QUINTO BRINDE
Débil
Quão mais débil a criança
E quão mais sensata for
Mais procura ver se alcança
Bem perto dos pais se pôr.
- Criança olhando o Infinito,
Qual, Homem, teu jeito aflito?
Freimas
Sendo o pai bondoso e o filho,
Miúdo simples e audaz,
Este desata o cadilho
Da bolsa do pai, tenaz,
Em busca de guloseimas
Antes de as boas-vindas dar.
- Então porquê tantas freimas
Se ante Deus tal tem lugar?
Herói
Não tens de devir herói,
Não, do dia para a noite.
Passo a passo o dia foi
Chegando lento à sonoite,
Tratando daquilo que urge
À medida que ele surge.
Nada é tão assustador
Como assusta ao dealbar.
Temos da força o teor
Bastante de o superar,
É só dar-lhe o tempo certo,
Que o maná vem ao deserto.
Único
Único sou responsável
Por criar meu paraíso
Ou inferno insofismável,
Conforme for o meu siso,
As palavras, as acções,
- Como entroso os corações.
Caídos
Aqueles que estão caídos
Aproveitem, aproveitem
A curar sonhos feridos,
A descansar das maleitas,
Descobrir nova estratégia
E de alma se equipar régia.
A aventura nunca acaba
Mesmo se tudo desaba.
Oprimidos
Os que pela solidão
Se sentirem oprimidos
Olhem como a sós estão
Nos dois momentos temidos
Mais importantes da vida:
À chegada e à partida.
O que a solidão lá meça
Sobrepuja-o a promessa.
Pequenas
Viste que as pequenas coisas
São responsáveis, nas danças
Em que teu pé nelas poisas,
Por, no fim, grandes mudanças.
Por este motivo, a morte
Faz o discurso conciso:
- Porque agiste de tal sorte
Vou levar-te ao Paraíso.
Aventura
O que julga que a aventura
É perigosa, a rotina
Experimente segura:
A rotina tem por sina
Àquele que se lhe atar,
Antes de tempo o matar.
Tanto
Preciso tanto de amar,
Mesmo que à terra me leve
Onde as lágrimas são mar
E apoio ninguém me deve!
Ter amado e ter perdido
É bem melhor este fado,
Ao entretecer sentido,
Do que nunca ter amado.
Usar
Os que procuram amigos
Para manter o estatuto
Ou abrir portas de abrigos
Que lhes dão salvo-conduto
Evita sem hesitar:
- Apenas te irão usar!
Importante
É importante a disciplina
Mas deve deixar a porta
Ou janela, como sina,
Aberta ao que mais importa:
- À intuição que um outro lado
Rasga para o inesperado.
Obsessão
Uma obsessão nada ajuda
Porque confunde os caminhos
E acaba, se se nos gruda,
Por tornar todos maninhos
Os campos em que crescer
A alegria de viver.
Cortar
Não queiras cortar caminho
Mas corrê-lo de maneira
A que teu acto o cadinho
Venha a ser de úbere leira,
Com adubado terreno
Paisagem bela ao sereno.
Apesar
Apesar de todo o medo,
Que eu possa em frente seguir,
O inexplicável num credo
Aceitar sem derruir,
Apesar de requerer
Tudo explicar e saber!
Ansiedade
É de manter à distância
Toda e qualquer ansiedade.
Não se aniquila tal ânsia.
Porém, saber de verdade
É o de entender que podemos
Dominar a fera brava
Que, ao invés do que queremos,
Escravizar-nos tentava.
Requerido
É requerido lutar
Para crescer, sem cair
Na armadilha do poder
Que com isto conseguir,
Porque sabemos, a par,
Que, no que toca a valer,
Para a marca da pegada
O poder não vale nada.
Herói
Não é aquele que nasceu
Para as gestas que é o herói,
Antes o que conseguiu,
Na insignificância que mói,
Construir em seu redor
Da lealdade o escudo-mor.
Quando salva um adversário
Da morte certa ou traição,
O seu gesto não é vário:
Não mais é esquecido em vão.
Deprimido
Quando eu estiver só, mui deprimido,
Que olhos eu tenha abertos em redor
Para a vida a brotar-me com vigor:
Para a flora a pujar no chão despido,
O trinado do melro na distância,
As estrelas que piscam pelo céu,
Ao lado a infantil voz em escarcéu...
- E que de vez a paz quebre tal ânsia!
Chega
Chega o sucesso para quem não perde
O tempo a comparar o que outrem faz
Com aquilo de que ele for capaz.
Entra na casa que escorou de verde
Todos os dias quem disser sem fim:
“Hei-de dar sempre o meu melhor de mim.”
Junta-te
Aos que alegria têm nos olhares,
Contam histórias, fruem plena vida,
Junta-te, bem como a seus cantares.
Contagiam alegres e, em seguida,
A solução descobres onde a mente
Apenas encontrou explicação
Para o erro que a pegada te desmente
E o sepulcro escavava no teu chão.
Vulneráveis
Aos que não temem ser mui vulneráveis
Junta-te, que em si próprios bem confiam.
Sabem que tropeçar todos, instáveis,
Nalgum momento irão, mas nisto viam
Ao invés de sinal duma fraqueza,
Marca da humanidade que se preza.
Sexo
O sexo é uma oferenda, um ritual
Duma transformação. Como os demais,
O êxtase é presente e, no final,
Nunca deve excluir metas rivais.
Pois que o mais importante é percorrer
Com o nosso parceiro aquela estrada
Que um mundo ignoto nos mostrou qualquer
Onde oiro, incenso e mirra houver à entrada.
Admire
Que com meus gestos simples eu me admire:
Com um desconhecido conversar,
Com minhas emoções, de mim a par,
Sentir no rosto a areia, se me vire
Quando soprar o vento pela praia,
Com os momentos ternos, como olhar
Minha mulher dormindo, a ressonar,
Imaginando um sonho de tocaia.
Tudo
Que tudo quanto a minha mão tocar,
Meus olhos virem, minha boca prove
Seja bem diferente, embora, a par,
Nele igual continue, sem que inove!
Deixará tudo natureza-morta
De ser, passando então a me explicar
Porque é que há tanto tempo em minha porta
Vive comigo. E vai manifestar
O milagre do encontro de emoções
Abandonadas já por cada esquina,
Dos hábitos perdidas aos baldões,
Desgastadas de vez pela rotina.
Olhar
Olhar vou para tudo e para todos
Tal se fora a primeira vez deveras,
Mormente os nadas ínfimos que a rodos
De hábitos me cercaram pelas eras,
Ignorando a magia que os rodeia.
São como as minhas dunas do deserto
Que eu nunca entendo no que ali me ameia
Porque o vento não vejo quando perto.
Dealbar
Ninguém pode atrás voltar,
Todos podem ir em frente.
Amanhã, ao dealbar,
Basta repetir a gente:
Olhar vou todo este dia
Tal se ele fora o primeiro
Que minha vida veria.
Vou ver qualquer meu parceiro,
A família com surpresa,
Com espanto, de contente
Por me descobrir à mesa
Rodeado por quem não mente,
Em silêncio partilhando
Todo o mistério do amor
De que tanto imos falando
Mas mal lhe entendendo a cor.
Entusiasmo
Em vez de tempo perder,
Resolve agir, torna à infância,
Colhe o entusiasmo que houver,
Dedica-te a tal instância.
É no entusiasmo encontrado
Que mora o fogo sagrado.
Esquecemos
Esquecemos nós que o mundo
É aquilo que imaginamos.
O brilho da Lua, ao fundo,
De ter por isso deixamos
E a poça de água passamos
A ser que o reflecte imundo.
Um dia após, ao sol vamos
Evaporar o fecundo
Resto de água que houver lá
E nada ao fim restará.
Debaixo
Tudo debaixo do sol,
Do pardal à serrania,
Da flor ao rio, o arrebol,
Reflecte a infinda magia
Que brilha na criação.
Se à tentação resistir
De aceitar que outros irão
Definir quem sou, onde ir,
Pouco a pouco sou capaz
De fazer brilhar o sol
Que em meu imo jaz tenaz.
O amor, ao lado, abre o rol
E dita a breve sentença:
“ Nunca tinha reparado
Aqui na tua presença.”
E deixa-me iluminado!
Desata
O passo outrora automático
Desata a ser consciente.
Em vez do conforto prático
Da segurança de ausente,
Alegram os desafios.
O viajante a jornada
Continua pelos rios
Da vida, corrente estrada.
Já se não queixa do tédio,
Quando muito, do cansaço.
Então pára em qualquer prédio,
Dando à paisagem o abraço.
E logo após segue em frente,
Já não perde a vida inteira
A atacar trilhos, temente,
Que não quereria à beira.
Desata a amar o caminho
Que corre agora, adivinho.
Decisão
A decisão de mudar
Fez outrem sofrer por mim?
Quem ama quer, em lugar,
O amado feliz no fim.
Se primeiro ele temeu,
Vem logo o contentamento
De ver fazer quem é seu
O que ama a cada momento,
De o ver a se aproximar
De onde o sonho o quis levar.
Desamparado
Sente-se desamparado
O viajante na estrada,
Mas há gente em todo o lado
Sentindo a mesma pontada.
À medida que conversam,
Reparam. Não estão sós,
São companheiros que versam
Trilhos iguais, iguais pós.
Partilham a solução
Que permite saltar muros.
Todos mais sábios estão,
Mais vivos e mais seguros.
Mudar
Somos muito elogiados
Por não acolher mudar,
Sempre no rumo alinhados
Que o destino nos quis dar.
Não há ideia mais errada
Porque o caminho correcto
É o da natureza: a estrada
Mudando constante o aspecto.
Sonhar
É bom sonhar que haja espaço
Para mais longe ir um dia.
Alegra o sonho o meu passo
Porque nele descobria
Que sou capaz de bem mais
Do que até aqui meus sinais.
Sonhar não implica riscos.
Perigoso é pretender
Transformá-lo nos apriscos
Onde o real queira prender.
Mas um dia bate à porta
Um qualquer fado que exorta,
Seja da sorte a batida,
Seja a batida da morte.
Ambas dirão, de seguida:
“Muda agora!” E o recorte
Não permite mais demora:
Chegou de mudar a hora!
Bem
Os que aos outros fazem bem,
Ser úteis não vão tentando,
Tentam gozar vida além.
Conselhos quase não dando,
Servem de exemplo, porém.
Vive aquilo que viver
Sempre desejaste em vida.
Crítica evita a quenquer,
Centra-te em sonho à medida,
Pouco deve parecer.
Contudo, quem tudo vê,
Vê que o rumo que te dás
Melhora o mundo no que é
E assim o ajudas, capaz.
A bênção segue o teu pé.
Andes
Mais ligeiro ou devagar
Não andes que o imo teu.
Ele é que te há-de ensinar
Cada passo que se deu.
Pode ser participar
Num grande combate a fundo
Que ajude acaso a mudar
O rumo à história do mundo.
Outras vezes simplesmente
Será sorrir sem motivo
A um miúdo dentre a gente
Que cruzou na rua, esquivo.
Sem que houveras a intenção,
Poderás ter salvo a vida
Ao ignoto, no desvão,
Que se matava em seguida,
Não fora aquele sorriso
Que lhe deste dar confiança
Naquele instante preciso,
Germinando-lhe a esperança.
Inútil
Quando dizes: “sou inútil”,
A ti próprio dás resposta
À pergunta sempre fútil
Que nos faz perder a aposta.
É que em breve envenenado
Por ela estás. Morrerás
Ainda em vida finado,
Embora aquele que jaz
Continue a andar, comer,
A dormir e divertir-se,
Tal qual como outro qualquer
Que perca a vida a fugir-se.
Não tentes ser útil, não.
Tu próprio ser antes tenta,
É quanto basta em teu chão,
É a diferença da ementa.
Inutilidade
Sem respeito pela idade
E sem pedir permissão,
Sentir a inutilidade
Corrói no imo o coração.
Repete ela impunemente:
“Ninguém se importa contigo,
Não és nada, sê coerente,
Ninguém quer-se a teu abrigo.”
No intuito desesperado
De dar um sentido à vida
Buscam muitos nalgum lado
Uma religião seguida.
A luta em nome da fé
Fundamenta gesta grande,
Pode um mundo pôr de pé,
Afinal, é Deus que mande.
E transformam-se em devotos,
Depois, em evangelistas,
Por fim, fanáticos botos,
São da intolerância as listas.
Não vêem religião
Em compartilhar mistérios,
Comungar na alumbração.
Nunca erguer de armas impérios,
Nunca oprimir, converter
Outro à força, de seguida.
- De Deus o milagre a ser
É manifestar a vida.
Vitória
Se a vitória não chegar,
Chega da próxima vez.
Se na próxima falhar,
Para a frente há mais talvez.
O pior não é cair,
É ficar preso no chão.
Falhado é quem desistir,
Os mais, vitoriosos são.
Inundação
Um homem de fé ficou
Preso na casa devido
A uma enorme inundação.
Enquanto a água trepou
Em torno ao prédio subido
Ele pôs-se em oração,
Confiante de que o Pai
O salvaria por fim.
Rapidamente, porém,
A torrente o obriga e vai
A trepar, aflito, enfim,
Para o telhado que tem.
