DO  RELACIONAMENTO  AO  AMOR

 

 

 

Pende

 

O amor que Deus nos tiver

Não pende de instituições,

De práticas de quenquer

Para agradar-lhe às feições:

 

É sempre incondicional

Por todos e cada qual.

 

Por cristão, por maometano,

Por budista ou hinduísta,

Pelo ateu que aponta o engano,

Pelo agnóstico sem pista...

 

Ele é igual para com todos,

Nós é que enredamos modos.

 

Nós é que andamos à busca

No emaranhado que ofusca.

 

 

Eixos

 

Amor e trabalho,

Dois eixos da vida.

Ambos quando falho,

É a vida perdida.

 

Quando num acerto,

É bom, já estou perto.

 

Ganho o pleno, pois,

Quando acerto os dois.

 

 

Principia

 

A amizade principia,

Principia a eternidade:

É dádiva todo o dia.

Pagamento? Não a invade.

 

Tudo é dom e não tem preço,

Não é com metro que o meço.

 

Quando a amizade se implanta,

Tudo é brando e tudo canta.

 

 

Gosto

 

Gosto de ti pelo que és

E por aquilo que sou

Quando é contigo que estou

E que a sós não sou de vez.

 

Pelo que de ti fizeste,

Pelo que de mim tens feito:

Bom me tornas com teu jeito

Mais que qualquer fé celeste.

 

Para me tornar feliz

Mais fizeste que o destino,

Sem me tocar, clandestino,

E sem palavras subtis.

 

Por seres tu, tão somente.

Afinal, tal é o abrigo

Do que é deveras amigo:

Torna-me pleno o presente.

 

 

Glória

 

A glória duma amizade

Não é o aperto de mão,

Sorriso que nos agrade

Ou a alegre comunhão.

 

É no imo a consolação

Que extática nos visita

Ao ver, em nosso desvão,

Que alguém em nós acredita

 

E nos concede de graça

A amizade que nos passa.

 

 

Frequente

 

Não é muito frequente

Ocorrer a ocasião

De utilizar, no presente,

A boa vontade à mão

De amigos tidos em mente.

 

Podemos nunca sentir

O momento de o fruir.

 

Mas, ao sermos governados

Por nossa imaginação,

Ei-los, de todos os lados,

Em sólido bastião,

Inexpugnáveis soldados

 

Dispostos para a surtida

Contra os reveses da vida.

 

 

Frequência

 

Pouco importa que os amigos

Sempre prontos a ajudar

Não os veja em meus abrigos

Com muita frequência a par.

 

O que importa e bem deveras

É que, se eu precisar deles,

Os laços saltam as eras,

Intactos e, anhos imbeles,

 

Todos correm a ajudar

Em tudo o que eu precisar.

 

 

Multidão

 

A pouco e pouco um amigo,

De amigos na multidão,

Descubro que abre um postigo

De ser feliz sem razão,

Apenas de estar comigo.

De repente entendo então

Que tenho mais dum milhar

De eventos a lhe contar.

 

Da turma não é o melhor,

Nem dos mais tem grande estima,

Nem a roupa é de primor...

Mas, ao juntos ir, o clima

É dum suave sabor

E o que mais no fundo anima

É que ele calça reais

Sapatos aos meus iguais!

 

 

Livre

 

A amizade é a relação

Mais livre de preconceitos,

Que não a afecta a ambição

Do poder e seus trejeitos,

 

Nem do físico prazer

Ou proveito material...

Sempre isenta é de qualquer

De obrigação jura real

 

Ou de constância sequer.

- E é o que mais a irá manter!

 

 

Sagrado

 

Ter um amigo é sagrado

Para o homem ou mulher,

Alma a que me hei confiado

Por inteiro e sem querer.

 

De mim conhece o melhor

E o pior. E o que acontece

É gostar de mim sem pôr

Defeitos no que enaltece.

 

Dirá de mim a verdade

Onde os mais vão bajular

Ou rir de mim, quando agrade

Minhas crostas me apontar.

 

Dá conselhos, reprimendas

Quando há próspera auto-estima.

Consola, encoraja emendas,

Se a mágoa nos desanima,

 

Quando os mais nos abandonam,

E ficamos bem maninhos

Campos de que não se adonam,

A batalhar cá sozinhos.

 

 

Relações

 

No mundo das relações

É difícil de encontrar,

De conservar sem senões,

Complicado e invulgar,

A compensante amizade

Que nos molda cada idade.

 

Sentimento de pertença

É de amizade a constância.

De amigos a benquerença

Enlaça-me desde a infância

Com o lugar onde estou,

Estive e serei quem sou.

 

Foram na necessidade,

Ao calhar, o meu amparo,

O confidente na grade

Que a vida me impõe, não raro.

Fizeram-me rir, magoar,

Comover, sempre a ajudar!

 

 

Porto

 

A sombra de árvore grande

No calor do meio-dia,

Porto de abrigo onde mande

A bandeira que me guia

 

No país da longa viagem,

De refúgio cidadela

- É o amigo na triagem

Da existência na procela.

 

 

Consolo

 

Consolo de me sentir

Seguro ao lado de alguém,

Sem jamais ter de medir

A palavra que me vem,

Apenas deixar como é

Tudo a me jorrar ao pé.

 

Trigo e joio ao mesmo tempo,

Que uma mão fiel joeira,

(Não sou eu que as vinhas empo)

Conserva com a peneira

Aquilo que tem valor

E o resto longe vai pôr

 

Num sopro da gentileza

Com que em mim todo o bem preza.

 

- É um amor, uma amizade,

Não tem nome e tudo invade.

 

 

Glória

 

Para os jovens a amizade

É a glória da Primavera,

O milagre da beldade,

Mistério que tudo gera.

 

Para os idosos contém

O desabrochar singelo

Do Outono que os frutos tem,

Fartura de quanto é belo.

 

 

Antiga

 

Qualquer amizade antiga,

Rica e bela quanto baste,

É grata ao toque, sem liga,

Marfim, de oiro com contraste,

 

Como vinho envelhecido

É suave e picante doce,

Tapeçaria que há tido

O brilho da luz que foi-se

 

Mas que ali permaneceu,

Íntimo e doirado céu.

 

 

Sintonia

 

Os amigos nunca vivem

Apenas em harmonia,

Cativos que nos cativem,

Mas antes em sintonia.

 

Não quero que me alimentem

Ou o corpo me agasalhem.

Tenho os obreiros que o tentem

Sem que uns aos mais se atrapalhem.

 

Quero amigos que me enlaçam:

- Que isto ao espírito façam.

 

 

Errado

 

É errado cuidar que amigo

Alguém é por qualidades

Que dele tem ao abrigo.

É de individualidades

 

Que gostamos, não, portanto,

Do que façam ou que digam.

Um único encontro é quanto

Talvez baste aos que interligam.

 

E, dum modo misterioso,

Quem é que sabe explicar

Porque é para nós gozoso

Alguém em particular?

 

 

Solitário

 

Apenas um solitário

Conhece a vera alegria

No tom de amizade vário.

Qualquer dos demais teria

 

A família sempre ao lado

Mas os amigos são tudo

Para o sozinho, o exilado:

Mais não há com que lhe acudo.

 

 

Velhotes

 

Pouco importa que nos olhem

Tais dois velhotes, os pés

A arrastar com o que colhem

Das compras feitas à vez

E que escolhem bem reais

Doces que nos são fatais.

 

Para nós somos só nós,

Com marca um pouco dos anos,

A partilhar, sempre a sós,

No recreio aqueles danos

Dos caramelos melados...

- E não somos enganados.

 

 

Breve

 

Silêncio breve um momento,

Logo as três às gargalhadas.

