QUADRAS  DO  DEVER

 

 

 

Combate

 

Combate quanto quiseres

Mas fá-lo como se um dia

Um aliado, enfim, fizeres

De quem hoje se odiaria.

 

 

Enganar

 

Sempre é preciso correr

De nos enganar o risco

Ou então nunca irei ser,

De aprisionado no aprisco.

 

 

Carreiros

 

Fora dos carreiros que achas

Percorridos, lerdas prosas,

São as verdadeiras marchas

As marchas aventurosas.

 

 

Negro

 

A frase menos humana,

Tinta de negro feitiço,

Que só noite em nós emana:

“Não, não pode dizer isso!”

 

 

Flauta

 

É uma lâmina um espelho

Quando em raiva for quebrado

E um pau vira, embora velho,

Em flauta se for amado.

 

 

Metas

 

Metas para toda a vida?!

E a alegria de viver?

Uma por dia: a medida

De o todo um dia ocorrer.

 

 

Andar

 

Se quiser andar depressa,

Então sozinho há-de andar.

Se chegar longe é o que peça,

Companhia é de levar.

 

 

Limpos

 

O teu dia sempre acama

Com o que deveras és:

Deita-te na tua cama

Sempre com limpos os pés.

 

 

Sim

 

Sempre que é viável, “sim”

Diga então sem hesitar.

Nunca o “não” vai ser afim

De algum dia nos mudar.

 

 

Importantes

 

Mais importantes que tudo

São as pessoas, dramática

Seja embora em erro agudo

Delas a pobre gramática.

 

 

Graças

 

Na vida, dentre as mil traças,

Há linha à tua medida.

Quem se esqueceu de dar graças

Adormeceu para a vida.

 

 

Enfrentar

 

Porque disposto a lutar

Estou, mostrá-lo consigo

Quando consigo enfrentar

Aquele que é meu amigo.

 

 

Terror

 

Medo de não fazer nada

Ante o terror de fazer

Algo mal feito, em jornada,

Força o trabalho a correr.

 

 

Espião

 

Um espião portas adentro

Vale mais, chegada a hora

Em que na luta me centro,

Que um exército lá fora.

 

 

Devedores

 

Quando há demais devedores

A nos saudar dos pascigos,

É fácil, com tais humores,

Gerar muitos inimigos.

 

 

Justiça

 

Pertence a justiça ao rei?

Não! É o rei que lhe pertence:

Para exprimi-la na lei,

Levar a que em tudo vence.

 

 

Carril

 

Um carril é mais barato

Do que um canhão e o que lance,

Além de maior impacto,

Tem muito maior alcance.

 

 

Medo

 

Medo senti-lo-ás gelado,

De ti pende o que ele colha:

O medo é sempre um estado,

A covardia, uma escolha.

 

 

Conhecer

 

É começar a mudar

Conhecer sempre mais fundo:

Quem percebe como estar

Começa a mudar o mundo.

 

 

Leitor

 

O criminoso não teme

Um escritor que o descreva.

Quem da mão lhe tira o leme

É a luz do leitor na treva.

 

 

Besoiro

 

O rico é sempre o besoiro

Pontuando o labor no aterro.

Contudo, nem sempre o oiro,

Afinal, manda no ferro.

 

 

Miúdo

 

Cuidado com o miúdo

Se mais miúdo há-de ser!

Quando já se perdeu tudo

Não se tem nada a perder...

 

 

Força

 

Há quem só respeite a força,

Não usa medidas meias.

Há só uma força que o torça,

Será força mas de ideias.

 

 

Sinceridade

 

Sinceridade é virtude

Tão forte que é subversiva:

Tudo em que tocar activa

De modo que tudo mude.

 

 

Intriga

 

A intriga no escuro vende,

Que com nada o escuro briga.

A claridade é que tende

A enfraquecer toda a intriga.

 

 

Inteligente

 

O que for inteligente

Não aprecia elogio

Num deslumbramento assente

Do que é preso por um fio.

 

 

Ego

 

De teu ego sempre foge,

Abre-te ao sol da manhã.

