido propende
A um preço que nada iguale.
Todo aquele que se vende
Recebe mais do que vale.
Terror
Faça o terror a maldade
Que fizer com mal mais fundo,
Inteligência e bondade
Findam comandando o mundo.
Retalhos
Somos manta de retalhos,
Restos do lido e vivido,
Serradura dos trabalhos...
- Ser pessoa é lixo erguido.
Apresto
Não tramo o que, afinal, tramo,
Nem apresto o que eu apresto:
Quanta vez mato o bem que amo
E faço o mal que detesto!
Vespas
Por mais que o diabo mexa,
Rapa-o Deus com tal ancinho
Que ao fim os dedos lhe deixa
Tal se de vespas num ninho.
Mau
Não há mesmo um dia mau:
Quão mais difícil a via
E largo o fosso sem vau,
- Maior luz se prenuncia!
Tramos
Mais robusto que os tramos
Que atam mais que cipós
É que nós precisamos
Que precisem de nós.
Força
Sendo Deus a nossa força,
Para não haver revés
Lembremos (que nada o torça!):
- Somos d’Ele as mãos e os pés.
Escolha
Tudo pode ser tirado
A um homem, excepto a escolha
Da atitude que há tomado
No caminho a que se acolha.
Normal
Se a vida sai do normal,
Quando fico atordoado,
Tendo então, por bem ou mal,
A esperar o inesperado.
Rumar
Nós não passamos a vida
A rumar à eternidade,
A eternidade envolvida
É vida em qualquer idade.
Destino
Mesmo vendo com bons olhos
O destino com que cismo,
Da viagem acaso escolhos
Far-me-ão sempre nervosismo.
Paraíso
Eu não rumo ao paraíso
Nem me ele acompanha ao lado:
Ele é o fundo de meu siso,
Meu imo a talhar-me o fado.
Prenda
No derradeiro confim
Há uma prenda a entregar:
- O homem que chegou ao fim
Está só a começar.
Monge
Deus não será monge
Na montanha a sós:
Deus não está longe,
Longe estamos nós.
Além
Tão de além a eternidade
Por dentro de nós se inclina
Que a ideia da divindade
Jamais pode ser divina.
Imagem
Qualquer imagem de santo
Em santa logo se muda
Sem o ser, pois, entretanto:
É um ídolo a que se gruda.
Nome
Deus que tudo em mim reclama,
Que com tanto nome apelo,
Deus, no confuso atropelo,
Sabe lá como se chama!
Imo
Deus não é nacionalista,
Nunca foi um deus tribal:
Existe em tudo o que exista
Bem no imo de cada qual.
Calado
Deus é silêncio. Calado,
Mostra-me como um mistério
Num silêncio de tal brado
Que em mim nada há de mais sério.
Apalpadelas
Não anda de nós fugida,
Espreita por mil janelas:
A divindade é atingida
Mas sempre às apalpadelas.
Desenvolvimento
Desenvolvimento humano
É cultivar a unidade
No cultivo, ora sem dano,
Da maior diversidade.
Megalómano
Megalómano, o desejo
É de bem curta medida
Ao medi-lo deste ensejo
Na semente desmedida.
Olhos
A fé não nos fecha os olhos,
Abre-nos para a alegria
Que há na dor e nos abrolhos
Do mundo no dia-a-dia.
Lágrimas
Mascarados por um dia
Do entrudo com que os abales,
Há na terra da alegria
De lágrimas muitos vales.
Reino
O reino da exaltação,
Das catástrofes ao fim,
Ignora o que vale então
O nosso cotio assim.
Além
É sempre no imprevisível,
Fora de ordem, tradição,
Que de Deus devém visível
A gratuita doação.
Milagres
Os milagres são a pedra
Que, bem contra o fatalismo,
Nos contam que ao lado medra
Doutro mundo o fundo abismo.
Graça
A graça que em todos flui
Não impõe lei para a reza.
Nunca a graça substitui
Mas fecunda a natureza.
Inocência
A inocência é a condição
Mais difícil de provar
Sempre que uma acusação
Sem ética a teia armar.
Atenção
Não há nada que preserve
A atenção naquilo que é,
Pois quando o sapato serve
Já ninguém pensa no pé.
Companheira
A companheira constante
Que todos temos na vida
É a morte que espera adiante
A hora da despedida.
Medo
Homem que confessa o medo
Naturalmente, humildoso,
É aquele ante quem concedo
Que é deveras perigoso.
Inviável
A vida é, no fundo, um sonho
Que descubro (ao nela ir
E após quanto nela ponho)
Inviável de definir.
Bastante
Se vives tempo bastante,
O inviável, o invivível,
Compreendes logo adiante
Que ao fim não são o impossível.