Continua, ainda assim,
Dele com as orações.
Dois homens passam num barco,
Da casa junto ao confim
Borbulhando em turbilhões,
Espaço lhe arranjam parco.
Recusou, lhes respondendo:
“O Senhor me salvará.”
Já com água nos joelhos,
Um barco a motor, correndo,
Cruzou, com a oferta lá
De o salvar, junto a alguns velhos.
“Não, obrigado” – responde –
“Eu tenho fé no Senhor
Para minha salvação.”
A um helicóptero, donde
Uma corda lhe vão pôr
Ao alcance, acena um não,
Embora as águas lhe dêem
Pelo nível do pescoço:
“Salvar-me-á meu Senhor.”
Em vez disto as ondas vêm
Com um volume tão grosso
Que o afogam no fragor.
Após, ante o Criador,
Logo o homem protestou:
“Porque é que não me salvaste?
A minha fé, com vigor,
Em ti nunca vacilou.
Desiludiste que baste!”
E Deus trovejou então:
“Desiludi-te?! Mas como?!
Eu mandei-te um barco a remos,
Um a motor, sempre em vão,
O helicóptero, de assomo...
Que mais queres que te demos?”
Abre
Se queres que outra pessoa
Abra o coração que é seu,
Abre também, numa loa,
O coração que for teu.
Melhorar a relação
Se com outrem o pretendes,
Melhora contigo então
A relação que a ti rendes.
Se sentir mais confiança
É o que pretendes aqui,
Aprende a tê-la na trança
Com que te atares a ti.
Se quiseres mais amor
Sentir, desejo singelo,
Começa por te propor
A mais por ti próprio tê-lo.
Se desejas bem tratado
Ser, tal fim ao te propor,
Então, contigo, cuidado,
Tens de tratar-te melhor.
Se respeitado quiseres
Ser, que a ti próprio te aceites,
Que o primeiro dos deveres
Será o de que te respeites.
Que te enganem se não queres,
Então, antes que te ufanes
Em meio a teus afazeres,
A ti próprio não te enganes.
Inexplicável
Quando um facto é inexplicável,
Se ele existir realmente,
É negá-lo insofismável
Atitude de demente.
De nada serve negá-lo.
Será um erro recusar,
Só porque me causa abalo,
O que não entendo a par.
Custe quanto me custar,
Uma ausência de evidência
Jamais nos há-de implicar
A evidência duma ausência.
Competitivo
O impulso competitivo,
Nossa autodefinição
E de tudo quanto é vivo,
É que compõe o padrão
Da mundivisão que cria
As nossas crises globais
Que nos matarão um dia.
Se recupero os varais
Onde ato as relações, fundo,
Que nos atam com os mais
É que curarei o mundo.
Apesar
Apesar da propensão
Para o individualismo
E para a competição,
Maior impulso, de abismo,
É o de criar ligações:
Como a formiga antecipa,
Desespero em solidões
Por jogarmos em equipa.
Necessidade
A necessidade humana
De não estar separado
Mas, ao invés, encaixado
No que em redor nos irmana
Requerida pode ser
Tanto a nosso fado e sorte
Que não a satisfazer
É questão de vida ou morte.
Ajudamos
Ajudamos se perdemos
Nossa individualidade
Para entrar com o que temos
Num espaço de unidade.
É uma extensão natural
O altruísmo que acontece
Quando abandono o local
De mim próprio, bem refece,
Para ocupar a lonjura
Doutrem na minha procura.
Âmago
No âmago de cada qual
Compreendamos que melhor
Findamos quando, afinal,
Temos, em qualquer pendor,
A visão mais abrangente
Do que for nosso interesse:
A que abranja toda a gente
E que a todos entretece.
Atracção
A atracção da plenitude
Por dentro de cada qual
Pode invocar quanto grude,
A restaurar, conjugal,
A harmonia, sempre após
As diferenças profundas,
Transgressões que cortam nós...
- De Infindo ali tudo inundas.
Perdão
O perdão é que restaura
E corrige a distorção
Da relação já sem aura,
Pois através do perdão
As partes, enquanto tais,
Voltarão a ser iguais.
Superior
Um superior objectivo
Criar para ter em mente
É o modo certo e mais vivo
De lograr a paz em frente.
Mesmo no mundo somítico
Do que é o conflito político.
Quotidiana
A vida quotidiana
Pode sempre ser vivida
Tendo em conta o bom que emana
Para o mundo e dele a lida
Como o que é bom para mim:
- Este trilho é que é o meu fim.
Justiça
Qualquer falta de justiça
É tóxica para todos,
Ricos e pobres da liça,
Feridos de mil e um modos.
Diferir na recompensa,
Dá-la grande à melhor gente,
Pode induzir quem a vença
Seu melhor a pôr presente.
Porém, na comunidade
Diferenças actuais
Não convencem de equidade,
São grandes, grandes demais.
Semente
De verdade uma semente
Procure na posição
De qualquer seu oponente
Em lugar de entre a visão
Dele e de si procurar
Diferença a contestar.
Opostos
Veja os que têm opostos
Pontos de vista tal nós
A tentarmos, de olhos postos
Num rio sem vermos foz,
Solver juntos o problema
- E a terceira via é o lema.
Escolha
Escolha o que seja bom
Para si mais para todos
Os membros do grupo com
Que esteja visando os bodos,
Em casa como no talho,
Numa aldeia ou no trabalho.
Benefício
Olha para o benefício
Que têm para a humanidade
Quaisquer bens de teu ofício,
Que só lucro não te agrade.
Duma empresa a mais-valia
Trepa então por esta via.
Viatura
Viatura te considera
Da união doutrem contigo
(Nem se é diverso pondera):
- O objectivo é dar abrigo,
Em vez de algo tão egoísta
Como ter sempre razão
Ou pretender ter em vista
Dele obter algum quinhão.
Ligações
As ligações escondidas
Entre ti descobre e os mais,
Quer na fé, quer nos locais,
No sexo, nas demais vidas...
Os partidos contrapostos
Interesses têm comuns:
O amor à família, os rostos
De Deus, de filhos alguns,
Até do lar e País...
Todos boa economia,
Comboios bem nos carris
Pretendem, mais tudo em dia.
Resolver fazê-lo juntos
Dá-nos a oportunidade
De unir-nos em tais assuntos,
Gerando a maturidade.
Encolhem as diferenças,
De tão superficiais,
E diminuem, nas crenças,
De importância em rumos tais.
Cerebral
Se com outros trabalhamos
Para um bem comum qualquer,
Nós literalmente entramos
No que na união impere:
Na igual onda cerebral.
Pequenos grupos unidos
Num objectivo final
Superior nalguns sentidos
Dão coesão social
Maior do que a do dinheiro,
Do emprego, da luta real,
Do lar em tamanho inteiro.
A felicidade-mor
É a dos vizinhos na ajuda
Duns aos outros, no fervor
Em que tudo a tudo acuda.
Transcendente
À dor doutrem ligação
É o aspecto transcendente
Duma qualquer relação.
Uma centelha presente
De coragem a se abrir
Ao momento de ousadia
E confiança, ao haurir
O coração que asfixia,
A divisória pulando
Da cerca que nos separa.
Os muros vão já tombando
Mal a fusão nos ampara.
Cooperativo
Tu, sempre cooperativo,
Inaugura a relação,
Mas pune com deserção
Qualquer desertor esquivo.
E cooperante dá
Ao que cooperando vá.
Sê, porém, clemente e justo,
Não desates a punir
Desertores com mais custo:
Uma vez basta, a seguir
A uma atitude egoísta,
E depois retoma a pista.
Programação
A nossa programação
Acaba ao fim reforçada
Se me enxergo aqui no chão
Como um todo na fornada
Da humanidade integral
E vejo o mundo tal rede
De interacções, ao final,
Significativa a que acede.
O altruísmo uma extensão
Natural parece ser
Do que for educação
Cheia de amor, bem-querer,
E de equilíbrio, por dentro
Do que é uma comunidade
De estreitos laços ao centro.
Quando a união nos invade,
Mostramo-lo na atitude
Com quenquer que a gente grude.
Condição
A tese mais duradoira
Sobre a condição humana,
O núcleo que o mal me agoira
E que a existência me engana,
É o da nossa solidão,
Do mundo a separação.
Óbvio é como existimos,
Indivíduos isolados,
Autónomos nos arrimos,
A viver dramas pegados
Individuais. Quanto ao resto,
Não é mais de meu apresto,
Átomo, célula, alguém,
Ser vivo, animal ou planta,
O planeta ou mesmo além,
Até o ar que aos peitos canta,
- Separado enquanto o pinto,
É inteiramente distinto.
Embora a vida comece
De unir dois numa entidade,
A ciência até parece
Que, a partir de tenra idade,
Diz que, no fundo, sozinhos,
É que brotamos dos ninhos.
O mundo é o outro, inegável,
A avançar, sempre impassível,
Connosco ou não, imparável.
Nosso coração tangível
Bate dolorosamente
Na solidão, finalmente.
Competitivo modelo
De individualismo cego,
Luta heróica é dele o apelo
Pelo domínio que emprego
Sobre elementos hostis.
E que parcos meus perfis!
Os mais podem ser mais fortes...
O possível, o impossível
Hei-de ter como meus nortes
Para cumprir o exigível:
Para ser eu o primeiro
A agarrar o bem cimeiro.
Quando é que veremos, quando,
Que isto é que nos vem matando?
Invento
Todo o invento social
Baseado em competição,
Individualismo tal
Que mais não vejo em meu chão,
Vai contra o meu ser mais fundo
Que me enraíza no mundo.
O impulso por parceria
E por cooperação
É o que a vida em nós avia
E não a dominação.
É o que a física figura
Na biológica estrutura.
E de nós a maioria
No mundo desenvolvido
Já não vive em harmonia
Com da natura o sentido:
Estamos constantemente
Influindo em toda a gente,
A afectar toda a matéria
E a ser por ela afectados,
Em união constante e séria
Mudando em todos os lados.
Uma drástica aliança
Requer de nós esta dança.
Como nos relacionamos
Connosco e da vida os ramos?
Necessidade
A necessidade de ir
Além de minha fronteira
De indivíduo, de seguir
Ligando-me aqui à beira
A um grupo é primordial
De tal modo que é vital.
É o factor determinante
De ir saudável ou doente,
Até de viver adiante
Ou de morrer de repente.
É mais vital para nós
Que qualquer dieta ou pós
Ou de exercícios programa.
Contra as toxinas protege,
De adversidades a gama.
A ligação que se elege
Onde a mim eu for idêntico
Gera-me o ser mais autêntico.
Benfeitores
Têm sempre os benfeitores
Várias virtudes primárias
Que os distinguem, por melhores,
Do que as não tem por vicárias.
Delas a mais importante
É que olham sempre adiante
Algo em comum com os mais,
Por mais contrários que sejam:
Encontram sempre sinais
De semelhanças que almejam,
Por mais que fora ligeira
A similitude à beira.
Depois cumprem sempre à letra
A regra de oiro moral:
Faz aos mais o que te impetra
O teu desejo, afinal,
Quando espera o que faria
Outrem por ti todo o dia.
Impelidos
Nós não somos impelidos
Outros a ajudar apenas
De os imaginar feridos.
É por compaixão das penas,
Sentindo sincronizados,
Que os queremos ajudados.
Além da noção de “eu” vamos
Assumindo a perspectiva
Dos outros com quem lidamos
Quando a dor doutrem eu viva,
Ao invés de a imaginar,
Quero então mesmo ajudar.
Todo o altruísmo requer
Que do meu estado de alma
Saia para o de quenquer,
Mesmo que em dor troque a calma.
Será tal capacidade
Que me mede de verdade.
Revezar-se
Revezar-se não é apenas
Chave de cooperação,
Cola primária das cenas,
Comunidade em acção,
Mas também uma estratégia
De evolução mais egrégia.
Todos ficarão melhor
Por um ao outro somente
Se revezar no labor.
De fazer é ter em mente
Aos outros o que desejo
Que me façam neste ensejo.
Se quer ser bem sucedido,
Não é de reclamar loiros
Em quanto for empreendido.
O que nos traz mais tesoiros
Vai ser, em cada entremez,
Aguardar por nossa vez.
E, nela, ir mais longe e fundo
No que for o novo mundo.
Atomizado
A maior parte de nós,
No mundo desenvolvido
Vive o mundo feito em pós,
Atomizado o sentido,
Sem a ligação viver
Subtil das coisas que houver.
É a visão afunilada
Do dado individual,
Seja um objecto, de entrada,
Seja eu próprio, por igual,
Ou mesmo o cerne da história
Ou o herói tido em memória.
Treino-me para entender
O mundo tal colecção
De objectos a sós a ser,
Cada qual em solidão.
Mesmo uma ideia, de entrada,
Há-de ser bem isolada.
Olhar tudo em separado
É ver do ponto de vista
Particular do privado.
Caracterizar-lhe a pista,
Ler-lhe as relações causais
Nos termos dele, sem mais.
Procuramos o elemento
Central e fora do meio
Que ocupa sempre, afinal.
Treino a atenção neste enleio,
Nunca mais vejo a floresta
Nas árvores que me empresta.
