DO RELACIONAMENTO AO AMOR
Pende
O amor que Deus nos tiver
Não pende de instituições,
De práticas de quenquer
Para agradar-lhe às feições:
É sempre incondicional
Por todos e cada qual.
Por cristão, por maometano,
Por budista ou hinduísta,
Pelo ateu que aponta o engano,
Pelo agnóstico sem pista...
Ele é igual para com todos,
Nós é que enredamos modos.
Nós é que andamos à busca
No emaranhado que ofusca.
Eixos
Amor e trabalho,
Dois eixos da vida.
Ambos quando falho,
É a vida perdida.
Quando num acerto,
É bom, já estou perto.
Ganho o pleno, pois,
Quando acerto os dois.
Principia
A amizade principia,
Principia a eternidade:
É dádiva todo o dia.
Pagamento? Não a invade.
Tudo é dom e não tem preço,
Não é com metro que o meço.
Quando a amizade se implanta,
Tudo é brando e tudo canta.
Gosto
Gosto de ti pelo que és
E por aquilo que sou
Quando é contigo que estou
E que a sós não sou de vez.
Pelo que de ti fizeste,
Pelo que de mim tens feito:
Bom me tornas com teu jeito
Mais que qualquer fé celeste.
Para me tornar feliz
Mais fizeste que o destino,
Sem me tocar, clandestino,
E sem palavras subtis.
Por seres tu, tão somente.
Afinal, tal é o abrigo
Do que é deveras amigo:
Torna-me pleno o presente.
Glória
A glória duma amizade
Não é o aperto de mão,
Sorriso que nos agrade
Ou a alegre comunhão.
É no imo a consolação
Que extática nos visita
Ao ver, em nosso desvão,
Que alguém em nós acredita
E nos concede de graça
A amizade que nos passa.
Frequente
Não é muito frequente
Ocorrer a ocasião
De utilizar, no presente,
A boa vontade à mão
De amigos tidos em mente.
Podemos nunca sentir
O momento de o fruir.
Mas, ao sermos governados
Por nossa imaginação,
Ei-los, de todos os lados,
Em sólido bastião,
Inexpugnáveis soldados
Dispostos para a surtida
Contra os reveses da vida.
Frequência
Pouco importa que os amigos
Sempre prontos a ajudar
Não os veja em meus abrigos
Com muita frequência a par.
O que importa e bem deveras
É que, se eu precisar deles,
Os laços saltam as eras,
Intactos e, anhos imbeles,
Todos correm a ajudar
Em tudo o que eu precisar.
Multidão
A pouco e pouco um amigo,
De amigos na multidão,
Descubro que abre um postigo
De ser feliz sem razão,
Apenas de estar comigo.
De repente entendo então
Que tenho mais dum milhar
De eventos a lhe contar.
Da turma não é o melhor,
Nem dos mais tem grande estima,
Nem a roupa é de primor...
Mas, ao juntos ir, o clima
É dum suave sabor
E o que mais no fundo anima
É que ele calça reais
Sapatos aos meus iguais!
Livre
A amizade é a relação
Mais livre de preconceitos,
Que não a afecta a ambição
Do poder e seus trejeitos,
Nem do físico prazer
Ou proveito material...
Sempre isenta é de qualquer
De obrigação jura real
Ou de constância sequer.
- E é o que mais a irá manter!
Sagrado
Ter um amigo é sagrado
Para o homem ou mulher,
Alma a que me hei confiado
Por inteiro e sem querer.
De mim conhece o melhor
E o pior. E o que acontece
É gostar de mim sem pôr
Defeitos no que enaltece.
Dirá de mim a verdade
Onde os mais vão bajular
Ou rir de mim, quando agrade
Minhas crostas me apontar.
Dá conselhos, reprimendas
Quando há próspera auto-estima.
Consola, encoraja emendas,
Se a mágoa nos desanima,
Quando os mais nos abandonam,
E ficamos bem maninhos
Campos de que não se adonam,
A batalhar cá sozinhos.
Relações
No mundo das relações
É difícil de encontrar,
De conservar sem senões,
Complicado e invulgar,
A compensante amizade
Que nos molda cada idade.
Sentimento de pertença
É de amizade a constância.
De amigos a benquerença
Enlaça-me desde a infância
Com o lugar onde estou,
Estive e serei quem sou.
Foram na necessidade,
Ao calhar, o meu amparo,
O confidente na grade
Que a vida me impõe, não raro.
Fizeram-me rir, magoar,
Comover, sempre a ajudar!
Porto
A sombra de árvore grande
No calor do meio-dia,
Porto de abrigo onde mande
A bandeira que me guia
No país da longa viagem,
De refúgio cidadela
- É o amigo na triagem
Da existência na procela.
Consolo
Consolo de me sentir
Seguro ao lado de alguém,
Sem jamais ter de medir
A palavra que me vem,
Apenas deixar como é
Tudo a me jorrar ao pé.
Trigo e joio ao mesmo tempo,
Que uma mão fiel joeira,
(Não sou eu que as vinhas empo)
Conserva com a peneira
Aquilo que tem valor
E o resto longe vai pôr
Num sopro da gentileza
Com que em mim todo o bem preza.
- É um amor, uma amizade,
Não tem nome e tudo invade.
Glória
Para os jovens a amizade
É a glória da Primavera,
O milagre da beldade,
Mistério que tudo gera.
Para os idosos contém
O desabrochar singelo
Do Outono que os frutos tem,
Fartura de quanto é belo.
Antiga
Qualquer amizade antiga,
Rica e bela quanto baste,
É grata ao toque, sem liga,
Marfim, de oiro com contraste,
Como vinho envelhecido
É suave e picante doce,
Tapeçaria que há tido
O brilho da luz que foi-se
Mas que ali permaneceu,
Íntimo e doirado céu.
Sintonia
Os amigos nunca vivem
Apenas em harmonia,
Cativos que nos cativem,
Mas antes em sintonia.
Não quero que me alimentem
Ou o corpo me agasalhem.
Tenho os obreiros que o tentem
Sem que uns aos mais se atrapalhem.
Quero amigos que me enlaçam:
- Que isto ao espírito façam.
Errado
É errado cuidar que amigo
Alguém é por qualidades
Que dele tem ao abrigo.
É de individualidades
Que gostamos, não, portanto,
Do que façam ou que digam.
Um único encontro é quanto
Talvez baste aos que interligam.
E, dum modo misterioso,
Quem é que sabe explicar
Porque é para nós gozoso
Alguém em particular?
Solitário
Apenas um solitário
Conhece a vera alegria
No tom de amizade vário.
Qualquer dos demais teria
A família sempre ao lado
Mas os amigos são tudo
Para o sozinho, o exilado:
Mais não há com que lhe acudo.
Velhotes
Pouco importa que nos olhem
Tais dois velhotes, os pés
A arrastar com o que colhem
Das compras feitas à vez
E que escolhem bem reais
Doces que nos são fatais.
Para nós somos só nós,
Com marca um pouco dos anos,
A partilhar, sempre a sós,
No recreio aqueles danos
Dos caramelos melados...
- E não somos enganados.
