QUINTO  BRINDE

 

 

 

 

Débil

 

Quão mais débil a criança

E quão mais sensata for

Mais procura ver se alcança

Bem perto dos pais se pôr.

- Criança olhando o Infinito,

Qual, Homem, teu jeito aflito?

 

 

Freimas

 

Sendo o pai bondoso e o filho,

Miúdo simples e audaz,

Este desata o cadilho

Da bolsa do pai, tenaz,

 

Em busca de guloseimas

Antes de as boas-vindas dar.

- Então porquê tantas freimas

Se ante Deus tal tem lugar?

 

 

Herói

 

Não tens de devir herói,

Não, do dia para a noite.

Passo a passo o dia foi

Chegando lento à sonoite,

Tratando daquilo que urge

À medida que ele surge.

 

Nada é tão assustador

Como assusta ao dealbar.

Temos da força o teor

Bastante de o superar,

É só dar-lhe o tempo certo,

Que o maná vem ao deserto.

 

 

Único

 

Único sou responsável

Por criar meu paraíso

Ou inferno insofismável,

Conforme for o meu siso,

As palavras, as acções,

- Como entroso os corações.

 

 

Caídos

 

Aqueles que estão caídos

Aproveitem, aproveitem

A curar sonhos feridos,

A descansar das maleitas,

Descobrir nova estratégia

E de alma se equipar régia.

 

A aventura nunca acaba

Mesmo se tudo desaba.

 

 

Oprimidos

 

Os que pela solidão

Se sentirem oprimidos

Olhem como a sós estão

Nos dois momentos temidos

Mais importantes da vida:

À chegada e à partida.

 

O que a solidão lá meça

Sobrepuja-o a promessa.

 

 

Pequenas

 

Viste que as pequenas coisas

São responsáveis, nas danças

Em que teu pé nelas poisas,

Por, no fim, grandes mudanças.

 

Por este motivo, a morte

Faz o discurso conciso:

- Porque agiste de tal sorte

Vou levar-te ao Paraíso.

 

 

Aventura

 

O que julga que a aventura

É perigosa, a rotina

Experimente segura:

A rotina tem por sina

Àquele que se lhe atar,

Antes de tempo o matar.

 

 

Tanto

 

Preciso tanto de amar,

Mesmo que à terra me leve

Onde as lágrimas são mar

E apoio ninguém me deve!

 

Ter amado e ter perdido

É bem melhor este fado,

Ao entretecer sentido,

Do que nunca ter amado.

 

 

Usar

 

Os que procuram amigos

Para manter o estatuto

Ou abrir portas de abrigos

Que lhes dão salvo-conduto

Evita sem hesitar:

- Apenas te irão usar!

 

 

Importante

 

É importante a disciplina

Mas deve deixar a porta

Ou janela, como sina,

Aberta ao que mais importa:

- À intuição que um outro lado

Rasga para o inesperado.

 

 

Obsessão

 

Uma obsessão nada ajuda

Porque confunde os caminhos

E acaba, se se nos gruda,

Por tornar todos maninhos

Os campos em que crescer

A alegria de viver.

 

 

Cortar

 

Não queiras cortar caminho

Mas corrê-lo de maneira

A que teu acto o cadinho

Venha a ser de úbere leira,

Com adubado terreno

Paisagem bela ao sereno.

 

 

Apesar

 

Apesar de todo o medo,

Que eu possa em frente seguir,

O inexplicável num credo

Aceitar sem derruir,

Apesar de requerer

Tudo explicar e saber!

 

 

Ansiedade

 

É de manter à distância

Toda e qualquer ansiedade.

Não se aniquila tal ânsia.

Porém, saber de verdade

 

É o de entender que podemos

Dominar a fera brava

Que, ao invés do que queremos,

Escravizar-nos tentava.

 

 

Requerido

 

É requerido lutar

Para crescer, sem cair

Na armadilha do poder

Que com isto conseguir,

Porque sabemos, a par,

Que, no que toca a valer,

Para a marca da pegada

O poder não vale nada.

 

 

Herói

 

Não é aquele que nasceu

Para as gestas que é o herói,

Antes o que conseguiu,

Na insignificância que mói,

Construir em seu redor

Da lealdade o escudo-mor.

 

Quando salva um adversário

Da morte certa ou traição,

O seu gesto não é vário:

Não mais é esquecido em vão.

 

 

Deprimido

 

Quando eu estiver só, mui deprimido,

Que olhos eu tenha abertos em redor

Para a vida a brotar-me com vigor:

Para a flora a pujar no chão despido,

 

O trinado do melro na distância,

As estrelas que piscam pelo céu,

Ao lado a infantil voz em escarcéu...

- E que de vez a paz quebre tal ânsia!

 

 

Chega

 

Chega o sucesso para quem não perde

O tempo a comparar o que outrem faz

Com aquilo de que ele for capaz.

Entra na casa que escorou de verde

Todos os dias quem disser sem fim:

“Hei-de dar sempre o meu melhor de mim.”

 

 

Junta-te

 

Aos que alegria têm nos olhares,

Contam histórias, fruem plena vida,

Junta-te, bem como a seus cantares.

Contagiam alegres e, em seguida,

 

A solução descobres onde a mente

Apenas encontrou explicação

Para o erro que a pegada te desmente

E o sepulcro escavava no teu chão.

 

 

Vulneráveis

 

Aos que não temem ser mui vulneráveis

Junta-te, que em si próprios bem confiam.

Sabem que tropeçar todos, instáveis,

Nalgum momento irão, mas nisto viam

Ao invés de sinal duma fraqueza,

Marca da humanidade que se preza.

 

 

Sexo

 

O sexo é uma oferenda, um ritual

Duma transformação. Como os demais,

O êxtase é presente e, no final,

Nunca deve excluir metas rivais.

 

Pois que o mais importante é percorrer

Com o nosso parceiro aquela estrada

Que um mundo ignoto nos mostrou qualquer

Onde oiro, incenso e mirra houver à entrada.

 

 

Admire

 

Que com meus gestos simples eu me admire:

Com um desconhecido conversar,

Com minhas emoções, de mim a par,

Sentir no rosto a areia, se me vire

 

Quando soprar o vento pela praia,

Com os momentos ternos, como olhar

Minha mulher dormindo, a ressonar,

Imaginando um sonho de tocaia.

 

 

Tudo

 

Que tudo quanto a minha mão tocar,

Meus olhos virem, minha boca prove

Seja bem diferente, embora, a par,

Nele igual continue, sem que inove!

 

Deixará tudo natureza-morta

De ser, passando então a me explicar

Porque é que há tanto tempo em minha porta

Vive comigo. E vai manifestar

 

O milagre do encontro de emoções

Abandonadas já por cada esquina,

Dos hábitos perdidas aos baldões,

Desgastadas de vez pela rotina.

 

 

Olhar

 

Olhar vou para tudo e para todos

Tal se fora a primeira vez deveras,

Mormente os nadas ínfimos que a rodos

De hábitos me cercaram pelas eras,

 

Ignorando a magia que os rodeia.

São como as minhas dunas do deserto

Que eu nunca entendo no que ali me ameia

Porque o vento não vejo quando perto.

 

 

Dealbar

 

Ninguém pode atrás voltar,

Todos podem ir em frente.

Amanhã, ao dealbar,

Basta repetir a gente:

 

Olhar vou todo este dia

Tal se ele fora o primeiro

Que minha vida veria.

Vou ver qualquer meu parceiro,

 

A família com surpresa,

Com espanto, de contente

Por me descobrir à mesa

Rodeado por quem não mente,

 

Em silêncio partilhando

Todo o mistério do amor

De que tanto imos falando

Mas mal lhe entendendo a cor.

 

 

Entusiasmo

 

Em vez de tempo perder,

Resolve agir, torna à infância,

Colhe o entusiasmo que houver,

Dedica-te a tal instância.

É no entusiasmo encontrado

Que mora o fogo sagrado.

 

 

Esquecemos

 

Esquecemos nós que o mundo

É aquilo que imaginamos.

O brilho da Lua, ao fundo,

De ter por isso deixamos

 

E a poça de água passamos

A ser que o reflecte imundo.

Um dia após, ao sol vamos

Evaporar o fecundo

 

Resto de água que houver lá

E nada ao fim restará.

 

 

Debaixo

 

Tudo debaixo do sol,

Do pardal à serrania,

Da flor ao rio, o arrebol,

Reflecte a infinda magia

 

Que brilha na criação.

Se à tentação resistir

De aceitar que outros irão

Definir quem sou, onde ir,

 

Pouco a pouco sou capaz

De fazer brilhar o sol

Que em meu imo jaz tenaz.

O amor, ao lado, abre o rol

 

E dita a breve sentença:

“ Nunca tinha reparado

Aqui na tua presença.”

E deixa-me iluminado!

 

 

Desata

 

O passo outrora automático

Desata a ser consciente.

Em vez do conforto prático

Da segurança de ausente,

 

Alegram os desafios.

O viajante a jornada

Continua pelos rios

Da vida, corrente estrada.

 

Já se não queixa do tédio,

Quando muito, do cansaço.

Então pára em qualquer prédio,

Dando à paisagem o abraço.

 

E logo após segue em frente,

Já não perde a vida inteira

A atacar trilhos, temente,

Que não quereria à beira.

 

Desata a amar o caminho

Que corre agora, adivinho.

 

 

Decisão

 

A decisão de mudar

Fez outrem sofrer por mim?

Quem ama quer, em lugar,

O amado feliz no fim.

 

Se primeiro ele temeu,

Vem logo o contentamento

De ver fazer quem é seu

O que ama a cada momento,

 

De o ver a se aproximar

De onde o sonho o quis levar.

 

 

Desamparado

 

Sente-se desamparado

O viajante na estrada,

Mas há gente em todo o lado

Sentindo a mesma pontada.

 

À medida que conversam,

Reparam. Não estão sós,

São companheiros que versam

Trilhos iguais, iguais pós.

 

Partilham a solução

Que permite saltar muros.

Todos mais sábios estão,

Mais vivos e mais seguros.

 

 

Mudar

 

Somos muito elogiados

Por não acolher mudar,

Sempre no rumo alinhados

Que o destino nos quis dar.

 

Não há ideia mais errada

Porque o caminho correcto

É o da natureza: a estrada

Mudando constante o aspecto.

 

 

Sonhar

 

É bom sonhar que haja espaço

Para mais longe ir um dia.

Alegra o sonho o meu passo

Porque nele descobria

Que sou capaz de bem mais

Do que até aqui meus sinais.

 

Sonhar não implica riscos.

Perigoso é pretender

Transformá-lo nos apriscos

Onde o real queira prender.

Mas um dia bate à porta

Um qualquer fado que exorta,

 

Seja da sorte a batida,

Seja a batida da morte.

Ambas dirão, de seguida:

“Muda agora!” E o recorte

Não permite mais demora:

Chegou de mudar a hora!

 

 

Bem

 

Os que aos outros fazem bem,

Ser úteis não vão tentando,

Tentam gozar vida além.

Conselhos quase não dando,

Servem de exemplo, porém.

 

Vive aquilo que viver

Sempre desejaste em vida.

Crítica evita a quenquer,

Centra-te em sonho à medida,

Pouco deve parecer.

 

Contudo, quem tudo vê,

Vê que o rumo que te dás

Melhora o mundo no que é

E assim o ajudas, capaz.

A bênção segue o teu pé.

 

 

Andes

 

Mais ligeiro ou devagar

Não andes que o imo teu.

Ele é que te há-de ensinar

Cada passo que se deu.

 

Pode ser participar

Num grande combate a fundo

Que ajude acaso a mudar

O rumo à história do mundo.

 

Outras vezes simplesmente

Será sorrir sem motivo

A um miúdo dentre a gente

Que cruzou na rua, esquivo.

 

Sem que houveras a intenção,

Poderás ter salvo a vida

Ao ignoto, no desvão,

Que se matava em seguida,

 

Não fora aquele sorriso

Que lhe deste dar confiança

Naquele instante preciso,

Germinando-lhe a esperança.

 

 

Inútil

 

Quando dizes: “sou inútil”,

A ti próprio dás resposta

À pergunta sempre fútil

Que nos faz perder a aposta.

 

É que em breve envenenado

Por ela estás. Morrerás

Ainda em vida finado,

Embora aquele que jaz

 

Continue a andar, comer,

A dormir e divertir-se,

Tal qual como outro qualquer

Que perca a vida a fugir-se.

 

Não tentes ser útil, não.

Tu próprio ser antes tenta,

É quanto basta em teu chão,

É a diferença da ementa.

 

 

Inutilidade

 

Sem respeito pela idade

E sem pedir permissão,

Sentir a inutilidade

Corrói no imo o coração.

 

Repete ela impunemente:

“Ninguém se importa contigo,

Não és nada, sê coerente,

Ninguém quer-se a teu abrigo.”

 

No intuito desesperado

De dar um sentido à vida

Buscam muitos nalgum lado

Uma religião seguida.

 

A luta em nome da fé

Fundamenta gesta grande,

Pode um mundo pôr de pé,

Afinal, é Deus que mande.

 

E transformam-se em devotos,

Depois, em evangelistas,

Por fim, fanáticos botos,

São da intolerância as listas.

 

Não vêem religião

Em compartilhar mistérios,

Comungar na alumbração.

Nunca erguer de armas impérios,

 

Nunca oprimir, converter

Outro à força, de seguida.

- De Deus o milagre a ser

É manifestar a vida.

 

 

Vitória

 

Se a vitória não chegar,

Chega da próxima vez.

Se na próxima falhar,

Para a frente há mais talvez.

 

O pior não é cair,

É ficar preso no chão.

Falhado é quem desistir,

Os mais, vitoriosos são.

 

 

Inundação

 

Um homem de fé ficou

Preso na casa devido

A uma enorme inundação.

Enquanto a água trepou

Em torno ao prédio subido

Ele pôs-se em oração,

 

Confiante de que o Pai

O salvaria por fim.

