SEGUNDO BRINDE
Requer
Todo o amor requer suor
A regar fértil as lavras.
Obras é que são amor,
Amor não são as palavras.
Exterior
Tanta obra exterior
De nada vale, maninha,
Quando a operas sem amor:
Coses de agulha sem linha.
Preciso
Porque preciso de amar,
Amemos: sem isto a vida
Perde sentido e medida
E o sol nunca irá brilhar.
Afasto
Sofri muito e vai durar
Mas, se afasto o amor da porta,
Morto estarei, se calhar,
Para ter da vida a horta.
Permitido
No amor tudo é permitido,
Só não por mor do deleite
Mas do preceito seguido:
- Se for tudo, Tudo aceite.
Tempo
Deixa o tempo de existir:
É na terra do prazer
Do vero amor ao provir
Que Infinito é tudo ao ser.
Dá
Apenas o amor dá forma
Ao que antes era vedado
(Mesmo sem nenhuma norma)
De nos ser sequer sonhado.
Pilhas
Nem toda agente que tem pilhas de oiro
É rico. Rico é quem está presente
Do Amor à fonte, seu real tesoiro,
Cada momento que, vital, o alente.
Amantes
Os veros amantes poderão entrar
No jardim do belo sem temer juízo.
Não serão dois corpos e almas indo a par
Mas de vida fonte: o siso do bom siso.
Igual
O que dou e o que recebo
É igual se o custo se evoca.
Mas no amor não o concebo:
É um acto de fé, não troca.
Seja
Permitir que o outro seja
O que realmente for
Permite o que mais se almeja:
- O que é o verdadeiro amor.
Viagem
O casamento é viagem,
Sei lá o que se desenrola!
Erro certo é na triagem
Alguém cuidar que o controla.
Medida
A viagem tem perigos
E oferta de maravilhas:
Mais bem medida em amigos
É do que medida em milhas.
Crescimento
Não prendas muito o cadilho
Que te prende o passo adiante,
O crescimento dum filho
É despedida constante.
Fusão
Não há eu e tu
Contraposto a eles,
Mas fusão a nu:
- Nós em nossas peles.
Matam
Os indivíduos se matam
Por serem abandonados:
Quando a nenhum lado se atam,
Não aguentam mais os fados.
Mobilidade
Mobilidade social,
Sair do grupo onde assentes,
Não mais ser dele, afinal,
Deixa-nos ao fim doentes.
Causa
Não mata nem morre alguém
Por uma causa qualquer,
Mata e morre, se convém,
Por outrem com que viver.
Dança
Quando numa interacção,
Movemo-nos numa dança
Sem consciente orquestração
Nem música a atar a trança.
Enreda
Se a minha vida se enreda
Desde a raiz com a tua,
Como ver o que proceda
De ti ou mim quando actua?
Ciúme
É o ciúme tão malsão
Que só enganos nele imperam:
O ciúme é a diversão
Que cuida que eles tiveram.
Dar
Ao dar aos outros, quenquer
Mal verá o que fundo o impele:
Dar aos mais é devolver
A Deus a dádiva dele.
Conta
O que melhor conta faz
No que dás não é o que vês:
Menos importa o que dás
Do que o amor com que o dês.
Olhos
Olha nos olhos e sente
Das profundezas o fito:
Dois espelhos frente a frente
Reflectirão o infinito.
Fútil
No fútil incontornável,
No minucioso é que invista?
- Um viúvo inconsolável
Óptimo é contabilista.
Duas
Por mais que te ame e conceda,
Duas são sempre as estradas,
Duas faces da moeda
Sempre de costas viradas.
Contraprova
Sempre é na dor que o amor
Contraprova se é ou não:
Ser capaz de amar na dor
É ver luz na escuridão.
Controlar
Só na vida controlar
Posso minhas atitudes,
Em tudo então é de optar
Só do amor pelas virtudes.
Trás
Ao olhares para trás,
Em tua vida o fulgor
Que a sério vivida a faz
É se agiste com amor.