Breve
Silêncio breve um momento,
Logo as três às gargalhadas.
Nenhuma entende que vento
Hílare sopra as piadas.
Algo se apodera delas,
Vela à brisa das procelas.
“Pára de me fazer rir”,
- Murmura uma aos soluços –
“Senão rebento a seguir!”
E com a mão tapa os buços.
Andam sempre a rir as três
Sem rebentarem de vez.
Chegam a cuidar que são
A mesma em três dividida,
Respirando o mesmo suão,
Pensando igual, de fugida,
Aquela ideia marota
Que por dentro delas brota.
Foi sempre assim durante anos,
Desde a escola de pequenas
Até ao topo dos planos,
Da vida já para as cenas,
Diplomas na igual manhã,
Despedida temporã.
Agora em lua-de-mel,
Cada qual, das mais distante,
Imagina, sempre fiel,
Que as mais se juntam adiante
Aos gritinhos, quase roucas,
Num entusiasmo de loucas.
Tensões
Tensões conjugais, angústias
De criar filhos, pequenas
Dúvidas... – todas assuste-as,
Que nos corroem as cenas.
Tudo se atenua em frente
Se contarmos com o humor
Dum amigo inteligente
E generoso em calor.
Um amigo é panaceia
De em tudo usar, volta e meia.
Chávena
A chávena de café
E um bolo são mera pausa
No dia que, à falsa fé,
Todo me irá pôr em causa.
Partilhado com o amigo
Torna-se num ritual,
Soma de quanto persigo,
- Vi, ouvi, fiz bem ou mal... –
O efémero transmudando
Em memórias de ir durando.
Cortiça
O amigo é como a cortiça,
Cobre-nos como ao sobreiro,
Aquece, se o sol enguiça,
Da invernia o nevoeiro.
No calor do meio-dia
Refresca-nos, água pura.
A voz dele é a melodia
Do melro a cantar na altura,
Pássaro primaveril,
Único então entre mil.
Salgueiro
Quando o salgueiro se dobra
Com as brisas agitadas,
Correm amigos de sobra
A ajudar-nos nas quebradas.
Sabem primeiro que nós
Que nós precisamos deles,
Que habituados a sós
Fomos a abrir-nos, imbeles,
A que entrem nas desmedidas
Convulsões de nossas vidas.
Esforça
Quem é que se esforça mais
Que um amigo, ao ser preciso?
Quem pronto alegram sinais
De mim feliz como aviso?
De quem são os elogios
Sinceros, gratificantes?
De que boca os atavios
Da verdade ajudam antes?
Que baluartes sem apuros,
Que fortalezas vitais,
Que braços são mais seguros
Do que os corações leais?
Dom
Bendito quem tem o dom
De gerar amigos seus!
Tem nele o maior condão
Dos atribuídos por Deus.
E muito aquilo requer,
Como o poder sobretudo
De a gente se transcender
Para apreciar então tudo
O que noutrem é amoroso
E nobre. E que é tão gostoso!
Dezassete
Tinha eu dezassete anos,
No jardim do meu amigo.
Sinto-me feliz, sem danos,
De estar ali, neste abrigo.
Juntos descobrimos mundo,
Instituímos nossas normas,
Criamos o que é jucundo,
Preferências, moral, formas...
E rimos descontrolados
Por mor de coisa nenhuma
Quantas vezes com tais fados,
Leveiros como uma pluma!
A amizade adolescente!
Eu sabia que a alegria
Findaria de repente
E assim foi, da noite ao dia.
A substituí-la, porém,
Vem algo que rivaliza
E ultrapassa muito além
O bem que a vida avaliza:
Só agora compreendo
Realmente quão preciosa
A amizade que vai sendo
É para uma vida airosa.
Quem
Quem, a não ser um amigo,
Durante horas nos ouvia
Sem fim e dia após dia
A desenterrar do abrigo
Cada amargor duma estrada
De amizade espedaçada?
Quem, senão o amigo a sério,
Sugeriu com gentileza
Que era altura, com certeza,
De acabar com o impropério,
Virar a página em frente
E seguir alegremente?
Ansiosos
Os amigos ansiosos
Andarão por se sentar
À refeição, prestimosos,
Durante horas sem contar,
Como se fora a primeira
De mil pela vida inteira.
Só então, ao termos ao lado
Bons amigos, lauta mesa,
Podemos ter questionado:
- Se não vivo o que se preza
Com gosto, agora e após,
Quando viveremos nós?
Conversar
Conversar com os amigos
É o mais parecido ao Céu,
Enquanto viver de abrigos
De argila este corpo meu.
É a maneira vantajosa
Mais agradável que encerra
O tempo, na comum glosa
Que iremos traçando em Terra.
Pedraria
Se a amizade verdadeira
Encontrares, aprecia-a,
Dá-lhe brilho nela inteira,
Preciosa pedraria.
Faz tudo por conservar
E proteger o tesoiro.
Guarda-a bem dentro em teu lar
Mas deixa-lhe o brilho de oiro
A brilhar sempre por si.
É que assim nos pantanais
Que a vida jogar-te a ti,
Brilhará cada vez mais.
Arrombar
Arrombar as fechaduras
Podem os ladrões astutos,
Roubar tuas sinecuras,
Ficar-te com teus produtos.
O destino não consegue
Tirar-te aquilo que deste
Ao amigo que te segue:
Esta riqueza celeste
Permanecer ao abrigo
Vai para sempre contigo.
Lonjura
Não me canso de buscar-te
Lá na lonjura da estrada.
Todo o dia vou à parte
Mais distante ou elevada,
Com a garrafa de vinho,
Não vás tu chegar com sede.
Pudesse eu, com meu ancinho,
Encolher, feita uma rede,
A superfície do mundo
E ter-te, num jeito alado
Vindo do longe profundo,
Subitamente a meu lado!
Memoráveis
Temos dias memoráveis
Quando alguém que entusiasma
Traz poemas insondáveis
No aperto de mão que plasma,
Subentendida empatia
Que mágica nos sacia.
Talvez nunca o tenha visto
Nem depois o volte a ver.
Mas em nós o efeito disto
Libertação é a crescer,
Mata o descontentamento,
Perfuma-nos o momento.
É o ribeiro da montanha
Onde o mar pureza ganha.
Lar
De lágrimas e prazer
Se faz sempre um lar feliz.
Se só prazer lá couber,
Falha logo por um triz.
Se só lágrimas houver,
Apodreceu-lhe a raiz.
É no jogo dentre os dois
Que se acende o sol depois.
Predisposição
Nossa predisposição
Para o amor, para a bondade
Que brota do coração
Não vem da religião
Que professa cada idade.
Todos poderão viver
Sem qualquer religião,
Mas sem um valor qualquer,
Sem ética promover
Nunca viver lograrão.
Pouco
Que pouco se habituaram a fazer
No intuito
Do que, afinal, se quer
Muito!
Depois o amor falha.
Não, não é por gralha...
Arrumar
Um homem tem de aprender
A arrumar
Só para um dia poder
A própria mulher
Conquistar.
É que o caos tanto a mulher desarruma
Que ela acaba por nem ser
Mulher nenhuma.