Tapete
O tapete inacabado
No tear da minha avó
É a vida cá deste lado:
- Ei-lo ali; eu cá estou só.
Constante
Algo há de constante
Nas coisas que mudam:
Lá no banco adiante
Sombras velhas grudam.
Escapam
Porque é que todos os credos
Escapam tanto à razão?
A comida sem segredos
Farta de desilusão.
Cuida
Embora de ouvido mouco
E sem provocar inveja,
O que cuida que está louco
Implica que não esteja.
Negatividade
Toda a negatividade
Cai directa em depressão
E aquilo que nos invade
Só mil problemas serão.
Casa
A tua casa é o que levas
Contigo onde quer que vás,
Não o que te prende, as grevas
Do que foste para trás.
Auto-comiseração
Auto-comiseração
Cumpre eterna profecia:
É o que na consumação
Resta ao fim de cada dia.
Criatividade
Qualquer criatividade
Sempre é permitir mil erros.
Arte é saber, de verdade,
Quais salvamos dos aterros.
Pacientes
Os problemas são pacientes,
Ficam onde os deixo agora,
Sem pressas inconvenientes,
Tal se eu nunca fora embora.
Sopre
Sopre donde sopre o vento,
Sempre a chuva há-de tombar
Na cabeça de tormento
Do sem-abrigo sem lar.
Perturbado
Um homem perturbado
É, para os outros, bom:
Mostra descontrolado
Qual, deveras, seu tom.
Trabalho
O trabalho onde me enfio
É a barreira que persiste
Entre a vida e o vazio
Que por dentro e além existe.
Profundidade
Dentro em nós profundidade
Existe de tal fundura
Que nem há termos com que há-de
Descrever-se-lhe a figura.
Sacrificar
Aquele que está disposto
A sacrificar a vida
Pode matar, do seu posto,
Seja quem for, em seguida.
Revitalizante
Trabalho que corre bem
Sempre é revitalizante.
A ociosidade, porém,
Ao invés, é atrofiante.
Sempre
Aquilo que um dia foi
Deveras jamais findou:
Mesmo ignorado, remói,
Para sempre em mim ficou.
Parece
Se quanto parece ser,
Afinal não é de todo,
Então o que é, parecer
Não há-de, de nenhum modo.
Distraídos
Os génios são distraídos.
O problema, em tais convénios,
É que muitos conferidos
Distraídos não são génios.
Acredita
Há sempre certas verdades
Em que ninguém acredita
Nem se com elas invades
Os olhos do que as evita.
Grande
O grande romance é aquele
Cujas pessoas, após
Nos arrepiarem a pele,
Jamais morrem dentro em nós.
Ritmo
As mudanças que há na vida
Não se irão travar sequer,
O ritmo trepa a batida,
Mais a muda irá crescer.
Momento
Nada permanece igual
Por um momento sequer,
Tudo é mudança, afinal,
Embora o não queira ver.
Conto
Uma história sempre é um conto
Que a mim conto sempre ao jeito
De quem conta e faz o ponto
Dele próprio a respeito.
Desconhecido
Medo do desconhecido
É o nosso medo, afinal,
E a muda tem no sentido
Um ignoto por fanal.
Cariz
Jamais é o evento externo
Que me talha meu cariz,
É sempre um caminho interno
Onde eu sou eu de raiz.
Atitude
A atitude resoluta
Que à realidade assiste:
Uma verdade absoluta
É coisa que não existe.
Acrescento
É o facto acontecimento,
O significado, não:
Este é sempre o pensamento
Que acrescento àquele chão.
Factor
Um facto é factor externo.
Ao invés, significado
É o caminho meu interno,
Eu àquele acrescentado.
Distinguir
Para que deveras viva
Há que distinguir de entrada:
A reacção é instintiva,
A resposta é ponderada.
Agora
Um agora não é um ontem,
Também não, um amanhã,
Por mais que os medos me apontem
Mil monstros na minha chã.
Acontece
O que eu penso que acontece
Não é o que acontece mesmo,
É um ontem que não me esquece
Num hoje semeado a esmo.
Dado
Não existe o dado puro,
Que todo o dado se entrosa
Na rede onde me seguro
E a que de medo me cosa.
Originário
Todo o dado originário
Se insere num tal conjunto
Que, ao termo, o que foi primário
Não é já sequer o assunto.
Lista
Por muito que à lista aliste,
Jamais tudo à lista alisto:
Tudo o que pode ser visto
Jamais é tudo o que existe.
Ângulo
Mudança para pior
É aquilo que não existe:
Tenho de olhar, ver melhor,
Mudar de ângulo o que aviste.