Nenhuma entende que vento

Hílare sopra as piadas.

Algo se apodera delas,

Vela à brisa das procelas.

 

“Pára de me fazer rir”,

- Murmura uma aos soluços –

“Senão rebento a seguir!”

E com a mão tapa os buços.

Andam sempre a rir as três

Sem rebentarem de vez.

 

Chegam a cuidar que são

A mesma em três dividida,

Respirando o mesmo suão,

Pensando igual, de fugida,

Aquela ideia marota

Que por dentro delas brota.

 

Foi sempre assim durante anos,

Desde a escola de pequenas

Até ao topo dos planos,

Da vida já para as cenas,

Diplomas na igual manhã,

Despedida temporã.

 

Agora em lua-de-mel,

Cada qual, das mais distante,

Imagina, sempre fiel,

Que as mais se juntam adiante

Aos gritinhos, quase roucas,

Num entusiasmo de loucas.

 

 

Tensões

 

Tensões conjugais, angústias

De criar filhos, pequenas

Dúvidas... – todas assuste-as,

Que nos corroem as cenas.

 

Tudo se atenua em frente

Se contarmos com o humor

Dum amigo inteligente

E generoso em calor.

 

Um amigo é panaceia

De em tudo usar, volta e meia.

 

 

Chávena

 

A chávena de café

E um bolo são mera pausa

No dia que, à falsa fé,

Todo me irá pôr em causa.

 

Partilhado com o amigo

Torna-se num ritual,

Soma de quanto persigo,

- Vi, ouvi, fiz bem ou mal... –

 

O efémero transmudando

Em memórias de ir durando.

 

 

Cortiça

 

O amigo é como a cortiça,

Cobre-nos como ao sobreiro,

Aquece, se o sol enguiça,

Da invernia o nevoeiro.

 

No calor do meio-dia

Refresca-nos, água pura.

A voz dele é a melodia

Do melro a cantar na altura,

 

Pássaro primaveril,

Único então entre mil.

 

 

Salgueiro

 

Quando o salgueiro se dobra

Com as brisas agitadas,

Correm amigos de sobra

A ajudar-nos nas quebradas.

 

Sabem primeiro que nós

Que nós precisamos deles,

Que habituados a sós

Fomos a abrir-nos, imbeles,

 

A que entrem nas desmedidas

Convulsões de nossas vidas.

 

 

Esforça

 

Quem é que se esforça mais

Que um amigo, ao ser preciso?

Quem pronto alegram sinais

De mim feliz como aviso?

 

De quem são os elogios

Sinceros, gratificantes?

De que boca os atavios

Da verdade ajudam antes?

 

Que baluartes sem apuros,

Que fortalezas vitais,

Que braços são mais seguros

Do que os corações leais?

 

 

Dom

 

Bendito quem tem o dom

De gerar amigos seus!

Tem nele o maior condão

Dos atribuídos por Deus.

 

E muito aquilo requer,

Como o poder sobretudo

De a gente se transcender

Para apreciar então tudo

 

O que noutrem é amoroso

E nobre. E que é tão gostoso!

 

 

Dezassete

 

Tinha eu dezassete anos,

No jardim do meu amigo.

Sinto-me feliz, sem danos,

De estar ali, neste abrigo.

 

Juntos descobrimos mundo,

Instituímos nossas normas,

Criamos o que é jucundo,

Preferências, moral, formas...

 

E rimos descontrolados

Por mor de coisa nenhuma

Quantas vezes com tais fados,

Leveiros como uma pluma!

 

A amizade adolescente!

Eu sabia que a alegria

Findaria de repente

E assim foi, da noite ao dia.

 

A substituí-la, porém,

Vem algo que rivaliza

E ultrapassa muito além

O bem que a vida avaliza:

 

Só agora compreendo

Realmente quão preciosa

A amizade que vai sendo

É para uma vida airosa.

 

 

Quem

 

Quem, a não ser um amigo,

Durante horas nos ouvia

Sem fim e dia após dia

A desenterrar do abrigo

Cada amargor duma estrada

De amizade espedaçada?

 

Quem, senão o amigo a sério,

Sugeriu com gentileza

Que era altura, com certeza,

De acabar com o impropério,

Virar a página em frente

E seguir alegremente?

 

 

Ansiosos

 

Os amigos ansiosos

Andarão por se sentar

À refeição, prestimosos,

Durante horas sem contar,

Como se fora a primeira

De mil pela vida inteira.

 

Só então, ao termos ao lado

Bons amigos, lauta mesa,

Podemos ter questionado:

- Se não vivo o que se preza

Com gosto, agora e após,

Quando viveremos nós?

 

 

Conversar

 

Conversar com os amigos

É o mais parecido ao Céu,

Enquanto viver de abrigos

De argila este corpo meu.

 

É a maneira vantajosa

Mais agradável que encerra

O tempo, na comum glosa

Que iremos traçando em Terra.

 

 

Pedraria

 

Se a amizade verdadeira

Encontrares, aprecia-a,

Dá-lhe brilho nela inteira,

Preciosa pedraria.

 

Faz tudo por conservar

E proteger o tesoiro.

Guarda-a bem dentro em teu lar

Mas deixa-lhe o brilho de oiro

 

A brilhar sempre por si.

É que assim nos pantanais

Que a vida jogar-te a ti,

Brilhará cada vez mais.

 

 

Arrombar

 

Arrombar as fechaduras

Podem os ladrões astutos,

Roubar tuas sinecuras,

Ficar-te com teus produtos.

 

O destino não consegue

Tirar-te aquilo que deste

Ao amigo que te segue:

Esta riqueza celeste

 

Permanecer ao abrigo

Vai para sempre contigo.

 

 

Lonjura

 

Não me canso de buscar-te

Lá na lonjura da estrada.

Todo o dia vou à parte

Mais distante ou elevada,

 

Com a garrafa de vinho,

Não vás tu chegar com sede.

Pudesse eu, com meu ancinho,

Encolher, feita uma rede,

 

A superfície do mundo

E ter-te, num jeito alado

Vindo do longe profundo,

Subitamente a meu lado!

 

 

Memoráveis

 

Temos dias memoráveis

Quando alguém que entusiasma

Traz poemas insondáveis

No aperto de mão que plasma,

Subentendida empatia

Que mágica nos sacia.

 

Talvez nunca o tenha visto

Nem depois o volte a ver.

Mas em nós o efeito disto

Libertação é a crescer,

Mata o descontentamento,

Perfuma-nos o momento.

 

É o ribeiro da montanha

Onde o mar pureza ganha.

 

 

 

Lar

 

De lágrimas e prazer

Se faz sempre um lar feliz.

Se só prazer lá couber,

Falha logo por um triz.

Se só lágrimas houver,

Apodreceu-lhe a raiz.

 

É no jogo dentre os dois

Que se acende o sol depois.

 

 

Predisposição

 

Nossa predisposição

Para o amor, para a bondade

Que brota do coração

Não vem da religião

Que professa cada idade.

 

Todos poderão viver

Sem qualquer religião,

Mas sem um valor qualquer,

Sem ética promover

Nunca viver lograrão.

 

 

Pouco

 

Que pouco se habituaram a fazer

No intuito

Do que, afinal, se quer

Muito!

 

Depois o amor falha.

Não, não é por gralha...

 

 

Arrumar

 

Um homem tem de aprender

A arrumar

Só para um dia poder

A própria mulher

Conquistar.

 

É que o caos tanto a mulher desarruma

Que ela acaba por nem ser

Mulher nenhuma.

 

 

Odeio

 

Odeio o lar arrumado

Sem ti,

Odeio o lar desarrumado

Contigo.