Odeio
Odeio o lar arrumado
Sem ti,
Odeio o lar desarrumado
Contigo.
Do amor o perigo
Mora aí.
No fio da navalha
Que equilíbrio, afinal, não atrapalha?
Cair
O amor é cair no outro
E livrar-me assim
De cair em mim.
Até que no outro me encontro
E vou sendo, enfim,
Interminavelmente,
Outro de mim
Daí para a frente.
Fora
O mundo lá de fora
Prova-me que o centro
Mora
Cá dentro,
Cão na viela perdido
À procura do lar do sentido.
Mesmo o amor, pele na pele,
É saudade da lonjura
Que eterna apele
À procura.
E, se o não for,
Não é amor.
Rafeiro
Um corpo sem dono,
Cão rafeiro na berma da estrada
Que uma morte privou do sono
No abandono da jornada:
É a viúva dum amor, viúva...
- Um inverno
À chuva,
Eterno.
Profundidade
Que importam metros se os quilómetros me atraem
Na profundidade que és em mim?
Em tua luz branca se esvaem
Os abismos de meu confim.
E em mil e um braços,
Traços mil,
És céu de anil
Aos abraços.
Ignaros
São tão ignaros os que não amam!
Querem matar a poesia
E todo o dia então acamam
O avesso do dia.
Logo
Morrem de frio
De tanto apagar o fogo
Que iria mitigar-lhes o fastio.
Raridade
A raridade no mundo
Não é do oiro ou do diamante.
És tu, no gesto fecundo,
Único, de mulher amante.
Na ilusão sem par
Que me faz pela realidade caminhar.
Isolados
Dou-te a mão
E ficamos magicamente isolados
No meio da multidão.
E misteriosamente transformados,
A transformar em novo mundo o chão,
Clandestino em todos os valados.
Nenhuns olhos o verão,
De tão vendados.
É o mais seguro
Para quanto contigo prefiguro,
Depuro
E definitivamente apuro
No lado escondido de todos os lados.
Vezes
As vezes que te amei
Em pensamento
Nunca te direi
Em nenhum momento
E muito menos de que maneira,
Tanto de querer-te à beira...
Andas pela rua
E o chão flutua.
Fico tonto,
- Mas, para ti, sempre pronto!
Mãos
Mãos de transformar o lodo,
De pôr um fim à lama,
De limpar-me e de limpar o mundo todo,
De trazer-te nua e pura até à cama.
Mãos para a beleza
Que te preza.
E o mundo inteiro
Num feérico luzeiro
Reza.
Golo
Que importa o golo
Que marquei?
Importa-me é, na bancada, o consolo
Da minha grei.
Os golos que marcas contam pouco.
Só os que, no íntimo abrigo,
Quem amas festejar, louco,
Contigo.
Lugares
Há sempre lugares novos
Em quem ama e é amado:
O amor são renovos
Por todo o lado.
Mesmo a rotina
É outra coisa
Quando a vista mais fina
Nela poisa:
Repetir
O irrepetível
No amor, ao fluir,
É perenemente exequível.
Quem
Quem és tu que me paras o coração
E o acalmas
E de repente é um turbilhão
De multidão
A bater palmas?
E tudo aqui no imo,
Da fundura ao cimo.
Floresta
Cruza da floresta os ramos
De teu dia
E bebe o que te encanta.
Quando amamos,
Até a melancolia
Nos levanta.
Cuspir
Hoje o mundo deu-lhe para me cuspir na cara.
Não é coisa rara,
Não.
O que vale é que tu de cada não tiras um sim
E assim
Mudas o chão,
- Mudas-me a mim.
Entre
Os amantes aconchegados entre os muros
E o céu...
De repente, o céu!
Depois, um pouco mais tarde, os muros...
Qual o lado que venceu?
Nem eles alguma vez estarão seguros.
Sorrir
Quando amamos, sorrir é tudo o que vemos,
Excepto tudo o que vemos, claro.
Quando não amamos, os extremos
São este episódio raro:
Sorrir, de perto,
É só uma dentadura a descoberto.
É a diferença
Entre o esqueleto e a vida que o vença.
Loisa
As duas coisas mais importantes
Da vida:
Tu e, por instantes,
Aquela loisa perdida,
A que, em todos os adiantes,
Escapa de fugida,
A que tem lá escritos todos os implantes
À nossa medida...
Garante-lo tu, garantes,
Basta ver-te os olhos, em seguida.
Depressa
Quão depressa vagarosamente
Escorre o tempo de quem ama!
Cada vez mais jovens no que se querem em frente
Enlaçam a trama.
E a vida
De repente
Quebrou toda a medida.
Cura
Há cura para tudo menos para o desamor.
Sobre ti me inclino, fagueiro,
E teu corpo é o barro de oleiro
Donde vou talhando o mundo maior
Da alegria
Que os astros alicia.
Muda
Há muita palavra dura
Que nos muda
A fundura
Quando a fundura nos iluda.
É proibido
Separar os amantes:
Têm de fundir o desfundido
A todos os instantes.
E não perdem com demora:
É sempre isto vida fora.
Quem o trai
Sai do amor: da vida sai.
Tocar-te
Tenho de tocar-te para me sentir feliz:
Tudo está conforme.
Ora, isto é ser enorme,
Seja lá qual for o matiz
Da matriz
Informe
Que a cada instante no-lo diz.
Partida
Quando amamos, durar
É uma guerra perdida
À partida.
O fim há-de um dia chegar
E, num ai,
Tudo se esvai.
Amar é uma guerra qualquer
Que iremos perder
Que mais não seja lá no confim
Do derradeiro fim.
Contudo, é o que é eterno
Na dimensão que habita para lá do inverno.
Juntos
O que implique estarmos juntos
É uma pontinha de paraíso
E o mais sério dos assuntos
Dá-nos riso.
Trocamos um abraço
E até o inferno se esvazia, escasso.
Nós
Quando nós falamos no plural,
Nós,
É já de amor sinal:
Ainda embora clandestino,
Vem logo após,
Musical como um hino.
Inesperado
O além
Com que cismo...
É tão inesperado andar alguém
Por dentro do meu abismo!
E tu, apesar de quanto hesitas,
Já o habitas.
Prazo
O amor
Nunca fica fora de prazo.
Ou então não é amor mas um acaso,
Confundido fulgor
Duma fogueira de gravetos,
Tomada do sol pelo calor
Com que nos acarinha
Quando amarinha
Pelos tectos.
Bíblia
A tua cara é uma bíblia
Para me tornar feliz.
Drible-a embora o dia, drible-a,
Sempre lhe escapas por um triz.
E, das tuas lendas no milheiro,
Sou eu sempre o parceiro.
Com ganho
De tuas quotidianas freimas no amanho.
Guardar
Amar
É guardar
O segredo
Que temos
E dizemos-não-dizemos
A medo.
Oculta
Na oculta travessia
De meus sonhos
Tua imagem é meu guia
E nunca mais eles são medonhos.
Fico quieto
Em paz sob nosso tecto.
Continua a falha,
Porém, a solidão
Que me calha,
Não.
Ilude
Quando o teu abraço me ilude,
Acontece juventude,
Volto a ter os meus vinte anos
Nos enganos.