Recorda que o pavão de hoje

É espanador amanhã.

 

 

Abismo

 

Cuidado com o que cismo,

Não vá tocar-me, por fim!

Se olho demais para o abismo,

Finda o abismo a olhar-me a mim.

 

 

Solidão

 

Se podes, tens de estender

Muito humilde tua mão.

Todo o lugar de poder

É lugar de solidão.

 

 

Exige

 

Aquele que não se exige

Aquilo de que é incapaz

Não faz quanto então o enrije

Nem do capaz já se faz.

 

 

Vínculo

 

Que o vínculo à terra-mãe

Não feche ao mundo o portão,

Senão os laços devêm,

Afinal, uma prisão.

 

 

Mérito

 

O mérito, o que estatui

Traído é por cada qual,

Que pouco o mérito influi

No destino social.

 

 

Diploma

 

Um diploma conta mais,

Se estrato social não rima

Com a chave dos portais,

Que casar com rica prima.

 

 

Cor

 

Nem tudo é duma só cor

Em tudo o que a vida houver.

Quando me entregar à dor,

Já esbanjei todo o prazer.

 

 

Imaginar

 

Quando só restar um dia,

A imaginação arteira

Imaginar pode a via

De dar-me uma vida inteira.

 

 

Escapa

 

A vida muito nos tapa

Da vida mil e um escolhos:

Como fácil nos escapa

O que diante anda dos olhos!

 

 

Cova

 

Não há cova tão profunda

Que, se amor de Deus a invade,

Não a ultrapasse o que a inunda

Em toda a profundidade.

 

 

Problema

 

Quão mais penso no problema

Maior ele me parece,

Menor me sinto, por lema,

- E o resto do mundo esquece.

 

 

Antes

 

Antes de devir senhor

Da natura e dominá-la,

Dominar-se é o que é de impor:

Senhor de si é o que a abala.

 

 

Ideia

 

A nossa ideia de Deus

Tem de ser despedaçada:

É o que ele faz desde os céus

E nunca entendemos nada.

 

 

Culto

 

O culto que a Deus importa,

A liturgia devida

Não tem de edifício porta,

- É transmudar sempre a vida.

 

 

Viável

 

É viável vivermos juntos

Respeitando e promovendo

A comunhão de conjuntos

Originais florescendo.

 

 

Silêncio

 

Vigilante nas ameias

É que mostro quanto valho:

O silêncio gera ideias

Que nos dão muito trabalho.

 

 

Interesse

 

No interesse do poder

Quando em causa é posto em liça,

Primeiro o que irá morrer

É o primado da justiça.

 

 

Gozo

 

O poder, se é por seu gozo,

Não entrega nada à sorte:

Libertará o criminoso,

Leva o inocente à morte.

 

 

Incluir

 

O que quiser incluir

Todos, de eficazes modos,

O que ao fim vai conseguir

Excluído é ser de todos.

 

 

Fundo

 

À escolha com que me crismo

Não lhe encontro fundo a par:

Mesmo no mais fundo abismo

Podemos sempre gritar.

 

 

Gosto

 

O poder de dominar

É que tudo mata um dia.

O gosto de partilhar

É que nos traz alegria.

 

 

Sentido

 

Qualquer sentido da vida

Vai requerer integrar

Numa só família unida

Todo o excluído que achar.

 

 

Rumo

 

É de transformar quenquer,

No rumo que quer seguir,

A vontade de poder

No desejo de servir.

 

 

Religa

 

Religião que se preza

Religa todas as calhas,

Não coloca alguns à mesa

E os mais a apanhar migalhas.

 

 

Perturbar

 

Quem para não perturbar

Vem ao mundo, não merece

Nem paciência, nem, a par,

A honra que se lhe tece.

 

 

Dúvida

 

A dúvida que interroga

É saúde em todo o lado:

É o que a caminhar advoga

De ir em frente com cuidado.

 

 

Ameia

 

Uma fé mais outra ameia,

Cada qual sendo a Verdade?

- Ora, mudar de cadeia

Não é ter a liberdade.