Questão
A questão não é jamais
Se a vida terá mudança
Mas qual a mudança a mais
Que a vida aqui nos alcança.
Funcional
A vida nunca se acaba,
Sustenta-se eternamente
Adaptando-se, aba em aba,
Por um funcional presente.
Melhorar
A vida, eterna se adapta,
Estará sempre a mudar
A fim de se manter apta:
Muda para respirar.
Fies
Não te fies na aparência:
A vida é sempre adaptável,
Modelável por essência
Num eterno sustentável.
Anuncia
A mudança o que anuncia
É que algo a não resultar
Anda na noite do dia
Onde escrutino o luar.
Acolha
Acolha você o que acolha,
Nada parece o que ele é:
É sempre o lugar donde olha
Que determina o que vê.
Motor
O motor da criação
Há-de ser sempre o desejo,
Jamais a cautela, não,
Pois só nos trava no ensejo.
Medida
Ocorra quanto ocorrer,
A sabedoria tem
Medida certa ao que houver:
- Está sempre tudo bem.
Escória
O que olhar já se enobrece
Se lhe traz boa memória:
Mantém a luz que apetece,
Desaparece o que é escória.
Até
O futuro nunca vem,
Nunca, de fora até ti.
Donde o futuro provém
De ti através é aqui.
Sossego
Quando em sossego eu estou
De mim comigo ao abrigo,
A alimentar o meu voo
Aí a força está comigo.
Físico
Sempre o físico é ilusório,
Que, onde está, você não é
E, mesmo sendo, o envoltório
Jamais é quem é você.
Depósito
A vida atinge o propósito
Através do que ela alcança
Ao preencher o depósito
Do que for sendo a mudança.
Autodefinição
Cada agir que tu praticas
É autodefinição:
Sempre a ti nele te implicas,
Fica ali tua impressão.
Cura
A cura duma doença
Vale cinquenta por cento,
A outra metade é a tença
Da fé que partilhe o evento.
Atraso
Porque é que aqui me não lembro
Do que herdei das outras vidas?
- Se em cada lado hei um membro,
Me atraso em todas as idas.
Interpretação
De tão rica, Deus não deu
De si a vera guarida,
A interpretação do céu
É feita à nossa medida.
Sumário
Recordamos, afinal,
O que nunca foi, sumário:
Aquilo que é mais real
Ocorre no imaginário.
Verdade
A verdade não se encontra
Nem nos contras nem nos prós.
Negaceia-nos, bilontra,
E encontra-nos ela a nós.
Mesquinhez
Dos homens a mesquinhez,
Tudo inçando com a grama,
É um pavio que de vez
Só anda em busca de chama.
Ventos
É quando os ventos da História
Sopram contra os pára-ventos
Que acorda a eterna memória:
Quem pode desviar os ventos?
Importância
Todos os eventos ganham
Ou perderão importância
Dos interesses que apanham
No momento a relevância.
Divertido
O que define o teor
Daquele que a sério pinta:
Divertido é ser pintor
Muito mais que ser a tinta.
Tempestade
Ao sair da tempestade
Não sou quem eu lá entrei,
Tal é o sentido e verdade
Do furacão que passei.
Decorarmos
Arte, em geral, é uma forma
De decorarmos o espaço.
Música, ao invés, por norma,
Decora o tempo no traço.
Única
Todo o mundo silencia?
Uma voz única goza
Do poder que não teria
E assim é tão poderosa.
Dados
Os príncipes e as princesas
Que admirais com despudor
São meros dados nas presas
Dum viciado jogador.
Impressão
A primeira impressão conta
Tanto que são mais de dez
As precisas, se se aponta
Para se virar do invés.
Pecado
Pecado? Em Roma, talvez,
Mas aqui como no céu,
Onde Deus é pai de vez,
Outro é decerto o labéu.
Berço
Se for bom e em tudo terso,
Ressalta logo a evidência.
É sempre a falta de berço
Que se esconde na opulência.
Voltas
As voltas que o mundo dá!
Dá tantas, parece louco,
Sempre de cá para lá...
Dá voltas, mas muda pouco.
Ferida
Tem uma ferida o credo
Que o marcará desde a infância:
Quanto maior for o medo
Menor é a tolerância.
Imaginação
A nossa imaginação
Faz-nos sofrer sem juízo,
Muito mais sem intenção
Do que seria preciso.
Nunca
O que nunca se governa
Nem se deixa governar
Vai ter uma vida eterna
Sempre, sempre a esbracejar.
Fanatismo
Fanatismo é epidemia
Que se espalha pela palha
Que incendeia qualquer dia
Sem ninguém ser a acendalha.