Rapidamente, porém,

A torrente o obriga e vai

A trepar, aflito, enfim,

Para o telhado que tem.

 

Continua, ainda assim,

Dele com as orações.

Dois homens passam num barco,

Da casa junto ao confim

Borbulhando em turbilhões,

Espaço lhe arranjam parco.

 

Recusou, lhes respondendo:

“O Senhor me salvará.”

Já com água nos joelhos,

Um barco a motor, correndo,

Cruzou, com a oferta lá

De o salvar, junto a alguns velhos.

 

“Não, obrigado” – responde –

“Eu tenho fé no Senhor

Para minha salvação.”

A um helicóptero, donde

Uma corda lhe vão pôr

Ao alcance, acena um não,

 

Embora as águas lhe dêem

Pelo nível do pescoço:

“Salvar-me-á meu Senhor.”

Em vez disto as ondas vêm

Com um volume tão grosso

Que o afogam no fragor.

 

Após, ante o Criador,

Logo o homem protestou:

“Porque é que não me salvaste?

A minha fé, com vigor,

Em ti nunca vacilou.

Desiludiste que baste!”

 

E Deus trovejou então:

“Desiludi-te?! Mas como?!

Eu mandei-te um barco a remos,

Um a motor, sempre em vão,

O helicóptero, de assomo...

Que mais queres que te demos?”

 

 

Abre

 

Se queres que outra pessoa

Abra o coração que é seu,

Abre também, numa loa,

O coração que for teu.

 

Melhorar a relação

Se com outrem o pretendes,

Melhora contigo então

A relação que a ti rendes.

 

Se sentir mais confiança

É o que pretendes aqui,

Aprende a tê-la na trança

Com que te atares a ti.

 

Se quiseres mais amor

Sentir, desejo singelo,

Começa por te propor

A mais por ti próprio tê-lo.

 

Se desejas bem tratado

Ser, tal fim ao te propor,

Então, contigo, cuidado,

Tens de tratar-te melhor.

 

Se respeitado quiseres

Ser, que a ti próprio te aceites,

Que o primeiro dos deveres

Será o de que te respeites.

 

Que te enganem se não queres,

Então, antes que te ufanes

Em meio a teus afazeres,

A ti próprio não te enganes.

 

 

Inexplicável

 

Quando um facto é inexplicável,

Se ele existir realmente,

É negá-lo insofismável

Atitude de demente.

 

De nada serve negá-lo.

Será um erro recusar,

Só porque me causa abalo,

O que não entendo a par.

 

Custe quanto me custar,

Uma ausência de evidência

Jamais nos há-de implicar

A evidência duma ausência.

 

 

Competitivo

 

O impulso competitivo,

Nossa autodefinição

E de tudo quanto é vivo,

É que compõe o padrão

 

Da mundivisão que cria

As nossas crises globais

Que nos matarão um dia.

Se recupero os varais

 

Onde ato as relações, fundo,

Que nos atam com os mais

É que curarei o mundo.

 

 

Apesar

 

Apesar da propensão

Para o individualismo

E para a competição,

Maior impulso, de abismo,

 

É o de criar ligações:

Como a formiga antecipa,

Desespero em solidões

Por jogarmos em equipa.

 

 

Necessidade

 

A necessidade humana

De não estar separado

Mas, ao invés, encaixado

No que em redor nos irmana

 

Requerida pode ser

Tanto a nosso fado e sorte

Que não a satisfazer

É questão de vida ou morte.

 

 

Ajudamos

 

Ajudamos se perdemos

Nossa individualidade

Para entrar com o que temos

Num espaço de unidade.

 

É uma extensão natural

O altruísmo que acontece

Quando abandono o local

De mim próprio, bem refece,

 

Para ocupar a lonjura

Doutrem na minha procura.

 

 

Âmago

 

No âmago de cada qual

Compreendamos que melhor

Findamos quando, afinal,

Temos, em qualquer pendor,

 

A visão mais abrangente

Do que for nosso interesse:

A que abranja toda a gente

E que a todos entretece.

 

 

Atracção

 

A atracção da plenitude

Por dentro de cada qual

Pode invocar quanto grude,

A restaurar, conjugal,

 

A harmonia, sempre após

As diferenças profundas,

Transgressões que cortam nós...

- De Infindo ali tudo inundas.

 

 

Perdão

 

O perdão é que restaura

E corrige a distorção

Da relação já sem aura,

Pois através do perdão

As partes, enquanto tais,

Voltarão a ser iguais.

 

 

Superior

 

Um superior objectivo

Criar para ter em mente

É o modo certo e mais vivo

De lograr a paz em frente.

Mesmo no mundo somítico

Do que é o conflito político.

 

 

Quotidiana

 

A vida quotidiana

Pode sempre ser vivida

Tendo em conta o bom que emana

Para o mundo e dele a lida

Como o que é bom para mim:

- Este trilho é que é o meu fim.

 

 

Justiça

 

Qualquer falta de justiça

É tóxica para todos,

Ricos e pobres da liça,

Feridos de mil e um modos.

 

Diferir na recompensa,

Dá-la grande à melhor gente,

Pode induzir quem a vença

Seu melhor a pôr presente.

 

Porém, na comunidade

Diferenças actuais

Não convencem de equidade,

São grandes, grandes demais.

 

 

Semente

 

De verdade uma semente

Procure na posição

De qualquer seu oponente

Em lugar de entre a visão

Dele e de si procurar

Diferença a contestar.

 

 

Opostos

 

Veja os que têm opostos

Pontos de vista tal nós

A tentarmos, de olhos postos

Num rio sem vermos foz,

Solver juntos o problema

- E a terceira via é o lema.

 

 

Escolha

 

Escolha o que seja bom

Para si mais para todos

Os membros do grupo com

Que esteja visando os bodos,

Em casa como no talho,

Numa aldeia ou no trabalho.

 

 

Benefício

 

Olha para o benefício

Que têm para a humanidade

Quaisquer bens de teu ofício,

Que só lucro não te agrade.

Duma empresa a mais-valia

Trepa então por esta via.

 

 

Viatura

 

Viatura te considera

Da união doutrem contigo

(Nem se é diverso pondera):

- O objectivo é dar abrigo,

 

Em vez de algo tão egoísta

Como ter sempre razão

Ou pretender ter em vista

Dele obter algum quinhão.

 

 

 

Ligações

 

As ligações escondidas

Entre ti descobre e os mais,

Quer na fé, quer nos locais,

No sexo, nas demais vidas...

 

Os partidos contrapostos

Interesses têm comuns:

O amor à família, os rostos

De Deus, de filhos alguns,

 

Até do lar e País...

Todos boa economia,

Comboios bem nos carris

Pretendem, mais tudo em dia.

 

Resolver fazê-lo juntos

Dá-nos a oportunidade

De unir-nos em tais assuntos,

Gerando a maturidade.

 

Encolhem as diferenças,

De tão superficiais,

E diminuem, nas crenças,

De importância em rumos tais.

 

 

Cerebral

 

Se com outros trabalhamos

Para um bem comum qualquer,

Nós literalmente entramos

No que na união impere:

 

Na igual onda cerebral.

Pequenos grupos unidos

Num objectivo final

Superior nalguns sentidos

 

Dão coesão social

Maior do que a do dinheiro,

Do emprego, da luta real,

Do lar em tamanho inteiro.

 

A felicidade-mor

É a dos vizinhos na ajuda

Duns aos outros, no fervor

Em que tudo a tudo acuda.

 

 

Transcendente

 

À dor doutrem ligação

É o aspecto transcendente

Duma qualquer relação.

Uma centelha presente

 

De coragem a se abrir

Ao momento de ousadia

E confiança, ao haurir

O coração que asfixia,

 

A divisória pulando

Da cerca que nos separa.

Os muros vão já tombando

Mal a fusão nos ampara.

 

 

Cooperativo

 

Tu, sempre cooperativo,

Inaugura a relação,

Mas pune com deserção

Qualquer desertor esquivo.

E cooperante dá

Ao que cooperando vá.

 

Sê, porém, clemente e justo,

Não desates a punir

Desertores com mais custo:

Uma vez basta, a seguir

A uma atitude egoísta,

E depois retoma a pista.

 

 

Programação

 

A nossa programação

Acaba ao fim reforçada

Se me enxergo aqui no chão

Como um todo na fornada

 

Da humanidade integral

E vejo o mundo tal rede

De interacções, ao final,

Significativa a que acede.

 

O altruísmo uma extensão

Natural parece ser

Do que for educação

Cheia de amor, bem-querer,

 

E de equilíbrio, por dentro

Do que é uma comunidade

De estreitos laços ao centro.

Quando a união nos invade,

 

Mostramo-lo na atitude

Com quenquer que a gente grude.

 

 

Condição

 

A tese mais duradoira

Sobre a condição humana,

O núcleo que o mal me agoira

E que a existência me engana,

É o da nossa solidão,

Do mundo a separação.

 

Óbvio é como existimos,

Indivíduos isolados,

Autónomos nos arrimos,

A viver dramas pegados

Individuais. Quanto ao resto,

Não é mais de meu apresto,

 

Átomo, célula, alguém,

Ser vivo, animal ou planta,

O planeta ou mesmo além,

Até o ar que aos peitos canta,

- Separado enquanto o pinto,

É inteiramente distinto.

 

Embora a vida comece

De unir dois numa entidade,

A ciência até parece

Que, a partir de tenra idade,

Diz que, no fundo, sozinhos,

É que brotamos dos ninhos.

 

O mundo é o outro, inegável,

A avançar, sempre impassível,

Connosco ou não, imparável.

Nosso coração tangível

Bate dolorosamente

Na solidão, finalmente.

 

Competitivo modelo

De individualismo cego,

Luta heróica é dele o apelo

Pelo domínio que emprego

Sobre elementos hostis.

E que parcos meus perfis!

 

Os mais podem ser mais fortes...

O possível, o impossível

Hei-de ter como meus nortes

Para cumprir o exigível:

Para ser eu o primeiro

A agarrar o bem cimeiro.

 

Quando é que veremos, quando,

Que isto é que nos vem matando?

 

 

Invento

 

Todo o invento social

Baseado em competição,

Individualismo tal

Que mais não vejo em meu chão,

Vai contra o meu ser mais fundo

Que me enraíza no mundo.

 

O impulso por parceria

E por cooperação

É o que a vida em nós avia

E não a dominação.

É o que a física figura

Na biológica estrutura.

 

E de nós a maioria

No mundo desenvolvido

Já não vive em harmonia

Com da natura o sentido:

Estamos constantemente

Influindo em toda a gente,

 

A afectar toda a matéria

E a ser por ela afectados,

Em união constante e séria

Mudando em todos os lados.

Uma drástica aliança

Requer de nós esta dança.

 

Como nos relacionamos

Connosco e da vida os ramos?

 

 

Necessidade

 

A necessidade de ir

Além de minha fronteira

De indivíduo, de seguir

Ligando-me aqui à beira

A um grupo é primordial

De tal modo que é vital.

 

É o factor determinante

De ir saudável ou doente,

Até de viver adiante

Ou de morrer de repente.

É mais vital para nós

Que qualquer dieta ou pós

 

Ou de exercícios programa.

Contra as toxinas protege,

De adversidades a gama.

A ligação que se elege

Onde a mim eu for idêntico

Gera-me o ser mais autêntico.

 

Benfeitores

 

Têm sempre os benfeitores

Várias virtudes primárias

Que os distinguem, por melhores,

Do que as não tem por vicárias.

Delas a mais importante

É que olham sempre adiante

 

Algo em comum com os mais,

Por mais contrários que sejam:

Encontram sempre sinais

De semelhanças que almejam,

Por mais que fora ligeira

A similitude à beira.

 

Depois cumprem sempre à letra

A regra de oiro moral:

Faz aos mais o que te impetra

O teu desejo, afinal,

Quando espera o que faria

Outrem por ti todo o dia.

 

 

Impelidos

 

Nós não somos impelidos

Outros a ajudar apenas

De os imaginar feridos.

É por compaixão das penas,

Sentindo sincronizados,

Que os queremos ajudados.

 

Além da noção de “eu” vamos

Assumindo a perspectiva

Dos outros com quem lidamos

Quando a dor doutrem eu viva,

Ao invés de a imaginar,

Quero então mesmo ajudar.

 

Todo o altruísmo requer

Que do meu estado de alma

Saia para o de quenquer,

Mesmo que em dor troque a calma.

Será tal capacidade

Que me mede de verdade.

 

 

Revezar-se

 

Revezar-se não é apenas

Chave de cooperação,

Cola primária das cenas,

Comunidade em acção,

Mas também uma estratégia

De evolução mais egrégia.

 

Todos ficarão melhor

Por um ao outro somente

Se revezar no labor.

De fazer é ter em mente

Aos outros o que desejo

Que me façam neste ensejo.

 

Se quer ser bem sucedido,

Não é de reclamar loiros

Em quanto for empreendido.

O que nos traz mais tesoiros

Vai ser, em cada entremez,

Aguardar por nossa vez.

 

E, nela, ir mais longe e fundo

No que for o novo mundo.

 

 

Atomizado

 

A maior parte de nós,

No mundo desenvolvido

Vive o mundo feito em pós,

Atomizado o sentido,

Sem a ligação viver

Subtil das coisas que houver.

 

É a visão afunilada

Do dado individual,

Seja um objecto, de entrada,

Seja eu próprio, por igual,

Ou mesmo o cerne da história

Ou o herói tido em memória.

 

Treino-me para entender

O mundo tal colecção

De objectos a sós a ser,

Cada qual em solidão.

Mesmo uma ideia, de entrada,

Há-de ser bem isolada.

 

Olhar tudo em separado

É ver do ponto de vista

Particular do privado.

Caracterizar-lhe a pista,

Ler-lhe as relações causais

Nos termos dele, sem mais.

 

Procuramos o elemento

Central e fora do meio

Que ocupa sempre, afinal.

Treino a atenção neste enleio,

Nunca mais vejo a floresta

Nas árvores que me empresta.