Fundamental
O que é mais fundamental
É buscar a ligação,
A unidade germinal
Para avançarmos então,
Como agora mais convém,
Do individual para além.
Quando olhamos para o mundo,
Tudo o que vemos são coisas
Individuais contra o fundo,
Separadas, onde poisas,
Sem relação entre si.
Doutro modo eu nunca as vi.
Nossos básicos impulsos
Sobre nós próprios vão contra
A forma como nos pulsos
Tomamos do mundo a montra,
Como interpretamos, lemos
Esta teia onde vivemos.
Ao aprendermos a ver
Entre as coisas que espaço anda
Poderemos aprender
A ligação que as comanda,
Que sempre ali tem estado,
Mas invisível no prado.
Iremos reconhecer
O que era mais invisível:
De nós o impacto que houver
Sobre outrem, por mais incrível,
Como sobre o que nos cerca,
Para o ganho ou para a perca.
Vamos reparar no efeito
Em onda de cada acção,
Numa cadeia, de jeito
Que o ser todo abarque à mão,
Tudo o que é vivo, actual,
Todo o mundo natural,
Amigos na longa rede,
Membros da comunidade,
Noutros países com sede
Gente que meu gesto invade,
Que ajudamos ou lesamos
Com o que quer que façamos.
Na inquietação dum pardal
Ver eventos em cadeia,
Num peixe a nadar, sinal
De maré de Lua Cheia,
É ver no espaço, o que abate
Da diferença o dislate,
Para, em terreno comum,
Encontrar que somos um.
Leitura
Nossa leitura do mundo,
A forma como nos vemos
A nós próprios em tal fundo
Governa o que lá colhemos,
O que acabamos por ver,
Seja lá quem for quenquer.
Andamos tão ocupados
A separar, separar,
O individual dentre os dados
Sempre, sempre a procurar,
Em lugar da ligação,
Que, às vezes, a conexão
Vital não vemos presente
Mesmo, mesmo à nossa frente.
Ganho
Ganho quando e apenas quando
Eu e tu ganhamos juntos.
Melhor me sinto ligando
Com alguém, em meus assuntos,
Custe aquilo que custar.
Como servi-lo lograr?
Juntos sempre estamos nisto
E sempre juntos lutamos
Nos bons momentos que alisto
E nos maus que exorcizamos.
Somos sempre nós mais eles,
Não nós outros contra aqueles.
O bem da comunidade
Melhor faremos cuidando
De nós próprios quanto agrade
Mais dos mais, as mãos nos dando.
Olhando assim pelo Todo,
Pelo Infindo então já rodo.
Iguais
Dos iguais a nós gostamos
Que dos ideais partilhem,
De atitudes como ramos
Que juntos nos envencilhem,
Personalidade igual
E postura emocional.
E em conflito nós tendemos
A entrar com os diferentes:
Tender a que nos juntemos
Aos connosco mais coerentes
Só serve a nos separar
Dos outros que não são par.
Nossa individualidade
Tal reforça com noção
De termos a identidade
Melhor das que houver à mão.
Todavia, ao me propor
Dentro dum todo maior,
Ao invés começo a agir
Diferente como os mais.
Ao aprender, a seguir,
Perspectivas outras tais,
Novo trilho então me oferto
Para a vinculação certo.
Logo encontro a ligação
Facilmente mais profunda
Sempre ali presente, à mão,
E a diferença jucunda
Abraço nesta alargada
De vínculo nova entrada.
Vencer
Que vencer é uma vitória
Sobre outrem é crença errada,
É o cancro de má memória
Que a todos nos veda a estrada,
Responsável pela crise
De hoje onde o mundo deslize.
A competição provou
Ser recurso perigoso,
Obsoleto quando vou
Num negócio ver se entroso,
Na educação, nos afectos,
Nos problemas, nos projectos...
O vício de competir
É o maior impedimento,
Doravante, a progredir.
A pesquisa de momento
Mostra estudante, empregado,
Gerente ou o par casado,
De negócio o proprietário,
Vizinhos – bem mais felizes,
Saudáveis, com fruto vário
De mais fecundos matizes,
- Quando colaboram juntos
A resolver os assuntos.
Sentimento
Sentimento religioso
É mera compreensão
De que eu ao Todo me entroso,
Incindível relação
Com a realidade inteira,
Sabida ou ignota jeira.
Viver que todos são um
E que um é todas as coisas,
Das marés ir cada um
Às estrelas onde poisas
E uma outra vez às marés
- Eis a vida sem revés.
Forjada
A relação é forjada
A maioria das vezes
A partir da ideia errada
De termos iguais arneses:
De ser igual tudo tem
Para ao fim nos darmos bem.
Qualquer conflito é tomado
Como antítese à vivência.
Se alguém de nós discordado
Houver, então, por essência,
É estúpido, acaso mal
Formado no que ali vale.
Julgamos que é requerido
Debater, demonizar,
A ignorância do bandido
Ao mundo denunciar.
Em tua cabeça o que herdes
É que, se eu ganho, tu perdes.
Manter uma relação
Num todo maior centrada
É tomá-la em si então
No espaço focalizada
Que separa os envolvidos,
A cola que os tem unidos,
Mormente se não concordam
Um com o outro alguma vez.
As discordâncias acordam
Uma ocasião, talvez,
De criar algo de novo
Ali juntos desde o ovo,
Que jamais conseguiriam
Caso sempre concordassem.
Se um todo maior erguiam
Nas mãos que se amalgamassem,
Começam a agir de forma
Outra com outrem, por norma.
A muda de perspectiva,
Viatura a se ofertar
À vinculação mais viva,
Logo à união vai parar
Que sempre se encontra em frente
E abraçará o diferente.
Importaria
Mal sabíamos de amor,
Mas que é que isto importaria?
Tínhamo-nos com fervor
Um ao outro todo o dia
E éramos, desde as raízes,
Deveras muito felizes.
A seu tempo descobrimos:
Nem tudo na vida corre
Como o plano que gerimos...
Que importa que o papel borre?
Se continuamos a ter-nos,
Um ao outro, sempre ternos,
Somos, em quaisquer matizes,
Deveras muito felizes.
Estraguei
Quando é que eu estraguei tudo?
Quando o importante da vida
Foi para segundo plano.
Surdo, a noção perdi, mudo,
Uma memória esquecida
Do bom início, sem dano:
A vida é simples, perfeita,
No começo, ao sonho afeita.
Esgravates
Tua resposta anda ali,
Mas não esgravates muito.
Busca a fruta que entrevi
Nos ramos baixos, fortuito,
Que o melhor da vida inteira
Cai maduro para o chão
Geralmente mesmo à beira,
Mesmo ao alcance da mão.
Aproximar
Como vou-me aproximar
Do espiritual eu genuíno?
- Com amor e compaixão.
Não são abstracções pelo ar,
São concretos, gesto fino,
Do espiritual mundo o chão.
Órfão
Órfão embora, és amado,
Apesar de abandonado
Na terra materialista.
Porque tentar ver quem sou,
De meu berço atento à pista,
Para onde é que aqui vou,
- Isto órfão far-me-á sentir
Erradamente a seguir.
E se eu não recuperar
Memória da ligação
Ao Amor maior a par,
Ao Criador a União,
Sentir-me-ei sempre perdido
Aqui na terra do olvido.
Preocupe
Que ninguém se preocupe,
Está tudo bem deveras,
Que o mundo anda, em quanto ocupe,
Como deve ser nas eras,
Não temos nada a temer,
Nem dele, nem de quenquer.
Se me sinto atormentado
Por uma preocupação,
Quotidiano míope fado,
Os reconfortos virão
De no Cosmos ler carinho
Com que nunca estou sozinho.
Nervoso
Lá porque estarás nervoso,
Não terás de o parecer:
Quem logra dentro em ti ver?
Projecta o mais valioso
Que em ti pode ver quenquer.
Fundamental
O fundamental vem do imo
E apenas de alma há-de ser,
Além do que vir ao cimo,
Do que tocar em quenquer.
É sempre além da matéria
Que a matéria devém séria.
É de olhar e respeitar
Outrem pelo coração,
De por fim me libertar
Desta mera observação
Pela qual, por todo o lado,
Sempre estou condicionado.
Manter
Manter uma relação
É, para além da alegria,
Toda a diária tensão
Para resultar magia.
É de aprender a ceder
Como é de outrem aceitar
Nas fraquezas que tiver,
Nas escolhas por que optar,
Na matriz das bem-querenças:
- Respeitar as diferenças.
Melhor
Posso não ser o melhor
Mas posso sempre tentar
Dia a dia melhorar,
Um passo além no que for.
Não é conquistar o mundo,
É uma conquista interior.
É um dom da vida maior
Esta certeza, no fundo,
De que amanhã terei mais
Ocasião de ultrapassar
O que fiz: posso mondar
O pão com que encho os bornais.
Dais
Pouco dais se dais aquilo
Apenas que vos pertence.
Quando vos dais, no sigilo
De vós mesmos, já convence:
Aí, mas aí somente,
É que vós dais realmente.
Parte
Mais importa compreender
Que sou parte do mistério,
Dum incompreensível ser,
Do invisível sob o império,
Do que tentar decifrar
O misterioso, o intangível.
Dos porquês jamais a par
Hei-de estar, do inatingível,
Mas posso sempre tentar
Meu para-quê alcançar.
Sucedido
Para ser bem sucedido
Ninguém deve preocupar-se:
Deixe correr, sem disfarce,
Quanto a vida houver corrido.
E corra por ela além
Como melhor lhe convém.
Punir
Por vezes é bom punir.
Se ao mal retribuis com bem
Como irás retribuir
Ao bem que, a seguir, te advém?
Mas mais conta o principal:
- Que ao bem se converta o mal.
Aconchego
Neste arco-íris de teus braços
Me aconchego o dia inteiro
E a poeira das estrelas
Caminha nos teus abraços
Noite fora, num leveiro
Sonho que vence as procelas.
O meu coração rebrilha
Como as águas rio além
Em remanso que se esquece,
Mas desmaia milha a milha
Quando a lua que és, meu bem,
Já no horizonte esmorece.
Assim é que, ao teu luar,
Para que sempre alumie,
Serei a neblina a par
Que em meu peito acaricie.
Deslizamos sem atrito
Abraçados no Infinito.
Prefere
O fogo à mediocridade
Prefere, à facilidade
Daquela não-existência,
Da maior parte vivência
Dos que em caminho conferes,
Dos homens e das mulheres.
Não sejas mais um cobarde,
O fogo prefere que arde!
Muralhas
Em vez de encastrar muralhas
Cada vez mais e mais altas
Que nunca extinguem as falhas,
- Vê que à paz íntima faltas.
E então, pois, muda de rumo:
É a paz que à vida traz sumo.
Destroem
É o desejo insaciável
Bem como o medo da morte
Que à felicidade instável
Nos destroem o transporte.
Já se operam comedidos,
Abrem à vida os sentidos.
Corrigir
Corrigir num dia o mundo?
É bom nem acreditar!
As novidades profundo
Escândalo irão tramar:
A impaciência é funesta,
Grande carga mata a besta.
Oferta
Quando a vida, de bandeja,
Algo nos oferta, então
Há que aproveitar, senão
Pagamos caro o que seja.
Que a vida, ao atar os nós,
Sabe sempre mais que nós.
Importa
Importa não deixar-me enfraquecer
Nem me manipular, intimidar.
Evitá-lo não é para quenquer.
A inocência, porém, é singular:
Quebrada, alerta para estoutro abrigo:
- Qualquer um pode ser meu inimigo.
Mais
O que mais conta na vida
Não é só termos vivido,
É a melhoria atingida
No que outrem houver fruído.
E é o que dá significado
À vida que houver levado.
Complicado
Quando tudo é complicado
E nado contra a corrente,
Pois muito provavelmente
É que estou pondo de lado
De Deus a vontade ouvir
- E não a irei, pois, cumprir.
Alegres
Podemos andar alegres
Mesmo quando esborrachados
Por problemas que não regres
Terrenos vindos dos fados:
Não é o imo atropelado
Se a Deus tudo hei entregado.
Incerteza
Quando a incerteza colide
Com a rotina, desato
A analisar o que incide
Em minha vida e meu trato:
Relevo quem é importante
E porque é que é relevante.
Mercancia
A alegria e o prazer
Só valem se transmudados
Em mercancia a vender?
Nada melhor há-de haver
Que os rios ter represados,
Em pântanos transformados?
Procuras
Se procuras a verdade,
Podes encontrar conforto
No final que mais te agrade.
Se a procura de teu porto
Ao conforto te persuade,
Não encontras em teu horto
Nem conforto que te baste,
Nem verdade, que a não prezas.
Só adulação que te gaste,
Esperança vã nas presas
Que contornam teu engaste.
- Só desespero ao fim pesas.
Falar
Antes de falar, repare:
É necessário, gentil,
Não vai ninguém magoar?
Ou antes, se se calar,
Logrará melhor perfil?
Sorte
Terás de tentar a sorte
Uma vez por dia, ao menos,
Caso contrário, teu porte
Acabará no desnorte
De todo o dia os acenos
Serem de sorte a valer
- E tu sem nunca o saber!