Do amor o perigo

Mora aí.

No fio da navalha

Que equilíbrio, afinal, não atrapalha?

 

 

Cair

 

O amor é cair no outro

E livrar-me assim

De cair em mim.

Até que no outro me encontro

 

E vou sendo, enfim,

Interminavelmente,

Outro de mim

Daí para a frente.

 

 

Fora

 

O mundo lá de fora

Prova-me que o centro

Mora

Cá dentro,

Cão na viela perdido

À procura do lar do sentido.

 

Mesmo o amor, pele na pele,

É saudade da lonjura

Que eterna apele

À procura.

E, se o não for,

Não é amor.

 

 

Rafeiro

 

Um corpo sem dono,

Cão rafeiro na berma da estrada

Que uma morte privou do sono

No abandono da jornada:

 

É a viúva dum amor, viúva...

- Um inverno

À chuva,

Eterno.

 

 

Profundidade

 

Que importam metros se os quilómetros me atraem

Na profundidade que és em mim?

Em tua luz branca se esvaem

Os abismos de meu confim.

 

E em mil e um braços,

Traços mil,

És céu de anil

Aos abraços.

 

 

 

Ignaros

 

São tão ignaros os que não amam!

Querem matar a poesia

E todo o dia então acamam

O avesso do dia.

 

Logo

Morrem de frio

De tanto apagar o fogo

Que iria mitigar-lhes o fastio.

 

 

Raridade

 

A raridade no mundo

Não é do oiro ou do diamante.

És tu, no gesto fecundo,

Único, de mulher amante.

Na ilusão sem par

Que me faz pela realidade caminhar.

 

 

Isolados

 

Dou-te a mão

E ficamos magicamente isolados

No meio da multidão.

E misteriosamente transformados,

A transformar em novo mundo o chão,

Clandestino em todos os valados.

 

Nenhuns olhos o verão,

De tão vendados.

 

É o mais seguro

Para quanto contigo prefiguro,

Depuro

E definitivamente apuro

No lado escondido de todos os lados.

 

 

Vezes

 

As vezes que te amei

Em pensamento

Nunca te direi

Em nenhum momento

E muito menos de que maneira,

Tanto de querer-te à beira...

 

Andas pela rua

E o chão flutua.

 

Fico tonto,

- Mas, para ti, sempre pronto!

 

 

Mãos

 

Mãos de transformar o lodo,

De pôr um fim à lama,

De limpar-me e de limpar o mundo todo,

De trazer-te nua e pura até à cama.

 

Mãos para a beleza

Que te preza.

 

E o mundo inteiro

Num feérico luzeiro

Reza.

 

 

Golo

 

Que importa o golo

Que marquei?

Importa-me é, na bancada, o consolo

Da minha grei.

 

Os golos que marcas contam pouco.

Só os que, no íntimo abrigo,

Quem amas festejar, louco,

Contigo.

 

 

Lugares

 

Há sempre lugares novos

Em quem ama e é amado:

O amor são renovos

Por todo o lado.

 

Mesmo a rotina

É outra coisa

Quando a vista mais fina

Nela poisa:

 

Repetir

O irrepetível

No amor, ao fluir,

É perenemente exequível.

 

 

Quem

 

Quem és tu que me paras o coração

E o acalmas

E de repente é um turbilhão

De multidão

A bater palmas?

 

E tudo aqui no imo,

Da fundura ao cimo.

 

 

Floresta

 

Cruza da floresta os ramos

De teu dia

E bebe o que te encanta.

Quando amamos,

Até a melancolia

Nos levanta.

 

 

Cuspir

 

Hoje o mundo deu-lhe para me cuspir na cara.

Não é coisa rara,

Não.

O que vale é que tu de cada não tiras um sim

E assim

Mudas o chão,

- Mudas-me a mim.

 

 

Entre

 

Os amantes aconchegados entre os muros

E o céu...

De repente, o céu!

Depois, um pouco mais tarde, os muros...

Qual o lado que venceu?

Nem eles alguma vez estarão seguros.

 

 

Sorrir

 

Quando amamos, sorrir é tudo o que vemos,

Excepto tudo o que vemos, claro.

Quando não amamos, os extremos

São este episódio raro:

Sorrir, de perto,

É só uma dentadura a descoberto.

 

É a diferença

Entre o esqueleto e a vida que o vença.

 

 

Loisa

 

As duas coisas mais importantes

Da vida:

Tu e, por instantes,

Aquela loisa perdida,

A que, em todos os adiantes,

Escapa de fugida,

A que tem lá escritos todos os implantes

À nossa medida...

 

Garante-lo tu, garantes,

Basta ver-te os olhos, em seguida.

 

 

Depressa

 

Quão depressa vagarosamente

Escorre o tempo de quem ama!

Cada vez mais jovens no que se querem em frente

Enlaçam a trama.

E a vida

De repente

Quebrou toda a medida.

 

 

Cura

 

Há cura para tudo menos para o desamor.

Sobre ti me inclino, fagueiro,

E teu corpo é o barro de oleiro

Donde vou talhando o mundo maior

Da alegria

Que os astros alicia.

 

 

Muda

 

Há muita palavra dura

Que nos muda

A fundura

Quando a fundura nos iluda.

 

É proibido

Separar os amantes:

Têm de fundir o desfundido

A todos os instantes.

 

E não perdem com demora:

É sempre isto vida fora.

 

Quem o trai

Sai do amor: da vida sai.

 

 

Tocar-te

 

Tenho de tocar-te para me sentir feliz:

Tudo está conforme.

Ora, isto é ser enorme,

Seja lá qual for o matiz

Da matriz

Informe

Que a cada instante no-lo diz.

 

 

Partida

 

Quando amamos, durar

É uma guerra perdida

À partida.

O fim há-de um dia chegar

E, num ai,

Tudo se esvai.

 

Amar é uma guerra qualquer

Que iremos perder

 

Que mais não seja lá no confim

Do derradeiro fim.

 

Contudo, é o que é eterno

Na dimensão que habita para lá do inverno.

 

 

Juntos

 

O que implique estarmos juntos

É uma pontinha de paraíso

E o mais sério dos assuntos

Dá-nos riso.

Trocamos um abraço

E até o inferno se esvazia, escasso.

 

 

Nós

 

Quando nós falamos no plural,

Nós,

É já de amor sinal:

Ainda embora clandestino,

Vem logo após,

Musical como um hino.

 

 

Inesperado

 

O além

Com que cismo...

É tão inesperado andar alguém

Por dentro do meu abismo!

E tu, apesar de quanto hesitas,

Já o habitas.

 

 

Prazo

 

O amor

Nunca fica fora de prazo.

Ou então não é amor mas um acaso,

Confundido fulgor

Duma fogueira de gravetos,

Tomada do sol pelo calor

Com que nos acarinha

Quando amarinha

Pelos tectos.

 

 

Bíblia

 

A tua cara é uma bíblia

Para me tornar feliz.

Drible-a embora o dia, drible-a,

Sempre lhe escapas por um triz.

 

E, das tuas lendas no milheiro,

Sou eu sempre o parceiro.

 

Com ganho

De tuas quotidianas freimas no amanho.

 

 

Guardar

 

Amar

É guardar

O segredo

Que temos

E dizemos-não-dizemos

A medo.

 

 

Oculta

 

Na oculta travessia

De meus sonhos

Tua imagem é meu guia

E nunca mais eles são medonhos.

 

Fico quieto

Em paz sob nosso tecto.

 

Continua a falha,

Porém, a solidão

Que me calha,

Não.

 

 

Ilude

 

Quando o teu abraço me ilude,

Acontece juventude,

 

Volto a ter os meus vinte anos

Nos enganos.