 

 

Lógica

 

A lógica da riqueza

Que quanto mais tem mais quer

É que os céus de inferno lesa:

- Mata até quem não tiver.

 

 

Incarnação

 

Ao cuidar ou ofender

Um ser humano qualquer

Cuido ou ofendo o produto

Da incarnação do Absoluto.

 

 

Preceito

 

Deve ser, com fúria e gozo,

Violado sem remissão

O preceito religioso

Que impede a libertação.

 

 

Idolatria

 

Tendemos à idolatria:

Prendemos Deus na cadeia

De alguns conceitos e um dia

Creio Infindo o que só ameia.

 

 

Cegos

 

Se não mudarmos a vida,

Continuaremos bem cegos

Mas a cuidar, em seguida,

Que vemos todos os pegos.

 

 

Perigo

 

Onde o perigo aumentar,

Deve aumentar a recusa

Daquilo que se antolhar

O que fatalmente abusa.

 

 

Cegos

 

Mesmo quando os cegos vêem,

Àquele que não quer ver

Nada haverá que fazer:

Os olhos vêem, não crêem.

 

 

Hierarquizado

 

Há muito que é posto a par

E é de ser hierarquizado:

É melhor iluminar

Que ser um iluminado.

 

 

Atenta

 

Atenta contra a razão

Só crer sem interpretar,

O bom senso cai ao chão

Sem asas para voar.

 

 

Mudo

 

Ninguém pode ser cristão

E manter-se surdo e mudo

Aos gritos do coração

Do presente a que me grudo.

 

 

Primeiro

 

Quem quiser ser o primeiro

 Terá, de todos os modos,

(Tem de ser o derradeiro)

De pôr-se a servir a todos.

 

 

Verdadeira

 

Religião que é verdadeira

Não faz questão de ritual:

Dos pobres trata da jeira,

Converte o rico ao final.

 

 

Ritual

 

Liberta-te do ritual,

Vislumbra aonde ele aponta:

Entreverás o sinal

Da sombra de Deus na ponta.

 

 

Integrar

 

Integrar no coração

Todos de todos os modos

Sem excluídos então

É de Deus fruir dos bodos.

 

 

Primado

 

O destino universal

Dos bens há-de ter primado.

O particular é um mal

Se inverter este legado.

 

 

Apagar

 

Mui poucos com quase tudo

E muitos com quase nada...

- Qual o deus a que me grudo

Para apagar tal pegada?

 

 

Sagrado

 

O sagrado é perigoso

Se sempre se não converte:

O deveras religioso

Busca perpétuo o que acerte.

 

 

Intolerância

 

Sempre em nome do melhor

Conclamar a intolerância

Vai sempre dar no pior,

Seja qual for dela a instância.

 

 

Recanto

 

Jamais é de retornar

A um recanto onde a memória

Gosta feliz de aninhar

Feliz evento de glória.

 

 

Mentira

 

Pesa-nos sempre a mentira,

Mesmo quando nos parece

A princípio que não fira

Com fogo algum qualquer messe.

 

 

Agora

 

Todos de tempo precisam

Para lidar com o agora

Antes que fuja o que visam

Tornado um então de outrora.

 

 

Medo

 

Fazer pensar doutra forma?

Tanta força tem o credo

Que o que se logra, por norma,

É fazer crescer o medo.

 

 

Pessoas

 

Precisamos de pessoas,

De muitas, numa enxurrada.

Sem os mais, tu que é que ecoas?

Não és nem nós somos nada.

 

 

Buraco

 

Ao buraco interior

O trabalho trará glórias:

Fica preenchido um ror,

Já não se enche de memórias.

 

 

Ponderado

 

Pouco importa o bom intuito,

Há que ser mui ponderado.

A vida complica e muito

Se pensarmos com cuidado.

 

 

Atropelados

 

Mesmo no caminho certo

Seremos atropelados

Se, em vez do passo desperto,

Ficarmos ali parados.

 

 

 

Quem aos cinquenta vê o mundo

Como aos vinte o viu na lida

Desperdiçou, infecundo,

Trinta dos anos da vida.