Abrolhos
Por mais que haja em vida abrolhos,
Na fundura algo resiste:
Quando eu olho nos teus olhos,
Então sei que Deus existe.
Incondicional
Se Deus tem por toda a gente
Amor incondicional,
Que beleza em todos sente,
Que é que vê de excepcional?
Só
Muito modo há de estar só
E o pior que a gente sente
Que nos enterra no pó
É estar só por entre a gente.
Manipular
Através da caridade
Fácil de manipular
Sempre é qualquer entidade,
Sempre pronta a acreditar.
Amizades
São um mau investimento
As amizades em torno
Da vida em prol do provento,
Pois geram parco retorno.
Motivo
A dor pode-me lembrar
De que estou deveras vivo
E o amor vem recordar
Da vida qual o motivo.
Comunidade
Criado em comunidade,
Em comunidade existes.
Não és mais que a divindade,
Um só com todos persistes.
Inesperado
É no evento inesperado
Que veremos realmente
Quem é que anda ao nosso lado,
Quem é que ao fim é presente.
Casa
O lugar chamado casa
Não é o canto onde nascemos
Mas a confortável asa
Daqueles a quem queremos.
Física
Nunca a física presença
De qualquer pai numa casa
Quer dizer que ela convença:
- Pode ausente estar, sem brasa.
Murcha
Que é que à vida murcha os ramos?
- Não podemos confiar
Em quem não acreditamos
Que nos ame sem parar.
Pedra
Nossos corações de pedra
Ganham vida no conflito
De aprender aonde medra
E onde chora algum proscrito.
Palavra
A falar ao vento vão,
A palavra basta e sobra.
Já falar ao coração,
Mais que palavra, quer obra.
Primeira
O amor à primeira vista,
Crê nele, que é tão real
Como outra coisa que exista
Qualquer na vida, afinal.
Dor
A dor nunca tem juízo
E nenhuma mais doído
Nem com maior prejuízo
Há que a do amor ofendido.
Traidor
Em mim manda o desamor
Muito mais que o coração
E depois, para o traidor,
Não é traição a traição.
Delito
Abomino o que concito
Da humanidade ao depor:
- O maior delito
É ser o melhor!
Prognostica
Não prognostica melhor
Quem por fim melhor entende
Mas quem mais ama: o amor
É que o mundo aos pés nos rende.
Asas
O amor, cujas asas voam
Do que o tempo muito mais,
Sentidos, cuidados tais
Desperta que em tudo ecoam.
Caridade
Caridade é união:
Os próximos tanto uniu
Que, se a tiver eu então,
O próximo é um outro eu.
Cor
Não há escravo nem senhor,
Negritude ou branquidão,
Cada qual sempre é da cor
De seu próprio coração.
Amar
Amar, que amar tem virtude
Muito além do que é medido:
Nada melhora a saúde
Como o amor correspondido.
Formas
O ser humano inventou
Muitas formas de mostrar
Que viver junto adorou,
Que adora termos um lar.
Rendido
Com amor amor se paga
E não o há tão defendido
Que àquele que eterno o afaga
Não se haja por fim rendido.
Longe
Se o amor se esvai nos ares,
Queimam-lhe longe os vulcões,
Não é união de lugares,
É união de corações.
Liberal
Generosidade alçamos
Liberal lá muito acima?
Não é dar a quem amamos
Aquilo que não se estima.
Sepulta
Quando o amor foge dos portos
De quem o ama, nada exulta,
A morte sepulta os mortos,
O amor sem matar sepulta.
Grande
Quando em grande coração
Uma grande dor o fere,
Cura não há mais à mão,
Nem mesmo o tempo a digere.
Maior
O amor de Deus que é o maior
Nem sempre é o que parecia:
Nem sempre o melhor sabor
É o da maior romaria.
Suga
O amor que sempre dá vida,
À vida também a suga,
Que quem ama, de seguida,
Se mais ama, mais madruga.
Tanto
O amor tanto mais de fino
Tem quanto menos pretende
Interesse ou canto de hino,
Que só ternura então rende.