 

E, de repente, o amor

Que nos invade

É sobretudo o interior

Da eternidade.

 

 

Antes

 

Antes de ti minhas margens eram agrestes

E o inverno eliminava,

Pétala a pétala, as flores silvestres

Que em cada canto escuso cultivava.

 

Ergo-me cada manhã

Para ver-te principiar outra vez,

Louçã,

Do mundo inteiro o mágico entremez.

 

 

Vento

 

Quando passeamos juntos

O vento pára por instantes

A ouvir assuntos

Inebriantes.

 

Um marulho grave

Toca-nos suave.

 

Diante

Fica mais perto o que é distante.

 

 

Esbarro

 

Sem ti me esbarro

Contra a noite, contra o mundo,

Contra mim.

Tantos caminhos e eu sem carro!

Lento e lento me afundo

No teu mapa de fronteira e de confim.

E assim

Toco finalmente o fundo.

 

E logo,

Sem fim,

Me desafogo.

- Até que enfim!

 

 

Perdido

 

Fui uma alegria esquecida

Longe de ti,

Perdida na vida.

Até que te encontrei e me acendi,

Girândola de fogo desmedida.

Finalmente, desde aí,

Vivi.

 

 

Alvor

 

Quando te aconchego,

O alvor da madrugada

Espalha-se, num desassossego,

Em mim, duma assentada.

E tudo estremece

No terramoto que nos aquece.

 

 

Além

 

Amo-te para além do que nos separa,

Isto é o que eterno nos une.

Não me abandones. Repara,

Isto, que nos reúne,

É que garante, ao me teres,

Nunca me perderes.

 

 

Agarrarem

 

Enquanto teus braços

Me agarrarem na queda,

Os laços

De seda

Não me deixarão cair,

Poderei subir ou descer,

Mas sempre em frente findarei por ir.

 

Até cumprir

E ao repouso me acolher.

 

 

Unir

 

Até que a morte nos separe, não.

Toda a união,

 

Em tudo o que unir de verdade,

Une para a eternidade.

 

Por isso é que, mesmo depois da morte,

Lhe seguimos o norte.

 

 

Olho-te

 

Olho-te

E ocorre o mundo por mim dentro.

Acolho-te

E apenas então é que deveras em mim entro,

 

No espanto

Interminável

Do pranto e do canto

Inominável, inefável.

 

Aí, o fundamento do mundo abala

E tudo cala.

 

 

Doer

 

No lar, cada um

A doer do outro a ausência.

“Há-de voltar nalgum momento, nalgum...”

- Murmura saudade a presciência.

 

Nem reparam que só voltamos

Àquilo que algum dia abandonámos.

 

Uma ausência tão presente

Como volta se nunca deveras se ausente?

 

Com tanto presente para mútuo fruir

Nunca tiveram coragem de partir.

 

Tanta ausência permanecente

Abre portas e janelas à luz do oriente,

 

Em tudo clama

Do amor a chama.

 

 

Estalar

 

O amor

Sabe a férias grandes,

Ao calor

A estalar pinhas e glandes,

 

Roteiros infinitos à frente,

A noite a adormentar na gente...

 

E, quando juntos na praia lavada,

Então nunca acaba nada.

 

Principia,

Em cada noite,

Por dentro de nós o dia

Onde a vida inteira interminavelmente se acoite.

 

 

Doravante

 

Ensinaste-me a ser homem

Menino,

Doravante meus sonhos já se não consomem

Sem destino.

Na adultez improvável

Sou o miúdo viável.

 

 

Sombra

 


Quando te vejo a ti,

Nunca sei bem

O que em redor vi,

Perdido pela sombra além.

És tão prioridade

Que o resto arrisca ser mera nulidade.

 

 

Separados

 

Separados por quilómetros de inviabilidades,

Mesmo assim de nós não desististe.

Em nós viste as possíveis divindades

E de vez em mim caíste,

Definitiva

Numa casa viva.

 

 

Vale

 

Muito vale a vida

Pelas separações que dá,

A saudade desmedida

A arrastar-se daqui para acolá!

Quem nunca chorou,

Acredite: nunca deveras amou.

 

 

Chegar

 

Toco-te para me chegar a mim.

Abrimos a janela

E voamos, sem fim,

De estrela em estrela...

E nem preciso de saltar do parapeito

De teu mágico peito.

 

 

Clandestino

 

Sempre o amor é clandestino,

Escondido para o mundo, aberto para nós.

Olhei-te nos olhos e vi o desatino

De quanto na vida foi atroz

E o mistério por descobrir

Que é sempre na vida o amor a ir.

 

 

Hipótese

 

Havia a hipótese de te amar

E eu numa sub-vida cheia de coisas,

Sem me decidir a poisar

Onde tu poisas.

Tanto tempo perdido

Até aprender a ter sentido!

 

 

Colo

 

Ao colo um do outro,

Eu no teu e tu no meu,

Dizem que isto, só mesmo depois de morto.

- Sim?! Nunca tanto cada um de nós viveu:

Acontece-nos cada dia,

Tal do amor é a magia.

 

 

Doutor

 

Quem nos ama

É sempre doutor,

Que em nós derrama,

Com a trama

De seu calor,

A cura maior.

 

Ninguém cai à cama

Ou a queda é menor

Quando o amor reclama

Ser o curador.

 

 

Sem-abrigo

 

Serei sempre o sem-abrigo

Na vida a espalhar o amor

De que mal consigo

Dispor,

 

Que a vida me foi levada

Na enxurrada

 

Das perdas e do vazio

Do incêndio de cada estio.

 

Resto sempre eu com o amor

A espalhar por onde eu for.

 

 

Conflito

 

Nenhum problema é inútil, que o conflito

Leva à vitória em qualquer trama,

O atrito

Prende-nos um ao outro como a grama.

 

Nunca nos afastámos, portanto, em definitivo.

Se nada mais houver para nos juntar,

Que até um grito aflitivo

Sirva para amar.

 

 

Via

 

Ela via que ele era o mais imperfeito,

Pior ainda, incapaz de partilhar

Vida com vida,

Naquele jeito

De sorrir alvar,

No toque de despedida

Com a ambição de apenas respirar.

“És a escolha impossível,

Gigante pigmeu.”

Por isso o escolheu.

- O amor é incrível!

 

 

Aproxima

 

O medo aproxima,

Quanto mais amamos mais nos pode aproximar.

É do medo em cima

Que deveras aprendemos a amar.

Quando as mãos e os pés ele nos junca,

Findamos mais juntos do que nunca.

 

Aproximamo-nos pelo que nos dói,

Não pelo que se festeja,

A união é rija pelo que foi

A dificuldade

Que transpor se almeja,

O peso da impossibilidade

A envenenar vagaroso o dia.

 

Felicidade pura é uma triste

Utopia,

Mas só assim a felicidade existe.

 

 

Cruzamos

 

Cruzamos pelos dias

Um ao outro agarrados,

Sonhamos as fantasias

Dos agrilhoados,

Somos as enxovias

Dos condenados...

 

Parecem tristes os fados?

- Mas que belas melodias!

 

 

Cansar

 

Amar bem e bem cansar

Têm forte ligação.

Amar dum corpo a folgar

Não é amar, é confusão:

Ter tanto amor para dar

E não ter ninguém à mão.

 

 

Angústia

 

Há uma angústia diferente

Quando estás de volta,

Presente,

Da de quando estás no mundo à solta.

Esta magoa

De medo;

Aquela promete cumprir um credo:

 

É muito boa,

Por muito que doa.

 

 

Tempo

 

Os corpos são de tempo feitos.

Ele é que entalha as rugas

Que os anos ganham nos pleitos.