 

 

Presos

 

São os mais inspiradores

Para o que na vida obrar

Os presos de desfavores

Que nunca logro ajudar.

 

 

Nódoa

 

Sempre a nódoa do falhanço,

Pecador regenerado...

Do que então eu não me canso

De novo é de ter tentado.

 

 

Combate

 

Quem combate a tirania

Nem sempre o faz de verdade:

Nem todos tomam por guia

Combater por liberdade.

 

 

Apoia

 

Apoia quem te rodeia

A aperfeiçoar-se então

Sem lhe exigir, volta e meia,

Que ele seja a perfeição.

 

 

Cruz

 

Uma cruz, quando abraçada,

É mais fácil de levar,

Quando for de a suportar,

Do que se for arrastada.

 

 

Caminho

 

A verdade singular

Do caminho da razão:

O diverso é salutar

E a intolerância, não.

 

 

Diverge

 

Ter a certeza absoluta,

Sagrado dogma, é que ilude:

Deixa fora da disputa

De quem diverge a virtude.

 

 

Joga

 

Sê feliz com quanto acartas,

Joga com o teu recorte

Todo o baralho de cartas

Que em vida te coube em sorte.

 

 

Limonada

 

Se a vida te dá limões

Em vez da doçura amada,

Larga os queixumes que opões,

Faz da vida limonada.

 

 

Chave

 

Preze embora a tradição,

Chave de sobreviver

É acompanhar sempre o chão

Do tempo, tal como vier.

 

 

Iminência

 

Do dinheiro a pertinência,

Toda a busca de poder,

Que sentido irão fazer

Ante da morte a iminência?

 

 

Perdoar

 

Embora mal o pareça,

Ao pôr as cartas na mesa

Meça a lesão o que meça,

- Perdoar não é fraqueza.

 

 

Mudar

 

Se mudar a vida inteira

É a sina que nos sacuda,

É de ir mudando a maneira

Como a mudança nos muda.

 

 

Tudo

 

Quando tudo muda, às vezes,

O melhor, se não me iludo,

Para evitar mais reveses,

Então será mudar tudo.

 

 

Fado

 

A mudança que nos muda

Tudo quanto em nós alcança

É fado que se nos gruda.

- Resta mudar a mudança!

 

 

Une-te

 

Une-te a outra pessoa,

Que, quando te unes aí,

Desatas os nós à toa,

Que te unes, no fundo, a ti.

 

 

Sair

 

Aquele que pretender

Deixar de andar por aí,

Para entrar em si sequer

Terá de sair de si.

 

 

Olhar

 

Quem a si pretenda aqui

Descobrir tem de poder

Deixar de olhar para si

Para a si próprio se ver.

 

 

Foges

 

Todo o mal com que te vi

Neste trajecto ele mora:

Quando não entras em ti,

Foges de ti para fora.

 

 

Rotina

 

A rotina agarro, enfim,

Como meu seguro porto...

E a vida começa ao fim

De meu pátio de conforto.

 

 

Acabado

 

Pode ter-te transtornado

A muda, como um tropeço.

O que quer que haja acabado

É também sempre um começo.

 

 

Drástico

 

Pouco importa o que perdeu,

Que de drástico mudou:

A vida retoma o fio,

Mais alto pode ir no voo.

 

 

Criá-la

 

Não é evitar a mudança

Que é uma atitude de vida,

É criá-la que me alcança

A muda à minha medida.

 

 

Dor

 

O que me provoca a dor

A mudança nunca é,

Mas a forma como for

Perante ela pondo o pé.

 

 

Lado

 

Podes não mudar o fado

De tudo o que andar mudando,

Mas muda então o teu lado:

- Que estás daquilo pensando?

 

 

Significado

 

Nada tem significado.

Significado é o que dou

A tudo, por todo o lado,

Por todo o lado onde vou.

 

 

Encarar

 

Como mudar a maneira

De encarar qualquer mudança,

De modo a mudar à beira

De mim quanto a muda alcança?

 

 

Inimigo

 

O meu maior inimigo

É aquele a que mais me apego

E onde busco em norma abrigo:

- Há-de ser sempre o meu ego.