E, de repente, o amor
Que nos invade
É sobretudo o interior
Da eternidade.
Antes
Antes de ti minhas margens eram agrestes
E o inverno eliminava,
Pétala a pétala, as flores silvestres
Que em cada canto escuso cultivava.
Ergo-me cada manhã
Para ver-te principiar outra vez,
Louçã,
Do mundo inteiro o mágico entremez.
Vento
Quando passeamos juntos
O vento pára por instantes
A ouvir assuntos
Inebriantes.
Um marulho grave
Toca-nos suave.
Diante
Fica mais perto o que é distante.
Esbarro
Sem ti me esbarro
Contra a noite, contra o mundo,
Contra mim.
Tantos caminhos e eu sem carro!
Lento e lento me afundo
No teu mapa de fronteira e de confim.
E assim
Toco finalmente o fundo.
E logo,
Sem fim,
Me desafogo.
- Até que enfim!
Perdido
Fui uma alegria esquecida
Longe de ti,
Perdida na vida.
Até que te encontrei e me acendi,
Girândola de fogo desmedida.
Finalmente, desde aí,
Vivi.
Alvor
Quando te aconchego,
O alvor da madrugada
Espalha-se, num desassossego,
Em mim, duma assentada.
E tudo estremece
No terramoto que nos aquece.
Além
Amo-te para além do que nos separa,
Isto é o que eterno nos une.
Não me abandones. Repara,
Isto, que nos reúne,
É que garante, ao me teres,
Nunca me perderes.
Agarrarem
Enquanto teus braços
Me agarrarem na queda,
Os laços
De seda
Não me deixarão cair,
Poderei subir ou descer,
Mas sempre em frente findarei por ir.
Até cumprir
E ao repouso me acolher.
Unir
Até que a morte nos separe, não.
Toda a união,
Em tudo o que unir de verdade,
Une para a eternidade.
Por isso é que, mesmo depois da morte,
Lhe seguimos o norte.
Olho-te
Olho-te
E ocorre o mundo por mim dentro.
Acolho-te
E apenas então é que deveras em mim entro,
No espanto
Interminável
Do pranto e do canto
Inominável, inefável.
Aí, o fundamento do mundo abala
E tudo cala.
Doer
No lar, cada um
A doer do outro a ausência.
“Há-de voltar nalgum momento, nalgum...”
- Murmura saudade a presciência.
Nem reparam que só voltamos
Àquilo que algum dia abandonámos.
Uma ausência tão presente
Como volta se nunca deveras se ausente?
Com tanto presente para mútuo fruir
Nunca tiveram coragem de partir.
Tanta ausência permanecente
Abre portas e janelas à luz do oriente,
Em tudo clama
Do amor a chama.
Estalar
O amor
Sabe a férias grandes,
Ao calor
A estalar pinhas e glandes,
Roteiros infinitos à frente,
A noite a adormentar na gente...
E, quando juntos na praia lavada,
Então nunca acaba nada.
Principia,
Em cada noite,
Por dentro de nós o dia
Onde a vida inteira interminavelmente se acoite.
Doravante
Ensinaste-me a ser homem
Menino,
Doravante meus sonhos já se não consomem
Sem destino.
Na adultez improvável
Sou o miúdo viável.
Sombra
Quando te vejo a ti,
Nunca sei bem
O que em redor vi,
Perdido pela sombra além.
És tão prioridade
Que o resto arrisca ser mera nulidade.
Separados
Separados por quilómetros de inviabilidades,
Mesmo assim de nós não desististe.
Em nós viste as possíveis divindades
E de vez em mim caíste,
Definitiva
Numa casa viva.
Vale
Muito vale a vida
Pelas separações que dá,
A saudade desmedida
A arrastar-se daqui para acolá!
Quem nunca chorou,
Acredite: nunca deveras amou.
Chegar
Toco-te para me chegar a mim.
Abrimos a janela
E voamos, sem fim,
De estrela em estrela...
E nem preciso de saltar do parapeito
De teu mágico peito.
Clandestino
Sempre o amor é clandestino,
Escondido para o mundo, aberto para nós.
Olhei-te nos olhos e vi o desatino
De quanto na vida foi atroz
E o mistério por descobrir
Que é sempre na vida o amor a ir.
Hipótese
Havia a hipótese de te amar
E eu numa sub-vida cheia de coisas,
Sem me decidir a poisar
Onde tu poisas.
Tanto tempo perdido
Até aprender a ter sentido!
Colo
Ao colo um do outro,
Eu no teu e tu no meu,
Dizem que isto, só mesmo depois de morto.
- Sim?! Nunca tanto cada um de nós viveu:
Acontece-nos cada dia,
Tal do amor é a magia.
Doutor
Quem nos ama
É sempre doutor,
Que em nós derrama,
Com a trama
De seu calor,
A cura maior.
Ninguém cai à cama
Ou a queda é menor
Quando o amor reclama
Ser o curador.
Sem-abrigo
Serei sempre o sem-abrigo
Na vida a espalhar o amor
De que mal consigo
Dispor,
Que a vida me foi levada
Na enxurrada
Das perdas e do vazio
Do incêndio de cada estio.
Resto sempre eu com o amor
A espalhar por onde eu for.
Conflito
Nenhum problema é inútil, que o conflito
Leva à vitória em qualquer trama,
O atrito
Prende-nos um ao outro como a grama.
Nunca nos afastámos, portanto, em definitivo.
Se nada mais houver para nos juntar,
Que até um grito aflitivo
Sirva para amar.
Via
Ela via que ele era o mais imperfeito,
Pior ainda, incapaz de partilhar
Vida com vida,
Naquele jeito
De sorrir alvar,
No toque de despedida
Com a ambição de apenas respirar.
“És a escolha impossível,
Gigante pigmeu.”
Por isso o escolheu.
- O amor é incrível!
Aproxima
O medo aproxima,
Quanto mais amamos mais nos pode aproximar.
É do medo em cima
Que deveras aprendemos a amar.
Quando as mãos e os pés ele nos junca,
Findamos mais juntos do que nunca.
Aproximamo-nos pelo que nos dói,
Não pelo que se festeja,
A união é rija pelo que foi
A dificuldade
Que transpor se almeja,
O peso da impossibilidade
A envenenar vagaroso o dia.
Felicidade pura é uma triste
Utopia,
Mas só assim a felicidade existe.
Cruzamos
Cruzamos pelos dias
Um ao outro agarrados,
Sonhamos as fantasias
Dos agrilhoados,
Somos as enxovias
Dos condenados...
Parecem tristes os fados?
- Mas que belas melodias!
Cansar
Amar bem e bem cansar
Têm forte ligação.
Amar dum corpo a folgar
Não é amar, é confusão:
Ter tanto amor para dar
E não ter ninguém à mão.
Angústia
Há uma angústia diferente
Quando estás de volta,
Presente,
Da de quando estás no mundo à solta.
Esta magoa
De medo;
Aquela promete cumprir um credo:
É muito boa,
Por muito que doa.
Tempo
Os corpos são de tempo feitos.
Ele é que entalha as rugas
Que os anos ganham nos pleitos.