 

 

Fundamental

 

O que é mais fundamental

É buscar a ligação,

A unidade germinal

Para avançarmos então,

Como agora mais convém,

Do individual para além.

 

Quando olhamos para o mundo,

Tudo o que vemos são coisas

Individuais contra o fundo,

Separadas, onde poisas,

Sem relação entre si.

Doutro modo eu nunca as vi.

 

Nossos básicos impulsos

Sobre nós próprios vão contra

A forma como nos pulsos

Tomamos do mundo a montra,

Como interpretamos, lemos

Esta teia onde vivemos.

 

Ao aprendermos a ver

Entre as coisas que espaço anda

Poderemos aprender

A ligação que as comanda,

Que sempre ali tem estado,

Mas invisível no prado.

 

Iremos reconhecer

O que era mais invisível:

De nós o impacto que houver

Sobre outrem, por mais incrível,

Como sobre o que nos cerca,

Para o ganho ou para a perca.

 

Vamos reparar no efeito

Em onda de cada acção,

Numa cadeia, de jeito

Que o ser todo abarque à mão,

Tudo o que é vivo, actual,

Todo o mundo natural,

 

Amigos na longa rede,

Membros da comunidade,

Noutros países com sede

Gente que meu gesto invade,

Que ajudamos ou lesamos

Com o que quer que façamos.

 

Na inquietação dum pardal

Ver eventos em cadeia,

Num peixe a nadar, sinal

De maré de Lua Cheia,

É ver no espaço, o que abate

Da diferença o dislate,

 

Para, em terreno comum,

Encontrar que somos um.

 

 

Leitura

 

Nossa leitura do mundo,

A forma como nos vemos

A nós próprios em tal fundo

Governa o que lá colhemos,

O que acabamos por ver,

Seja lá quem for quenquer.

 

Andamos tão ocupados

A separar, separar,

O individual dentre os dados

Sempre, sempre a procurar,

Em lugar da ligação,

Que, às vezes, a conexão

 

Vital não vemos presente

Mesmo, mesmo à nossa frente.

 

 

Ganho

 

Ganho quando e apenas quando

Eu e tu ganhamos juntos.

Melhor me sinto ligando

Com alguém, em meus assuntos,

Custe aquilo que custar.

Como servi-lo lograr?

 

Juntos sempre estamos nisto

E sempre juntos lutamos

Nos bons momentos que alisto

E nos maus que exorcizamos.

Somos sempre nós mais eles,

Não nós outros contra aqueles.

 

O bem da comunidade

Melhor faremos cuidando

De nós próprios quanto agrade

Mais dos mais, as mãos nos dando.

Olhando assim pelo Todo,

Pelo Infindo então já rodo.

 

 

Iguais

 

Dos iguais a nós gostamos

Que dos ideais partilhem,

De atitudes como ramos

Que juntos nos envencilhem,

Personalidade igual

E postura emocional.

 

E em conflito nós tendemos

A entrar com os diferentes:

Tender a que nos juntemos

Aos connosco mais coerentes

Só serve a nos separar

Dos outros que não são par.

 

Nossa individualidade

Tal reforça com noção

De termos a identidade

Melhor das que houver à mão.

Todavia, ao me propor

Dentro dum todo maior,

 

Ao invés começo a agir

Diferente como os mais.

Ao aprender, a seguir,

Perspectivas outras tais,

Novo trilho então me oferto

Para a vinculação certo.

 

Logo encontro a ligação

Facilmente mais profunda

Sempre ali presente, à mão,

E a diferença jucunda

Abraço nesta alargada

De vínculo nova entrada.

 

 

Vencer

 

Que vencer é uma vitória

Sobre outrem é crença errada,

É o cancro de má memória

Que a todos nos veda a estrada,

Responsável pela crise

De hoje onde o mundo deslize.

 

A competição provou

Ser recurso perigoso,

Obsoleto quando vou

Num negócio ver se entroso,

Na educação, nos afectos,

Nos problemas, nos projectos...

 

O vício de competir

É o maior impedimento,

Doravante, a progredir.

A pesquisa de momento

Mostra estudante, empregado,

Gerente ou o par casado,

 

De negócio o proprietário,

Vizinhos – bem mais felizes,

Saudáveis, com fruto vário

De mais fecundos matizes,

- Quando colaboram juntos

A resolver os assuntos.

 

 

Sentimento

 

Sentimento religioso

É mera compreensão

De que eu ao Todo me entroso,

Incindível relação

Com a realidade inteira,

Sabida ou ignota jeira.

 

Viver que todos são um

E que um é todas as coisas,

Das marés ir cada um

Às estrelas onde poisas

E uma outra vez às marés

- Eis a vida sem revés.

 

 

Forjada

 

A relação é forjada

A maioria das vezes

A partir da ideia errada

De termos iguais arneses:

De ser igual tudo tem

Para ao fim nos darmos bem.

 

Qualquer conflito é tomado

Como antítese à vivência.

Se alguém de nós discordado

Houver, então, por essência,

É estúpido, acaso mal

Formado no que ali vale.

 

Julgamos que é requerido

Debater, demonizar,

A ignorância do bandido

Ao mundo denunciar.

Em tua cabeça o que herdes

É que, se eu ganho, tu perdes.

 

Manter uma relação

Num todo maior centrada

É tomá-la em si então

No espaço focalizada

Que separa os envolvidos,

A cola que os tem unidos,

 

Mormente se não concordam

Um com o outro alguma vez.

As discordâncias acordam

Uma ocasião, talvez,

De criar algo de novo

Ali juntos desde o ovo,

 

Que jamais conseguiriam

Caso sempre concordassem.

Se um todo maior erguiam

Nas mãos que se amalgamassem,

Começam a agir de forma

Outra com outrem, por norma.

 

A muda de perspectiva,

Viatura a se ofertar

À vinculação mais viva,

Logo à união vai parar

Que sempre se encontra em frente

E abraçará o diferente.

 

 

Importaria

 

Mal sabíamos de amor,

Mas que é que isto importaria?

Tínhamo-nos com fervor

Um ao outro todo o dia

E éramos, desde as raízes,

Deveras muito felizes.

 

A seu tempo descobrimos:

Nem tudo na vida corre

Como o plano que gerimos...

Que importa que o papel borre?

Se continuamos a ter-nos,

Um ao outro, sempre ternos,

 

Somos, em quaisquer matizes,

Deveras muito felizes.

 

 

Estraguei

 

Quando é que eu estraguei tudo?

Quando o importante da vida

Foi para segundo plano.

Surdo, a noção perdi, mudo,

Uma memória esquecida

Do bom início, sem dano:

 

A vida é simples, perfeita,

No começo, ao sonho afeita.

 

 

Esgravates

 

Tua resposta anda ali,

Mas não esgravates muito.

Busca a fruta que entrevi

Nos ramos baixos, fortuito,

 

Que o melhor da vida inteira

Cai maduro para o chão

Geralmente mesmo à beira,

Mesmo ao alcance da mão.

 

 

Aproximar

 

Como vou-me aproximar

Do espiritual eu genuíno?

- Com amor e compaixão.

Não são abstracções pelo ar,

São concretos, gesto fino,

Do espiritual mundo o chão.

 

 

Órfão

 

Órfão embora, és amado,

Apesar de abandonado

Na terra materialista.

Porque tentar ver quem sou,

De meu berço atento à pista,

Para onde é que aqui vou,

 

- Isto órfão far-me-á sentir

Erradamente a seguir.

 

E se eu não recuperar

Memória da ligação

Ao Amor maior a par,

Ao Criador a União,

 

Sentir-me-ei sempre perdido

Aqui na terra do olvido.

 

 

Preocupe

 

Que ninguém se preocupe,

Está tudo bem deveras,

Que o mundo anda, em quanto ocupe,

Como deve ser nas eras,

Não temos nada a temer,

Nem dele, nem de quenquer.

 

Se me sinto atormentado

Por uma preocupação,

Quotidiano míope fado,

Os reconfortos virão

De no Cosmos ler carinho

Com que nunca estou sozinho.

 

 

Nervoso

 

Lá porque estarás nervoso,

Não terás de o parecer:

Quem logra dentro em ti ver?

Projecta o mais valioso

Que em ti pode ver quenquer.

 

 

Fundamental

 

O fundamental vem do imo

E apenas de alma há-de ser,

Além do que vir ao cimo,

Do que tocar em quenquer.

É sempre além da matéria

Que a matéria devém séria.

 

É de olhar e respeitar

Outrem pelo coração,

De por fim me libertar

Desta mera observação

Pela qual, por todo o lado,

Sempre estou condicionado.

 

 

Manter

 

Manter uma relação

É, para além da alegria,

Toda a diária tensão

Para resultar magia.

 

É de aprender a ceder

Como é de outrem aceitar

Nas fraquezas que tiver,

Nas escolhas por que optar,

 

Na matriz das bem-querenças:

- Respeitar as diferenças.

 

 

Melhor

 

Posso não ser o melhor

Mas posso sempre tentar

Dia a dia melhorar,

Um passo além no que for.

 

Não é conquistar o mundo,

É uma conquista interior.

É um dom da vida maior

Esta certeza, no fundo,

 

De que amanhã terei mais

Ocasião de ultrapassar

O que fiz: posso mondar

O pão com que encho os bornais.

 

 

Dais

 

Pouco dais se dais aquilo

Apenas que vos pertence.

Quando vos dais, no sigilo

De vós mesmos, já convence:

Aí, mas aí somente,

É que vós dais realmente.

 

 

Parte

 

Mais importa compreender

Que sou parte do mistério,

Dum incompreensível ser,

Do invisível sob o império,

 

Do que tentar decifrar

O misterioso, o intangível.

Dos porquês jamais a par

Hei-de estar, do inatingível,

 

Mas posso sempre tentar

Meu para-quê alcançar.

 

 

Sucedido

 

Para ser bem sucedido

Ninguém deve preocupar-se:

Deixe correr, sem disfarce,

Quanto a vida houver corrido.

E corra por ela além

Como melhor lhe convém.

 

 

Punir

 

Por vezes é bom punir.

Se ao mal retribuis com bem

Como irás retribuir

Ao bem que, a seguir, te advém?

Mas mais conta o principal:

- Que ao bem se converta o mal.

 

 

Aconchego

 

Neste arco-íris de teus braços

Me aconchego o dia inteiro

E a poeira das estrelas

Caminha nos teus abraços

Noite fora, num leveiro

Sonho que vence as procelas.

 

O meu coração rebrilha

Como as águas rio além

Em remanso que se esquece,

Mas desmaia milha a milha

Quando a lua que és, meu bem,

Já no horizonte esmorece.

 

Assim é que, ao teu luar,

Para que sempre alumie,

Serei a neblina a par

Que em meu peito acaricie.

 

Deslizamos sem atrito

Abraçados no Infinito.

 

 

Prefere

 

O fogo à mediocridade

Prefere, à facilidade

 

Daquela não-existência,

Da maior parte vivência

 

Dos que em caminho conferes,

Dos homens e das mulheres.

 

Não sejas mais um cobarde,

O fogo prefere que arde!

 

 

Muralhas

 

Em vez de encastrar muralhas

Cada vez mais e mais altas

Que nunca extinguem as falhas,

- Vê que à paz íntima faltas.

E então, pois, muda de rumo:

É a paz que à vida traz sumo.

 

 

Destroem

 

É o desejo insaciável

Bem como o medo da morte

Que à felicidade instável

Nos destroem o transporte.

Já se operam comedidos,

Abrem à vida os sentidos.

 

 

Corrigir

 

Corrigir num dia o mundo?

É bom nem acreditar!

As novidades profundo

Escândalo irão tramar:

A impaciência é funesta,

Grande carga mata a besta.

 

 

Oferta

 

Quando a vida, de bandeja,

Algo nos oferta, então

Há que aproveitar, senão

Pagamos caro o que seja.

Que a vida, ao atar os nós,

Sabe sempre mais que nós.

 

 

Importa

 

Importa não deixar-me enfraquecer

Nem me manipular, intimidar.

Evitá-lo não é para quenquer.

A inocência, porém, é singular:

Quebrada, alerta para estoutro abrigo:

- Qualquer um pode ser meu inimigo.

 

 

Mais

 

O que mais conta na vida

Não é só termos vivido,

É a melhoria atingida

No que outrem houver fruído.

E é o que dá significado

À vida que houver levado.

 

 

Complicado

 

Quando tudo é complicado

E nado contra a corrente,

Pois muito provavelmente

É que estou pondo de lado

De Deus a vontade ouvir

- E não a irei, pois, cumprir.

 

 

Alegres

 

Podemos andar alegres

Mesmo quando esborrachados

Por problemas que não regres

Terrenos vindos dos fados:

Não é o imo atropelado

Se a Deus tudo hei entregado.

 

 

Incerteza

 

Quando a incerteza colide

Com a rotina, desato

A analisar o que incide

Em minha vida e meu trato:

Relevo quem é importante

E porque é que é relevante.

 

 

Mercancia

 

A alegria e o prazer

Só valem se transmudados

Em mercancia a vender?

Nada melhor há-de haver

Que os rios ter represados,

Em pântanos transformados?

 

 

Procuras

 

Se procuras a verdade,

Podes encontrar conforto

No final que mais te agrade.

 

Se a procura de teu porto

Ao conforto te persuade,

Não encontras em teu horto

 

Nem conforto que te baste,

Nem verdade, que a não prezas.

Só adulação que te gaste,

 

Esperança vã nas presas

Que contornam teu engaste.

- Só desespero ao fim pesas.

 

 

Falar

 

Antes de falar, repare:

É necessário, gentil,

Não vai ninguém magoar?

Ou antes, se se calar,

Logrará melhor perfil?

 

 

Sorte

 

Terás de tentar a sorte

Uma vez por dia, ao menos,

Caso contrário, teu porte

Acabará no desnorte

De todo o dia os acenos

 

Serem de sorte a valer

- E tu sem nunca o saber!

 

 

Aptos

 

Os mais aptos e capazes

Para o topo são aqueles

Que, pretendidos, tenazes

Recusam, anjos imbeles.