O amor envelhece, não há fugas.

 

Porém, visto de perto,

Todo o corpo é amável

E toda a pele, adorável.

No amor desperto,

Confiável,

É isto que, afinal, sempre está certo.

 

 

Estás

 

Se estás com alguém

Que amas, estás bem.

 

Se estás com alguém que, afinal,

Não amas, estás mal.

 

A natureza simplificou a vida,

Nós é que a complicámos, em seguida.

 

 

Fingir

 

Fingir é estranho

Se não servir para amar.

Que é que pode haver de ganho

Num amor de faz-de-conta,

Sempre ali de mala pronta

Para abalar?

Meio amor, meia medida,

Isto é vida?!

 

 

Imbatíveis

 

As equipas imbatíveis

Não são as que sempre ganham,

Infalíveis,

Mas as que se banham

 

 De amor:

As que se amam com ardor

 

Até à velhice, desde a infância,

Com inquebrável constância.

 

 

Qualidade

 

De qualidade uma casa

Não é a que o arquitecto em liberdade

Nalgum lugar

Apraza,

Mas a que permite amar

Com qualidade.

 

 

Estranho

 

Reflicto

No estranho pasmo

De nossa abstrusa condição:

Provoca mais conflito

A falta dum orgasmo

Que a falta dum pão!

 

 

Relativamente

 

O relativamente apaixonado

É relativamente morto,

Meteu à terra o arado

À partida já torto.

 

Vivem juntos

Mas as pegadas que percorrem

Murmuram que, em todos os assuntos,

Juntos morrem.

 

 

Jamais

 

É bom

Como jamais fora dantes.

Teu tom,

Mulher,

Tem o condão

De fazer

De pigmeus gigantes.

 

 

Infeliz

 

Sou infeliz,

Que maravilha!

Minha infelicidade é de ti filha,

Que foi o que sempre quis.

E sou feliz,

De barco mergulhada quilha

Em demanda da ilha

De raiz.

 

Sou os dois lados da moeda,

Afinal.

Só tu, para que, enfim, se me conceda

Ser total.

 

 

Devagar

 

Querer devagar

Quem o quer?

Sei lá esperar

Pelo que vier!

 

Persigo

Imediatamente,

Sofro na hora

Contingente

E contigo

Consigo,

Mesmo perdendo perdidamente,

Com a demora.

É assim que em ti me perco,

É assim que sou gente.

Dou tudo e nada merco

E nada me faz falta, de repente.

 

 

Disponível

 

Amar,

Antes de mais nada,

É estar:

O disponível na jornada.

 

Procurar

Nos momentos desprotegidos

Quem se ama

E quem se ama ali se encontrar

Alerta com todos os sentidos.

 

É o que torna abençoados

Os trilhos deste modo caminhados.

 

 

Ainda

 

Olho-te,

Sei o que sentes

E acolho-te.

Mas o que mais rendes

A meus olhos contentes

É que ainda me surpreendes.

 

 

Tão

 

Somos tão repetitivos

Que somos imprevisíveis:

Constantes enquanto vivos

E, nos modos revivíveis,

Duma inconstância tamanha

Que é uma surpresa o que ganha.

 

Neste trilho irregular

É eterna a festa no lar.

 

 

Acordaste-me

 

Acordaste-me para a vida

E tal me sinto quando acordo:

A acordar mais e mais, na peugada decidida

De quanto levo a bordo.

 

No sono me escapava

Do que não tinha.

E era a mim que eu me faltava.

Ainda não soava

O toque dos ganhões para vindimar a vinha.

Dormia cada possibilidade

Que não advinha.

Até que um dia a tua mão me invade...

E adivinha!

 

 

Quando

 

Quando te vi,

Mudei de vida

E aprendi

A viver.

Como quenquer,

De forma desmedida.

Ou nem sequer

Seria vida.

 

 

Alterou

 

Tudo em mim alterou

Quando chegaste.

Por dentro fundo principiou,

Quadro pintado antes do engaste.

 

Um abismo a puxar-me doutro mundo...

Podia cair

No fundo,

Mas nem tal me fez fugir.

 

O amor é o enguiço

De poder tombar

Mas nem isso

Nos leva a parar.

 

 

Solitário

 

Convicto solitário,

Não temo a solidão,

Vivo comigo, vário

E chão.

 

 Vai a vida acontecendo

E eu com ela.

Mas a vida é também de se ir fazendo,

Dos dias na barrela.

 

Tu chegaste e mudou tudo:

Por dentro e por fora,

Sou doravante o sortudo

Que em ti mora.

 

E mora o mundo

Que repentinamente deveio fecundo.

 

E o mais estranho, enfim,

É que continuo total em mim!

 

 

Perder-te

 

Parece que irei perder-te,

Ao discutir.

A válvula do amor a abrir,

Sem jeito que a concerte.

 

O amor a respirar,

Sangrá-lo

Para poder retomar

O trilho do regalo.

 

Nenhum amor aguenta

Sem sangrar.

É o que o reinventa,

Ao caminhar.

 

 

Adoro

 

Adoro

O que me levas a ser,

Aquele em que contigo, no teu foro,

Me tornei, quase sem crer.

Adoro ter em mim

O que querer-me em ti te faz assim.

 

Um do outro somos o prisioneiro

Mais livre do mundo inteiro.

 

Escravos mútuos, os mais felizes

Do Universo, desde as raízes.

 

 

Cumpre

 

O amor não cumpre os manuais,

Não é amor a meio tempo, saudável

Por conforme aos rituais,

Amor em doses, contabilizável,

 

Em rações pré-fabricadas e medidas,

Cadeia de produção de empresa,

Picando o ponto nas horas devidas...

Que tristeza!

 

O amor não tem moderação,

Que amor moderado

Não é amor, é uma contrafacção,

É o coração

Simulado

Numa fraudulenta imitação.

 

 

Ridículo

 

O amor é ridículo

E não é:

É um fascículo

A juntar ao pé

Dos poucos mais

Com que a vida respirais.

 

 

Humanos

 

Humanos, temos discussões,

Dizes o que não deves,

Digo o que não devo.

Breves

Lesões

E logo matam todo o enlevo.

 

Acabamos os dois,

Finda a alegria,

A sofrer, depois,

O que ninguém deveria.

 

 

Amor-perfeito

 

Não temos um amor perfeito,

O amor-perfeito dura pouco,

Seja da flor no jeito,

Seja em quanto em nós é mouco.

 

O amor-perfeito é passageiro,

O eterno requer dedicação

Para haver construção,

Não basta só um sopro ligeiro.

 

É carregando pedra às costas,

Num esforço superno,

Que se erguem as escadarias propostas

Do amor eterno.

 

 

Falta

 

Morrem por falta de dedicação,

Quando morrem, quase todos os amores.

O resto dos que morrem nem amores são,

São tumores

A infectar o enganado coração.

 

 

Sofremos

 

Sofremos por teimosia,

Casmurros

Que nem burros

A meio da travessia.

 

Por motivos

Que não são motivo nenhum:

A chave do carro esquecida nos arquivos,

Do jantar o arrotado fartum...

 

E acaba tudo à primeira

Se não for amor deveras.

Se for, continua,

Não há nunca a derradeira

Das esperas.

Há sempre uma lua

Na noite escura das esferas.

 

Mesmo que doa,

Mesmo a chorar,

Há sempre uma surpresa boa

Para além do que a pedra nos rasgar.

 

 

Bom

 

O bom é mesmo bom

Quando houve o mau

E ele o superou, com o condão

De o transpor a vau.

O sempre bom não é bom: em relação

A que termo de comparação?

 

O sempre bom é mentira.