O amor envelhece, não há fugas.
Porém, visto de perto,
Todo o corpo é amável
E toda a pele, adorável.
No amor desperto,
Confiável,
É isto que, afinal, sempre está certo.
Estás
Se estás com alguém
Que amas, estás bem.
Se estás com alguém que, afinal,
Não amas, estás mal.
A natureza simplificou a vida,
Nós é que a complicámos, em seguida.
Fingir
Fingir é estranho
Se não servir para amar.
Que é que pode haver de ganho
Num amor de faz-de-conta,
Sempre ali de mala pronta
Para abalar?
Meio amor, meia medida,
Isto é vida?!
Imbatíveis
As equipas imbatíveis
Não são as que sempre ganham,
Infalíveis,
Mas as que se banham
De amor:
As que se amam com ardor
Até à velhice, desde a infância,
Com inquebrável constância.
Qualidade
De qualidade uma casa
Não é a que o arquitecto em liberdade
Nalgum lugar
Apraza,
Mas a que permite amar
Com qualidade.
Estranho
Reflicto
No estranho pasmo
De nossa abstrusa condição:
Provoca mais conflito
A falta dum orgasmo
Que a falta dum pão!
Relativamente
O relativamente apaixonado
É relativamente morto,
Meteu à terra o arado
À partida já torto.
Vivem juntos
Mas as pegadas que percorrem
Murmuram que, em todos os assuntos,
Juntos morrem.
Jamais
É bom
Como jamais fora dantes.
Teu tom,
Mulher,
Tem o condão
De fazer
De pigmeus gigantes.
Infeliz
Sou infeliz,
Que maravilha!
Minha infelicidade é de ti filha,
Que foi o que sempre quis.
E sou feliz,
De barco mergulhada quilha
Em demanda da ilha
De raiz.
Sou os dois lados da moeda,
Afinal.
Só tu, para que, enfim, se me conceda
Ser total.
Devagar
Querer devagar
Quem o quer?
Sei lá esperar
Pelo que vier!
Persigo
Imediatamente,
Sofro na hora
Contingente
E contigo
Consigo,
Mesmo perdendo perdidamente,
Com a demora.
É assim que em ti me perco,
É assim que sou gente.
Dou tudo e nada merco
E nada me faz falta, de repente.
Disponível
Amar,
Antes de mais nada,
É estar:
O disponível na jornada.
Procurar
Nos momentos desprotegidos
Quem se ama
E quem se ama ali se encontrar
Alerta com todos os sentidos.
É o que torna abençoados
Os trilhos deste modo caminhados.
Ainda
Olho-te,
Sei o que sentes
E acolho-te.
Mas o que mais rendes
A meus olhos contentes
É que ainda me surpreendes.
Tão
Somos tão repetitivos
Que somos imprevisíveis:
Constantes enquanto vivos
E, nos modos revivíveis,
Duma inconstância tamanha
Que é uma surpresa o que ganha.
Neste trilho irregular
É eterna a festa no lar.
Acordaste-me
Acordaste-me para a vida
E tal me sinto quando acordo:
A acordar mais e mais, na peugada decidida
De quanto levo a bordo.
No sono me escapava
Do que não tinha.
E era a mim que eu me faltava.
Ainda não soava
O toque dos ganhões para vindimar a vinha.
Dormia cada possibilidade
Que não advinha.
Até que um dia a tua mão me invade...
E adivinha!
Quando
Quando te vi,
Mudei de vida
E aprendi
A viver.
Como quenquer,
De forma desmedida.
Ou nem sequer
Seria vida.
Alterou
Tudo em mim alterou
Quando chegaste.
Por dentro fundo principiou,
Quadro pintado antes do engaste.
Um abismo a puxar-me doutro mundo...
Podia cair
No fundo,
Mas nem tal me fez fugir.
O amor é o enguiço
De poder tombar
Mas nem isso
Nos leva a parar.
Solitário
Convicto solitário,
Não temo a solidão,
Vivo comigo, vário
E chão.
Vai a vida acontecendo
E eu com ela.
Mas a vida é também de se ir fazendo,
Dos dias na barrela.
Tu chegaste e mudou tudo:
Por dentro e por fora,
Sou doravante o sortudo
Que em ti mora.
E mora o mundo
Que repentinamente deveio fecundo.
E o mais estranho, enfim,
É que continuo total em mim!
Perder-te
Parece que irei perder-te,
Ao discutir.
A válvula do amor a abrir,
Sem jeito que a concerte.
O amor a respirar,
Sangrá-lo
Para poder retomar
O trilho do regalo.
Nenhum amor aguenta
Sem sangrar.
É o que o reinventa,
Ao caminhar.
Adoro
Adoro
O que me levas a ser,
Aquele em que contigo, no teu foro,
Me tornei, quase sem crer.
Adoro ter em mim
O que querer-me em ti te faz assim.
Um do outro somos o prisioneiro
Mais livre do mundo inteiro.
Escravos mútuos, os mais felizes
Do Universo, desde as raízes.
Cumpre
O amor não cumpre os manuais,
Não é amor a meio tempo, saudável
Por conforme aos rituais,
Amor em doses, contabilizável,
Em rações pré-fabricadas e medidas,
Cadeia de produção de empresa,
Picando o ponto nas horas devidas...
Que tristeza!
O amor não tem moderação,
Que amor moderado
Não é amor, é uma contrafacção,
É o coração
Simulado
Numa fraudulenta imitação.
Ridículo
O amor é ridículo
E não é:
É um fascículo
A juntar ao pé
Dos poucos mais
Com que a vida respirais.
Humanos
Humanos, temos discussões,
Dizes o que não deves,
Digo o que não devo.
Breves
Lesões
E logo matam todo o enlevo.
Acabamos os dois,
Finda a alegria,
A sofrer, depois,
O que ninguém deveria.
Amor-perfeito
Não temos um amor perfeito,
O amor-perfeito dura pouco,
Seja da flor no jeito,
Seja em quanto em nós é mouco.
O amor-perfeito é passageiro,
O eterno requer dedicação
Para haver construção,
Não basta só um sopro ligeiro.
É carregando pedra às costas,
Num esforço superno,
Que se erguem as escadarias propostas
Do amor eterno.
Falta
Morrem por falta de dedicação,
Quando morrem, quase todos os amores.
O resto dos que morrem nem amores são,
São tumores
A infectar o enganado coração.
Sofremos
Sofremos por teimosia,
Casmurros
Que nem burros
A meio da travessia.
Por motivos
Que não são motivo nenhum:
A chave do carro esquecida nos arquivos,
Do jantar o arrotado fartum...
E acaba tudo à primeira
Se não for amor deveras.
Se for, continua,
Não há nunca a derradeira
Das esperas.
Há sempre uma lua
Na noite escura das esferas.
Mesmo que doa,
Mesmo a chorar,
Há sempre uma surpresa boa
Para além do que a pedra nos rasgar.
Bom
O bom é mesmo bom
Quando houve o mau
E ele o superou, com o condão
De o transpor a vau.
O sempre bom não é bom: em relação
A que termo de comparação?
O sempre bom é mentira.