Aptos
Os mais aptos e capazes
Para o topo são aqueles
Que, pretendidos, tenazes
Recusam, anjos imbeles.
Não são, pois, os ansiosos
Que o buscam só pelos gozos.
Suor
Ser um bem ressuscitado
Após ser um mal nascido
É a sorte ter emendado
No suor do bem vivido.
Ser um mal ressuscitado
Após ter nascido bem
É o pior degenerado
Que a natureza contém.
E é tudo da actividade
Que o bem ou mal por nós grade.
Cabe
Onde cabe alguém com Deus
Não cabem os mais com ele?
Não cortes lugar aos céus,
Corta a inveja que atropele,
Que aí caberemos todos,
No igual lugar, iguais modos.
Omissão
A omissão será o pecado
Mais fácil de cometer
E difícil, em dobrado,
De depois se conhecer.
O que fácil se comete
E difícil se conhece
Mui raramente promete
A emenda de que carece.
Pior
O menos mau se perdeu
Por aquilo que ele fez.
O pior perdeu o céu
Pelo não feito de vez.
E era o que fazer devia
Mas distraiu-se algum dia.
Restituir
Quem desperdiça o momento
Como o pode restituir?
Fazenda trá-la o intento,
A fama até torna a vir,
Mas o tempo, o tempo, em suma,
Tem restituição alguma?
Juízo
Porque dum juízo humano
Faremos nós tanto caso?
Penitente por engano
É o que, afinal, eu me aprazo:
Nada ligaria ao mundo
Se penitente me fundo.
Julgado
Ser dos homens bem julgado
Que tem, se vos não salvais?
Se vos salvais, doutro lado,
Que importa ser mal julgado
De homens que nem vereis mais?
Revogado
Juízo de Deus perdão
Nem na terra nem nos céus
Pode ter-nos alcançado.
Dando a volta o coração,
Logo o juízo de Deus
Finda de vez revogado.
Perfeição
A perfeição desatada
São infinitas virtudes.
Atada, porém, colada
A uma apenas a que a grudes,
Podes vê-la em todo o lado,
Fermento à massa moldado.
Reduzir tudo à unidade
Multiplica a faculdade.
Cera
Como o mel anda na cera,
Anda a devoção na letra:
Se à letra vês o que lera,
Gostas do mel que a penetra.
Já se o não vedes, orais
Tal se a cera mastigais.
Antigos
Os antigos não disseram
Tudo nem nunca acertaram
Em tudo o que propuseram
Nem com tudo concordaram.
Deverei buscar certeiro
O que julgar verdadeiro.
Daquilo que não falaram
Terei de falar sem eles,
Em quanto não acertaram
Fujo a opiniões imbeles,
Onde eles não concordaram,
Ou sigo quem entender,
Ou, como os que já cansaram,
A todos, se parecer,
Abandono, de mansinho,
E procuro o meu caminho.
Abate
Quão mais cada qual se abate
E de humilde se esvazia,
Tão maior lugar acate
No vácuo que em si abria,
Destinado a vir ser cheio
Da prenda que é Deus que veio.
Adorável
Adorável, no Natal,
É ser como a tempestade
Insofismável, fatal,
- E enfrentarmo-la, afinal,
Todos juntos com vontade!
Atolado
Se com a infelicidade
Atolado me sentir,
Lembremos que nossa idade
É contada ao se cumprir.
Melhor é tomar partido
Dos dias que nos restarem,
De acasos neste sortido
Que os fados nos combinarem.
Perigoso
É o amor bem perigoso,
Pois faz calar a razão.
Mas perigo há mais danoso
Que calar o coração?
Amar, pois, com consciência
Em lugar de cegamente
Traz ao amor a prudência
Da força que o amor sente.
Falhar
Ninguém gosta de falhar
Mas o falhanço é da vida,
De aprender preço a pagar.
É limpa a equipagem? – Logo,
É porque não foi a jogo.
Antes
Antes de haver meu e teu,
Mutuamente nos amávamos.
Meu com teu se intrometeu
E eis que entre nós nos matávamos:
A mim já me não amais,
Mas ao que é meu, vão destroço;
Não vos amo enquanto tais
Mas apenas ao que é vosso...
- Urge tornar à alegria
Da raiz que se fruía.
Peita
A quem não peita o dinheiro
Peita-o bem mais a amizade,
Dependência por inteiro,
Respeito por quem agrade...
Não sendo de oiro nem prata,
Quanta injustiça que mata!
Honrada
O prémio de acção honrada
Ela nela sempre o tem,
Não o aguarda de ninguém,
Satisfeita da jornada.
Neste instante em que a fizeste
De vez te satisfizeste.
Deserto
Quem habita no deserto
Livra-se, sem mais cuidado,
Da escuridão que, por certo,
Mora sempre no povoado.
A quem povoado é prisão,
O deserto é paraíso.
Se naquele vive, então,
Talha a cela em qualquer viso.
Somente os sós descobrir
Vão a voz do Infindo no imo,
Colhem frutos de porvir
No eterno pendor do cimo.
Recolhimento
Por vezes mais gosta Deus
Do recolhimento em si,
Portas adentro dos céus,
Que das pegadas aí
De quem muito se cansar
De mais longe o ir buscar.
Busca
A quem busca Deus convém
Saber onde é que ele está
E onde não está também:
Onde achar O pode lá,
Como onde, sem o querer,
O acabará por perder.
Germina
Germina o amor nos olhos
E quem com olhos tapados
O pintou só viu abrolhos,
Não os viu iluminados.
Devia, pois, estar cego
Para assim cair no pego.
O amor vivo, o verdadeiro,
Sempre está de olhos abertos,
Que sempre vela, pioneiro.
Quem os véus tirou despertos
Ao amor mostrou-lhe a cara:
Desvelada é jóia rara.
É grande madrugador
Como quem cuidados tem,
O que sempre tem o amor:
Não dorme, que não convém.
O amor é de inquietas chamas:
Muito descansas? Não amas.
A labareda de fogo
Alguma vez se aquieta,
Ou queimando em cera logo,
Ou na carvoeira mais preta?
Jamais, sempre antes tremendo,
Não de frio mas ardendo.
Por nunca se aquietar,
O amor não pode dormir.
Os sentidos vão vagar
Mas o amor vela a seguir
Porque lhe faz sentinela
O coração em tal vela.
Durmo, mas meu coração
Fica sempre de vigia,
Os olhos fecham-se em vão
Porque o sono lhes fugia.
Sono e amor ali batalham
Nos olhos onde trabalham.
O maior despertador
Dos sentidos e cuidados
Em nós vai ser sempre o amor
Cujos desejos doirados
Mais que o tempo são velozes,
Esperas tornando atrozes.
Dar
Dar a quem merece ou não,
Ou só dar a quem merece?
Além dar causa lesão,
Aqui premeia na messe:
É só dar a quem tem mérito,
Que a todos calará o crédito.
Tentação
Do Ministro a tentação:
- Se o povo se destruir,
Terei grande aumento à mão.
Que escolha irei decidir?
Se eles mingam, cresço eu:
Quero o deles, quero o meu?...
Ministro que assola o povo
Para aquele então crescer,
Da destruição em ovo
O degrau de subir quer.
Ministro não é ministro,
É açoite de Deus sinistro.
Perdição
Por vezes a perdição
Vem de ocorrer-nos aquilo
Por que esperamos. Então,
De nossa cura o sigilo
É de não nos ocorrer
O que ali se pretender.
E de acolher, de seguida,
O que quer que traga a vida.
Paz
Gerar entre os homens paz,
Só uma concórdia entre todos
Bem ordenada é que a traz.
Concórdia por outros modos
Paz não traz, é de ímpios lema,
De alguma impiedade tema.
Todo o império de quem manda,
A obediência do mandado,
Ele na lei ordenanda,
Este a ela sujeitado,
- O que importa, nos acordes,
É que ambos sejam concordes.
Da parte do superior
Requer a lei igualdade
E da parte do inferior
Paciência até que grade
O terreno de cultivo
A justiça do que é vivo.
Dom
Se com palavras ensinas,
Com o teu dom persuade
Aqueles a quem te inclinas
De que a paz quer igualdade.
Sem igualdade com todos
Não há paz que valha aos bodos.
Guerras
Todas as guerras do mundo
São para atingir a paz.
Do saber todo as inundo,
Do poder que lhe anda atrás,
Despendo toda a riqueza
- E é paz que, ao fim, se lá preza.
Mas é sempre um fundo engano:
O que a guerra traz é dano.
Não se conquista com armas
A paz, mas com uma espada:
A da justiça com que armas
Equidade em tua estrada,
Todos tratando de igual
Para o bem e para o mal.
Iguais
Desigualdade dos pais,
Iguais sendo ao dar o ser
Mas não no favorecer,
Ao amor traz danos tais
Que acabarão por perder
Todos os filhos que houver.
Ponto
Tudo no mundo se inclina,
Apenas um ponto, não:
O centro a que se destina
Em redor o turbilhão.
Não se inclina a parte alguma,
Que se se inclinara a uma
Ou outra parte qualquer,
Todo o mundo ia ceder.
Se contigo é de levar
As inclinações de todos,
A nenhum é de inclinar
E atarás laços a rodos.
Centro do mundo político
E familiar é crítico:
Tem o mando e dele o esteio
É que em rigor fique ao meio.
Manda
A quem manda, este lugar
Requer se saiba propor:
Melhor é não se inclinar
Do que inclinar ao melhor.
O bom mando tem destino:
A não me inclinar me inclino.
Jeito
Todo o amor causa ciúmes,
Tal como o favor, invejas,
O terror, ódio aos cumes
E o tédio com que bocejas.
O igual só e para todos
Dá da paz o jeito e os bodos.
Desigualdade
Desigualdade no mando
Com súbditos desarmados
De paciência, eis o comando
Que em guerra os leva embrulhados.
Se a paciência os armar,
Fortalecer contra os tiros,
Que desigual patamar
Lhes pode mudar os giros?
Nenhum há-de ser tão forte
Que a paz lhes troque por morte.
Mútua
Sendo a paz mútua concórdia,
É por isto relativa:
Vinga num lado a discórdia,
Toda se esvai, fugitiva.
A amizade é mútuo amor,
Recíproco entre os amigos.
Se um lhe inimiza o calor
Nem de amizade há respigos.
No amor entre filho e pai
Basta só faltar um deles
E o parentesco se esvai,
Mal estranhos os desveles.
Porém preservar a paz
Pode uma parte sem mais,
Mesmo se outrem for capaz
De guerreias sem finais.
É só responder à guerra
Com a resposta da paz.
É que a paciência enterra
Todo o machado que a traz.
Se te perdi, que eras filho,
Tu não perdeste o teu pai.
E assim, com este cadilho,
Se mantém o que se esvai.
A paz que vem duma parte,
Se for doutra repelida,
Não se perde nem reparte,
Volta à fonte, desmedida.
A paz de Deus se mantém
Em meio à guerra feroz.
Paz do mundo a guerra tem
Escondida em flébil voz.
Chamam-lhe paz e é lisonja,
Paz e é dissimulação.
Dependência espreme a esponja,
Tudo mentira e traição.
A paz duma parte só
É que é vera e então é de ambas.
A do mundo mete dó,
Que tem sempre as pernas bambas.
Diz que recíproca a faz,
Nenhuma delas é paz.
Silêncio
Quantas vezes a tristeza
É a causa-mor do silêncio!
E quantas será o silêncio
A causa-mor da tristeza!
Convivamos com o gozo
De partilhar a alegria,
Que falar nos traz, gostoso,
Do céu nacos de magia.
Atado
Aquele que leva a morte,
O sepulcro atado ao peito,
O que vai pedir à sorte
De comida é qualquer jeito,
Roupa de qualquer jaez,
Nada mais quer do entremez?
Que importa a comedoria,
A pompa ou o espalhafato?
O imprescindível avia
A vida sem desacato,
Mínimo a sobreviver
Ou somente a não morrer.
Tudo o mais é fuga ao risco
Mas ninguém foge do aprisco.
Cuidamos
Cuidamos só ir à tumba
Quando nos ombros alheios
O caixão a vida chumba.
Nunca mais encontro meios
De entender que desde a hora
De nascer vou indo embora.
Após
Porque nos há-de levar
Tanto após si quanto fica,
Sem ninguém se acomodar
Ao que pode transportar
Quando a morte se lhe aplica?
Pegadas
Olha bem tuas pegadas,
Vê quanto ao céu te encaminhas,
Tão mais lesto nas jornadas
Quão mais molesto o que tinhas.
Logo aos pés tu pisarás
Tristezas que se encabrestam
E afligem, vindas de trás,
Pisadas, que a mais não prestam.
Que importa se a vida dopa
E teu pé vai querer torto?
- As tempestades de popa
Levam mais rápido ao porto.
Ir
Ao céu como se pode ir?
Sem padecer se alguém crer,
Se engana por tal seguir.
É labor a revolver,
Adversidades, lesões,
Moléstias, tribulações,
- A casca a partir do ovo
Donde brote o homem novo.
Cabedal
Empenham o cabedal,
Mil e uma mercancia,
Mas ao fim o que é que vale
No céu tanta fantasia?