 

 

Castigo

 

Dos castigos o castigo

É viver atado às mós:

Conheço o meu inimigo,

O inimigo somos nós.

 

 

Sobreviver

 

Sobreviver é decerto

Uma fasquia da vida.

Mesmo no maior aperto

Há sempre qualquer saída.

 

 

Espontâneo

 

Ao reagir espontâneo

Nem verei as vinhas que empo.

Reagir é instantâneo,

Já responder leva tempo.

 

 

Enorme

 

Se a mudança for enorme,

Os medos não são corteses,

Tudo vai do que conforme,

Do que pense duas vezes.

 

 

Escudo

 

Repare a que é que se gruda

Quando pára atrás do escudo

Porque, quando tudo muda,

É preciso mudar tudo.

 

 

Alteia

 

A mudança já me alteia,

Em mim já não sou quem vi

Quando mudo minha ideia

Sobre o que é mudança em si.

 

 

Livra

 

A vida que se fizer

É que livra do degredo.

Não temos nada a temer

A não ser o próprio medo.

 

 

Anuncia

 

O que a mudança anuncia

É a vida ter intenção

De continuar na via

De ser charrua no chão.

 

 

Mudar

 

A muda vem-nos mudar

E o que fim tal muda alcança

É findar eu, em lugar,

A mudar toda a mudança.

 

 

Novo

 

Quero mudar o futuro

Para ser o meu passado

Ou aquilo que inauguro

Tão novo é que nem tem lado?

 

 

Ouve

 

Com quem é que fala Deus

Não é questão que me aprouve.

A questão, perante os céus,

É sempre a de quem é que ouve.

 

 

Desejo

 

Sempre é o desejo que acende

O motor da criação,

Não a cautela que prende,

Ao agir, o pé e a mão.

 

 

Segue

 

Segue o que fundo deseja

Teu íntimo em tua vida,

Pensamento em acto almeja,

Cria teu mundo à medida.

 

 

Poder

 

Se tudo é pelo melhor,

Todo o desfecho, perfeito,

Fio do amanhã o que for,

- É o meu poder que ali estreito.

 

 

Vão

 

O que pensa o coração

É aquilo que o homem é:

Não pense, portanto, em vão,

Senão porá o vão de pé.

 

 

Rosto

 

Se vir sempre tudo bem,

O amanhã mais tenebroso

Muda o rosto com que vem,

É amanhã maravilhoso.

 

 

Fora

 

Quando, ao que ocorrer agora,

Deste agora penso mal,

O mal veio-lhe de fora,

Minha impressão digital.

 

 

 

Entrada

 

Eu à mudança, de entrada,

Não vou fazer grossa vista.

Não é que não faça nada,

É só que lhe não resista.

 

 

Resistir

 

Para caminhar tranquilo

Importa ver no que insiste:

Não resista porque aquilo

A que resistir persiste.

 

 

Modo

 

O modo como conduz

A vivência do presente

É o modo como produz

O porvir ali à frente.

 

 

Bisturi

 

É muito bom entenderes

Do Cosmos o bisturi:

Por vezes o que tu queres

Não é o melhor para ti.

 

 

Colher

 

Colher os dados da vida

É questão de silenciar

A mente e ouvir em seguida

Que é que tem alma a contar.

 

 

Aviada

 

O problema da moral

É que é sempre mal aviada:

Maneira certa, afinal,

Não há de fazermos nada.

 

 

Criação

 

Toda a mudança futura

Há-de ser de criação,

Não muro que me inaugura

Da resistência a função.

 

 

Funcionar

 

Quando ocorre uma mudança

É de algo não funcionar

E tu buscas, frança a frança,

Tal erro modificar.

 

 

Mal

 

Se desejas mal a alguém

Recairá sobre ti.

Aquilo que trepa além

Terá de cair dali.

 

 

Feliz

 

Se é de ser feliz um ano,

Então ganha a lotaria.

Se o resto da vida é o plano,

Ama o labor de teu dia.