Não são, pois, os ansiosos

Que o buscam só pelos gozos.

 

 

Suor

 

Ser um bem ressuscitado

Após ser um mal nascido

É a sorte ter emendado

No suor do bem vivido.

 

Ser um mal ressuscitado

Após ter nascido bem

É o pior degenerado

Que a natureza contém.

 

E é tudo da actividade

Que o bem ou mal por nós grade.

 

 

Cabe

 

Onde cabe alguém com Deus

Não cabem os mais com ele?

Não cortes lugar aos céus,

Corta a inveja que atropele,

Que aí caberemos todos,

No igual lugar, iguais modos.

 

 

Omissão

 

A omissão será o pecado

Mais fácil de cometer

E difícil, em dobrado,

De depois se conhecer.

 

O que fácil se comete

E difícil se conhece

Mui raramente promete

A emenda de que carece.

 

 

Pior

 

O menos mau se perdeu

Por aquilo que ele fez.

O pior perdeu o céu

Pelo não feito de vez.

E era o que fazer devia

Mas distraiu-se algum dia.

 

 

Restituir

 

Quem desperdiça o momento

Como o pode restituir?

Fazenda trá-la o intento,

A fama até torna a vir,

Mas o tempo, o tempo, em suma,

Tem restituição alguma?

 

 

Juízo

 

Porque dum juízo humano

Faremos nós tanto caso?

Penitente por engano

É o que, afinal, eu me aprazo:

Nada ligaria ao mundo

Se penitente me fundo.

 

 

Julgado

 

Ser dos homens bem julgado

Que tem, se vos não salvais?

Se vos salvais, doutro lado,

Que importa ser mal julgado

De homens que nem vereis mais?

 

 

Revogado

 

Juízo de Deus perdão

Nem na terra nem nos céus

Pode ter-nos alcançado.

Dando a volta o coração,

Logo o juízo de Deus

Finda de vez revogado.

 

 

Perfeição

 

A perfeição desatada

São infinitas virtudes.

Atada, porém, colada

A uma apenas a que a grudes,

Podes vê-la em todo o lado,

Fermento à massa moldado.

 

Reduzir tudo à unidade

Multiplica a faculdade.

 

 

Cera

 

Como o mel anda na cera,

Anda a devoção na letra:

Se à letra vês o que lera,

Gostas do mel que a penetra.

Já se o não vedes, orais

Tal se a cera mastigais.

 

 

Antigos

 

Os antigos não disseram

Tudo nem nunca acertaram

Em tudo o que propuseram

Nem com tudo concordaram.

 

Deverei buscar certeiro

O que julgar verdadeiro.

 

Daquilo que não falaram

Terei de falar sem eles,

Em quanto não acertaram

Fujo a opiniões imbeles,

 

Onde eles não concordaram,

Ou sigo quem entender,

Ou, como os que já cansaram,

A todos, se parecer,

 

Abandono, de mansinho,

E procuro o meu caminho.

 

 

Abate

 

Quão mais cada qual se abate

E de humilde se esvazia,

Tão maior lugar acate

No vácuo que em si abria,

Destinado a vir ser cheio

Da prenda que é Deus que veio.

 

 

Adorável

 

Adorável, no Natal,

É ser como a tempestade

Insofismável, fatal,

- E enfrentarmo-la, afinal,

Todos juntos com vontade!

 

 

Atolado

 

Se com a infelicidade

Atolado me sentir,

Lembremos que nossa idade

É contada ao se cumprir.

 

Melhor é tomar partido

Dos dias que nos restarem,

De acasos neste sortido

Que os fados nos combinarem.

 

 

Perigoso

 

É o amor bem perigoso,

Pois faz calar a razão.

Mas perigo há mais danoso

Que calar o coração?

 

Amar, pois, com consciência

Em lugar de cegamente

Traz ao amor a prudência

Da força que o amor sente.

 

 

Falhar

 

Ninguém gosta de falhar

Mas o falhanço é da vida,

De aprender preço a pagar.

É limpa a equipagem? – Logo,

É porque não foi a jogo.

 

 

Antes

 

Antes de haver meu e teu,

Mutuamente nos amávamos.

Meu com teu se intrometeu

E eis que entre nós nos matávamos:

 

A mim já me não amais,

Mas ao que é meu, vão destroço;

Não vos amo enquanto tais

Mas apenas ao que é vosso...

 

- Urge tornar à alegria

Da raiz que se fruía.

 

 

Peita

 

A quem não peita o dinheiro

Peita-o bem mais a amizade,

Dependência por inteiro,

Respeito por quem agrade...

Não sendo de oiro nem prata,

Quanta injustiça que mata!

 

 

Honrada

 

O prémio de acção honrada

Ela nela sempre o tem,

Não o aguarda de ninguém,

Satisfeita da jornada.

Neste instante em que a fizeste

De vez te satisfizeste.

 

 

Deserto

 

Quem habita no deserto

Livra-se, sem mais cuidado,

Da escuridão que, por certo,

Mora sempre no povoado.

 

A quem povoado é prisão,

O deserto é paraíso.

Se naquele vive, então,

Talha a cela em qualquer viso.

 

Somente os sós descobrir

Vão a voz do Infindo no imo,

Colhem frutos de porvir

No eterno pendor do cimo.

 

 

Recolhimento

 

Por vezes mais gosta Deus

Do recolhimento em si,

Portas adentro dos céus,

Que das pegadas aí

De quem muito se cansar

De mais longe o ir buscar.

 

 

Busca

 

A quem busca Deus convém

Saber onde é que ele está

E onde não está também:

Onde achar O pode lá,

Como onde, sem o querer,

O acabará por perder.

 

 

Germina

 

Germina o amor nos olhos

E quem com olhos tapados

O pintou só viu abrolhos,

Não os viu iluminados.

Devia, pois, estar cego

Para assim cair no pego.

 

O amor vivo, o verdadeiro,

Sempre está de olhos abertos,

Que sempre vela, pioneiro.

Quem os véus tirou despertos

Ao amor mostrou-lhe a cara:

Desvelada é jóia rara.

 

É grande madrugador

Como quem cuidados tem,

O que sempre tem o amor:

Não dorme, que não convém.

O amor é de inquietas chamas:

Muito descansas? Não amas.

 

A labareda de fogo

Alguma vez se aquieta,

Ou queimando em cera logo,

Ou na carvoeira mais preta?

Jamais, sempre antes tremendo,

Não de frio mas ardendo.

 

Por nunca se aquietar,

O amor não pode dormir.

Os sentidos vão vagar

Mas o amor vela a seguir

Porque lhe faz sentinela

O coração em tal vela.

 

Durmo, mas meu coração

Fica sempre de vigia,

Os olhos fecham-se em vão

Porque o sono lhes fugia.

Sono e amor ali batalham

Nos olhos onde trabalham.

 

O maior despertador

Dos sentidos e cuidados

Em nós vai ser sempre o amor

Cujos desejos doirados

Mais que o tempo são velozes,

Esperas tornando atrozes.

 

 

Dar

 

Dar a quem merece ou não,

Ou só dar a quem merece?

Além dar causa lesão,

Aqui premeia na messe:

É só dar a quem tem mérito,

Que a todos calará o crédito.

 

 

Tentação

 

Do Ministro a tentação:

- Se o povo se destruir,

Terei grande aumento à mão.

Que escolha irei decidir?

Se eles mingam, cresço eu:

Quero o deles, quero o meu?...

 

Ministro que assola o povo

Para aquele então crescer,

Da destruição em ovo

O degrau de subir quer.

Ministro não é ministro,

É açoite de Deus sinistro.

 

 

Perdição

 

Por vezes a perdição

Vem de ocorrer-nos aquilo

Por que esperamos. Então,

De nossa cura o sigilo

 

É de não nos ocorrer

O que ali se pretender.

 

E de acolher, de seguida,

O que quer que traga a vida.

 

 

Paz

 

Gerar entre os homens paz,

Só uma concórdia entre todos

Bem ordenada é que a traz.

Concórdia por outros modos

Paz não traz, é de ímpios lema,

De alguma impiedade tema.

 

Todo o império de quem manda,

A obediência do mandado,

Ele na lei ordenanda,

Este a ela sujeitado,

- O que importa, nos acordes,

É que ambos sejam concordes.

 

Da parte do superior

Requer a lei igualdade

E da parte do inferior

Paciência até que grade

O terreno de cultivo

A justiça do que é vivo.

 

 

Dom

 

Se com palavras ensinas,

Com o teu dom persuade

Aqueles a quem te inclinas

De que a paz quer igualdade.

Sem igualdade com todos

Não há paz que valha aos bodos.

 

 

Guerras

 

Todas as guerras do mundo

São para atingir a paz.

Do saber todo as inundo,

Do poder que lhe anda atrás,

Despendo toda a riqueza

- E é paz que, ao fim, se lá preza.

 

Mas é sempre um fundo engano:

O que a guerra traz é dano.

 

Não se conquista com armas

A paz, mas com uma espada:

A da justiça com que armas

Equidade em tua estrada,

Todos tratando de igual

Para o bem e para o mal.

 

 

Iguais

 

Desigualdade dos pais,

Iguais sendo ao dar o ser

Mas não no favorecer,

Ao amor traz danos tais

Que acabarão por perder

Todos os filhos que houver.

 

 

Ponto

 

Tudo no mundo se inclina,

Apenas um ponto, não:

O centro a que se destina

Em redor o turbilhão.

 

Não se inclina a parte alguma,

Que se se inclinara a uma

 

Ou outra parte qualquer,

Todo o mundo ia ceder.

 

Se contigo é de levar

As inclinações de todos,

A nenhum é de inclinar

E atarás laços a rodos.

 

Centro do mundo político

E familiar é crítico:

 

Tem o mando e dele o esteio

É que em rigor fique ao meio.

 

 

Manda

 

A quem manda, este lugar

Requer se saiba propor:

Melhor é não se inclinar

Do que inclinar ao melhor.

O bom mando tem destino:

A não me inclinar me inclino.

 

 

Jeito

 

Todo o amor causa ciúmes,

Tal como o favor, invejas,

O terror, ódio aos cumes

E o tédio com que bocejas.

O igual só e para todos

Dá da paz o jeito e os bodos.

 

 

Desigualdade

 

Desigualdade no mando

Com súbditos desarmados

De paciência, eis o comando

Que em guerra os leva embrulhados.

 

Se a paciência os armar,

Fortalecer contra os tiros,

Que desigual patamar

Lhes pode mudar os giros?

 

Nenhum há-de ser tão forte

Que a paz lhes troque por morte.

 

 

Mútua

 

Sendo a paz mútua concórdia,

É por isto relativa:

Vinga num lado a discórdia,

Toda se esvai, fugitiva.

 

A amizade é mútuo amor,

Recíproco entre os amigos.

Se um lhe inimiza o calor

Nem de amizade há respigos.

 

No amor entre filho e pai

Basta só faltar um deles

E o parentesco se esvai,

Mal estranhos os desveles.

 

Porém preservar a paz

Pode uma parte sem mais,

Mesmo se outrem for capaz

De guerreias sem finais.

 

É só responder à guerra

Com a resposta da paz.

É que a paciência enterra

Todo o machado que a traz.

 

Se te perdi, que eras filho,

Tu não perdeste o teu pai.

E assim, com este cadilho,

Se mantém o que se esvai.

 

A paz que vem duma parte,

Se for doutra repelida,

Não se perde nem reparte,

Volta à fonte, desmedida.

 

A paz de Deus se mantém

Em meio à guerra feroz.

Paz do mundo a guerra tem

Escondida em flébil voz.

 

Chamam-lhe paz e é lisonja,

Paz e é dissimulação.

Dependência espreme a esponja,

Tudo mentira e traição.

 

A paz duma parte só

É que é vera e então é de ambas.

A do mundo mete dó,

Que tem sempre as pernas bambas.

 

Diz que recíproca a faz,

Nenhuma delas é paz.

 

 

Silêncio

 

Quantas vezes a tristeza

É a causa-mor do silêncio!

E quantas será o silêncio

A causa-mor da tristeza!

 

Convivamos com o gozo

De partilhar a alegria,

Que falar nos traz, gostoso,

Do céu nacos de magia.

 

 

Atado

 

Aquele que leva a morte,

O sepulcro atado ao peito,

O que vai pedir à sorte

De comida é qualquer jeito,

Roupa de qualquer jaez,

Nada mais quer do entremez?

 

Que importa a comedoria,

A pompa ou o espalhafato?

O imprescindível avia

A vida sem desacato,

Mínimo a sobreviver

Ou somente a não morrer.

 

Tudo o mais é fuga ao risco

Mas ninguém foge do aprisco.

 

 

Cuidamos

 

Cuidamos só ir à tumba

Quando nos ombros alheios

O caixão a vida chumba.

Nunca mais encontro meios

De entender que desde a hora

De nascer vou indo embora.

 

 

Após

 

Porque nos há-de levar

Tanto após si quanto fica,

Sem ninguém se acomodar

Ao que pode transportar

Quando a morte se lhe aplica?

 

 

Pegadas

 

Olha bem tuas pegadas,

Vê quanto ao céu te encaminhas,

Tão mais lesto nas jornadas

Quão mais molesto o que tinhas.

 

Logo aos pés tu pisarás

Tristezas que se encabrestam

E afligem, vindas de trás,

Pisadas, que a mais não prestam.

 

Que importa se a vida dopa

E teu pé vai querer torto?

- As tempestades de popa

Levam mais rápido ao porto.

 

 

Ir

 

Ao céu como se pode ir?

Sem padecer se alguém crer,

Se engana por tal seguir.

É labor a revolver,

 

Adversidades, lesões,

Moléstias, tribulações,

- A casca a partir do ovo

Donde brote o homem novo.

 

 

Cabedal

 

Empenham o cabedal,

Mil e uma mercancia,

Mas ao fim o que é que vale

No céu tanta fantasia?

 

Jamais o céu é gratuito,

Paga-se o bilhete à entrada:

Aquilo aqui vale muito,

Porém lá não vale nada.