Rivalidades
Quando as rivalidades velhas crescem
Ante a nova riqueza em perspectiva,
Da mistura inflamável eis que descem
Do inferno os fogos sobre quanto viva.
Crianças
Nossa imaginação mantêm activa
As crianças e jovem nos mantêm
O nosso coração. Imperativa
Por um melhor porvir a acção sustêm.
Grandeza
Dificuldade enfrentada,
Mormente quando mais lesa,
É que pesa, na jornada,
Entalhada de grandeza.
Adormeceu
Aquele que se esqueceu
De dar graças, na medida
Em que tal aconteceu,
Adormeceu para a vida.
Pouco
Pouco importará o tesoiro
Se em redor só atar gavinhas,
Mesmo tumba adubo de oiro
Cobrem-na as ervas daninhas.
Holofotes
A vida sob holofotes,
Em cima do pedestal,
Do mundo o topo: dichotes,
Triste e só, - como é fatal!
Pele
Andar a fazer de Deus
Se ninguém há como Ele?
Tanta estranheza há nos céus
Que, às vezes, Deus usa pele.
Mais
Mais do que a religião
Nossa espiritualidade
Elementar é que é o chão
De caminhar na verdade.
Não-violência
Princípio da não-violência,
Transcendendo as religiões,
Pacífica coexistência
Traz ao mundo a que o propões.
Compaixão
A compaixão é a vontade
Espontânea de actuar
Para os outros de verdade
- E a todos traz bem-estar.
Adiada
A morte adiada
Tem a propriedade
Sempre inesperada:
- É felicidade.
Salvação
É a salvação do que ouvir
Mais do que do que inventar:
O invento, ao não se expandir,
Morre sem frutificar.
Trás
A poesia é adivinhar
A secreta mensagem
Que por trás da roupagem
Se ocultar.
Ricos
Os ricos são solitários,
Desta vida na lonjura,
Perdidos itinerários
Num deserto de secura.
Alegria
A alegria me desbasta
E, às vezes, também desgraça:
É que acaso me devasta
Doutrem a fatal devassa!
Ângulo
Sempre do lado de lá da porta,
No ângulo cego,
É neste ignoto que pego,
Isto é que eternamente me transporta.
Perversidade
A perversidade da vida
É de tal casta
Que, mínima embora, até mal pressentida,
Ainda assim devasta.
Enlaça
O pequeno e provisório
É que enlaça o que me enlice.
De assim ser premonitório
É o contrário da velhice.
Rispidez
Da rispidez que me agrida
Jamais nós nos livraremos.
A vida é ríspida, a vida,
Mas é tudo quanto temos.
Meta
Podes não ser o poeta,
Que não tens jeito nem tema.
Mas és o poema.
Ora, isto é que é a meta.
Vezes
Tantas vezes já morri,
Mas nunca morri de vez,
Mortes de que mais vivi:
- Renasci do meu revés.
Ou
Na vida, trigos e joios
Ora perdem ora ganham:
Há os que perdem os comboios
E os que os comboios apanham.
Não
Há uma felicidade
Singular
Em não ter como em ter uma saudade
Para chorar.
Rotina
A vida ensina
Que, de repente,
A felicidade é uma rotina
Sempre diferente.
Sem
Viver só é viver frio,
Na insanidade
Dum corpo trémulo de vazio
E de saudade.
Morrer
Morrer não é um fim
Nem um começo,
É mais um passo na vida sem fim
Onde infinitamente permaneço.
Costumeiras
Há coisas tão costumeiras
Que, apesar de bem reais,
Quando tu delas te abeiras,
Já vê-las não vês jamais.
Negra
A mais negra conjuntura
Tem uma oportunidade,
Escondida na negrura,
Dum ganho que nos agrade.
Junto
Os ricos e poderosos,
Junto ao palácio do rei;
Sempre longe, a lã da grei,
Os pobres nunca famosos.
Dentro
Se apenas for a aparência
Que o vulgo dentro em ti vê,
Nunca mais vê a evidência
Do que teu dentro em ti é.
Herói
Herói é quenquer que ganha,
Mas mais herói, sem saber,
É o que tenta e nunca apanha
O que bem tentou vencer.
Equilíbrio
Nossa relação ao mundo
É de apego e desapego.
Neste equilíbrio fecundo
Sucesso mora e sossego.
Muita
Muita mulher é precisa
Para esquecer o presente
Que, assente, melhor ajuíza:
- A mulher inteligente.
Tradutor
Tradutor os olhos são
Do coração cuja imagem
Os empenhados irão
Entender como linguagem.
Existência
A existência é tolerável
Só por este leve manto
Que nem sempre anda alcançável:
- De amor e de arte o recanto.