 

 

Lamentar

 

Não podendo adivinhar

O futuro que teremos,

Passo a vida a lamentar

Perder o que não perdemos.

 

 

Torcido

 

Um homem em ânsias arde,

De ver perdido o porvir?

- As flores vão nascer tarde,

Mas em breve irão florir.

 

 

Progressão

 

Há muito na progressão

De homem a ser engendrado:

É de ter sempre em tenção

Esperar o inesperado.

 

 

Sucesso

 

Sucesso que não é escasso,

Que ao próprio enche de pasmo:

Ir de fracasso em fracasso

Sem perder o entusiasmo.

 

 

Critério

 

Ir fazendo o que é possível

Não é o critério primário.

Mais além o que é exigível

É atingir o necessário.

 

 

Arrependimentos

 

Não quer arrependimentos

O Espírito mas, na escolha,

Mais vida com mais aumentos

Na vida a mais que eu recolha.

 

 

Incombinável

 

É uma dupla incombinável

A de ter medo e ter fé:

Se me entrego ao inefável,

Que medo fica de pé?

 

 

Projecto

 

Vê que é que te põe feliz,

Que podes fazer melhor,

Que é feliz doutrem matriz...

- É teu projecto a dar flor.

 

 

Fatigar

 

Não faz mal fatigar Deus

Orando até à exaustão.

Lá dos altos coruchéus

Ele adora ouvir o chão.

 

 

Negatividade

 

Quando não nos protegemos

É que a negatividade

Alimentamos e vemos

Crescer por toda a cidade.

 

 

Medo

 

A nossa resposta ao medo

Com mais medo é que é problema.

Veloz me liberto e acedo

Se o optimismo é meu lema.

 

 

Seguro

 

Se alguém é seguro ali

É de despojar-se pleno,

Não quer coisas para si

Porque é o que o torna pequeno.

 

 

Doutrem

 

Nada melhor do que ler

Sobre doutrem os problemas

Para por fim esquecer

Os próprios, por mais que os temas.

 

 

Rota

 

Antes de amarrar o estai,

Traça a rota ao desjejum.

Quem não sabe aonde vai

Não chega a lado nenhum.

 

 

Borla

 

Há quem viva a vida à borla

Sem fender a própria ilha.

Mas de só só escapa à orla

Trocando a borla em partilha.

 

 

Momento

 

Só tens neste instante o assento,

Depois no outro de que acercas.

Vive, pois, cada momento,

Este teu tempo não percas.

 

 

Apoio

 

Ser pai não é ser o apoio

De apoiar todos em tudo,

Mas, se o pouco mudo em joio,

O apoio em veneno mudo.

 

 

Frente

 

Ainda tenho coragem

De seguir constante em frente,

Nem sabia que viagem

Ter alternativamente.

 

 

Adiante

 

Cometemos muitos erros,

Arcamos com consequências...

E em frente, que, em frente, os cerros

Do além mostram excelências!

 

 

Apronta

 

Bem longe do coração

Enterra de ontem o afã.

Logo apronta tua mão

Para abraçar o amanhã.

 

 

Respeito

 

Respeito quem reconheça

Os erros sem ter abalos,

Sobretudo se começa

Sem mais demora a emendá-los.

 

 

Malvisto

 

Trata tu de ser benquisto,

Que mal tempo há para eleitos

E aquele que for malvisto

Terá todos os defeitos.

 

 

Bem

 

Todo o bem que puderes tu pratica

E então pratica-o sempre que puderes

E em quantos o puderes multiplica,

Que o tempo te replica o que fizeres.

 

 

Poucas

 

Procura dominar poucas questões,

Porém bem e nos mais breves instantes.

Que as questões que domines sem fundões

Sejam também as mais determinantes.

 

 

Juntos

 

Quando, inimigos, juntos navegamos

No mesmo temporal que nos desfaz,

Atravessar devemos, servos e amos,

O rio em trégua unidos sempre em paz.

 

 

Livre

 

Sem haver troca livre das ideias

Num bem sólido Estado de Direito,

A inovação se escoa nas areias,

Definha a iniciativa murcha a eito.