Jamais o céu é gratuito,
Paga-se o bilhete à entrada:
Aquilo aqui vale muito,
Porém lá não vale nada.
O que vale é o que não há
E quem é bom mercador
Leva de cá para lá
O que lá falta propor.
Ora, o que no céu faz falta,
Porque é mundo de delícias,
É da pobreza a ribalta,
A iniquidade, as sevícias...
Daí que quem dele é eleito
É quem disto sofre o efeito.
Carregado
Quem de dor é carregado
Tem razão de entristecer?
Antes alegre o cuidado:
Anda a abrir céus de prazer.
Pois não nesta, noutra vida
Sempre a via é assim medida.
Antepões
Antepões o teu amor
Mesmo ao que é conveniente?
Em meu amor antepor
Vou tua glória presente
À tua perda e ausência.
Não te choro, pois, ausente,
Festejo a tua excelência.
Perda
Perda de quem se ama, preito
À orfandade em que fico,
É do amor-próprio um efeito
Com que, amando-me, suplico.
Com a perda se alegrar,
À nova glória atendendo
Que quem se ama vai lograr,
Isto é dele o amor crescendo.
Ausência
Se uma ausência for por glória
De quem parte, então a regra
É que mais sente a vitória
Quem com ela mais se alegra,
De lado pondo a saudade
De que, negra, a perda o invade.
Mestre
O mestre, lá da cadeira,
Deveras diz para todos
E a todos de igual maneira,
Porém, não ensina os modos:
Diz a todos, que ouvirão,
E uns aprendem, outros, não.
Para aprender eu me adentro:
Ouvir por fora e por dentro.
Se a luz de dentro for muita,
Muito aprendo na colheita.
Se for pouca, pouca fruta
Vem da terra à seca afeita.
Se nenhuma for, de entrada,
Então não aprendo nada.
Ensinar
Para ensinar é de amar
E, a seguir, de bem saber.
Quem não o ama, como obrar?
Não sabe? Não vai poder!
Ao culto a sabedoria
Mais importa que o amor.
Ao inculto o amor é via
Para um saber lhe propor.
Távola
Mundo é távola redonda,
Sem contenda de lugares.
Não é, pois, justo que a ronda,
Contra a planetária onda,
Desiguale os avatares.
Nós à mesa, que lugar
Tendemos sempre a buscar?
Se redonda não se vê,
Nada igual fica de pé.
Se tivéramos juízo,
O do fim era o de aviso.
Melhoria
Todo o homem quer do mundo
Melhoria de lugar.
Nenhum o tem tão jucundo
Que o mais não queira alegrar.
E, por mais alevantado
E acomodado que seja,
Que o não queira melhorado,
Tão alto que se não veja.
Vai deitar tudo a perder,
Ignora trepar por dentro.
Pois, por dentro ao não crescer,
Perde-se perdendo o centro.
Ficar
Ir ao primeiro lugar
Ou ficar no derradeiro?
O primeiro é de suar,
Este aqui repoisa inteiro,
Ainda com a evidência
De evitar a concorrência.
Derradeiro
O derradeiro lugar
Será sempre o mais seguro:
Quão mais alto o pico alar
Tão mais inseguro o auguro.
Qualquer altura ao que inclina
É, de certeza, à ruína.
Não há neste mundo altura
Que não seja precipício,
Sem outra culpa, se apura,
Que o ser mais alto de início.
É que o ser mais levantado
Em terra finda aterrado.
E, se nem todos caíram,
Todos podiam cair:
Basta poder, não serviram
De seguros a servir.
Seguro, sem mais perigo,
Só no derradeiro abrigo.
Pesam
Se, quando os pesam, maus actos
Se desprezam por pequenos,
Contem quantos desacatos
Lhes provêm dos acenos.
Um homem não mete medo,
Mas se forem aos milhões,
Um império, tarde ou cedo,
Cai-lhes na mão aos baldões.
Um enxame de mosquitos
Vence toda a aviação
Que em terra vem dar aos gritos,
Enferma esmagada ao chão.
Matam mais, quando são muitos,
Que uma baleia no mar.
Actos maus, mesmo fortuitos,
Conta-os antes de os ousar.
Os que os pesam e não contam
Deixam-nos multiplicar,
Não reparam aonde apontam
E ao fim, mortos, vão matar.
Enfermidade
Os que mais temem a morte
Temem logo a enfermidade
Cujo pendor é de sorte
Que a morte logo os invade.
O calor acende o fogo,
O frio tende a apagá-lo,
Em teus actos então logo
Do bem acende o regalo.
A gota que cai na pedra
Opera como o cinzel,
Do ferro, não, que não medra,
Das vezes com que se impele.
Se caíres muitas vezes
Em actos de desacerto,
Nos mortais e mais soezes
Findas a cair, por certo.
Seguro
Quem de escrúpulo seguro
Se dê por um mal que é grande
Sem no pequeno um apuro
Igual ter com que o comande,
Tem a consciência arriscada,
É um perigo e nunca estrada.
Perdido
Andar perdido no tom
São maus gestos adivinhos,
Mas andar perdido é bom,
É sinal de que há caminhos.
Deveras triste em quenquer
É caminhos não haver.
Todos
Todos servem nesta vida,
Nesta vida todos amam.
E a quem servem é a medida
Da eternidade que tramam.
Amar baixo ou amar alto
À balança dá o ressalto.
Toda
Toda a vida humana, toda,
Religiosa embora seja,
Se do fim não tem a coda
Ante os olhos, não viceja.
Vai ser navio sem norte,
Cego sem encontrar guia.
Sem ver bem nem mal, que sorte
O atrai de que fugiria?
Peso
Se a nobreza com a graça,
Marcas do sangue e consciência,
Uma noutra se congraça,
- No mundo, que florescência!
O que mata é o desigual
Peso em nós de cada qual.
Oração
A oração que for perfeita
Não pede a Deus para nós,
Pede a Deus que seja feita
Dele a trilha em tudo após.
E é o que nos beneficia
De raiz, dia após dia.
Apostar
Pedirmos nós para nós
É buscar nosso interesse.
Para Deus pedir na voz
É apostar de Deus na messe.
Despido de mim, perdido,
Sou por Deus recuperado,
De Deus ao mundo subido,
Como a Deus findo igualado.
Perde
O louvor perde por menos,
Que o homem é dele avaro.
O pedido, nos seus trenos,
Perde por mais porque é caro.
Porque, se o homem é pródigo,
É de receber no código.
Nobres
Os grandes que se estimarem
Por mais nobres que os pequenos,
“Pai Nosso” é de não rezarem,
Do “Nosso” não têm acenos:
Como há, com um pai comum,
Alguém mais que qualquer um?
Pedir
Pedir na oração riqueza,
Honra, dignidade, mando
E mais vaidades que preza
O mundo, tanto o estimando,
É inviável, que lugar
Nela não se há-de encontrar.
Ao que o pede, sem vergonha
De o desejar, entretanto,
Ao menos ao pedir ponha
Vergonha de baixar tanto:
Vencido do que não vale,
Ore a que o livrem do mal.
Que mal se conhece o mal
E quão errado se entende!
Por bem lhe tomo o sinal
E por mal, se não se rende.
Se o peço a Deus, em lugar
É o bem que Deus me irá dar.
Deus não concede o que pede.
Cuidando que pede o bem,
Pede o mal a quem concede
Quem pede sem ver além.
Ora, Deus que tudo vê,
Dá o bem mesmo ao que o não crê.
Pedindo
Pedis e não recebeis,
Que decerto pedis mal.
Pedindo mal, os papéis
Trocam logo de sinal:
Tereis à mão, garantido,
O bem pelo mal pedido.
Cortês
O mais nobre e mais cortês
Modo de pedir será
Não pedindo, por de vez
Deixar o dom a quem dá.
É que pedir não pedindo
É o melhor de quem pedir,
Assim, pois, restituindo
A quem der a escolha a vir.
Ao não pedir já proferes
O fundo de ti sincero:
Só quero o que tu quiseres,
É a ti que, no fundo, quero.
Conversação
A boa conversação
Tanto é falar como ouvir.
Se com superior, então,
Mais é de ouvir, a seguir,
Com dois ouvidos que tenho
Que falar com uma boca
Que, de única que detenho,
É bom, ao falar, ser pouca.
Dentro
Muitos há que o coração
Não têm dentro de si,
Perdido em mundano chão,
Tão frio qual nunca vi.
Aplicado ao temporal
Que adoram atentamente,
Não há calor estival
Que interiormente os aquente.
Ditos
Que importam os ditos grandes
Se quem os diz é pequeno?
A verdade com quem andes
Nem a vês em tal terreno.
É a nossa condenação
Que os Galileus mata em vão,
Para, após a morte erguidos,
Os ter então por subidos.
Vivei
Vivei sempre com os mais
Como se vos vira Deus.
E, se vós com Deus falais,
Falai-o com termos tais
Que ouvidos de ouvidos seus
Então dos homens possais.
Alcance
Quem pede o que Deus lhe manda
E aquilo que lhe promete
É impossível que a demanda
Não alcance o que projecte.
A questão é que entendamos
De Deus que trilhos trilhamos.
Tenta
O diabo tenta com vícios,
O demónio com virtudes
E do bem com mal te iludes
Se àqueles só vês indícios.
Largar o bem pelo mal
Não é tentação maior
Que desprezar o sinal,
Por um bem, do que é melhor.
Forma
Se o coração com afectos
Não te forma as orações;
Se após as mãos com projectos
Não as adubam de acções,
- Por mais que a voz dê palavras,
São mudas as tuas lavras.
Ante os ouvidos de Deus
Nem um sussurro há nos céus.
Enamorados
Em dia de enamorados
És meu dia mais feliz:
Contigo ao lado, em meus lados
Sempre eu sou eu de raiz.
Quereria que meus fados
Queiram o que eu ser te quis:
Ser, em teus trilhos trilhados,
Eu teu trilho em que tu ris.
Em dia de enamorados
Há lá dia mais feliz!
Brota
Não brota a paz duma guerra
Não eleita dos vencidos,
Desesperados em terra.
Não é de mel mas de fel
A amargura dos gemidos,
Não há doçura a que apele.
Sob o jugo do inimigo
Não podemos resistir,
É a liberdade o postigo
Com que as vidas vão remir.
Servidão e cativeiro
Não é paz de que me abeiro.
Empreende
Não empreende obra grande
Quem se estimar de pequeno.
Se é humildade o que o comande,
É bastarda em todo o aceno.
Se o invés soberba imita,
É santo em quanto concita.
Aparta
A solidão não aparta
Um homem de si, nem trevas
O encobrem, nem ao que acarta,
Nem o escondem sob as grevas.
Solitário e às escuras
De si core o homem que apuras.
O teatro racional
Não é mundo, é consciência.
Não há-de fazer, leal,
O que não deve, à evidência,
Das testemunhas a esmo,
Nem do respeito a si mesmo.
É levar-me a mim comigo
O seguro fiador
De tudo a quanto me obrigo,
Não por respeito maior
Outro que a mim seja alheio,
Mas porque isto é o meu anseio.
Ser valente, generoso,
A desprezar o perigo,
Honrado enfim, prestimoso,
Não por ser visto ao postigo,
Mas porque sou eu no brejo:
- Basta ser eu que me vejo!
Engano
Se a maior arte é o engano
E dissimular, prudência,
Da lisonja encobre o pano
Do mérito a inexistência,
Quem se envergonha, a seguir,
E tem pudor de mentir?
Num povo cheio de vícios,
Se, contudo, houver alguém
Que de vergonha resquícios
De cúmplice em tal mantém,
Longe de ser paranóico,
É um homem então heróico.
Cortesão
Se pergunto ao cortesão
Porque cala o que dizer,
Porque fala contra, então,
Tudo aquilo que entender,
Porque louva o que reprova
E cala tudo o que aprova,
Porque agradece o que ofende,
Veste com ostentação,
Passa a mostrar quanto rende,
Gasta o que não tem à mão,
E sustenta o que não pode,
De si a culpa sacode,
Porque paga o que não deve
E quanto deve não paga
- Responde, fútil e breve,
Que faz aquilo que afaga,
Que vive como os demais
E outros modos não há mais.
Vergonha
A vergonha se conserva
Na diferença dos usos.
Perde-se quando ela é serva
Da semelhança, confusos
Os usos em tudo iguais
De cada qual com os mais.
Quando ela se não perder
E, ao invés, se conservar,
No risco permanecer,
Então há-de se afinar
E, ao erguer do varapau,
Vai trepar de heróica ao grau.
Não
Nos homens não espereis,
Que nelas não há justiça
Para o mérito que haveis,
Nem gratidão para a liça,
Nem são fiéis às promessas,
Nem constantes na amizade,
Nem respeito atento a essas
Esperanças do que agrade
Hão-de ter mais do que às suas.
Nos homens não há saúde,
Nas esperas ferem puas,
Tudo em doenças desilude.
Gosto
O gosto duma esperança
Não chega, mesmo chegando:
Por trás duma outra se alcança,
Em cadeia me encadeando.
E assim rumo ao Infinito
De que nunca me desquito.
Crente
O crente que quer ser grande
Não vê que do céu a porta
Que afanoso lhe demande
É um nada que nem lhe importa.
