CAMINHO  NOVO

 

 

BARTOLOMEU  VALENTE

 

 

 

 

AROEIRA, 2013

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

TRILHOS  DO  AMOR

 

 

 

 

Caído

 

Em breve ficas caído

Por alguém. Porém, cuidado:

Quando alguém cai, é sabido,

Parte algo então nalgum lado.

 

 

Itinerário

 

O itinerário do amor...

Mas quem é pessoa certa?

- É quem transforme o amargor

No doce que nos desperta.

 

 

Amizade

 

Tua amizade é amizade

Que possas seguir por lema

Ou veneno que te invade,

De prisioneiro uma algema?

 

 

Amor

 

Um Amor com letra grande

Que é o Deus que o Cosmos define

Vale bem que alguém lhe mande

Amor que se lhe destine.

 

 

Traidor

 

O coração é um traidor,

Fecha-o bem a sete chaves,

Até triar que fulgor

Te leva à Luz sem entraves.

 

 

Viver

 

Não posso viver contigo,

Sem ti não posso viver?

- O amor é meu inimigo,

De amigo de vir a ser.

 

 

Afecto

 

Se o afecto é negativo,

Negativo afecto atrai.

Se o transmudo em positivo,

O céu, vindo, à mão nos cai.

 

 

Estranho

 

O amor é um estranho abrigo:

Com outrem eu vou estar

Sem deixar de estar comigo,

Lento o Todo a harmonizar.

 

 

Sereno

 

Escrúpulos, não! Sereno,

Toma a vida pela mão.

Não consideres pequeno

Do Universo o coração.

 

 

Simplicidade

 

A simplicidade é estranho

Sal que apura a perfeição:

De além do imo vem-lhe o ganho

Mais dos mais que a mão te dão.

 

 

Afrouxas

 

Tens mesmo bem pouco amor

Quando cedes sem entrave

E afrouxas do imo o fulgor

Só por não ser muito grave!

 

 

Caridade

 

A caridade te leva

A mui nobres concessões

E a intransigências que à treva

Mais nobres ainda opões.

 

 

Grupo

 

Com espírito de grupo

Não és aquele instrumento

Que quebra ao primeiro apupo,

Poeira ao sabor do vento.

 

 

Segredo

 

O segredo para dar

Relevo ao que humilde for,

Insignificante a par,

É amar com profundo amor.

 

 

Amigo

 

Um amigo é um tesoiro

Como Deus é Amor, então.

Onde está o amigo de oiro,

Há-de estar meu coração.

 

 

Ensina-me

 

Se amo Deus no irmão,

Então, singular,

Há só uma oração:

- Ensina-me a amar!

 

 

Formosura

 

O que é feito por amor

A formosura entretece

E tudo, disto por mor,

Então logo se engrandece.

 

 

Último

 

Que eu seja o último em tudo

E o acolha com humor!

Seja o primeiro, contudo,

Sempre o primeiro no amor!

 

 

Temer

 

Temer a justiça em Deus

É não ver misericórdia

Que é o teor, ao fim, dos céus,

Ambas no amor em concórdia.

 

 

Luta

 

Na tua revolução,

Na interior luta envolvido,

Vive de amor: sempre então

Vencerás, mesmo vencido.

 

 

Transborde

 

Que teu coração transborde

De amor e de gratidão

Pelo dia que te aborde,

Mesmo armadilhado o chão.

 

 

Choque

 

O choque com o egoísmo

Do mundo faz-te apreciar

O fraterno gosto a abismo

Da mão de alguém a se dar.

 

 

Forte

 

Irmão de irmão ajudado

É tão forte, na encumeada,

Como o forte alevantado

Da cidade amuralhada.

 

 

Apenas

 

Com as palavras apenas

Não amemos, língua mera,

Mas com as obras, pequenas

Embora, verdade vera.

 

 

Compreender

 

Caridade tanto é dar

Como além compreender,

O próximo ao desculpar

Se de o julgar tens dever.

 

 

Longe

 

Quando alguém correr perigo,

De longe em união com ele

Podes ser-lhe a ajuda, o abrigo?

- Dá-lho sem que a tal apele.

 

 

Inteiro

 

Ter caridade não é

Dar roupa velha a alguns pobres,

É dar-se inteiro e de pé

Naquilo em que até nem sobres.