 

O que vale é o que não há

E quem é bom mercador

Leva de cá para lá

O que lá falta propor.

 

Ora, o que no céu faz falta,

Porque é mundo de delícias,

É da pobreza a ribalta,

A iniquidade, as sevícias...

 

Daí que quem dele é eleito

É quem disto sofre o efeito.

 

 

Carregado

 

Quem de dor é carregado

Tem razão de entristecer?

Antes alegre o cuidado:

Anda a abrir céus de prazer.

Pois não nesta, noutra vida

Sempre a via é assim medida.

 

 

Antepões

 

Antepões o teu amor

Mesmo ao que é conveniente?

Em meu amor antepor

Vou tua glória presente

À tua perda e ausência.

Não te choro, pois, ausente,

Festejo a tua excelência.

 

 

Perda

 

Perda de quem se ama, preito

À orfandade em que fico,

É do amor-próprio um efeito

Com que, amando-me, suplico.

 

Com a perda se alegrar,

À nova glória atendendo

Que quem se ama vai lograr,

Isto é dele o amor crescendo.

 

 

Ausência

 

Se uma ausência for por glória

De quem parte, então a regra

É que mais sente a vitória

Quem com ela mais se alegra,

De lado pondo a saudade

De que, negra, a perda o invade.

 

 

Mestre

 

O mestre, lá da cadeira,

Deveras diz para todos

E a todos de igual maneira,

Porém, não ensina os modos:

Diz a todos, que ouvirão,

E uns aprendem, outros, não.

 

Para aprender eu me adentro:

Ouvir por fora e por dentro.

 

Se a luz de dentro for muita,

Muito aprendo na colheita.

Se for pouca, pouca fruta

Vem da terra à seca afeita.

Se nenhuma for, de entrada,

Então não aprendo nada.

 

 

Ensinar

 

Para ensinar é de amar

E, a seguir, de bem saber.

Quem não o ama, como obrar?

Não sabe? Não vai poder!

 

Ao culto a sabedoria

Mais importa que o amor.

Ao inculto o amor é via

Para um saber lhe propor.

 

 

Távola

 

Mundo é távola redonda,

Sem contenda de lugares.

Não é, pois, justo que a ronda,

Contra a planetária onda,

Desiguale os avatares.

 

Nós à mesa, que lugar

Tendemos sempre a buscar?

 

Se redonda não se vê,

Nada igual fica de pé.

 

Se tivéramos juízo,

O do fim era o de aviso.

 

 

Melhoria

 

Todo o homem quer do mundo

Melhoria de lugar.

Nenhum o tem tão jucundo

Que o mais não queira alegrar.

 

E, por mais alevantado

E acomodado que seja,

Que o não queira melhorado,

Tão alto que se não veja.

 

Vai deitar tudo a perder,

Ignora trepar por dentro.

Pois, por dentro ao não crescer,

Perde-se perdendo o centro.

 

 

Ficar

 

Ir ao primeiro lugar

Ou ficar no derradeiro?

O primeiro é de suar,

Este aqui repoisa inteiro,

Ainda com a evidência

De evitar a concorrência.

 

 

Derradeiro

 

O derradeiro lugar

Será sempre o mais seguro:

Quão mais alto o pico alar

Tão mais inseguro o auguro.

Qualquer altura ao que inclina

É, de certeza, à ruína.

 

Não há neste mundo altura

Que não seja precipício,

Sem outra culpa, se apura,

Que o ser mais alto de início.

É que o ser mais levantado

Em terra finda aterrado.

 

E, se nem todos caíram,

Todos podiam cair:

Basta poder, não serviram

De seguros a servir.

Seguro, sem mais perigo,

Só no derradeiro abrigo.

 

 

Pesam

 

Se, quando os pesam, maus actos

Se desprezam por pequenos,

Contem quantos desacatos

Lhes provêm dos acenos.

 

Um homem não mete medo,

Mas se forem aos milhões,

Um império, tarde ou cedo,

Cai-lhes na mão aos baldões.

 

Um enxame de mosquitos

Vence toda a aviação

Que em terra vem dar aos gritos,

Enferma esmagada ao chão.

 

Matam mais, quando são muitos,

Que uma baleia no mar.

Actos maus, mesmo fortuitos,

Conta-os antes de os ousar.

 

Os que os pesam e não contam

Deixam-nos multiplicar,

Não reparam aonde apontam

E ao fim, mortos, vão matar.

 

 

Enfermidade

 

Os que mais temem a morte

Temem logo a enfermidade

Cujo pendor é de sorte

Que a morte logo os invade.

 

O calor acende o fogo,

O frio tende a apagá-lo,

Em teus actos então logo

Do bem acende o regalo.

 

A gota que cai na pedra

Opera como o cinzel,

Do ferro, não, que não medra,

Das vezes com que se impele.

 

Se caíres muitas vezes

Em actos de desacerto,

Nos mortais e mais soezes

Findas a cair, por certo.

 

 

Seguro

 

Quem de escrúpulo seguro

Se dê por um mal que é grande

Sem no pequeno um apuro

Igual ter com que o comande,

Tem a consciência arriscada,

É um perigo e nunca estrada.

 

 

Perdido

 

Andar perdido no tom

São maus gestos adivinhos,

Mas andar perdido é bom,

É sinal de que há caminhos.

Deveras triste em quenquer

É caminhos não haver.

 

 

Todos

 

Todos servem nesta vida,

Nesta vida todos amam.

E a quem servem é a medida

Da eternidade que tramam.

Amar baixo ou amar alto

À balança dá o ressalto.

 

 

Toda

 

Toda a vida humana, toda,

Religiosa embora seja,

Se do fim não tem a coda

Ante os olhos, não viceja.

 

Vai ser navio sem norte,

Cego sem encontrar guia.

Sem ver bem nem mal, que sorte

O atrai de que fugiria?

 

 

Peso

 

Se a nobreza com a graça,

Marcas do sangue e consciência,

Uma noutra se congraça,

- No mundo, que florescência!

O que mata é o desigual

Peso em nós de cada qual.

 

 

Oração

 

A oração que for perfeita

Não pede a Deus para nós,

Pede a Deus que seja feita

Dele a trilha em tudo após.

E é o que nos beneficia

De raiz, dia após dia.

 

 

Apostar

 

Pedirmos nós para nós

É buscar nosso interesse.

Para Deus pedir na voz

É apostar de Deus na messe.

 

Despido de mim, perdido,

Sou por Deus recuperado,

De Deus ao mundo subido,

Como a Deus findo igualado.

 

 

Perde

 

O louvor perde por menos,

Que o homem é dele avaro.

O pedido, nos seus trenos,

Perde por mais porque é caro.

Porque, se o homem é pródigo,

É de receber no código.

 

 

Nobres

 

Os grandes que se estimarem

Por mais nobres que os pequenos,

“Pai Nosso” é de não rezarem,

Do “Nosso” não têm acenos:

Como há, com um pai comum,

Alguém mais que qualquer um?

 

 

Pedir

 

Pedir na oração riqueza,

Honra, dignidade, mando

E mais vaidades que preza

O mundo, tanto o estimando,

É inviável, que lugar

Nela não se há-de encontrar.

 

Ao que o pede, sem vergonha

De o desejar, entretanto,

Ao menos ao pedir ponha

Vergonha de baixar tanto:

Vencido do que não vale,

Ore a que o livrem do mal.

 

Que mal se conhece o mal

E quão errado se entende!

Por bem lhe tomo o sinal

E por mal, se não se rende.

Se o peço a Deus, em lugar

É o bem que Deus me irá dar.

 

Deus não concede o que pede.

Cuidando que pede o bem,

Pede o mal a quem concede

Quem pede sem ver além.

Ora, Deus que tudo vê,

Dá o bem mesmo ao que o não crê.

 

 

Pedindo

 

Pedis e não recebeis,

Que decerto pedis mal.

Pedindo mal, os papéis

Trocam logo de sinal:

Tereis à mão, garantido,

O bem pelo mal pedido.

 

 

Cortês

 

O mais nobre e mais cortês

Modo de pedir será

Não pedindo, por de vez

Deixar o dom a quem dá.

 

É que pedir não pedindo

É o melhor de quem pedir,

Assim, pois, restituindo

A quem der a escolha a vir.

 

Ao não pedir já proferes

O fundo de ti sincero:

Só quero o que tu quiseres,

É a ti que, no fundo, quero.

 

 

Conversação

 

A boa conversação

Tanto é falar como ouvir.

Se com superior, então,

Mais é de ouvir, a seguir,

 

Com dois ouvidos que tenho

Que falar com uma boca

Que, de única que detenho,

É bom, ao falar, ser pouca.

 

 

Dentro

 

Muitos há que o coração

Não têm dentro de si,

Perdido em mundano chão,

Tão frio qual nunca vi.

 

Aplicado ao temporal

Que adoram atentamente,

Não há calor estival

Que interiormente os aquente.

 

 

Ditos

 

Que importam os ditos grandes

Se quem os diz é pequeno?

A verdade com quem andes

Nem a vês em tal terreno.

 

É a nossa condenação

Que os Galileus mata em vão,

 

Para, após a morte erguidos,

Os ter então por subidos.

 

 

Vivei

 

Vivei sempre com os mais

Como se vos vira Deus.

E, se vós com Deus falais,

Falai-o com termos tais

Que ouvidos de ouvidos seus

Então dos homens possais.

 

 

Alcance

 

Quem pede o que Deus lhe manda

E aquilo que lhe promete

É impossível que a demanda

Não alcance o que projecte.

A questão é que entendamos

De Deus que trilhos trilhamos.

 

 

Tenta

 

O diabo tenta com vícios,

O demónio com virtudes

E do bem com mal te iludes

Se àqueles só vês indícios.

 

Largar o bem pelo mal

Não é tentação maior

Que desprezar o sinal,

Por um bem, do que é melhor.

 

 

Forma

 

Se o coração com afectos

Não te forma as orações;

Se após as mãos com projectos

Não as adubam de acções,

- Por mais que a voz dê palavras,

São mudas as tuas lavras.

 

Ante os ouvidos de Deus

Nem um sussurro há nos céus.

 

 

Enamorados

 

Em dia de enamorados

És meu dia mais feliz:

Contigo ao lado, em meus lados

Sempre eu sou eu de raiz.

 

Quereria que meus fados

Queiram o que eu ser te quis:

Ser, em teus trilhos trilhados,

Eu teu trilho em que tu ris.

 

Em dia de enamorados

Há lá dia mais feliz!

 

 

Brota

 

Não brota a paz duma guerra

Não eleita dos vencidos,

Desesperados em terra.

Não é de mel mas de fel

A amargura dos gemidos,

Não há doçura a que apele.

 

Sob o jugo do inimigo

Não podemos resistir,

É a liberdade o postigo

Com que as vidas vão remir.

Servidão e cativeiro

Não é paz de que me abeiro.

 

 

Empreende

 

Não empreende obra grande

Quem se estimar de pequeno.

Se é humildade o que o comande,

É bastarda em todo o aceno.

Se o invés soberba imita,

É santo em quanto concita.

 

 

Aparta

 

A solidão não aparta

Um homem de si, nem trevas

O encobrem, nem ao que acarta,

Nem o escondem sob as grevas.

Solitário e às escuras

De si core o homem que apuras.

 

O teatro racional

Não é mundo, é consciência.

Não há-de fazer, leal,

O que não deve, à evidência,

Das testemunhas a esmo,

Nem do respeito a si mesmo.

 

É levar-me a mim comigo

O seguro fiador

De tudo a quanto me obrigo,

Não por respeito maior

Outro que a mim seja alheio,

Mas porque isto é o meu anseio.

 

Ser valente, generoso,

A desprezar o perigo,

Honrado enfim, prestimoso,

Não por ser visto ao postigo,

Mas porque sou eu no brejo:

- Basta ser eu que me vejo!

 

 

Engano

 

Se a maior arte é o engano

E dissimular, prudência,

Da lisonja encobre o pano

Do mérito a inexistência,

Quem se envergonha, a seguir,

E tem pudor de mentir?

 

Num povo cheio de vícios,

Se, contudo, houver alguém

Que de vergonha resquícios

De cúmplice em tal mantém,

Longe de ser paranóico,

É um homem então heróico.

 

 

Cortesão

 

Se pergunto ao cortesão

Porque cala o que dizer,

Porque fala contra, então,

Tudo aquilo que entender,

Porque louva o que reprova

E cala tudo o que aprova,

 

Porque agradece o que ofende,

Veste com ostentação,

Passa a mostrar quanto rende,

Gasta o que não tem à mão,

E sustenta o que não pode,

De si a culpa sacode,

 

Porque paga o que não deve

E quanto deve não paga

- Responde, fútil e breve,

Que faz aquilo que afaga,

Que vive como os demais

E outros modos não há mais.

 

 

Vergonha

 

A vergonha se conserva

Na diferença dos usos.

Perde-se quando ela é serva

Da semelhança, confusos

Os usos em tudo iguais

De cada qual com os mais.

 

Quando ela se não perder

E, ao invés, se conservar,

No risco permanecer,

Então há-de se afinar

E, ao erguer do varapau,

Vai trepar de heróica ao grau.

 

 

Não

 

Nos homens não espereis,

Que nelas não há justiça

Para o mérito que haveis,

Nem gratidão para a liça,

 

Nem são fiéis às promessas,

Nem constantes na amizade,

Nem respeito atento a essas

Esperanças do que agrade

 

Hão-de ter mais do que às suas.

Nos homens não há saúde,

Nas esperas ferem puas,

Tudo em doenças desilude.

 

 

Gosto

 

O gosto duma esperança

Não chega, mesmo chegando:

Por trás duma outra se alcança,

Em cadeia me encadeando.

E assim rumo ao Infinito

De que nunca me desquito.

 

 

Crente

 

O crente que quer ser grande

Não vê que do céu a porta

Que afanoso lhe demande

É um nada que nem lhe importa.

Engana-se no caminho

E no fim finda sozinho.