O casal sempre de bem,

Que jamais discutira

É mentira

Também.

 

Quanto dura

Um casal

Que tal

Apura?

 

Não é um par

Nem é nada:

Dois estranhos a caminhar

Na mesma estrada.

 

Se calhar,

De vez,

Um do outro ao invés.

E sem nem sequer em tal reparar!

 

 

Idiota

 

Amar alguém, de repente,

É vê-lo como idiota.

Vai logo falhar à frente,

Actos pratica de má nota,

E, aposto,

Irá contar o que não gosto...

 

E, contudo,

É assim que terá de ser em tudo.

 

Para a relação crescer

É requerida a avença

Da diferença

Que houver.

 

A diferença é o fecundo

Germe de mudar o mundo.

 

Pese embora toda a contrariedade,

É a diferença que traz a felicidade.

 

És impossível de aturar,

Até por isso não saberia viver

Sem ser

Contigo a par.

 

 

Queres-me

 

Queres-me assim

Desajeitado

Como a ti te quero em mim,

Bem cá por dentro a meu lado.

 

Queres-me quando te dói,

Quando estás desprotegida.

Aqui o amor aparece então e foi,

Eterno, a salvação foragida.

 

Quando alguém requer apoio,

Quando o mundo magoa,

O amor dói-o,

O amor doa.

 

Aí buscas tua casa

E tua casa sou eu.

Se o mundo custa, bates asa,

Vens a mim, que algo feriu.

 

Se te custa vens a mim

E se não custa também.

Sou teu par de igual ”enfim,

Que isto sabe mesmo bem!”

 

Momentos de amor e de verdade,

De profundamente nós.

Momentos de entrega em profundidade,

De confessar como atamos os cipós.

 

Amo-te mesmo que doa,

Mesmo que chore.

O amor soa,

Ecoa,

Reboa

Infinitamente além de quanto o mundo arvore.

 

 

Morre

 

Quando alguém me morre,

Também caio.

Quem me socorre

No desmaio

É quem, para que mal não suceda,

Me ampara a queda.

 

Amar não é deixar cair,

É amparar a queda que surgir.

 

Amparaste-me quando ali

Morri

 

Um bocadinho:

Nunca mais serei sozinho.

 

Desta sorte

Caminhámos juntos até à morte.

 

E ela, ressentida,

Fugiu de nós perante a vida.

 

 

Atamos

 

Quando atamos os nós

Dum amor que não perece,

Nenhuma morte merece

Meter-se entre nós.

É no que mais a eternidade

Persuade.

 

 

Quando

 

Quando a morte chegar,

Naquela hora

Há-de-nos encontrar

Tão amalgamados

Que, de olhos envergonhados,

Talvez se vá embora.

 

 

Caça

 

A morte anda à caça

No meio de nós.

Primeiro enlaça

Os avós,

 

Mas de repente o laço

Engana-se no abraço

 

E quem joga ao chão, assim,

É quem mais próximo é de mim.

 

Então, no emaranhado das teias,

Já morri a meias.

 

 

Pára

 

Tudo pára quando paras,

Mas só parece que irás parar.

De tua felicidade as aparas

Quão feliz me tornam aqui no meu lugar!

Tua felicidade é a minha raiz

De ser feliz.

 

 

Tanto

 

Um do outro temos aprendido,

Infatigáveis.

Mudámos tanto e, com tanto hoje sabido,

Mais somos nós, identificáveis.

 

Mudámo-nos ao vento do amor

Para nos encontrarmos melhor.

 

Quanto mais a ti te amo,

Mais lonjura atinjo em mim,

És o ramo

Que da raiz chega ao confim.

 

Quanto mais a mim amares,

Mais altos os patamares

Que em ti atinges assim.

 

Saímos juntos e nunca à toa

Do que magoa.

 

Juntos avançamos num só querer

Quando é preciso doer.

 

Um do outro, em nosso ninho,

Somos o adivinho.

 

 

Colo

 

Aguentámos tudo

Com o amor ao colo,

Da dor o bisturi agudo,

Do que fere o envenenado miolo.

É mais que aguentar com fervor,

É amor.

 

 

Sonho

 

Se o sonho existir

É um conto de fadas

A transgredir

O final infeliz das jornadas.

 

Feliz para sempre ninguém vive

Mas amar para sempre, sim, há quem o cultive.

 

E a felicidade

É de quem tal terreno grade.

 

 

Príncipes

 

Não têm príncipes os contos de fadas,

Mas homens têm.

E de fadas contos não deixam de ser também,

Contos de sonhos da vida nas jornadas.

 

És o meu sonho

E, para saber que existes, a beliscá-lo,

As mãos no céu ponho.

- E que regalo!

 

 

Quanto

 

Quanto quero que sejas,

Que sejas não quero.

O que de mim e de ti almejo e almejas

Não espero:

Não temos tamanho

Para o sonho ganho.

 

Adoramos a palermice,

A brincadeira,

O riso que se risse

De sermos grandes na ninharia duma asneira.

 

 

Aumentar

 

Aumentar um amor

É toda a importância lhe dar, em suma,

Com o fervor

De afinal não lhe dar importância nenhuma.

 

Amar é a naturalidade,

Nem mal, nem bem,

É: o que tem de ser, tem!

Não amar é que não pode ser,

Não há uma charrua qualquer

Que nos grade.

 

Porque há uma imensidade

Entre o que somos e o que podemos vir a ser.

 

 

Parvoíces

 

Após discutir, abraçamos

Parvoíces

E assim nos curamos

Com os pensos das sandices.

 

Rimos para nos curar

E o que um monstro parecia

Devém caricata fantasia

Que nos põe a gargalhar.

 

Para além do que a farmácia apura,

Rir cura.

 

O amor

Não falta em muitas relações,

Ali as lesões

São da falta de humor.

 

 

Mais

 

És minha mulher

E, se alguém mais excitante

Algum dia te apetecer,

É bom que seja eu vida adiante.

Senão, como é que em nós qualquer instante

Há-de florescer?

 

 

Contigo

 

Contigo não temo os anos

Se te não tiram de mim.

Enganos e desenganos

São os panos

Com que tecemos nossa colcha de cetim.

 

Não há velhice nenhuma

Mas novas formas de amar,

Descobertas que faremos uma a uma

Na floresta virgem da vida a desbravar.

 

Aprendemos a falhar com mais prazer,

No momento certo.

É neste gradual adormecer

Que fico, afinal, cada dia mais desperto.

 

Não envelhecemos, pois:

Morrevivemos os dois.

 

 

Esqueci-me

 

Esqueci-me na areia

Dos óculos de sol,

Nem sei como inda ameia

O meu nome em meu rol.

 

Eu vi-te despontar

E quase desmaiei

Em tais ondas de mar

Como as que em ti mirei.

 

E só teu sortilégio

Teve tal poder régio

 

Que só com um sorriso

Me alçou da vida ao viso.

 

 

Visávamos

 

Cumprimentámo-nos como bons amigos

Que ainda não éramos.

Já nos abrigos,

Por trás dos postigos,

Visávamos o que quiséramos.

É que estávamos um para o outro ali

E o mundo inteiro começou aqui.

 

 

Um

 

Por dentro somos um, dum para o outro,

Um ao outro damos tudo.

Para fora somos contidos em cada encontro.

Quem entra há-de ser grande, sobretudo

Para entrar merecer

E pequeno, contudo,

Para poder caber.

 

 

Principia

 

Principia a brincadeira.

É a melhor

Maneira

De principiar um amor.

É o modelo comum

Ou não há mesmo amor nenhum.

 

 

Temo

 

Amo-te e, portanto, temo.