O casal sempre de bem,
Que jamais discutira
É mentira
Também.
Quanto dura
Um casal
Que tal
Apura?
Não é um par
Nem é nada:
Dois estranhos a caminhar
Na mesma estrada.
Se calhar,
De vez,
Um do outro ao invés.
E sem nem sequer em tal reparar!
Idiota
Amar alguém, de repente,
É vê-lo como idiota.
Vai logo falhar à frente,
Actos pratica de má nota,
E, aposto,
Irá contar o que não gosto...
E, contudo,
É assim que terá de ser em tudo.
Para a relação crescer
É requerida a avença
Da diferença
Que houver.
A diferença é o fecundo
Germe de mudar o mundo.
Pese embora toda a contrariedade,
É a diferença que traz a felicidade.
És impossível de aturar,
Até por isso não saberia viver
Sem ser
Contigo a par.
Queres-me
Queres-me assim
Desajeitado
Como a ti te quero em mim,
Bem cá por dentro a meu lado.
Queres-me quando te dói,
Quando estás desprotegida.
Aqui o amor aparece então e foi,
Eterno, a salvação foragida.
Quando alguém requer apoio,
Quando o mundo magoa,
O amor dói-o,
O amor doa.
Aí buscas tua casa
E tua casa sou eu.
Se o mundo custa, bates asa,
Vens a mim, que algo feriu.
Se te custa vens a mim
E se não custa também.
Sou teu par de igual ”enfim,
Que isto sabe mesmo bem!”
Momentos de amor e de verdade,
De profundamente nós.
Momentos de entrega em profundidade,
De confessar como atamos os cipós.
Amo-te mesmo que doa,
Mesmo que chore.
O amor soa,
Ecoa,
Reboa
Infinitamente além de quanto o mundo arvore.
Morre
Quando alguém me morre,
Também caio.
Quem me socorre
No desmaio
É quem, para que mal não suceda,
Me ampara a queda.
Amar não é deixar cair,
É amparar a queda que surgir.
Amparaste-me quando ali
Morri
Um bocadinho:
Nunca mais serei sozinho.
Desta sorte
Caminhámos juntos até à morte.
E ela, ressentida,
Fugiu de nós perante a vida.
Atamos
Quando atamos os nós
Dum amor que não perece,
Nenhuma morte merece
Meter-se entre nós.
É no que mais a eternidade
Persuade.
Quando
Quando a morte chegar,
Naquela hora
Há-de-nos encontrar
Tão amalgamados
Que, de olhos envergonhados,
Talvez se vá embora.
Caça
A morte anda à caça
No meio de nós.
Primeiro enlaça
Os avós,
Mas de repente o laço
Engana-se no abraço
E quem joga ao chão, assim,
É quem mais próximo é de mim.
Então, no emaranhado das teias,
Já morri a meias.
Pára
Tudo pára quando paras,
Mas só parece que irás parar.
De tua felicidade as aparas
Quão feliz me tornam aqui no meu lugar!
Tua felicidade é a minha raiz
De ser feliz.
Tanto
Um do outro temos aprendido,
Infatigáveis.
Mudámos tanto e, com tanto hoje sabido,
Mais somos nós, identificáveis.
Mudámo-nos ao vento do amor
Para nos encontrarmos melhor.
Quanto mais a ti te amo,
Mais lonjura atinjo em mim,
És o ramo
Que da raiz chega ao confim.
Quanto mais a mim amares,
Mais altos os patamares
Que em ti atinges assim.
Saímos juntos e nunca à toa
Do que magoa.
Juntos avançamos num só querer
Quando é preciso doer.
Um do outro, em nosso ninho,
Somos o adivinho.
Colo
Aguentámos tudo
Com o amor ao colo,
Da dor o bisturi agudo,
Do que fere o envenenado miolo.
É mais que aguentar com fervor,
É amor.
Sonho
Se o sonho existir
É um conto de fadas
A transgredir
O final infeliz das jornadas.
Feliz para sempre ninguém vive
Mas amar para sempre, sim, há quem o cultive.
E a felicidade
É de quem tal terreno grade.
Príncipes
Não têm príncipes os contos de fadas,
Mas homens têm.
E de fadas contos não deixam de ser também,
Contos de sonhos da vida nas jornadas.
És o meu sonho
E, para saber que existes, a beliscá-lo,
As mãos no céu ponho.
- E que regalo!
Quanto
Quanto quero que sejas,
Que sejas não quero.
O que de mim e de ti almejo e almejas
Não espero:
Não temos tamanho
Para o sonho ganho.
Adoramos a palermice,
A brincadeira,
O riso que se risse
De sermos grandes na ninharia duma asneira.
Aumentar
Aumentar um amor
É toda a importância lhe dar, em suma,
Com o fervor
De afinal não lhe dar importância nenhuma.
Amar é a naturalidade,
Nem mal, nem bem,
É: o que tem de ser, tem!
Não amar é que não pode ser,
Não há uma charrua qualquer
Que nos grade.
Porque há uma imensidade
Entre o que somos e o que podemos vir a ser.
Parvoíces
Após discutir, abraçamos
Parvoíces
E assim nos curamos
Com os pensos das sandices.
Rimos para nos curar
E o que um monstro parecia
Devém caricata fantasia
Que nos põe a gargalhar.
Para além do que a farmácia apura,
Rir cura.
O amor
Não falta em muitas relações,
Ali as lesões
São da falta de humor.
Mais
És minha mulher
E, se alguém mais excitante
Algum dia te apetecer,
É bom que seja eu vida adiante.
Senão, como é que em nós qualquer instante
Há-de florescer?
Contigo
Contigo não temo os anos
Se te não tiram de mim.
Enganos e desenganos
São os panos
Com que tecemos nossa colcha de cetim.
Não há velhice nenhuma
Mas novas formas de amar,
Descobertas que faremos uma a uma
Na floresta virgem da vida a desbravar.
Aprendemos a falhar com mais prazer,
No momento certo.
É neste gradual adormecer
Que fico, afinal, cada dia mais desperto.
Não envelhecemos, pois:
Morrevivemos os dois.
Esqueci-me
Esqueci-me na areia
Dos óculos de sol,
Nem sei como inda ameia
O meu nome em meu rol.
Eu vi-te despontar
E quase desmaiei
Em tais ondas de mar
Como as que em ti mirei.
E só teu sortilégio
Teve tal poder régio
Que só com um sorriso
Me alçou da vida ao viso.
Visávamos
Cumprimentámo-nos como bons amigos
Que ainda não éramos.
Já nos abrigos,
Por trás dos postigos,
Visávamos o que quiséramos.
É que estávamos um para o outro ali
E o mundo inteiro começou aqui.
Um
Por dentro somos um, dum para o outro,
Um ao outro damos tudo.
Para fora somos contidos em cada encontro.
Quem entra há-de ser grande, sobretudo
Para entrar merecer
E pequeno, contudo,
Para poder caber.
Principia
Principia a brincadeira.
É a melhor
Maneira
De principiar um amor.
É o modelo comum
Ou não há mesmo amor nenhum.
Temo
Amo-te e, portanto, temo.
Quem te vê ou é cego
Ou então eu sempre tremo
Doutrem com o fatal apego.