 

 

Bezerro

 

Decerto o bezerro de oiro

Vós aqui não adorais,

Que antes, em vosso desdoiro,

O que adorais será o oiro

Do bezerro que negais.

 

Que importa não adoreis

Se é o mesmo o que vós fareis?

 

É o mesmo, duma assentada,

Com a figura mudada.

 

 

Servir

 

Servir a Deus e ao dinheiro

Ninguém o pode jamais.

Servir a Deus com dinheiro,

Quem dera que houvera mais!

Sem confundir nunca então

Deus com qualquer religião...

 

Que esta confusão maldita

Foi sempre a nossa desdita.

 

 

Futuro

 

É o futuro o que a fé crê

Mas no presente é que vivo.

Mais pode onde finco o pé,

Por pouco que seja, esquivo,

 

Que o muito, eterno futuro.

O presente vejo-o perto,

O futuro longe o apuro,

Perdido num tempo incerto.

 

É no erro destas medidas

Que se enleiam, perdem vidas.

 

O certo, mui longe embora,

Mais perto é que o duvidoso,

Seja qual for a demora,

Tarde embora, lá me entroso.

 

Ora, duvidosa é a vida:

- Que importa mais, de seguida?

 

 

Corremos

 

Corremos atrás da vida,

Corre a morte atrás de nós:

Quem ganha nesta corrida?...

- Que importa ao tempo dar voz?

A aposta é logo, à partida,

Sempre uma aposta perdida.

 

 

Luz

 

A luz é o maior perigo

De todas as boas obras.

A virtude quer o abrigo

Que a qualquer segredo cobras:

Oculto, mantém-se, honesto;

Perde-se, se manifesto.

 

 

Sobrolhos

 

Vejam bem quais são os olhos

Por cuja vista se guiam.

Vão pelos poucos sobrolhos

Que as coisas tais quais veriam,

Não pelos muitos, nos pegos,

Que uma por outra dão, cegos.

 

 

Paixão

 

Erro que vem da ignorância

Não é mais que o da paixão.

Erra a paixão desde a infância,

Engana-nos a visão,

 

Troca as coisas a quenquer,

Umas por outras ao ver.

 

Fiem-se de olhos então

Quando vêem com paixão!

 

 

Cegueira

 

Conhece a própria cegueira?

Não será cego de todo,

Vê o que lhe falta, maneira

De ver algo doutro modo.

Pior cego é o que padece

E, contudo, o não conhece.

 

 

Grande

 

Grande cegueira é a soberba,

A inveja como a preguiça,

A ambição de incauta verba,

A pompa, o luxo que enliça,

A lisonja ou a mentira...

Nossa fatuidade as mira,

 

Sendo nossa a escuridão,

E à casa as atribuímos,

Arguindo que o mundo vão

Bloqueia os rumos aos cimos.

- Como vencer a cegueira

Se a nego desta maneira?

 

 

Guarita

 

Quando um cego levantado

Se vê dentro da guarita,

Vai presumir, enlevado,

Que a vista tem com que fita.

Ora, a presunção certeira

Não diminui-lhe a cegueira.

 

Os postos não dão a vista,

Mais a tiram a quem tem

E quão mais alto na lista

Mais cego há-de ser alguém.

A presunção dum ofício

De mais cegueira é resquício.

 

 

Remedeia

 

Tudo aquilo que se vê

E que não se remedeia,

Mesmo se eterno se lê,

- Ou se não vê, volta e meia,

Ou vê-se, tal quem delira,

Como se nunca se vira.

 

 

Tribunais

 

Nos tribunais, o juízo

Público ou particular,

Se a inveja preside ao siso,

- A virtude é só pecar,

É culpa o valor sublime,

Boa qualidade é crime.

 

 

Fineza

 

A fineza dum amor

Ao mérito desigual

Igualará no favor:

Dum indigno não faz tal

Digno quem do que é não cora,

Trata-o tal se digno fora.

 

 

Sempre

 

Sempre os homens amam

A fim de que os amem

E no amor acamam

As tramas que tramem.

 

Só o amor de Deus

É que nos amemos

E a ponta dos céus

Então vislumbremos.

 

 

Causa

 

A causa de andar tão mal

O mundo mal governado

É de ir mal aconselhado

Dos conselhos com o aval.

Trocado usa andar, em regra,

Todo aquele que os integra.

 

Se o soldado vota em letras

E o letrado em marear,

Se ao piloto armas impetras

Que rumo se há-de encontrar?

Não há conselho de jeito

Nem rumo a tomar a peito.

 

Há juristas, não justiça,

Marinheiros, não viagem,

Capitães mas lá, na liça,

Em nós se faz a carnagem.

Vote cada o que professa,

Que a sorte não mais é avessa.

 

 

Obrigação

 

A obrigação dos senhores

É seguir, de ouvidos velhos,

Não conselho dos melhores,

Mas o melhor dos conselhos.

 

Onde quer, pois, que comandes

Vê bem onde os pés tu pões:

Não sigas razões dos grandes,

Senão as grandes razões.

 

Não é questão somar votos,

É pesá-los, que os há botos.

 

 

Cuidas

 

Cuidas que feito o conselho,

Feita a consulta, o decreto,

Tudo finda e teu artelho

Repousa à sombra, discreto.

A verdade é que, de entrada,

Não começou ainda nada.

 

 

Felizes

 

Os mais felizes países

Não serão os das melhores

Cabeças mas dos juízes

Das mãos dos operadores.

 

Porque o conselho prudente

Que do entendimento às mãos

Não passar urgentemente

Será vão entre os mais vãos.

 

 

Pingo

 

A tempestade começa

Num pingo apenas de chuva

E às vezes dali, depressa,

Brotam flores, cachos de uva...

- Sabes lá teu pingo de água

De que ferramenta é frágua!

 

 

Livre

 

Não é livre uma criança

Quando a mãe dela o não for.

Que vale o cume que alcança

Num país qualquer valor

Se nele qualquer mulher,

Afinal, nada valer?

 

 

Optimismo

 

Um optimismo que é cego

É sempre uma palermice.

Se é conquista que se visse,

Árduo foi na luta e apego,

O escuro de qualquer casta

Enfrentou: “isto não basta!”

 

 

Religioso

 

O religioso é quem

É sempre irreligioso,

Ao se convencer aquém

Que do Além é chave ao gozo.

 

Num qualquer ritual trasfega

O dogma da salvação:

Ao se agarrar a tal pega

Larga o Além de vez da mão.

 

 

Medo

 

O medo brota da história

Que a nós próprios nos contamos.

Se outra contamos, vitória

É o que nos asseguramos.

O poder gera poder:

Deste a história é de saber.

 

 

Contra

 

Quando tudo contra ti

Se parecer contrapor,

Olha o avião que ali

Contra o vento, em frenesi,

Arranca e não a favor.

 

 

Construindo

 

Nada irá cair do céu.

Vamos, degrau a degrau,

Construindo, erguendo o véu,

Quer seja nas amizades,

Cruzando emoções a vau,

Quer em oportunidades.

 

 

Esqueças

 

Não te esqueças de quem és,

Que o mundo nunca o fará.

Faz força, finca lá os pés!

Assim nunca poderá

 

Conter lá tua fraqueza.

Armado desta lembrança,

Nunca, pois, quem te despreza

Magoar-te algum dia alcança.

 

 

Votos

 

Ainda bem que não repoisas

Quando teus votos promessas

De oiro têm por sequelas!

As coroas fazem coisas

Muito estranhas às cabeças

Que têm por baixo delas...

 

 

Luz

 

És a luz de minha vida.

Sempre a luz treme um bocado

E as lâmpadas, à medida

Embora, não hão durado

A duração prometida.

 

Porém, francamente, agora

Que é que a incomodar-me induz,

Depois de tanta demora,

A procurar outra luz?

Mas que parvoíce, ora, ora!

 

 

Resultado

 

Ser livre é não ter apego

A um resultado qualquer,

Renunciar sem sossego

Ao que não serve e o perder.

Porque até, no fim de contas,

Nada perco com tais pontas.

 

 

Missão

 

Nossa missão é a atitude

Que nos leva a evoluir.

Muito ou pouco a que me grude,

É a muda interior a ir.

 

Não é da cabeça, não,

É sempre do coração.

 

E vem do coração quando

É sempre servir amando.

 

 

 

A fé não é mera crença

De algo superior que existe.

É o fluir da vida intensa

Acolher: nada resiste,

 

Nem medos, nem precisão

De controlar, pôr-lhe freio,

- É seguir a intuição

Com coragem, sem receio.

 

É confiar totalmente

Na fonte da criação

Que assegura, firme assente,

Mesmo se eu cair ao chão.

 

Decisão espiritual,

Só quando a gente confia

E segue como um fanal

O coração cada dia.

 

A nossa mente complica

O que simples pode ser,

Que em materiais dados fica

Grudada sem o nem ver.

 

Ora, é quando o coração

Ao ego se sobrepõe

Que abriu a vida o portão

E o trilho a seguir propõe.

 

 

Segundo

 

Demais a diplomacia,

Por aversão aos conflitos,

Em segundo plano iria

Pôr meus desejos, contritos.

Se assim me desequilibro,

Sofro logo em quanto vibro.

 

 

Cumprir

 

Para cumprir a missão

Temos de nos transformar.

Com dor e com aflição

Porque dói acrescentar

Quando cresço. Mas mudança

Que grande bênção alcança!

 

 

Finais

 

Onde há finais, há começos.

A mudança é celebrada

Por me livrar dos tropeços

Que torpedeiam a estrada,

 

Que a muda é para o melhor.

Vivo numa excitação

A surpresa do sol-pôr

Que as manhãs prenunciarão.

 

 

Maioria

 

De adultos a maioria

Tem a interior criança

No abandono da abulia,

Triste do que não alcança,

Ou então tão revoltada

Que é de gritos a jornada.

 

Pois que não espere mais,

Brinque com um animal,

Encha a vida de sinais

Da criança que, afinal,

Nunca foi e então, aí,

Reviva a que houver em si.

 

 

Vislumbres

 

Se principio a jornada

Com meu animal de estima,

Principio a caminhada

Em meu imo e o que me anima

É que vislumbro a criança

Que em meu imo inda me alcança.

 

 

Mentira

 

Há no homem a mentira

Porque é preciso agradar

Aos outros que tenha em mira.

Não se logra libertar,

 

Sabe lá bem quem ele é!

Quando o sabe e não o esquece,

Ao manter-se então de pé,

O logro desaparece.

 

 

Respeitamo-nos

 

Ao sermos nós próprios, nós

Não somos o que outro espera,

Respeitamo-nos nos nós

Do sonho, não da quimera.

Mostramos, da base aos cimos,

Aos demais o que sentimos.

 

É mostrar, não exigir,

Porque respeitar deveras

A outrem é permitir

Ser livre e então cooperas.

A relação verdadeira

Não tem pressões pela leira.

 

 

Inocência

 

A inocência não é nunca

Ter um angélico olhar.

Ser inocente é deixar

Que a beleza que nos junca

 

Nos atropele a razão

Sem deixar de ter em mente

Escutar e ter presente

Quanto se sentir então.

 

É estar aberto a mais ser

Mesmo que em dúvida ponha

Tudo quanto se suponha

Que era quanto se souber.

 

 

Vingança

 

A vingança tem a ver

Só com a justiça humana,

Nosso ego a satisfazer.

A aprendizagem a ter

Doutra dimensão emana:

 

É preciso se propor

Ir além da própria dor:

 

- Quem aqui chega é quem sente

Que ama incondicionalmente.

 

 

Perene

 

Ter razão ou ser feliz?

- Eis a perene questão.

Se supero de raiz

Querer sempre ter razão,

 

De aprovação o desejo

Se me não move ao presente,

Em mim tenho, enfim, o ensejo

De amar verdadeiramente.

 

Porém, quando a luta de egos

Supera a união de amor,

De frustração há só pegos

E tudo redunda em dor.

 

 

Grita

 

Só o ego é que aos quatro ventos

Grita como é fabuloso.

Se nada digo de intentos

E, feliz, vibro no gozo

De minha paz interior,

Logo o sentem no exterior.

 

Se eu aprender a humildade,

Morre de divulgação

Aquela necessidade.

Conheço o que sou então:

Não sou centro do Universo

Nem maior que alguém me exerço.

 

 

Lavrador

 

O lavrador tem a enxada

Mas, se ele for preguiçoso,

Não lhe vale ela de nada,

Tem de ser laborioso.

Que importa o dom que me impele?

- Só vale o que obrar com ele.

 

 

Medeia

 

Entre ouvir a opinião

E empenhar-se no caminho

Da própria transformação

Medeia um tempo maninho.

Se às águas levo um cavalo,

Como a beber obrigá-lo?

 

Não basta ao mal o porquê,

É preciso dedicar-se

À transformação do pé

Donde rompeu o que esgarce

Para a cura poder vir,

Senão vai reincidir.

 

Só logro outrem ajudar

Se dele a consciência der.

A decisão tem lugar

Quando o outro o entender:

Tem de compreender por si

O poder que tenha ali.

 

 

Ajudar

 

Ajudar outrem implica

Não provar nada a ninguém

E a mim próprio tal se aplica.

Ao invés, o que convém

É o melhor que nós sabemos

Obrar sempre que podemos.

 

 

Incondicional

 

O amor incondicional

É respeitar e aceitar.

É dar e dar-se, é guiar

Sem nada em troca, afinal,

Em troca vir a esperar.

 

Amar não é depender,

Não é, logo, se apegar,

Por isso não é esperar

De outrem feliz me fazer,

Que em mim tal já tem lugar.

 

Incondicional é ser

Flexível, dar liberdade,

Espaço para à-vontade,

De modo a nunca tolher

Da vida a oportunidade.

 

É perdão e tolerância,

É acolher as diferenças,

Compassivo nas sentenças

Com qualquer que seja a errância,

Sem a nós ter malquerenças.

 

É amarmos a sombra nossa

Para a preencher de luz.

Só amando o que nos traduz

Numa qualquer nossa bossa

Cumulo o que nos seduz.