Quem te vê ou é cego

Ou então eu sempre tremo

Doutrem com o fatal apego.

 

É que és linda de morrer!

Amar-te-ia até à morte

Para começar a viver...

E então que sorte! Que sorte!

 

 

Alerta

 

Amor é o máximo alerta,

Estado de sítio desarmado.

Vivo na trincheira aberta

Nos dias do meu lado.

 

Tenho medo

De que alguém te roube.

Rezo o credo

Que na vida à sorte me coube.

 

Sou o herói medricas

Coerente com quanto em mim implicas.

 

 

Ilesa

 

Sais ilesa

Do que te quiserem ferir.

Mas primeiro, repesa,

Tens de vir

 

À procura

De curativos pós

Até à cabana de cura,

Até nós,

 

Cobrir a ferida

Com nossa solidão a dois.

Restabelecida,

Bordarás então a vida

Depois.

 

 

Cuidam

 

Cuidam que és a fortaleza

E assim é que ficas forte,

Vais construindo a represa

De água fresca que conforte.

 

Mas és tão frágil, tão frágil

Que apenas eu é que sei.

E é por isso que tão ágil

Da eternidade te amei.

 

 

Sofres

 

Mesmo quando ganhas, sofres,

Porque tudo é passageiro

E magoa porque acaba.

Findam vazios os cofres

De quanto houver de fagueiro

Do cotio em qualquer aba.

 

Porém eu aguento e puxo

Dos abismos borda fora.

Salvar-te é sempre o meu luxo,

Calo-me, mas não demora.

 

Importa que caias bem

Para bem te levantar.

Perdas por aí além

Não nos hão-de então magoar.

 

 

Resvés

 

Ninguém saberá que és

A menina doce, indefesa,

Tão frágil que andas sempre resvés

De ficar lesa.

 

Que medo de te partir!

Sempre à borda do abismo,

Basta alguém se distrair

- E era um cataclismo.

 

 

Agora

 

Antes de ti

Tinha o prazer possível.

Agora, aqui

É o inacreditável que é vivível.

Melhor ainda, não é por excepção,

Tenho-o sempre em ti à mão.

 

 

Altar

 

Levas-me ao altar todos os dias,

Sem igreja nem santos.

Sinto que é aí que me porias

E há sacrários em todos os recantos.

 

Desde que nos pusemos a caminhar,

Não há nunca mais como parar.

 

És o plinto

Onde sinto

 

Que um misterioso grito

Me chama desde o Infinito.

 

 

Reparo

 

Quando reparo que és minha mulher,

Descubro que sou teu homem.

E o mundo vem colher

As marés

Que se somem

Por entre nossos pés.

 

 

Viagem

 

Toda a vida é uma viagem

E as viagens que fazemos

Atam toda a tecelagem

Com nós com que nos atemos.

 

Foi na estrada que fizemos

Vida fora, terra além,

Que os nós onde nos tecemos

São o nós que nos convém.

 

 

Gostoso

 

A felicidade pode ser

O casal defeituoso

Na realidade imperfeita:
Acolher

O gostoso

Que aí espreita.

 

Aliás, é sempre isto

A marca de que existo.

 

 

Mesmo

 

O mesmo incapaz,

O mesmo zero,

O mesmo dependente...

Que é que te faz

Querer o que eu nem adivinhava que quero,

De repente?

Que é que inesperadamente

Me refaz

Gente?

 

 

Correu

 

Ele correu para ela,

Ela correu para ele,

Um abraço a meio caminho...

Na sequela,

Que é que os impele

No campo maninho?

 

Do caminho nenhum sabe,

Que dentro deles só cabe,

 

Afinal, o avassalador sentimento

Do momento.

 

 

Também

 

Quando te fores,

Eu irei também,

Que a lei dos amores

É um do outro ser refém.

 

Assim na vida

Como na morte,

De tal sorte

Que, na eterna despedida,

Quem fica deste lado

Será doravante mero morto adiado.

 

 

Calar

 

Se algum dia se calar

A voz que te fala dentro,

Finda fora a de falar,

Perdido de vez o centro.

Findo a me silenciar,

Que então jamais em ti entro.

 

A morte é sempre este frio

A gelar-me de vazio.

 

 

Quero

 

Quero pulsão, tu, afecto;

Quero acção e tu, afago...

E sou feliz no projecto,

Mesmo tão avesso e vago.

Estar contigo tem jeito

De amor como o amor é feito.

 

 

Vulgar

 

Vulgar é quem

Ao que tem só dá valor

Quando já o não tem

E os olhos só há-de pôr

Em alguém

Quando forma já não tiver

De o ter.

Vulgar é sempre um quando

Perdido neste desmando.

 

 

Fácil

 

É mais fácil devir amigo

De alguém

Que algo em comum comigo

Tem.

Doutro modo a diferença geraria,

Pelo menos, uma guerra fria.

 

 

Amizade

 

Amizade,

Ter alguém com quem falar,

Desabafar

Se houver necessidade,

É bem melhor do que o oiro,

Até do que a liberdade:

É o tesoiro

Que molda as chaves das portas

Que abrem à vida as liberdades mortas.

 

 

Cuidados

 

Ah! Como sabe bem

Quando alguém fica em cuidados

Por saber se morro ou vivo!

O carinho que contêm

Os afectos enublados

Dum olhar que espia, esquivo!

Um coração que também morre

Se o meu nunca mais corre.

 

 

Amando

 

Quem é que amas não importa

E não importa onde é que amas

E o porquê não abre a porta

Que elucide o que ali clamas,

Nem o como nem o quando:

- Importa é que vás amando!

 

 

Sofrer

 

Amar é eterno sofrer,

Que o infindo vislumbrado,

Mesmo à mão, não é apanhado.

Se sofrer se não quiser,

Então é de não amar?

Mas não amar, ao contrário,

É sofrer ainda mais vário

Por amor não se encontrar.

 

Amar é sofrer, portanto;

Não amar é mais, no entanto:

 

Aquele o fim do caminho

Não me dá mas adivinho;

 

Este nem caminho tem

Ao prisioneiro refém.

 

Para ser feliz, só amando,

O que nos torna infelizes,

O Infinito aqui visando

Sempre só tendo as raízes.

 

Sofremos por demasia

Da alegria da promessa

Que tropeça aqui na via

De dar um dia o que a meça.

 

 

Reinventar-se

 

Noutros gostos e vontades

Amar é reinventar-se,

Fora de nossas herdades

Vestindo um novo disfarce,

Doutrem no aceno de mão

Que é o que aponta à perfeição.

 

 

Invés

 

Apaixonar-me é passivo,

Tudo revolve em meu peito.

Amar, ao invés, é activo,

Que ao outro me dou num preito.

 

O que intercombina ao vivo

Um e outro é o mais perfeito.

Nem um nem outro me arquivo,

Cultivo ambos, deste jeito.

 

A passo, minha altitude

Trepo quando aos dois me grude.

 

 

Fala

 

Quem fala de amor, não ama.

Talvez deseje, possua,

Obra realize sua,

Mas amar nada o proclama.

 

Apenas vulgaridade

Se apregoa aos quatro ventos.

Quando se ama, a realidade

São do outro mundo os intentos.

 

 

Raízes

 

O amor

Tem múltiplas raízes.

A bela flor,

De cambiantes matizes,

 

Quando a estima ilimitada

A alimenta,

Pode findar doutras raízes dissecada,

Que desta perene se aviventa.

 

 

Ninguém

 

Nós nunca amamos ninguém,

Mas a ideia idealizada

Desse alguém que então se tem.

 

É prazer num corpo estranho

A meta então procurada

Para meu proveito e ganho,

 

Ou é o prazer por inteiro

Da ideia dele sonhada

Aquilo de que me abeiro?