É que és linda de morrer!
Amar-te-ia até à morte
Para começar a viver...
E então que sorte! Que sorte!
Alerta
Amor é o máximo alerta,
Estado de sítio desarmado.
Vivo na trincheira aberta
Nos dias do meu lado.
Tenho medo
De que alguém te roube.
Rezo o credo
Que na vida à sorte me coube.
Sou o herói medricas
Coerente com quanto em mim implicas.
Ilesa
Sais ilesa
Do que te quiserem ferir.
Mas primeiro, repesa,
Tens de vir
À procura
De curativos pós
Até à cabana de cura,
Até nós,
Cobrir a ferida
Com nossa solidão a dois.
Restabelecida,
Bordarás então a vida
Depois.
Cuidam
Cuidam que és a fortaleza
E assim é que ficas forte,
Vais construindo a represa
De água fresca que conforte.
Mas és tão frágil, tão frágil
Que apenas eu é que sei.
E é por isso que tão ágil
Da eternidade te amei.
Sofres
Mesmo quando ganhas, sofres,
Porque tudo é passageiro
E magoa porque acaba.
Findam vazios os cofres
De quanto houver de fagueiro
Do cotio em qualquer aba.
Porém eu aguento e puxo
Dos abismos borda fora.
Salvar-te é sempre o meu luxo,
Calo-me, mas não demora.
Importa que caias bem
Para bem te levantar.
Perdas por aí além
Não nos hão-de então magoar.
Resvés
Ninguém saberá que és
A menina doce, indefesa,
Tão frágil que andas sempre resvés
De ficar lesa.
Que medo de te partir!
Sempre à borda do abismo,
Basta alguém se distrair
- E era um cataclismo.
Agora
Antes de ti
Tinha o prazer possível.
Agora, aqui
É o inacreditável que é vivível.
Melhor ainda, não é por excepção,
Tenho-o sempre em ti à mão.
Altar
Levas-me ao altar todos os dias,
Sem igreja nem santos.
Sinto que é aí que me porias
E há sacrários em todos os recantos.
Desde que nos pusemos a caminhar,
Não há nunca mais como parar.
És o plinto
Onde sinto
Que um misterioso grito
Me chama desde o Infinito.
Reparo
Quando reparo que és minha mulher,
Descubro que sou teu homem.
E o mundo vem colher
As marés
Que se somem
Por entre nossos pés.
Viagem
Toda a vida é uma viagem
E as viagens que fazemos
Atam toda a tecelagem
Com nós com que nos atemos.
Foi na estrada que fizemos
Vida fora, terra além,
Que os nós onde nos tecemos
São o nós que nos convém.
Gostoso
A felicidade pode ser
O casal defeituoso
Na
realidade imperfeita:
Acolher
O gostoso
Que aí espreita.
Aliás, é sempre isto
A marca de que existo.
Mesmo
O mesmo incapaz,
O mesmo zero,
O mesmo dependente...
Que é que te faz
Querer o que eu nem adivinhava que quero,
De repente?
Que é que inesperadamente
Me refaz
Gente?
Correu
Ele correu para ela,
Ela correu para ele,
Um abraço a meio caminho...
Na sequela,
Que é que os impele
No campo maninho?
Do caminho nenhum sabe,
Que dentro deles só cabe,
Afinal, o avassalador sentimento
Do momento.
Também
Quando te fores,
Eu irei também,
Que a lei dos amores
É um do outro ser refém.
Assim na vida
Como na morte,
De tal sorte
Que, na eterna despedida,
Quem fica deste lado
Será doravante mero morto adiado.
Calar
Se algum dia se calar
A voz que te fala dentro,
Finda fora a de falar,
Perdido de vez o centro.
Findo a me silenciar,
Que então jamais em ti entro.
A morte é sempre este frio
A gelar-me de vazio.
Quero
Quero pulsão, tu, afecto;
Quero acção e tu, afago...
E sou feliz no projecto,
Mesmo tão avesso e vago.
Estar contigo tem jeito
De amor como o amor é feito.
Vulgar
Vulgar é quem
Ao que tem só dá valor
Quando já o não tem
E os olhos só há-de pôr
Em alguém
Quando forma já não tiver
De o ter.
Vulgar é sempre um quando
Perdido neste desmando.
Fácil
É mais fácil devir amigo
De alguém
Que algo em comum comigo
Tem.
Doutro modo a diferença geraria,
Pelo menos, uma guerra fria.
Amizade
Amizade,
Ter alguém com quem falar,
Desabafar
Se houver necessidade,
É bem melhor do que o oiro,
Até do que a liberdade:
É o tesoiro
Que molda as chaves das portas
Que abrem à vida as liberdades mortas.
Cuidados
Ah! Como sabe bem
Quando alguém fica em cuidados
Por saber se morro ou vivo!
O carinho que contêm
Os afectos enublados
Dum olhar que espia, esquivo!
Um coração que também morre
Se o meu nunca mais corre.
Amando
Quem é que amas não importa
E não importa onde é que amas
E o porquê não abre a porta
Que elucide o que ali clamas,
Nem o como nem o quando:
- Importa é que vás amando!
Sofrer
Amar é eterno sofrer,
Que o infindo vislumbrado,
Mesmo à mão, não é apanhado.
Se sofrer se não quiser,
Então é de não amar?
Mas não amar, ao contrário,
É sofrer ainda mais vário
Por amor não se encontrar.
Amar é sofrer, portanto;
Não amar é mais, no entanto:
Aquele o fim do caminho
Não me dá mas adivinho;
Este nem caminho tem
Ao prisioneiro refém.
Para ser feliz, só amando,
O que nos torna infelizes,
O Infinito aqui visando
Sempre só tendo as raízes.
Sofremos por demasia
Da alegria da promessa
Que tropeça aqui na via
De dar um dia o que a meça.
Reinventar-se
Noutros gostos e vontades
Amar é reinventar-se,
Fora de nossas herdades
Vestindo um novo disfarce,
Doutrem no aceno de mão
Que é o que aponta à perfeição.
Invés
Apaixonar-me é passivo,
Tudo revolve em meu peito.
Amar, ao invés, é activo,
Que ao outro me dou num preito.
O que intercombina ao vivo
Um e outro é o mais perfeito.
Nem um nem outro me arquivo,
Cultivo ambos, deste jeito.
A passo, minha altitude
Trepo quando aos dois me grude.
Fala
Quem fala de amor, não ama.
Talvez deseje, possua,
Obra realize sua,
Mas amar nada o proclama.
Apenas vulgaridade
Se apregoa aos quatro ventos.
Quando se ama, a realidade
São do outro mundo os intentos.
Raízes
O amor
Tem múltiplas raízes.
A bela flor,
De cambiantes matizes,
Quando a estima ilimitada
A alimenta,
Pode findar doutras raízes dissecada,
Que desta perene se aviventa.
Ninguém
Nós nunca amamos ninguém,
Mas a ideia idealizada
Desse alguém que então se tem.
É prazer num corpo estranho
A meta então procurada
Para meu proveito e ganho,
Ou é o prazer por inteiro
Da ideia dele sonhada
Aquilo de que me abeiro?