 

 

Joelhos

 

Acolher a opinião

Diversa não é ficar

De joelhos lá no chão,

Submisso a se escravizar,

 

É apenas criar espaço

Para haver um outro traço.

 

Não há, portanto, motivo

De ser rígido ou altivo.

 

 

Aceita

 

Aceita tudo o que diz

Teu coração e não fujas

Com medo a viver feliz

A entrega em que não te intrujas.

Ama apenas e confia

Que te não morde o teu dia.

 

 

Impotência

 

Qualquer física impotência

Leva-nos a constatar

Que em vida muita ocorrência

Não se pode controlar,

Que não temos, logo à entrada,

Poder deveras de nada.

 

Teremos, pois, de aprender

Ao Universo a entregar,

Aprender a nos render,

Aprender a não lutar.

Se ando a só fugir da dor

É o descontrolo interior.

 

Aceito que quanto quero

Pode não ser importante

À evolução que pondero,

À missão a ir por diante.

A impotência curo então,

Mente sã no corpo são.

 

 

Renunciar

 

Renunciar às ambições,

Desejos de posse do ego,

Dar sem ter qualquer apego

Duma troca às pretensões

 

E tornar outrem feliz,

Porque partilhar nos dá,

Só por si, mas de raiz,

A felicidade que há.

 

 

Escutar

 

As minhas necessidades

Escutar é honrar meu ser

Como às possibilidades

Infinitas que há-de haver

Abundantes no Universo

Abrir-me vário, converso.

 

 

Responsabilidade

 

Nos caminhos desta vida

Todos temos liberdade

E da vontade o poder.

É só escolher de seguida

Com responsabilidade

O rumo que se quiser.

 

 

Dificuldade

 

Muitos têm dificuldade

Nas escolhas a fazer

E a responsabilidade

Jogam sobre então quenquer:

De assumir o medo giza

O padrão que vitimiza.

 

 

Deixo

 

Penso, penso e não descubro.

Deixo de pensar naquela

Questão que nos põe ao rubro

E a verdade se revela.

Tenho mesmo de aprender

Silêncios a promover!

 

 

Rebuscar

 

Ao rebuscar o que é estável,

Ao resistir à mudança,

Contrario o inadiável

Fluir com que a vida dança,

Pautada aqui sobretudo

Da impermanência de tudo.

 

 

Chamar

 

Se chamar constantemente

Quem a morte me levou,

Pedindo perdão, premente,

Na saudade que ficou,

 

Ânsia de inviável regresso,

O efeito no que partiu

É que sente, no processo,

Em resposta ao desafio,

 

Que tem de permanecer

Junto a quem na dor o chama.

Ao nada poder fazer,

Sente-se infeliz na trama.

 

Ao mudar esta atitude,

Libertando a quem amamos,

Permito que não se grude,

Segue da Luz os mil ramos.

 

 

Assumir

 

Se não assumir meu erro,

Culpando tudo em redor

Desta vida pelo enterro,

Dificilmente me impor

A grande transformação

Vou, dentro e fora, em questão.

 

 

Ages

 

Ages por obrigação,

Rotina ou comodidade,

Como outrem te exige, então,

Deseja, espera ou lhe agrade.

 

Se és impecável contigo,

Actuarás ao abrigo

 

Do que deveras quiser

Fazer teu imo ou dizer.

 

Agirás pela consciência

E não pela tua ausência.

 

É sempre a ti a te impor

Que irás agir com amor.

 

 

Doenças

 

As doenças aparecem

Por causas determinadas

E muitas se robustecem

De minhas tortas pegadas:

 

Falta de amor, obsessões,

Intransigências, rancor,

Da culpa, dentro, os vergões,

Disputas no sem-valor...

 

Quando corrigir a causa,

Melhorarei o efeito,

Entra-me a doença em pausa,

Ao bom juiz presto então preito.

 

 

Jardim

 

Ao entrar em teu jardim

Abre o portal dos sentidos.

Que queres de tal confim?

Abre os olhos e os ouvidos:

Que sentes, que cheiras lá,

Na fundura que em ti há?

 

 

Respeito

 

Só te lembras do respeito

Quando recordas, ferido,

Que te não tomam a peito,

Sentes teu imo invadido

Porque contigo gritaram

Ou te, iníquos, maltrataram.

 

Alguma vez perguntaste

Se tu, que não aprendeste

A respeitar-te que baste,

Respeitas, de leste a oeste,

Dentre as teias que te enleiam,

Aqueles que te rodeiam?

 

Outrem só respeitarás

Se te respeitas a ti,

Não te deixas para trás

E ninguém te invade aí.

Se aprendes a dizer não,

Os mais te respeitarão.

 

Tens medo de te exprimir

E queres que te adivinhem?

Mas é demais exigir

Que às cegas contigo alinhem...

Se te acolhes, aos demais

É que então respeitas mais.

 

 

Bastante

 

Tudo é teu e há cá o bastante

De tudo o que há para todos.

Não duvides, que adiante

Duvida a fartura a rodos

E então cai de mil e um modos

E a penúria te garante.

 

 

Árvore

 

A grande árvore de outono,

Já sem folhas, quase morta,

Deixa para trás sem dono

E abre à primavera a porta.

 

Não guardes na tua mente

Nem no teu coração nada

Que não queiras no presente:

Caminha firme na estrada,

 

Procura aquilo que buscas,

Que sabes que encontrarás.

Embora em noites farruscas,

Jamais olhes para trás.

 

 

Deixa

 

O que não serve atrás deixa,

Abandonado, caduco,

O que pesa e cansa enfeixa.

Sem bagagem nem trabuco

Corre rumo ao que renova,

Onde nasce a terra nova.

 

 

Trás

 

Larga para trás ideias

Cansadas, velhas e alheias,

 

Emoções e ligações

Que distam de teus torrões

 

Porque chegou o momento

De as soltar leves ao vento.

 

Larga sem inquietação

Labor, lugar, situação

 

De que não tens precisado

E que avivam o passado,

 

Larga e vem juntar-te ao povo

Onde entrar vês quanto é novo.

 

 

Frente

 

Caminha em frente e não olhes

Para trás, pois o passado

(Já não existe) não colhes.

Existiu e foi-te dado

 

Para correres agora

Aberto a quanto procuras,

Com a energia, na hora,

Do êxito que te afiguras.

 

 

Aprende

 

Quem aprende a amar-se

Aprende a amar tudo

E os mais, sem cansar-se,

Graúdo ou miúdo.

Jamais discrimina

No oiro da mina.

 

 

Gostar

 

Aprende a gostar de ti

Como decidiste ser.

Pouco a pouco, então daí

Desabrocha num qualquer

Mundo interior de harmonia,

Calma e paz, dia após dia.

 

 

Aceitar-se

 

Amar é aceitar-se,

Não se castigar,

Findar de julgar-se

E se unificar,

- Que tudo está bem

Se este mundo vem.

 

 

Interior

 

Todo o teu mundo interior

Partilha contigo logo:

Que desejar, que propor

Para alimentar teu fogo.

Ao melhor ver a bagagem

Melhor partilhas a viagem.

 

 

Partilhar

 

Teu coração partilhar

Dorido e triste supõe

Melhor forma de te amar,

De respeitar o que impõe,

Sem esquecer que é de amigo

Partilhar-te antes contigo.

 

 

Confia

 

Que importa se o mar inunda

A praia que não se alcança?

Confia em tua profunda

Inocência de criança.

 

Teus erros e teus enganos

Não são mais que aprendizagem

Para ir além dos danos

Em tua perene viagem.

 

Sem eles não chegarias

Às certezas por que esperas.

Aceitando, trilhas vias

Rumo à inocência das eras.

 

 

 

Fé no sendeiro da vida,

Em ti fé, fé no Universo,

No que ocorre e te convida,

No que operas, mal converso,

Que é o correcto, no momento,

Com quem se molda ao intento.

 

 

Semeia

 

Semeia o teu coração,

Arranca as ervas daninhas

De hábitos que teus não são.

Não desarmes se as pedrinhas

Não te deixarem crescer

A flor que foste escolher.

 

Continua com carinho

A arrancá-las, que este passo

Dá mais força a teu caminho,

Mais firmeza a cada traço.

Não vás contra o crescimento

E amanhã terás bom vento.

 

 

Detém

 

Que é que te detém e trava

No caminho de seguir?

São medos que tens da lava,

Dúvidas sempre a surgir.

Que fazer de tais abalos?

- Começa por aceitá-los.

 

 

Medo

 

Tal é o medo de parar

Para então não fazer nada

Que invento logo, em lugar,

Mil desculpas na jornada.

Dão-me tanto que fazer

Que nem há tempo a perder!

 

 

Calma

 

Ao silêncio dar espaço

Sossegando calma a mente

Ao guia em ti dar é o braço

A assinalar diariamente

Segredos que nos enleiam

E de equilíbrio rodeiam.

 

 

Canses

 

Não te canses procurando

Verdade fora de ti,

Nem amizade que brando

Travesseiro oferte ali.

É um engano pretender

Fora o que só dentro houver.

 

 

Contigo

 

Mora contigo a intuição.

Conseguirás escutá-la

Se lhe prestas atenção

A meio do que te abala.

 

Não vás, pois, muito depressa,

Não raciocines demais.

Há-de vir a intuição nessa

Mensagem do imo em sinais.

 

 

Quarto

 

Abre teu quarto secreto,

Entra por dentro de ti,

Percorre-o do chão ao tecto,

A entender o que anda aí.

 

Escuta o som interior,

A ideia que dali flui,

Sente na pele um ardor

Do que o coração intui.

 

Percorre teus cantos todos,

Vendo onde tudo começa,

Todo atento e com bons modos,

Perspicaz, sem qualquer pressa.

 

É que, enquanto andas fechado,

Tropeças de toda a vez,

Sem ver por onde hás andado,

Tornando a vida um revés.

 

 

Justa

 

Procura o teu equilíbrio,

Encontra a justa medida,

Austero sê sem ludíbrio

Ou permissivo, se há brida.

 

Joga a flexibilidade

A travar ou permitir,

Que a vera sobriedade

É equilíbrio conseguir.

 

Se és libertino, é que então

Tens de impor-te austeridade;

Se és reprimido, o teu pão

É a mesa cheia, em verdade.

 

 

Mochila

 

Mantém a mochila leve

Para poder caminhar

Por ti mesmo em passo breve.

Olha bem que vais levar.

 

Tens cargas que não são tuas,

Crês-te ao outro imprescindível?

Vês o que arrastas nas ruas?

Tira o que é doutrem vivível.

 

Não gastes tua energia

Doutrem a agir o que agir.

Larga o passado na via

Já esquecido e sem porvir.

 

Nem leves para o futuro

Nada, que inda não chegou.

Caminha leve, no apuro

Do que o momento abarcou.

 

A vida irá dar-te tudo,

A teu pé lépido e brando,

Com a condição, contudo,

De que o irás precisando.

 

Não leves contigo apego,

Que não deixa desfrutar.

Tens medo? Põe-te em sossego,

Que a vida própria arrumar

 

É resolver os conflitos

Vida fora acumulados.

Não falas, por mor de atritos,

Com teu pai incendiados,

 

Com a mãe é zanga fria,

Com o anterior companheiro

Não há de perdão magia,

Raiva e rancor é o viveiro

 

Que alimentas para os mais?

Caminhas com todos eles

Na mochila, bem reais,

Fatigam quando te impeles.

 

Como largar tanto apego

Que entristece tua vida?

Só drenando cada pego

Pendente em tua subida.

 

Desapego é apagar dor,

Contexto desagradável,

Solucionar o rancor,

A tensão cortar, fiável,

 

Cordões que te atam rasga

(Paralisa o nó do perno...),

- Fazem o teu caminhar

Caminhar para o inferno.

 

Perdoa-te e perdão pede,

Compreensivo contigo.

Separa-te do que impede

Ou quer tolher-te o abrigo.

 

Despegar-te não é fuga

Nem para longe fugir.

Do que te afoga te enxuga,

Só então podes partir.

 

Sem resolver o problema

Este vai-se repetir

Várias vezes, como um lema,

Até a fuga se esvair.

 

 

Aprende

 

Aprende a não complicar,

Estuda teu coração,

Livre, livre a o deixar.

Os teus pensamentos são

Fértil criatividade,

- Mete a charrua que os grade.

 

 

Aurora

 

Queres fruir duma aurora

Quando ao longe o sol espreita?

Se tens pressa a mais, demora,

Atrasa a viagem eleita.

 

Se trepares a correr,

Quando à cumeeira chegares,

Inda o sol não vai nascer,

Vês-te a te decepcionares.

 

Se antes de tempo subires,

É de noite e não verás

Aquilo por que suspires.

No tempo certo é que a paz

 

Há-de encher o teu caminho.

A energia será tua

E o que buscas, de mansinho,

Entra em ti, teu sol e lua.

 

Com paciência, na quietude,

Numa espera confiante

É que atinges a virtude

Fermentada tempo adiante.

 

 

Intuições

 

Sentado em tua paisagem,

Olha as tuas emoções,

Segue do farol a viagem

Que apontam as intuições.

Confia nelas em pleno,

Que te guiam no terreno.

 

 

Antes

 

Antes de agires escuta

Atento o teu pensamento

E por igual, na disputa,

Teu coração, sentimento,

Porque é provável que a bordo

Não estejam bem de acordo.

 

 

Obstáculo

 

Não transformes um obstáculo

Em luta a deitar por terra,

Rende-te lá no pináculo,

Que a vida não é uma guerra.

Por entre as impermanências

É um fluir sem resistências.

 

 

Limpa

 

A tua respiração

Limpa com águas do mar

De toda aquela emoção

Que em teu caminho te atar.

 

Perdoa, aceita, tolera,

Ama, inspira a transparência

Das águas, expira a fera

Da dor e maledicência.

 

Os raios do sol penetram

Até mesmo às profundezas

E lindos cristais te impetram

Que te entregues às belezas.