Engana-se no caminho
E no fim finda sozinho.
Bezerro
Decerto o bezerro de oiro
Vós aqui não adorais,
Que antes, em vosso desdoiro,
O que adorais será o oiro
Do bezerro que negais.
Que importa não adoreis
Se é o mesmo o que vós fareis?
É o mesmo, duma assentada,
Com a figura mudada.
Servir
Servir a Deus e ao dinheiro
Ninguém o pode jamais.
Servir a Deus com dinheiro,
Quem dera que houvera mais!
Sem confundir nunca então
Deus com qualquer religião...
Que esta confusão maldita
Foi sempre a nossa desdita.
Futuro
É o futuro o que a fé crê
Mas no presente é que vivo.
Mais pode onde finco o pé,
Por pouco que seja, esquivo,
Que o muito, eterno futuro.
O presente vejo-o perto,
O futuro longe o apuro,
Perdido num tempo incerto.
É no erro destas medidas
Que se enleiam, perdem vidas.
O certo, mui longe embora,
Mais perto é que o duvidoso,
Seja qual for a demora,
Tarde embora, lá me entroso.
Ora, duvidosa é a vida:
- Que importa mais, de seguida?
Corremos
Corremos atrás da vida,
Corre a morte atrás de nós:
Quem ganha nesta corrida?...
- Que importa ao tempo dar voz?
A aposta é logo, à partida,
Sempre uma aposta perdida.
Luz
A luz é o maior perigo
De todas as boas obras.
A virtude quer o abrigo
Que a qualquer segredo cobras:
Oculto, mantém-se, honesto;
Perde-se, se manifesto.
Sobrolhos
Vejam bem quais são os olhos
Por cuja vista se guiam.
Vão pelos poucos sobrolhos
Que as coisas tais quais veriam,
Não pelos muitos, nos pegos,
Que uma por outra dão, cegos.
Paixão
Erro que vem da ignorância
Não é mais que o da paixão.
Erra a paixão desde a infância,
Engana-nos a visão,
Troca as coisas a quenquer,
Umas por outras ao ver.
Fiem-se de olhos então
Quando vêem com paixão!
Cegueira
Conhece a própria cegueira?
Não será cego de todo,
Vê o que lhe falta, maneira
De ver algo doutro modo.
Pior cego é o que padece
E, contudo, o não conhece.
Grande
Grande cegueira é a soberba,
A inveja como a preguiça,
A ambição de incauta verba,
A pompa, o luxo que enliça,
A lisonja ou a mentira...
Nossa fatuidade as mira,
Sendo nossa a escuridão,
E à casa as atribuímos,
Arguindo que o mundo vão
Bloqueia os rumos aos cimos.
- Como vencer a cegueira
Se a nego desta maneira?
Guarita
Quando um cego levantado
Se vê dentro da guarita,
Vai presumir, enlevado,
Que a vista tem com que fita.
Ora, a presunção certeira
Não diminui-lhe a cegueira.
Os postos não dão a vista,
Mais a tiram a quem tem
E quão mais alto na lista
Mais cego há-de ser alguém.
A presunção dum ofício
De mais cegueira é resquício.
Remedeia
Tudo aquilo que se vê
E que não se remedeia,
Mesmo se eterno se lê,
- Ou se não vê, volta e meia,
Ou vê-se, tal quem delira,
Como se nunca se vira.
Tribunais
Nos tribunais, o juízo
Público ou particular,
Se a inveja preside ao siso,
- A virtude é só pecar,
É culpa o valor sublime,
Boa qualidade é crime.
Fineza
A fineza dum amor
Ao mérito desigual
Igualará no favor:
Dum indigno não faz tal
Digno quem do que é não cora,
Trata-o tal se digno fora.
Sempre
Sempre os homens amam
A fim de que os amem
E no amor acamam
As tramas que tramem.
Só o amor de Deus
É que nos amemos
E a ponta dos céus
Então vislumbremos.
Causa
A causa de andar tão mal
O mundo mal governado
É de ir mal aconselhado
Dos conselhos com o aval.
Trocado usa andar, em regra,
Todo aquele que os integra.
Se o soldado vota em letras
E o letrado em marear,
Se ao piloto armas impetras
Que rumo se há-de encontrar?
Não há conselho de jeito
Nem rumo a tomar a peito.
Há juristas, não justiça,
Marinheiros, não viagem,
Capitães mas lá, na liça,
Em nós se faz a carnagem.
Vote cada o que professa,
Que a sorte não mais é avessa.
Obrigação
A obrigação dos senhores
É seguir, de ouvidos velhos,
Não conselho dos melhores,
Mas o melhor dos conselhos.
Onde quer, pois, que comandes
Vê bem onde os pés tu pões:
Não sigas razões dos grandes,
Senão as grandes razões.
Não é questão somar votos,
É pesá-los, que os há botos.
Cuidas
Cuidas que feito o conselho,
Feita a consulta, o decreto,
Tudo finda e teu artelho
Repousa à sombra, discreto.
A verdade é que, de entrada,
Não começou ainda nada.
Felizes
Os mais felizes países
Não serão os das melhores
Cabeças mas dos juízes
Das mãos dos operadores.
Porque o conselho prudente
Que do entendimento às mãos
Não passar urgentemente
Será vão entre os mais vãos.
Pingo
A tempestade começa
Num pingo apenas de chuva
E às vezes dali, depressa,
Brotam flores, cachos de uva...
- Sabes lá teu pingo de água
De que ferramenta é frágua!
Livre
Não é livre uma criança
Quando a mãe dela o não for.
Que vale o cume que alcança
Num país qualquer valor
Se nele qualquer mulher,
Afinal, nada valer?
Optimismo
Um optimismo que é cego
É sempre uma palermice.
Se é conquista que se visse,
Árduo foi na luta e apego,
O escuro de qualquer casta
Enfrentou: “isto não basta!”
Religioso
O religioso é quem
É sempre irreligioso,
Ao se convencer aquém
Que do Além é chave ao gozo.
Num qualquer ritual trasfega
O dogma da salvação:
Ao se agarrar a tal pega
Larga o Além de vez da mão.
Medo
O medo brota da história
Que a nós próprios nos contamos.
Se outra contamos, vitória
É o que nos asseguramos.
O poder gera poder:
Deste a história é de saber.
Contra
Quando tudo contra ti
Se parecer contrapor,
Olha o avião que ali
Contra o vento, em frenesi,
Arranca e não a favor.
Construindo
Nada irá cair do céu.
Vamos, degrau a degrau,
Construindo, erguendo o véu,
Quer seja nas amizades,
Cruzando emoções a vau,
Quer em oportunidades.
Esqueças
Não te esqueças de quem és,
Que o mundo nunca o fará.
Faz força, finca lá os pés!
Assim nunca poderá
Conter lá tua fraqueza.
Armado desta lembrança,
Nunca, pois, quem te despreza
Magoar-te algum dia alcança.
Votos
Ainda bem que não repoisas
Quando teus votos promessas
De oiro têm por sequelas!
As coroas fazem coisas
Muito estranhas às cabeças
Que têm por baixo delas...
Luz
És a luz de minha vida.
Sempre a luz treme um bocado
E as lâmpadas, à medida
Embora, não hão durado
A duração prometida.
Porém, francamente, agora
Que é que a incomodar-me induz,
Depois de tanta demora,
A procurar outra luz?
Mas que parvoíce, ora, ora!
Resultado
Ser livre é não ter apego
A um resultado qualquer,
Renunciar sem sossego
Ao que não serve e o perder.
Porque até, no fim de contas,
Nada perco com tais pontas.
Missão
Nossa missão é a atitude
Que nos leva a evoluir.
Muito ou pouco a que me grude,
É a muda interior a ir.
Não é da cabeça, não,
É sempre do coração.
E vem do coração quando
É sempre servir amando.
Fé
A fé não é mera crença
De algo superior que existe.
É o fluir da vida intensa
Acolher: nada resiste,
Nem medos, nem precisão
De controlar, pôr-lhe freio,
- É seguir a intuição
Com coragem, sem receio.
É confiar totalmente
Na fonte da criação
Que assegura, firme assente,
Mesmo se eu cair ao chão.
Decisão espiritual,
Só quando a gente confia
E segue como um fanal
O coração cada dia.
A nossa mente complica
O que simples pode ser,
Que em materiais dados fica
Grudada sem o nem ver.
Ora, é quando o coração
Ao ego se sobrepõe
Que abriu a vida o portão
E o trilho a seguir propõe.
Segundo
Demais a diplomacia,
Por aversão aos conflitos,
Em segundo plano iria
Pôr meus desejos, contritos.
Se assim me desequilibro,
Sofro logo em quanto vibro.
Cumprir
Para cumprir a missão
Temos de nos transformar.
Com dor e com aflição
Porque dói acrescentar
Quando cresço. Mas mudança
Que grande bênção alcança!
Finais
Onde há finais, há começos.
A mudança é celebrada
Por me livrar dos tropeços
Que torpedeiam a estrada,
Que a muda é para o melhor.
Vivo numa excitação
A surpresa do sol-pôr
Que as manhãs prenunciarão.
Maioria
De adultos a maioria
Tem a interior criança
No abandono da abulia,
Triste do que não alcança,
Ou então tão revoltada
Que é de gritos a jornada.
Pois que não espere mais,
Brinque com um animal,
Encha a vida de sinais
Da criança que, afinal,
Nunca foi e então, aí,
Reviva a que houver em si.
Vislumbres
Se principio a jornada
Com meu animal de estima,
Principio a caminhada
Em meu imo e o que me anima
É que vislumbro a criança
Que em meu imo inda me alcança.
Mentira
Há no homem a mentira
Porque é preciso agradar
Aos outros que tenha em mira.
Não se logra libertar,
Sabe lá bem quem ele é!
Quando o sabe e não o esquece,
Ao manter-se então de pé,
O logro desaparece.
Respeitamo-nos
Ao sermos nós próprios, nós
Não somos o que outro espera,
Respeitamo-nos nos nós
Do sonho, não da quimera.
Mostramos, da base aos cimos,
Aos demais o que sentimos.
É mostrar, não exigir,
Porque respeitar deveras
A outrem é permitir
Ser livre e então cooperas.
A relação verdadeira
Não tem pressões pela leira.
Inocência
A inocência não é nunca
Ter um angélico olhar.
Ser inocente é deixar
Que a beleza que nos junca
Nos atropele a razão
Sem deixar de ter em mente
Escutar e ter presente
Quanto se sentir então.
É estar aberto a mais ser
Mesmo que em dúvida ponha
Tudo quanto se suponha
Que era quanto se souber.
Vingança
A vingança tem a ver
Só com a justiça humana,
Nosso ego a satisfazer.
A aprendizagem a ter
Doutra dimensão emana:
É preciso se propor
Ir além da própria dor:
- Quem aqui chega é quem sente
Que ama incondicionalmente.
Perene
Ter razão ou ser feliz?
- Eis a perene questão.
Se supero de raiz
Querer sempre ter razão,
De aprovação o desejo
Se me não move ao presente,
Em mim tenho, enfim, o ensejo
De amar verdadeiramente.
Porém, quando a luta de egos
Supera a união de amor,
De frustração há só pegos
E tudo redunda em dor.
Grita
Só o ego é que aos quatro ventos
Grita como é fabuloso.
Se nada digo de intentos
E, feliz, vibro no gozo
De minha paz interior,
Logo o sentem no exterior.
Se eu aprender a humildade,
Morre de divulgação
Aquela necessidade.
Conheço o que sou então:
Não sou centro do Universo
Nem maior que alguém me exerço.
Lavrador
O lavrador tem a enxada
Mas, se ele for preguiçoso,
Não lhe vale ela de nada,
Tem de ser laborioso.
Que importa o dom que me impele?
- Só vale o que obrar com ele.
Medeia
Entre ouvir a opinião
E empenhar-se no caminho
Da própria transformação
Medeia um tempo maninho.
Se às águas levo um cavalo,
Como a beber obrigá-lo?
Não basta ao mal o porquê,
É preciso dedicar-se
À transformação do pé
Donde rompeu o que esgarce
Para a cura poder vir,
Senão vai reincidir.
Só logro outrem ajudar
Se dele a consciência der.
A decisão tem lugar
Quando o outro o entender:
Tem de compreender por si
O poder que tenha ali.
Ajudar
Ajudar outrem implica
Não provar nada a ninguém
E a mim próprio tal se aplica.
Ao invés, o que convém
É o melhor que nós sabemos
Obrar sempre que podemos.
Incondicional
O amor incondicional
É respeitar e aceitar.
É dar e dar-se, é guiar
Sem nada em troca, afinal,
Em troca vir a esperar.
Amar não é depender,
Não é, logo, se apegar,
Por isso não é esperar
De outrem feliz me fazer,
Que em mim tal já tem lugar.
Incondicional é ser
Flexível, dar liberdade,
Espaço para à-vontade,
De modo a nunca tolher
Da vida a oportunidade.
É perdão e tolerância,
É acolher as diferenças,
Compassivo nas sentenças
Com qualquer que seja a errância,
Sem a nós ter malquerenças.
É amarmos a sombra nossa
Para a preencher de luz.