Caridade
Caridade, para amar,
Quando não tem benefício,
Bastam-lhe agravos a par,
Que a ofensa mantém-lhe o ofício.
Compor
A paz de vez recompor
Só se igualdade entrosou:
Iguale amor com amor
O que a natura igualou.
Peso
O meu peso é o meu amor:
Para a luz ou para a treva
Aonde levado for
Este é o peso que me leva.
Enxerga
Quem amar enxerga prendas
Em quem ama tão a eito
Que até delas encomendas
Faz ao que aos mais é defeito.
Par
A pequenez e a grandeza,
O céu e o mais vil do chão,
A par no amor a pureza
Anda com conspurcação.
Endoidado
Um amor, quando endoidado,
Em camaleão vai verter-se:
Mal é traído, enfuriado,
Vai em ódio converter-se.
Amigo
Um amigo é um outro eu,
Eu mais ele somos um:
Sendo dois, o que ocorreu
É o mesmo sermos só num.
Cuidados
Deus pode punir culpados
E depois dá-lhes o leme.
Quem ama tem mil cuidados,
Quem muito ama, muito teme.
Andarem
Se as mãos andarem fechadas
De andarem tempos incertos,
Porque não abrem estradas
Os nossos braços abertos?
Ofusca
O amor humano e vulgar
Ofusca a razão de antolhos
Como a fumaça embotar
Costuma a quenquer os olhos.
Diferença
Há uma diferença enorme
De audição em audição,
Cada qual ouve conforme
Lhe pender o coração.
Ouve
Quem ouve são os ouvidos,
Mas quem bem ou mal então
Ouve neles os sentidos
Será sempre o coração.
Dentro
Obra boa, só do amor
Que por dentro a inspira, chão.
Olho de homem vê-lhe a cor,
Só Deus lhe vê o coração.
Refinados
O mundo é de tal maldade
Que muitas vezes levados,
Por finezas de amizade,
Somos de ódios refinados.
Durar
Às afeições como às vidas,
De durar pouco o intuito
Advém, ao tirar medidas,
De que já duraram muito.
Desarma
De todos os instrumentos
Com que o amor anda armado
Logo o correr dos momentos
O desarma em todo o lado.
Enfermidades
Para as mais enfermidades
Adiar é o perigo-mor,
Mas é o remédio sem grades
De enfermidade de amor.
Lua
É o amor tal qual a Lua:
Em havendo terra a meio,
Se eclipsa de minha rua,
Nem já sei se amor nomeio.
Vento
A ingratidão com o amor
É como vento com fogo:
Pequeno este, apaga-o logo;
Se grande, ateia-o maior.
Apaga
Num amor correspondido,
O amor com amor se paga,
Tal como, no amor traído,
O amor com amor se apaga.
Deixa
Deixa o amor de variar
Se for firme em seu ardor,
Mas não de tresvariar
Se for deveras amor.
Ignorante
Ignorante vais amando
Mas não amarás sequer,
Só porque amar ignorando
Não é amar, é não saber.
Ignorando
Quem ignorando ofendeu
Não é bem delinquente.
Quem ignorando o amor deu
Não ama, pois, seriamente.
Indignidade
Amar minha indignidade
Até parece ignorância
Da grandeza a quem agrade
A minha insignificância.
Sabidas
Quantas coisas há no mundo
Muito amadas que, sabidas
De seu infecundo fundo,
Seriam aborrecidas!
Nunca
Os homens não amam nunca
Aquilo que julgam que amam:
O que amam o chão não junca
Ou não é quem nele acamam.
Vidro
Cuidas que amas um diamante
E é vidro em fragilidade;
Perfeição no céu distante
E é humano o que o lar te invade.
Imaginas
Amas sempre o que não há,
Pois amas o que imaginas:
Se imaginas, não há cá,
Não nos partilha das sinas.
Ingratidão
Uma ingratidão sabida
Ninguém ama sem, ao lado,
Amar graças, de seguida,
Um esperado obrigado.