 

Das vistas entregue ao rol,

Enchem-te raios de sol.

 

 

Desfaz-te

 

Desfaz-te do que não serve,

Diz adeus a teu passado,

O que para trás se observe

Não olhes, que hás ofertado

O que não levas e, enfim,

Que importa o que chega ao fim?

 

Se capaz és de fazê-lo,

Aparece à tua frente

Um trilho firme e singelo

Que te leva de repente

Ao que é novo onde apareces

Com tudo quanto mereces.

 

 

Agradecimento

 

O teu agradecimento

É da alegria e tristeza,

Vida de cada momento,

Da abundância e da estreiteza,

É do amor e desamor...

- Tudo o Todo a te propor.

 

 

Criança

 

Tua criança interior

Pega-lhe ao colo e faz festas,

Fala-lhe com o teor

Que lime quaisquer arestas,

Diz-lhe o que precise ouvir

Para feliz se sentir.

 

 

Observa-te

 

Observa-te devagar

E sente como, ao chover,

Perdes a alegria a par

Do dia que vai nascer.

 

Pede ao anjo que te ajude

A ir além da aparência,

Da rigidez que te grude,

Do desejo - tudo ausência.

 

Que te guie as emoções,

Convertendo-as dia a dia

Em sorrisos aos milhões,

De em frente ir com a magia.

 

 

Invés

 

O que sentes e o que pensas

É aquilo mesmo que fazes?

Ou, ao invés, as sentenças

Se entredevoram, vorazes?

 

Se queres compartilhar,

Nas paisagens envolvidas

Há muito com quem obrar.

Salta as cancelas proibidas!

 

 

Tempestade

 

Entra em tua tempestade,

Vê teus problemas no todo.

Agrade-te ou desagrade,

Caminha em correcto modo,

 

Com passos que tens de dar

Para entender que é fermento

Tudo o que se te entrosar,

Bom para o teu crescimento.

 

A tempestade é habitáculo

Onde nada é arbitrário.

Aceita que cada obstáculo

É o que a ti é necessário.

 

 

Plantas

 

As sementes que tu plantas

São as que queres plantar

Ou as que alguém quer, às tantas,

Que plantes dele em lugar?

 

Vê que é que queres que cresça,

Não perguntes a ninguém,

Ouve o que o coração te peça,

Vai semeá-lo campo além.

 

Se semeias com amor,

Será o fruto o que procuras,

Que desejas com ardor,

Que mereces, com que curas.

 

 

Castelo

 

Abre a porta do castelo,

Segue em frente contra a chama

Das labaredas do medo.

Não cedas ao atropelo,

Insiste, porque quem ama

Verga o medo, tarde ou cedo.

 

 

Onde

 

Onde quer que estejas, vai,

Não te detenhas aí.

Se tropeças, ninguém cai

Se adiante já o discerni.

 

Se tu fores devagar,

Continua, segue em frente.

Em quanto alguém te chamar,

Escuta-o atentamente.

 

Se alguém pedir, então dá,

Se não souberes, pergunta.

Se é preciso ajuda já,

Pede-a e, ao fim, tudo junta.

 

 

Atreve

 

Te atreve a cruzar a ponte,

A encontrar paisagens novas,

Descobertas no horizonte

Que encham a vida que inovas.

 

Mesmo com risco de engano,

Descobre o novo caminho,

Desfruta-o, que não há dano,

Basta teu jeito adivinho.

 

 

Dança

 

Sente a vida como dança

Com a terra em harmonia,

Com tudo quanto te alcança.

Teu coração cheio envia

Aceitando tudo aquilo

Que a vida te traz, tranquilo.

 

 

Descanso

 

Eu não quero divertir-me

Nem permitir-me um descanso

Ou vou descansar, remir-me,

Gozar a vida que alcanço?

 

Se é dar descanso ao guerreiro,

Enche-te de confiança,

Não te tortures: leveiro,

Vive intenso a tua dança,

 

Sem olhar atrás e à frente,

Por inteiro aqui presente.

 

 

Árvore

 

Grande árvore, a liberdade

Ancestral e milenar!

Trepa a seiva que te invade

Rumo à copa singular.

 

Come a fruta que quiseres.

Antes da escolha, reflecte

No que é preciso a cresceres,

Como a sério te compete.

 

Se não for a que é correcta,

Depõe-na na ramaria.

Come o que quer tua meta,

Que a vida melhor se avia.

 

 

Silêncio

 

Lembra-te de usar silêncio

Para te tranquilizar.

Ao mundo interior convence-o

A por ele se ordenar:

Em ordem então vais pôr

O interior e o exterior.

 

Sem fazer nenhum esforço

As ideias ficam claras

E as emoções, dum escorço,

Devêm serenas, raras.

Em silêncio, o coração

Devém paz e compaixão.

 

 

Montanha

 

Sou a montanha, na altura

Abro-me ao sol, na acalmia.

Meu coração o que apura

É paz, silêncio na via.

 

Farei em cada momento

O que na frente estiver,

Cada momento, um intento,

Sem atrás e à frente haver.

 

Entrego a cada minuto

Tudo o que sou, por inteiro,

Como se último reduto,

Como se fora o primeiro.

 

 

Recorda

 

Recorda que não és nada

E que ao mesmo tempo és tudo

No Deus que te bate à entrada,

Que no fundo és, sobretudo.

 

Imagem e semelhança,

Aceita a união com Ele,

Que por ti faça o que entrança,

Incarnado em tua pele.

 

Sente-O desde que levantas

Até que deitas, dizendo:

“Faz tua vontade em quantas

Em mim vão aparecendo.”

 

Em cada palavra e obra

Pede a teu Deus que te guie,

Que Ele seja quem manobra,

Que em teu fato Ele se enfie.

 

Chama-O para o teu abrigo:

Ficará sempre contigo.

 

 

Dentro

 

Não procures a verdade

De ti fora, num pascigo,

Que és, na tua identidade,

Sempre o teu melhor amigo.

E a verdade única, em si,

Mora só dentro de ti.

 

 

Profundamente

 

Quanto mais profundamente

Te conheces, mais flexível

Te tornas com toda a gente.

Não julgar devém possível.

Cada vez mais, desde agora,

Te irás amar, hora a hora.

 

 

Antes

 

Não escolhas o caminho

Sem antes ter reflectido.

Não escutes nem carinho

Nem ninguém sobre o sentido.

 

Escuta o teu coração,

Que ele é que nunca te engana.

Tens o trilho aí à mão,

Percorre-o com toda a gana.

 

Em silêncio vai, atento:

- Voarás nas asas do vento.

 

 

Porque

 

Porque te castigas tanto,

Porque tanto te premeias?

O equilíbrio, por enquanto,

Não é aquilo que semeias?

 

Encontra a justa medida,

Senta-te a comer à mesa

O que mereces da vida,

De consciência não repesa.

 

O alimento que comeste

Vai-te digerir a lida

Com equilíbrio que preste,

Que é a medida requerida.

 

 

Contrário

 

Se é de hábito a porta esquerda,

Porque não hoje a direita?

Se te escovas com a cerda,

Que hoje a fibra seja eleita.

Se, porém, for ao invés,

Tenta o contrário uma vez.

 

Do hábito na parca muda

Se esconde a grande surpresa.

Quer iluda ou desiluda,

Transforma a vida represa,

De repente a libertar

Asas céus fora a voar.

 

 

Atravessar

 

Tens de atravessar na vida

A ponte que tens à frente.

A mala pesa à medida

Ou arrasta-te à corrente?

 

Revista-a, retira tudo

De que não vais precisar.

Levarás pouco, contudo,

No além, de tudo há lugar.

 

Entre nada e tudo busca

O meio-termo preciso,

Que o lume assim não chamusca

Nem água te afoga o siso.

 

Não chores pelo que deixas

Nem rias ao que te espera,

Caminha lento nas reixas,

Firme do que em ti opera.

 

 

Sendeiro

 

Ao percorrer o sendeiro,

Se estais de olho nos sinais,

Já nunca mais precisais

De correr o mundo inteiro

Para achar o que buscais.

 

 

Rigidez

 

Se é rigidez que te invade,

Aquece-a, molda a figura.

Tua flexibilidade

É o trilho para a ternura.

 

Tuas críticas, juízos,

Deixa lá que o vento os leve.

Teus propósitos precisos

De perfeição, larga-os breve.

 

Contra os orgulhos a luta

Que o vento a leve também.

Quando acabas a disputa,

És ternura mundo além.

 

 

Deixa

 

Depois de fechar os olhos

Deixa o coração falar.

Logo te aponta os escolhos,

Abre o trilho até ao mar.

Ao falar contigo mesmo

Nunca à praia irás a esmo.

 

 

Precipício

 

Ao lado do precipício

Cómodo estás, relaxado,

Mas vigilante: o resquício

Há sempre de algum tornado.

 

Atendes à intuição,

Que há escuridão no caminho.

Ouves, fino, o coração,

Dele no jeito adivinho.

 

A solução mora em ti

E a luz ilumina aí.

 

 

Vencida

 

O evento foi muito mau

Mas, se nunca me ocorrera,

Eu nunca saltara o vau,

Nunca consumara a espera

Nesta vida, de seguida,

Que aqui levo de vencida.

 

 

Obrigado

 

Ouvi o teu obrigado,

Devias usá-lo mais,

Que surpreso ficar vais

De quão longe te há levado,

Primeiro, com teu igual,

Com o Cosmos, no final.

 

Gratidão: a chave-mestra

De abrir portas com mão destra.

 

 

Menos

 

Em tudo o que nós fazemos

Qualquer coisa há menos bem.

Que o melhor de nós nós demos,

Melhorar tentemos sem

 

Ligarmos a ser perfeitos.

Doutro modo aprisionados

Ficamos nalguns trejeitos,

Repetindo-os, obcecados,

 

E, por mais que um bem me pinte,

Não dou o passo seguinte.

 

 

Frágil

 

As esperanças e o sonho

Ocupam a parte frágil

Do coração onde os ponho.

O apaixonado é tão ágil

A só ver o que queria,

Porém não o que existia!

 

Impede que o frágil canto

Seja no imo destroçado

E que o resto, com o pranto,

Não vá no enxurro arrastado!

No meio deste atropelo

Questão é como fazê-lo...

 

 

Depender

 

Não podemos o que somos

Depender demasiado

Deixar doutrem onde o pomos:

Ser feliz do imo é um estado.

Terei então de aprender

Por mim mesmo a feliz ser.

 

 

Especial

 

A passar um mau bocado...

Mas que é que te faz pensar

Que és tão especial que ao lado

Dele irias tu passar,

Todo lampeiro e contente,

Ao invés de toda a gente?

 

Seja lá o que for que estejas

A sofrer neste momento,

Continua, sem invejas,

A caminhar com alento,

Do contexto até sair:

Tem fé, que há sempre um porvir.

 

Recorda a lei, de seguida,

Que há-de imperar sempre aqui:

- Se não desistes da vida,

Não desiste ela de ti.

 

 

Retorna

 

Retorna ao mundo e descobre

Seja o que for que procuras.

Findo o plantio do alfobre,

Segue em frente sem clausuras.

 

Nós para sempre te amamos,

Vamos estar sempre aqui

Disponíveis com os tramos

Que acaso queiras aí.

 

Voa, pois, tua aventura

Sobre os montes e a planura!

 

 

Igual

 

Não importa ambos quererem

Igual vida de aventura

Para a vida que tiverem

Resultar vida em ternura.

 

A segurança de andar

Amor incondicional

Entre ambos a partilhar

Leva a querer por igual

 

Empreender em comum

A viagem mais importante:

A vida de cada um,

Superando o medo hiante.

 

Cada um apoia os sonhos

Do outro, mesmo sem serem

Os que, tristes ou risonhos,

Dentro dele alvorecerem.

 

Na lonjura que haja adiante

Isto é que é mesmo importante.

 

 

Desgraça

 

A grande desgraça, às vezes,

Parece absurda no mundo

Mas é bem vista se a peses

Pelo íntimo mais fecundo

Que desde ti se enraíza

No imo cósmico que o giza.

 

Muitas delas redentoras

São da pessoa que as sofre,

Devindo ali curadoras.

São a caixa de Pandora

Com que em tanta dor tropece

Que então nunca mais esquece.

 

E então nunca mais repete,

Quebra de vez o padrão

Que contra si mais compete,

Que os séculos lhe imporão.

É mesmo o que mais importa:

Tal alma abre então a porta.

 

A perda particular

Que é que importa à evolução?

Pode ninguém reparar,

No vector da percepção,

Obcecado cada qual

Com dar certo a vida actual.

 

Perde a noção do percurso.

Ora, no imo do Universo

Não há espaço ou tempo em curso,

Nem há pressa, no reverso.

Se um não evolui na vida,

Evolui o de seguida.

 

 

Mal

 

Todo o mal da humanidade

Provém da falta de amor

Vivido em profundidade

Até o último pendor.

 

Quem não ama não consegue

Ser generoso, gentil,

Tolerante quando adregue,

Ético em quanto perfile.

 

Ser ético é sempre amar

A humanidade de modo

A sempre inteira a visar,

Sempre amá-la como um todo.

 

Reprimir o amor é o acto

Mais cruel a qualquer imo,

Destrói-o no desacato,

Limita-o da base ao cimo.

 

É o imo de qualquer um

A maior força que tem

E o amor (e mais nenhum)

O alimento que o mantém.

 

Quem amar outrem, quenquer,

Se então se deixar levar,

Tudo o resto, até sem ver,

Há-de conseguir amar.

 

Por mais que venha a doer,

Evoluir é, no caminho,

Fogo o ferro a incandescer

Vida fora no cadinho.

 

 

Esperar

 

Muitas vezes esperar

É a melhor forma de actuar.

 

Esperar a amadurar

É o melhor para avançar.

 

Um dia que disto inundo

Ajuda a avançar o mundo.

 

 

Resto

 

Se não há comida e água,

O resto de nada vale.

Então porquê tanta mágoa

Se outras portas perco à frágua,

Quando tenho o principal?