Qualquer que seja dos dois
Sou sempre eu, ao fim, depois.
Rapariga
Não é amar a rapariga
Tratá-la como o sujeito
Que só lisonja persiga
De anedotário estreito.
Só ama e por ela é amado
Se for além da aparência,
De alma aberta em todo o estado,
Com baixeza ou excelência,
Com a angústia, a seriedade,
Problema e sonho vividos,
Com a humana gravidade
Dos pesos no imo sentidos.
Espera
O amor (como os sentimentos)
Não espera, ao se fixar,
Primeiro estudar os ventos,
Conhecer os elementos
Para depois avançar.
É por impulso que amamos,
Por razões de sentimento
Que não têm a ver com ramos
Nem com ligações dos tramos
De qualquer conhecimento.
Reflectir e meditar
Só força aqui vão tirar.
Demais
Se é grande demais o amor,
Torna-se inútil então.
Não é de aplicável teor,
Que ninguém tem um bidão
Dentro de si, nalgum canto,
Capaz de receber tanto.
No amor e em tudo em que penso
Há uma lei a ser seguida:
Teremos de ter bom senso
E ter senso de medida.
Se a lei for espezinhada,
Reduz-nos a vida a nada.
Dois
O amor tem sempre dois planos.
Um, bem frágil, é o que quebra
À menor oscilação.
Dele, após, só restam danos
E aquilo que, ao fim, celebra
É apenas a perdição.
Outro é forte em demasia,
Poder que vem das entranhas,
Força cósmica que invade
Convenções que esmagaria,
Leis morais feitas patranhas,
A fé sem sacralidade.
Dos dois tecemos a teia
Da História rumo ao que ameia.
Perfeito
Requer o perfeito amor
Ser em reciprocidade
E o recíproco calor
Ser amado de verdade.
Que o amante ame no amado
O amante que a ele o ama,
Que o amor em todo o lado
Se ame a si em toda a trama.
Cabana
Tudo o que não for viver
Escondido na cabana
Pobre ou rica (o que há-de ser),
Com quem eu amar com gana,
No inestimável conforto
Íntimo daquele amor,
É vão, inútil e torto,
Um vazio sem sabor,
Parece, entre sábios mil,
Ligeiramente imbecil.
Glória
Conheci-a, apaixonei-me,
De repente foi a glória.
Então despreocupei-me,
Ali perdi a memória.
Um amor é como o clima,
Quente e frio, brisa e praia...
Nasceu-me aqui muito acima
E eu nasci dele na raia.
Sozinhos
Nascemos sozinhos,
Sozinhos vivemos,
Morremos maninhos,
Tão a sós nos vemos.
Só através do amor
Como da amizade
A ilusão supor
Podemos que agrade:
Durante um momento
Cuido com carinho,
Contra todo o vento,
Que não vou sozinho.
Romântico
O amor romântico é um trajo
Transitório, nunca eterno.
Breve o ideal a que eu reajo
Se esfacela, em nada terno.
Brota o corpo bem humano
Que nós dele revestimos.
É a desilusão do engano
Do caminho que seguimos.
Só a desilusão aceite
De princípio, variando
De ideal quando despeite,
Constante se transmudando,
Muda o teor do caminho.
Tece de alma na oficina
Novos trajes, de mansinho,
Tudo inova a que se inclina.
Mestre
O amor é mestre, entretanto
Urge saber adquiri-lo
Porque é difícil o encanto,
Requer muito suor e pranto
Prolongado consegui-lo.
É preciso amar, de facto,
Não por um instante apenas,
Mas até ao fim, num pacto
Que se alonga de acto em acto,
Sem termo, em quaisquer arenas.
Felicitar
O amor que ande procurado
Por felicitar a vida
Perde a doçura do estado,
Embriagante, delida.
Quando amor inesperado,
Impetuoso, fulminante,
É o céu a verter, folgado,
No peito a qualquer instante
Todas as delícias puras
Que então não correm perigo
De se infestarem de agruras
Desta terra sem abrigo.
Alma
O amor, alma a desatar-se,
Corre atrás do que não sabe,
Não larga mesmo que esgarce,
Não apanha, não lhe cabe...
A ilusão é requerida,
É bonita, não faz mal
Que invente, minta uma vida,
Sonhe o que queira real.
A realidade mata
E o amor que ela maltrata
É mais bonito que a vida:
- Por isso é dela a subida.
Melhor
Amavam-se em seu melhor,
Sem qualquer pressa ou excesso,
Conscientes do fulgor
Das vitórias em processo.
Os desafios mortais
Da vida serão reais?...
Que é que importa estoutro fado?
- Vão na margem do outro lado!
Trono
Quando se ama uma mulher,
Ou ela se deixa erguer
Num trono de sagração
E então aquele que a amar
Ama por a desejar
Num clima de gratidão,
Ou ela o afecto quita
Daquele que a requisita
E então é nobre deixá-la
Na livre escolha que faz
De quem muito bem lhe apraz
Na vida de que faz gala.
Ódio
Quem a si se não amar
O amor pelos outros não
Há-de conseguir lograr.
O ódio por si então
Como um flagrante egoísmo
Tem a manifestação
E no final é um abismo
Duma cruel solidão
Que finda num cataclismo:
É do desespero a mão.
Contra
Os homens hesitam menos
Contra quem se faz amar
Que contra quem, nos terrenos,
Se fizer temer a par.
Vínculo de obrigação
É o que mantiver o amor.
Rompe-o logo a ocasião
Dum benefício maior.
Mas o temor é mantido
Por medo da punição,
Não nos sai mais do sentido,
Não nos larga mais da mão.
Valor
Quem ama importa-lha lá
O valor que os outros dão
À mulher a quem se dá!
É só quando o amor declina
Que o cego ontem hoje então
Corre a duvidar da sina.
- E a fada tomba no chão!
Santuário
Que tua casa se torne
Impenetrável santuário.
Quando o apetite se adorne
De algum manjar milionário
Que na rua é digerido,
Mas de coração coagido,
Mantém teu lar no segredo
Do bálsamo das feridas.
É teu refúgio do medo
Das paixões que haja explodidas,
É o abrigo do adorável
Sem o que amor é inviável.
Entre
Entre os humanos unidos,
Muito embora intimamente,
Há um abismo de sentidos
Que apenas o amor desmente.
O amor pode superá-lo,
Mas mesmo assim, na existência,
Como ponte donde abalo,
Como ponte de emergência.
Findar
O grande amor
Não pode nunca findar bem.
Mesmo se ambos findam num desastre, é um horror
Também.
Enquanto o tempo corre
E não trava,
Quem amamos morre
E morre quem nos amava.
Domina
Na paixão domina o amado
Sobre aquele que é o amante.
É o fraco que é dominado,
O forte cria, imperante.
Quem ama é que inventa inteiro
O amado e daí o espanto
Da mulher dum grão parceiro:
- Porque é que ele me quis tanto?
Violinista
Um homem não pode amar
Uma mulher toda a vida?!
Se um violinista tocar
Uma música pedida,
Vai deveras precisar
De violinos ir trocar
Para aquela ser vivida?