Deveras
Não é deveras amante
Quem morre por ter amado,
Senão quem amou adiante
Para morrer entregado.
Vista
Nem sei como o amor resista,
Sem matar, a tal pendência:
A presença sem a vista
É maior pena que ausência.
Bem
Nós amamos os objectos
Só pelo bem que eles têm.
Deus ama-os doutros afectos:
Por quanto lhes faz de bem.
Preza
Quando o que muito se preza
Num amor se põe aos pés
Dum outro, a prova nos reza
Que o maior este é de vez.
Forte
Um amor afectuoso
Deixa-se atar. Se for forte,
Rompe logo, prestimoso,
A atadura e ruma ao norte.
Extremos
Um amor, como amoroso,
Junta extremos bem distantes.
Como forte, apura o gozo,
Por amor separa amantes.
Apartar-se
Apartar-se quem amar
De quem amar por amor
É no amor a singular
Prova dum amor maior.
Prova-se
O amor daquele que se ama
Prova-se do amor sem queixa
Da dor que todo ele trama
Pelo amor do que se deixa.
Eterno
Quem terá medo do eterno
Se esta é a voz que amor colheu?
- Contigo lá, não é inferno;
Sem ti lá, não era céu.
Correcto
Nossa vida espiritual
Acto é de amor dirigido.
Pensar correcto, afinal,
Pouco importa em tal sentido.
Famoso
Porque é que alguém vai querer
Ser famoso, mui falado?
- Apenas, como quenquer,
Para se sentir amado.
Ascender
Um trabalho sem amor
Não nos faz nunca ascender
A um patamar superior
Do íntimo que nos mover.
Jogo
A vida é um jogo, porém,
Não é sobre a perfeição,
É sobre o amor. E contém
O que é vera aceitação.
Antagonismo
O medo é o antagonismo,
Com tudo o que é negativo,
Ao amor em que me abismo,
Matriz do que é positivo.
Depende
Depende de mim a escolha
Da vida em medo ou amor
Que tria o que é que eu recolha
Ou de escuro ou de esplendor.
Dura
É dura qualquer ganância,
Fere tão mais quão mais preza.
Só o amor e a tolerância
Destroem qualquer dureza.
Lar
Nosso verdadeiro lar
É sempre onde o coração,
Nosso coração morar.
O mais engana a razão.
Silêncio
As mais bonitas palavras
De amor, ditas sem falar,
São o mistério das lavras
Do silêncio dum olhar.
Aprendeste
Quando aprendeste a dizer
Com todo o amor: “não, não quero”,
Aprendeste a já não ter
Dos outros medo ao tempero.
Deita
Deita as sementes à vida
Para que te cresça então
A plantação, de seguida,
Que sente o teu coração.
Fiel
Sê fiel ao amor (contudo,
Vê-lhe o pé que houver fendido).
O amor é o motor de tudo,
Para tudo ter sentido.
Ausculta
Ausculta teu coração,
Semeia as tuas sementes
Com muito amor na tenção:
Só assim é que não te mentes.
Chão
Não fujas da indecisão,
A dúvida é natural
No itinerário, fatal.
Ama e aceita: é o teu chão.
Balança
Põe num prato da balança
O teu raciocínio chão,
No outro o teu coração:
Para qual te inclina a dança?
Ama
Sem resistir ama a vida,
Agrade ela ou desagrade.
Amar a dificuldade
É quase a ter resolvida.
Temas
Não temas obedecer
Ao coração que em ti há,
Nunca mal te vai querer
E nunca te enganará.
Obedece
Obedece ao coração,
Só ele sabe o que aí,
Por entre as jeiras do chão,
É correcto para ti.
Transformação
Tende com amor o pão,
Como namorado o segue.
A vera transformação
Só com amor se consegue.
Flauta
Tua impecabilidade
É como mágica flauta:
Se ao coração não agrade,
Enganaste-te na pauta.
Bosque
Vai ao teu bosque sagrado,
Aprende a reconhecer-te
E amar-te por todo o lado,
Nada em ti se então perverte.