Só amando o que nos traduz
Numa qualquer nossa bossa
Cumulo o que nos seduz.
Joelhos
Acolher a opinião
Diversa não é ficar
De joelhos lá no chão,
Submisso a se escravizar,
É apenas criar espaço
Para haver um outro traço.
Não há, portanto, motivo
De ser rígido ou altivo.
Aceita
Aceita tudo o que diz
Teu coração e não fujas
Com medo a viver feliz
A entrega em que não te intrujas.
Ama apenas e confia
Que te não morde o teu dia.
Impotência
Qualquer física impotência
Leva-nos a constatar
Que em vida muita ocorrência
Não se pode controlar,
Que não temos, logo à entrada,
Poder deveras de nada.
Teremos, pois, de aprender
Ao Universo a entregar,
Aprender a nos render,
Aprender a não lutar.
Se ando a só fugir da dor
É o descontrolo interior.
Aceito que quanto quero
Pode não ser importante
À evolução que pondero,
À missão a ir por diante.
A impotência curo então,
Mente sã no corpo são.
Renunciar
Renunciar às ambições,
Desejos de posse do ego,
Dar sem ter qualquer apego
Duma troca às pretensões
E tornar outrem feliz,
Porque partilhar nos dá,
Só por si, mas de raiz,
A felicidade que há.
Escutar
As minhas necessidades
Escutar é honrar meu ser
Como às possibilidades
Infinitas que há-de haver
Abundantes no Universo
Abrir-me vário, converso.
Responsabilidade
Nos caminhos desta vida
Todos temos liberdade
E da vontade o poder.
É só escolher de seguida
Com responsabilidade
O rumo que se quiser.
Dificuldade
Muitos têm dificuldade
Nas escolhas a fazer
E a responsabilidade
Jogam sobre então quenquer:
De assumir o medo giza
O padrão que vitimiza.
Deixo
Penso, penso e não descubro.
Deixo de pensar naquela
Questão que nos põe ao rubro
E a verdade se revela.
Tenho mesmo de aprender
Silêncios a promover!
Rebuscar
Ao rebuscar o que é estável,
Ao resistir à mudança,
Contrario o inadiável
Fluir com que a vida dança,
Pautada aqui sobretudo
Da impermanência de tudo.
Chamar
Se chamar constantemente
Quem a morte me levou,
Pedindo perdão, premente,
Na saudade que ficou,
Ânsia de inviável regresso,
O efeito no que partiu
É que sente, no processo,
Em resposta ao desafio,
Que tem de permanecer
Junto a quem na dor o chama.
Ao nada poder fazer,
Sente-se infeliz na trama.
Ao mudar esta atitude,
Libertando a quem amamos,
Permito que não se grude,
Segue da Luz os mil ramos.
Assumir
Se não assumir meu erro,
Culpando tudo em redor
Desta vida pelo enterro,
Dificilmente me impor
A grande transformação
Vou, dentro e fora, em questão.
Ages
Ages por obrigação,
Rotina ou comodidade,
Como outrem te exige, então,
Deseja, espera ou lhe agrade.
Se és impecável contigo,
Actuarás ao abrigo
Do que deveras quiser
Fazer teu imo ou dizer.
Agirás pela consciência
E não pela tua ausência.
É sempre a ti a te impor
Que irás agir com amor.
Doenças
As doenças aparecem
Por causas determinadas
E muitas se robustecem
De minhas tortas pegadas:
Falta de amor, obsessões,
Intransigências, rancor,
Da culpa, dentro, os vergões,
Disputas no sem-valor...
Quando corrigir a causa,
Melhorarei o efeito,
Entra-me a doença em pausa,
Ao bom juiz presto então preito.
Jardim
Ao entrar em teu jardim
Abre o portal dos sentidos.
Que queres de tal confim?
Abre os olhos e os ouvidos:
Que sentes, que cheiras lá,
Na fundura que em ti há?
Respeito
Só te lembras do respeito
Quando recordas, ferido,
Que te não tomam a peito,
Sentes teu imo invadido
Porque contigo gritaram
Ou te, iníquos, maltrataram.
Alguma vez perguntaste
Se tu, que não aprendeste
A respeitar-te que baste,
Respeitas, de leste a oeste,
Dentre as teias que te enleiam,
Aqueles que te rodeiam?
Outrem só respeitarás
Se te respeitas a ti,
Não te deixas para trás
E ninguém te invade aí.
Se aprendes a dizer não,
Os mais te respeitarão.
Tens medo de te exprimir
E queres que te adivinhem?
Mas é demais exigir
Que às cegas contigo alinhem...
Se te acolhes, aos demais
É que então respeitas mais.
Bastante
Tudo é teu e há cá o bastante
De tudo o que há para todos.
Não duvides, que adiante
Duvida a fartura a rodos
E então cai de mil e um modos
E a penúria te garante.
Árvore
A grande árvore de outono,
Já sem folhas, quase morta,
Deixa para trás sem dono
E abre à primavera a porta.
Não guardes na tua mente
Nem no teu coração nada
Que não queiras no presente:
Caminha firme na estrada,
Procura aquilo que buscas,
Que sabes que encontrarás.
Embora em noites farruscas,
Jamais olhes para trás.
Deixa
O que não serve atrás deixa,
Abandonado, caduco,
O que pesa e cansa enfeixa.
Sem bagagem nem trabuco
Corre rumo ao que renova,
Onde nasce a terra nova.
Trás
Larga para trás ideias
Cansadas, velhas e alheias,
Emoções e ligações
Que distam de teus torrões
Porque chegou o momento
De as soltar leves ao vento.
Larga sem inquietação
Labor, lugar, situação
De que não tens precisado
E que avivam o passado,
Larga e vem juntar-te ao povo
Onde entrar vês quanto é novo.
Frente
Caminha em frente e não olhes
Para trás, pois o passado
(Já não existe) não colhes.
Existiu e foi-te dado
Para correres agora
Aberto a quanto procuras,
Com a energia, na hora,
Do êxito que te afiguras.
Aprende
Quem aprende a amar-se
Aprende a amar tudo
E os mais, sem cansar-se,
Graúdo ou miúdo.
Jamais discrimina
No oiro da mina.
Gostar
Aprende a gostar de ti
Como decidiste ser.
Pouco a pouco, então daí
Desabrocha num qualquer
Mundo interior de harmonia,
Calma e paz, dia após dia.
Aceitar-se
Amar é aceitar-se,
Não se castigar,
Findar de julgar-se
E se unificar,
- Que tudo está bem
Se este mundo vem.
Interior
Todo o teu mundo interior
Partilha contigo logo:
Que desejar, que propor
Para alimentar teu fogo.
Ao melhor ver a bagagem
Melhor partilhas a viagem.
Partilhar
Teu coração partilhar
Dorido e triste supõe
Melhor forma de te amar,
De respeitar o que impõe,
Sem esquecer que é de amigo
Partilhar-te antes contigo.
Confia
Que importa se o mar inunda
A praia que não se alcança?
Confia em tua profunda
Inocência de criança.
Teus erros e teus enganos
Não são mais que aprendizagem
Para ir além dos danos
Em tua perene viagem.
Sem eles não chegarias
Às certezas por que esperas.
Aceitando, trilhas vias
Rumo à inocência das eras.
Fé
Fé no sendeiro da vida,
Em ti fé, fé no Universo,
No que ocorre e te convida,
No que operas, mal converso,
Que é o correcto, no momento,
Com quem se molda ao intento.
Semeia
Semeia o teu coração,
Arranca as ervas daninhas
De hábitos que teus não são.
Não desarmes se as pedrinhas
Não te deixarem crescer
A flor que foste escolher.
Continua com carinho
A arrancá-las, que este passo
Dá mais força a teu caminho,
Mais firmeza a cada traço.
Não vás contra o crescimento
E amanhã terás bom vento.
Detém
Que é que te detém e trava
No caminho de seguir?
São medos que tens da lava,
Dúvidas sempre a surgir.
Que fazer de tais abalos?
- Começa por aceitá-los.
Medo
Tal é o medo de parar
Para então não fazer nada
Que invento logo, em lugar,
Mil desculpas na jornada.
Dão-me tanto que fazer
Que nem há tempo a perder!
Calma
Ao silêncio dar espaço
Sossegando calma a mente
Ao guia em ti dar é o braço
A assinalar diariamente
Segredos que nos enleiam
E de equilíbrio rodeiam.
Canses
Não te canses procurando
Verdade fora de ti,
Nem amizade que brando
Travesseiro oferte ali.
É um engano pretender
Fora o que só dentro houver.
Contigo
Mora contigo a intuição.
Conseguirás escutá-la
Se lhe prestas atenção
A meio do que te abala.
Não vás, pois, muito depressa,
Não raciocines demais.
Há-de vir a intuição nessa
Mensagem do imo em sinais.
Quarto
Abre teu quarto secreto,
Entra por dentro de ti,
Percorre-o do chão ao tecto,
A entender o que anda aí.
Escuta o som interior,
A ideia que dali flui,
Sente na pele um ardor
Do que o coração intui.
Percorre teus cantos todos,
Vendo onde tudo começa,
Todo atento e com bons modos,
Perspicaz, sem qualquer pressa.
É que, enquanto andas fechado,
Tropeças de toda a vez,
Sem ver por onde hás andado,
Tornando a vida um revés.
Justa
Procura o teu equilíbrio,
Encontra a justa medida,
Austero sê sem ludíbrio
Ou permissivo, se há brida.
Joga a flexibilidade
A travar ou permitir,
Que a vera sobriedade
É equilíbrio conseguir.
Se és libertino, é que então
Tens de impor-te austeridade;
Se és reprimido, o teu pão
É a mesa cheia, em verdade.
Mochila
Mantém a mochila leve
Para poder caminhar
Por ti mesmo em passo breve.
Olha bem que vais levar.
Tens cargas que não são tuas,
Crês-te ao outro imprescindível?
Vês o que arrastas nas ruas?
Tira o que é doutrem vivível.
Não gastes tua energia
Doutrem a agir o que agir.
Larga o passado na via
Já esquecido e sem porvir.
Nem leves para o futuro
Nada, que inda não chegou.
Caminha leve, no apuro
Do que o momento abarcou.
A vida irá dar-te tudo,
A teu pé lépido e brando,
Com a condição, contudo,
De que o irás precisando.
Não leves contigo apego,
Que não deixa desfrutar.
Tens medo? Põe-te em sossego,
Que a vida própria arrumar
É resolver os conflitos
Vida fora acumulados.
Não falas, por mor de atritos,
Com teu pai incendiados,
Com a mãe é zanga fria,
Com o anterior companheiro
Não há de perdão magia,
Raiva e rancor é o viveiro
Que alimentas para os mais?
Caminhas com todos eles
Na mochila, bem reais,
Fatigam quando te impeles.
Como largar tanto apego
Que entristece tua vida?
Só drenando cada pego
Pendente em tua subida.
Desapego é apagar dor,
Contexto desagradável,
Solucionar o rancor,
A tensão cortar, fiável,
Cordões que te atam rasga
(Paralisa o nó do perno...),
- Fazem o teu caminhar
Caminhar para o inferno.
Perdoa-te e perdão pede,
Compreensivo contigo.
Separa-te do que impede
Ou quer tolher-te o abrigo.
Despegar-te não é fuga
Nem para longe fugir.
Do que te afoga te enxuga,
Só então podes partir.
Sem resolver o problema
Este vai-se repetir
Várias vezes, como um lema,
Até a fuga se esvair.
Aprende
Aprende a não complicar,
Estuda teu coração,
Livre, livre a o deixar.
Os teus pensamentos são
Fértil criatividade,
- Mete a charrua que os grade.
Aurora
Queres fruir duma aurora
Quando ao longe o sol espreita?
Se tens pressa a mais, demora,
Atrasa a viagem eleita.
Se trepares a correr,
Quando à cumeeira chegares,
Inda o sol não vai nascer,
Vês-te a te decepcionares.
Se antes de tempo subires,
É de noite e não verás
Aquilo por que suspires.
No tempo certo é que a paz
Há-de encher o teu caminho.
A energia será tua
E o que buscas, de mansinho,
Entra em ti, teu sol e lua.
Com paciência, na quietude,
Numa espera confiante
É que atinges a virtude
Fermentada tempo adiante.
Intuições
Sentado em tua paisagem,
Olha as tuas emoções,
Segue do farol a viagem
Que apontam as intuições.
Confia nelas em pleno,
Que te guiam no terreno.
Antes
Antes de agires escuta
Atento o teu pensamento
E por igual, na disputa,
Teu coração, sentimento,
Porque é provável que a bordo
Não estejam bem de acordo.
Obstáculo
Não transformes um obstáculo
Em luta a deitar por terra,
Rende-te lá no pináculo,
Que a vida não é uma guerra.
Por entre as impermanências
É um fluir sem resistências.
Limpa
A tua respiração
Limpa com águas do mar
De toda aquela emoção
Que em teu caminho te atar.
Perdoa, aceita, tolera,
Ama, inspira a transparência
Das águas, expira a fera
Da dor e maledicência.
Os raios do sol penetram
Até mesmo às profundezas
E lindos cristais te impetram
Que te entregues às belezas.