 

 

Censurar

 

Será o nacionalismo muitas vezes,

No totalitarismo dum Estado,

De censurar difícil mais que as teses

Do dissidente mais fundamentado.

 

 

Error

 

Dizer que cometemos um error

Por muitos é tomado por fraqueza,

Quando da força pode ser vigor,

Maturidade em quem demais nos preza.

 

 

Extremista

 

Um extremista ao que exorte

Não é à mente desperta,

Ninguém atravessa a porta

Se a porta não for aberta.

 

 

Medo

 

Não devemos jamais negociar

Forçados, a tremer, por qualquer medo,

Mas nunca deveremos, nunca, a par,

Medo de negociar ter como credo.

 

 

Retrovisor

 

Deixa o passado e seus frondosos ramos

Só de teu pé no apoio que operar.

Avançar é difícil quando estamos

Pelo retrovisor fixos a olhar.

 

 

Acérrimo

 

Até o mais acérrimo inimigo

Consegue superar a diferença

Para trabalhar junto, se ao abrigo

Dum bem maior na igual comum pertença.

 

 

Lesões

 

Quem as lesões do passado

Não conseguir abolir,

Passa-lhe o futuro ao lado

Sem lhe lograr aderir.

 

 

Cobras

 

Cuidado com as cobras letais no quintal,

À espera de que mordam somente os vizinhos.

Se mal vos precatais, quando derdes por tal,

Envenenados fostes já pelos caminhos.

 

 

Dia

 

Se não tem onde se acoite,

Nunca deixe de sonhar.

Por longa que seja a noite,

Finda a manhã por chegar.

 

 

Momento

 

Há um momento em que olhamos para a frente

E entendemos que temos de parar

A luta a se vingar de antigamente

Para o porvir poder-se edificar.

 

 

Inesperado

 

Vivemos com o imprevisto

Sempre, sempre lado a lado.

Para reduzir-lhe o quisto,

Sempre espera o inesperado.

 

 

Principia

 

O trabalho principia

Se o terror de algo mal feito

Cede ao medo que teria

De nada fazer de jeito.

 

 

Preservar

 

Se a tua liberdade preservar

Quiseres, então poupa a opressão

Ao inimigo teu: é sempre a par

Que os actos nos convencem de que há chão.

 

 

Melhorar-me

 

Se quero um mundo melhor,

Então há que melhorar-me

E o primeiro a me propor

É que inteiro me desarme.

 

 

Inimigo

 

O verdadeiro inimigo

É o inimigo interior.

O exterior não tem perigo,

A muda àquele ao me impor.

 

 

Interesse

 

No meu melhor interesse

Deverei fazer aquilo

Que garanta a toda a messe

Aloirar a um sol tranquilo.

 

 

Mordem

 

Como os dias mordem,

Cada hora um prego,

Que em nós haja ordem,

Nunca, pois, sossego.

 

 

Juntar

 

Temos de juntar palavras

Às muitas que nos juntaram

Ou silêncios onde lavras

O que os sonhos semearam.

 

 

Sabor

 

Aquilo que apanhaste

Ao sabor do acaso, na tarde serena,

Aquilo que não forçaste

É que vale a pena.

 

 

Controlo

 

Sem controlo do que sinto,

Só poderei controlar

A resposta ao que, no plinto,

A emoção me desfiar.

 

 

Esperas

 

Quando esperas o pior,

Tanto podes ter razão

Como agradável, então,

Ter a surpresa maior.

 

 

Rumor

 

O rumor apropriado

Numa apropriada orelha

Pode fazer um finado

Do rei que ali aconselha.

 

 

Escraviza

 

Aquele que se escraviza,

Escravo do coração,

Então a morte até giza

A quem livre o queira então.

 

 

Liberta

 

Ninguém liberta ninguém,

Que a liberdade é de dentro

Que inteiramente provém,

Nunca fora encontra o centro.

 

 

Assumo

 

Se me assumo sonhador,

Sonho devém realidade,

Que mais não seja em pendor

Que, inclinando o mundo, o invade.