 

Qualquer que seja dos dois

Sou sempre eu, ao fim, depois.

 

 

Rapariga

 

Não é amar a rapariga

Tratá-la como o sujeito

Que só lisonja persiga

De anedotário estreito.

 

Só ama e por ela é amado

Se for além da aparência,

De alma aberta em todo o estado,

Com baixeza ou excelência,

 

Com a angústia, a seriedade,

Problema e sonho vividos,

Com a humana gravidade

Dos pesos no imo sentidos.

 

 

Espera

 

O amor (como os sentimentos)

Não espera, ao se fixar,

Primeiro estudar os ventos,

Conhecer os elementos

Para depois avançar.

 

É por impulso que amamos,

Por razões de sentimento

Que não têm a ver com ramos

Nem com ligações dos tramos

De qualquer conhecimento.

 

Reflectir e meditar

Só força aqui vão tirar.

 

 

Demais

 

Se é grande demais o amor,

Torna-se inútil então.

Não é de aplicável teor,

Que ninguém tem um bidão

Dentro de si, nalgum canto,

Capaz de receber tanto.

 

No amor e em tudo em que penso

Há uma lei a ser seguida:

Teremos de ter bom senso

E ter senso de medida.

Se a lei for espezinhada,

Reduz-nos a vida a nada.

 

 

Dois

 

O amor tem sempre dois planos.

Um, bem frágil, é o que quebra

À menor oscilação.

Dele, após, só restam danos

E aquilo que, ao fim, celebra

É apenas a perdição.

 

Outro é forte em demasia,

Poder que vem das entranhas,

Força cósmica que invade

Convenções que esmagaria,

Leis morais feitas patranhas,

A fé sem sacralidade.

 

Dos dois tecemos a teia

Da História rumo ao que ameia.

 

 

Perfeito

 

Requer o perfeito amor

Ser em reciprocidade

E o recíproco calor

Ser amado de verdade.

 

Que o amante ame no amado

O amante que a ele o ama,

Que o amor em todo o lado

Se ame a si em toda a trama.

 

 

Cabana

 

Tudo o que não for viver

Escondido na cabana

Pobre ou rica (o que há-de ser),

Com quem eu amar com gana,

 

No inestimável conforto

Íntimo daquele amor,

É vão, inútil e torto,

Um vazio sem sabor,

 

Parece, entre sábios mil,

Ligeiramente imbecil.

 

 

Glória

 

Conheci-a, apaixonei-me,

De repente foi a glória.

Então despreocupei-me,

Ali perdi a memória.

 

Um amor é como o clima,

Quente e frio, brisa e praia...

Nasceu-me aqui muito acima

E eu nasci dele na raia.

 

 

Sozinhos

 

Nascemos sozinhos,

Sozinhos vivemos,

Morremos maninhos,

Tão a sós nos vemos.

 

Só através do amor

Como da amizade

A ilusão supor

Podemos que agrade:

 

Durante um momento

Cuido com carinho,

Contra todo o vento,

Que não vou sozinho.

 

 

Romântico

 

O amor romântico é um trajo

Transitório, nunca eterno.

Breve o ideal a que eu reajo

Se esfacela, em nada terno.

 

Brota o corpo bem humano

Que nós dele revestimos.

É a desilusão do engano

Do caminho que seguimos.

 

Só a desilusão aceite

De princípio, variando

De ideal quando despeite,

Constante se transmudando,

 

Muda o teor do caminho.

Tece de alma na oficina

Novos trajes, de mansinho,

Tudo inova a que se inclina.

 

 

Mestre

 

O amor é mestre, entretanto

Urge saber adquiri-lo

Porque é difícil o encanto,

Requer muito suor e pranto

Prolongado consegui-lo.

 

É preciso amar, de facto,

Não por um instante apenas,

Mas até ao fim, num pacto

Que se alonga de acto em acto,

Sem termo, em quaisquer arenas.

 

 

Felicitar

 

O amor que ande procurado

Por felicitar a vida

Perde a doçura do estado,

Embriagante, delida.

 

Quando amor inesperado,

Impetuoso, fulminante,

É o céu a verter, folgado,

No peito a qualquer instante

 

Todas as delícias puras

Que então não correm perigo

De se infestarem de agruras

Desta terra sem abrigo.

 

 

Alma

 

O amor, alma a desatar-se,

Corre atrás do que não sabe,

Não larga mesmo que esgarce,

Não apanha, não lhe cabe...

 

A ilusão é requerida,

É bonita, não faz mal

Que invente, minta uma vida,

Sonhe o que queira real.

 

A realidade mata

E o amor que ela maltrata

 

É mais bonito que a vida:

- Por isso é dela a subida.

 

 

Melhor

 

Amavam-se em seu melhor,

Sem qualquer pressa ou excesso,

Conscientes do fulgor

Das vitórias em processo.

 

Os desafios mortais

Da vida serão reais?...

 

Que é que importa estoutro fado?

- Vão na margem do outro lado!

 

 

Trono

 

Quando se ama uma mulher,

Ou ela se deixa erguer

Num trono de sagração

E então aquele que a amar

Ama por a desejar

Num clima de gratidão,

 

Ou ela o afecto quita

Daquele que a requisita

E então é nobre deixá-la

Na livre escolha que faz

De quem muito bem lhe apraz

Na vida de que faz gala.

 

 

Ódio

 

Quem a si se não amar

O amor pelos outros não

Há-de conseguir lograr.

 

O ódio por si então

Como um flagrante egoísmo

Tem a manifestação

 

E no final é um abismo

Duma cruel solidão

Que finda num cataclismo:

 

É do desespero a mão.

 

 

Contra

 

Os homens hesitam menos

Contra quem se faz amar

Que contra quem, nos terrenos,

Se fizer temer a par.

 

Vínculo de obrigação

É o que mantiver o amor.

Rompe-o logo a ocasião

Dum benefício maior.

 

Mas o temor é mantido

Por medo da punição,

Não nos sai mais do sentido,

Não nos larga mais da mão.

 

 

Valor

 

Quem ama importa-lha lá

O valor que os outros dão

À mulher a quem se dá!

 

É só quando o amor declina

Que o cego ontem hoje então

Corre a duvidar da sina.

 

- E a fada tomba no chão!

 

 

Santuário

 

Que tua casa se torne

Impenetrável santuário.

Quando o apetite se adorne

De algum manjar milionário

Que na rua é digerido,

Mas de coração coagido,

 

Mantém teu lar no segredo

Do bálsamo das feridas.

É teu refúgio do medo

Das paixões que haja explodidas,

É o abrigo do adorável

Sem o que amor é inviável.

 

 

Entre

 

Entre os humanos unidos,

Muito embora intimamente,

Há um abismo de sentidos

Que apenas o amor desmente.

 

O amor pode superá-lo,

Mas mesmo assim, na existência,

Como ponte donde abalo,

Como ponte de emergência.

 

 

Findar

 

O grande amor

Não pode nunca findar bem.

Mesmo se ambos findam num desastre, é um horror

Também.

 

Enquanto o tempo corre

E não trava,

Quem amamos morre

E morre quem nos amava.

 

 

Domina

 

Na paixão domina o amado

Sobre aquele que é o amante.

É o fraco que é dominado,

O forte cria, imperante.

 

Quem ama é que inventa inteiro

O amado e daí o espanto

Da mulher dum grão parceiro:

- Porque é que ele me quis tanto?

 

 

Violinista

 

Um homem não pode amar

Uma mulher toda a vida?!

Se um violinista tocar

Uma música pedida,

Vai deveras precisar

De violinos ir trocar

Para aquela ser vivida?