Das vistas entregue ao rol,
Enchem-te raios de sol.
Desfaz-te
Desfaz-te do que não serve,
Diz adeus a teu passado,
O que para trás se observe
Não olhes, que hás ofertado
O que não levas e, enfim,
Que importa o que chega ao fim?
Se capaz és de fazê-lo,
Aparece à tua frente
Um trilho firme e singelo
Que te leva de repente
Ao que é novo onde apareces
Com tudo quanto mereces.
Agradecimento
O teu agradecimento
É da alegria e tristeza,
Vida de cada momento,
Da abundância e da estreiteza,
É do amor e desamor...
- Tudo o Todo a te propor.
Criança
Tua criança interior
Pega-lhe ao colo e faz festas,
Fala-lhe com o teor
Que lime quaisquer arestas,
Diz-lhe o que precise ouvir
Para feliz se sentir.
Observa-te
Observa-te devagar
E sente como, ao chover,
Perdes a alegria a par
Do dia que vai nascer.
Pede ao anjo que te ajude
A ir além da aparência,
Da rigidez que te grude,
Do desejo - tudo ausência.
Que te guie as emoções,
Convertendo-as dia a dia
Em sorrisos aos milhões,
De em frente ir com a magia.
Invés
O que sentes e o que pensas
É aquilo mesmo que fazes?
Ou, ao invés, as sentenças
Se entredevoram, vorazes?
Se queres compartilhar,
Nas paisagens envolvidas
Há muito com quem obrar.
Salta as cancelas proibidas!
Tempestade
Entra em tua tempestade,
Vê teus problemas no todo.
Agrade-te ou desagrade,
Caminha em correcto modo,
Com passos que tens de dar
Para entender que é fermento
Tudo o que se te entrosar,
Bom para o teu crescimento.
A tempestade é habitáculo
Onde nada é arbitrário.
Aceita que cada obstáculo
É o que a ti é necessário.
Plantas
As sementes que tu plantas
São as que queres plantar
Ou as que alguém quer, às tantas,
Que plantes dele em lugar?
Vê que é que queres que cresça,
Não perguntes a ninguém,
Ouve o que o coração te peça,
Vai semeá-lo campo além.
Se semeias com amor,
Será o fruto o que procuras,
Que desejas com ardor,
Que mereces, com que curas.
Castelo
Abre a porta do castelo,
Segue em frente contra a chama
Das labaredas do medo.
Não cedas ao atropelo,
Insiste, porque quem ama
Verga o medo, tarde ou cedo.
Onde
Onde quer que estejas, vai,
Não te detenhas aí.
Se tropeças, ninguém cai
Se adiante já o discerni.
Se tu fores devagar,
Continua, segue em frente.
Em quanto alguém te chamar,
Escuta-o atentamente.
Se alguém pedir, então dá,
Se não souberes, pergunta.
Se é preciso ajuda já,
Pede-a e, ao fim, tudo junta.
Atreve
Te atreve a cruzar a ponte,
A encontrar paisagens novas,
Descobertas no horizonte
Que encham a vida que inovas.
Mesmo com risco de engano,
Descobre o novo caminho,
Desfruta-o, que não há dano,
Basta teu jeito adivinho.
Dança
Sente a vida como dança
Com a terra em harmonia,
Com tudo quanto te alcança.
Teu coração cheio envia
Aceitando tudo aquilo
Que a vida te traz, tranquilo.
Descanso
Eu não quero divertir-me
Nem permitir-me um descanso
Ou vou descansar, remir-me,
Gozar a vida que alcanço?
Se é dar descanso ao guerreiro,
Enche-te de confiança,
Não te tortures: leveiro,
Vive intenso a tua dança,
Sem olhar atrás e à frente,
Por inteiro aqui presente.
Árvore
Grande árvore, a liberdade
Ancestral e milenar!
Trepa a seiva que te invade
Rumo à copa singular.
Come a fruta que quiseres.
Antes da escolha, reflecte
No que é preciso a cresceres,
Como a sério te compete.
Se não for a que é correcta,
Depõe-na na ramaria.
Come o que quer tua meta,
Que a vida melhor se avia.
Silêncio
Lembra-te de usar silêncio
Para te tranquilizar.
Ao mundo interior convence-o
A por ele se ordenar:
Em ordem então vais pôr
O interior e o exterior.
Sem fazer nenhum esforço
As ideias ficam claras
E as emoções, dum escorço,
Devêm serenas, raras.
Em silêncio, o coração
Devém paz e compaixão.
Montanha
Sou a montanha, na altura
Abro-me ao sol, na acalmia.
Meu coração o que apura
É paz, silêncio na via.
Farei em cada momento
O que na frente estiver,
Cada momento, um intento,
Sem atrás e à frente haver.
Entrego a cada minuto
Tudo o que sou, por inteiro,
Como se último reduto,
Como se fora o primeiro.
Recorda
Recorda que não és nada
E que ao mesmo tempo és tudo
No Deus que te bate à entrada,
Que no fundo és, sobretudo.
Imagem e semelhança,
Aceita a união com Ele,
Que por ti faça o que entrança,
Incarnado em tua pele.
Sente-O desde que levantas
Até que deitas, dizendo:
“Faz tua vontade em quantas
Em mim vão aparecendo.”
Em cada palavra e obra
Pede a teu Deus que te guie,
Que Ele seja quem manobra,
Que em teu fato Ele se enfie.
Chama-O para o teu abrigo:
Ficará sempre contigo.
Dentro
Não procures a verdade
De ti fora, num pascigo,
Que és, na tua identidade,
Sempre o teu melhor amigo.
E a verdade única, em si,
Mora só dentro de ti.
Profundamente
Quanto mais profundamente
Te conheces, mais flexível
Te tornas com toda a gente.
Não julgar devém possível.
Cada vez mais, desde agora,
Te irás amar, hora a hora.
Antes
Não escolhas o caminho
Sem antes ter reflectido.
Não escutes nem carinho
Nem ninguém sobre o sentido.
Escuta o teu coração,
Que ele é que nunca te engana.
Tens o trilho aí à mão,
Percorre-o com toda a gana.
Em silêncio vai, atento:
- Voarás nas asas do vento.
Porque
Porque te castigas tanto,
Porque tanto te premeias?
O equilíbrio, por enquanto,
Não é aquilo que semeias?
Encontra a justa medida,
Senta-te a comer à mesa
O que mereces da vida,
De consciência não repesa.
O alimento que comeste
Vai-te digerir a lida
Com equilíbrio que preste,
Que é a medida requerida.
Contrário
Se é de hábito a porta esquerda,
Porque não hoje a direita?
Se te escovas com a cerda,
Que hoje a fibra seja eleita.
Se, porém, for ao invés,
Tenta o contrário uma vez.
Do hábito na parca muda
Se esconde a grande surpresa.
Quer iluda ou desiluda,
Transforma a vida represa,
De repente a libertar
Asas céus fora a voar.
Atravessar
Tens de atravessar na vida
A ponte que tens à frente.
A mala pesa à medida
Ou arrasta-te à corrente?
Revista-a, retira tudo
De que não vais precisar.
Levarás pouco, contudo,
No além, de tudo há lugar.
Entre nada e tudo busca
O meio-termo preciso,
Que o lume assim não chamusca
Nem água te afoga o siso.
Não chores pelo que deixas
Nem rias ao que te espera,
Caminha lento nas reixas,
Firme do que em ti opera.
Sendeiro
Ao percorrer o sendeiro,
Se estais de olho nos sinais,
Já nunca mais precisais
De correr o mundo inteiro
Para achar o que buscais.
Rigidez
Se é rigidez que te invade,
Aquece-a, molda a figura.
Tua flexibilidade
É o trilho para a ternura.
Tuas críticas, juízos,
Deixa lá que o vento os leve.
Teus propósitos precisos
De perfeição, larga-os breve.
Contra os orgulhos a luta
Que o vento a leve também.
Quando acabas a disputa,
És ternura mundo além.
Deixa
Depois de fechar os olhos
Deixa o coração falar.
Logo te aponta os escolhos,
Abre o trilho até ao mar.
Ao falar contigo mesmo
Nunca à praia irás a esmo.
Precipício
Ao lado do precipício
Cómodo estás, relaxado,
Mas vigilante: o resquício
Há sempre de algum tornado.
Atendes à intuição,
Que há escuridão no caminho.
Ouves, fino, o coração,
Dele no jeito adivinho.
A solução mora em ti
E a luz ilumina aí.
Vencida
O evento foi muito mau
Mas, se nunca me ocorrera,
Eu nunca saltara o vau,
Nunca consumara a espera
Nesta vida, de seguida,
Que aqui levo de vencida.
Obrigado
Ouvi o teu obrigado,
Devias usá-lo mais,
Que surpreso ficar vais
De quão longe te há levado,
Primeiro, com teu igual,
Com o Cosmos, no final.
Gratidão: a chave-mestra
De abrir portas com mão destra.
Menos
Em tudo o que nós fazemos
Qualquer coisa há menos bem.
Que o melhor de nós nós demos,
Melhorar tentemos sem
Ligarmos a ser perfeitos.
Doutro modo aprisionados
Ficamos nalguns trejeitos,
Repetindo-os, obcecados,
E, por mais que um bem me pinte,
Não dou o passo seguinte.
Frágil
As esperanças e o sonho
Ocupam a parte frágil
Do coração onde os ponho.
O apaixonado é tão ágil
A só ver o que queria,
Porém não o que existia!
Impede que o frágil canto
Seja no imo destroçado
E que o resto, com o pranto,
Não vá no enxurro arrastado!
No meio deste atropelo
Questão é como fazê-lo...
Depender
Não podemos o que somos
Depender demasiado
Deixar doutrem onde o pomos:
Ser feliz do imo é um estado.
Terei então de aprender
Por mim mesmo a feliz ser.
Especial
A passar um mau bocado...
Mas que é que te faz pensar
Que és tão especial que ao lado
Dele irias tu passar,
Todo lampeiro e contente,
Ao invés de toda a gente?
Seja lá o que for que estejas
A sofrer neste momento,
Continua, sem invejas,
A caminhar com alento,
Do contexto até sair:
Tem fé, que há sempre um porvir.
Recorda a lei, de seguida,
Que há-de imperar sempre aqui:
- Se não desistes da vida,
Não desiste ela de ti.
Retorna
Retorna ao mundo e descobre
Seja o que for que procuras.
Findo o plantio do alfobre,
Segue em frente sem clausuras.
Nós para sempre te amamos,
Vamos estar sempre aqui
Disponíveis com os tramos
Que acaso queiras aí.
Voa, pois, tua aventura
Sobre os montes e a planura!
Igual
Não importa ambos quererem
Igual vida de aventura
Para a vida que tiverem
Resultar vida em ternura.
A segurança de andar
Amor incondicional
Entre ambos a partilhar
Leva a querer por igual
Empreender em comum
A viagem mais importante:
A vida de cada um,
Superando o medo hiante.
Cada um apoia os sonhos
Do outro, mesmo sem serem
Os que, tristes ou risonhos,
Dentro dele alvorecerem.
Na lonjura que haja adiante
Isto é que é mesmo importante.
Desgraça
A grande desgraça, às vezes,
Parece absurda no mundo
Mas é bem vista se a peses
Pelo íntimo mais fecundo
Que desde ti se enraíza
No imo cósmico que o giza.
Muitas delas redentoras
São da pessoa que as sofre,
Devindo ali curadoras.
São a caixa de Pandora
Com que em tanta dor tropece
Que então nunca mais esquece.
E então nunca mais repete,
Quebra de vez o padrão
Que contra si mais compete,
Que os séculos lhe imporão.
É mesmo o que mais importa:
Tal alma abre então a porta.
A perda particular
Que é que importa à evolução?
Pode ninguém reparar,
No vector da percepção,
Obcecado cada qual
Com dar certo a vida actual.
Perde a noção do percurso.
Ora, no imo do Universo
Não há espaço ou tempo em curso,
Nem há pressa, no reverso.
Se um não evolui na vida,
Evolui o de seguida.
Mal
Todo o mal da humanidade
Provém da falta de amor
Vivido em profundidade
Até o último pendor.
Quem não ama não consegue
Ser generoso, gentil,
Tolerante quando adregue,
Ético em quanto perfile.
Ser ético é sempre amar
A humanidade de modo
A sempre inteira a visar,
Sempre amá-la como um todo.
Reprimir o amor é o acto
Mais cruel a qualquer imo,
Destrói-o no desacato,
Limita-o da base ao cimo.
É o imo de qualquer um
A maior força que tem
E o amor (e mais nenhum)
O alimento que o mantém.
Quem amar outrem, quenquer,
Se então se deixar levar,
Tudo o resto, até sem ver,
Há-de conseguir amar.
Por mais que venha a doer,
Evoluir é, no caminho,
Fogo o ferro a incandescer
Vida fora no cadinho.
Esperar
Muitas vezes esperar
É a melhor forma de actuar.
Esperar a amadurar
É o melhor para avançar.
Um dia que disto inundo
Ajuda a avançar o mundo.
Resto
Se não há comida e água,
O resto de nada vale.
Então porquê tanta mágoa
Se outras portas perco à frágua,
Quando tenho o principal?