 

 

Amas

 

Tu não amas a pobreza

Se, dela posto ao pascigo,

Não amas inteira a mesa

Que a pobreza traz consigo.

 

 

Favor

 

Quantas vezes, onde há fé,

Ao pedirem-me um favor,

Um segundo é visto ao pé:

- Faço-o a mim se ao outro o for.

 

 

Dar

 

O mais estranho de dar,

Quando damos o que temos,

É dar-se isto logo a par:

- Quando damos, recebemos.

 

 

Coração

 

Nenhum coração inteiro

É tanto, em qualquer sentido

Em que um coração requeiro,

Do que um coração partido.

 

 

Perto

 

De longe é fácil amar.

De perto, porém, é um fado

Difícil de carregar:

- Doi amar quem anda ao lado.

 

 

Grande

 

Quando um coração é grande,

Nunca o fecha a ingratidão.

E a indiferença, se mande,

Nunca o cansa ou tem à mão.

 

 

Alaga

 

Alaga o teu coração

De esperanças mil singelas

Mas nunca permitas, não,

Que um dia se afogue nelas.

 

 

Caminho

 

Há um caminho já seguro

De atingir seja qual for

O coração em apuro

Que é muito simples: o amor.

 

 

Coração

 

Há gente que não procura

A beleza: é uma ilusão.

Maior bem se lhe figura

Coração, só coração.

 

Acredita, há muito quem

Não procure, neste chão,

Ao reparar em alguém,

Beleza, mas coração.

 

 

Segredo

 

Felicidade é segredo,

É encontrar esta magia:

De nossa alegria o credo

É dos outros a alegria.

 

Segredo de ser feliz

É encontrar nossa alegria

Da alegria no matiz

Doutrem a quem a daria.

 

 

Poeta

 

Poesia, a infinda meta

Que encontro na esquina ao lado:

Todo o homem é poeta

Se estiver apaixonado.

 

Quando do Infinito a meta

Se vislumbra, é fogo ateado:

Todo o homem é poeta

Quando fica apaixonado.

 

 

 

Amigo

 

O amigo em particular

Repreende, em bonomia,

Mas num público lugar

Ao amigo só elogia.

 

Ao amigo a sussurrar

Tu corrige acaso um dia

Mas ante o público alvar

Sempre, sempre o elogia.

 

 

Solidão

 

Solidão dos corações

É um coração sem abrigos:

A maior das solidões

É nunca se ter amigos.

 

Pode o amigo ter senões

Mas onde achar mais abrigos?

A maior das solidões

É não ter nenhuns amigos.

 

 

Magoa

 

Às vezes não vejo o bem

Mesmo à frente do nariz

Nem o que magoa além

Quem amamos de raiz.

 

 

Fonte

 

Quem viver o amor na vida

Da vida a fonte o há-de amar

Sem condições à partida

Nem quando à meta chegar.

 

 

Alegria

 

Multiplica-se a alegria

Quando em festa partilhada,

Como a tristeza atrofia

Na divisão, retalhada.

 

 

Servir

 

Servir é da vida o amor

Em qualquer tempo que houver.

- Como servir a um senhor

Que nos possa ao fim morrer?

 

 

Pobre

 

Pobre amor é o teu amor

Se ânsia não tens de pegar

Tua loucura o que for

Aos outros, a quem calhar.

 

 

Infinito

 

Um amor ao Infinito

Votado ao imo da gente

Transmuda o mais pequenito

Num deus mesmo omnipotente.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CARREIROS  EM  CONTRAPÉ

 

 

 

 

Arco-íris

 

Um arco-íris demora,

Entre o sol e a chuva densa.

É quanto basta: aí mora

A recompensa.

 

 

Aceite

 

O que não pode mudar,

Aceite.

Então, se bem reparar,

Não há nada que o despeite.

 

 

Compartilhando

 

Deus a se satisfazer

Compartilhando, miúdo?!

Não, Deus quer

Tudo!

 

 

Mistério

 

Eis o mistério:

Para viver

A sério

É preciso morrer!

 

 

Pára

 

Antes de querer fazer,

Pára teus pés,

Trata de ser

Quem és!

 

 

Mal

 

Aqui na terra existe apenas

Um mal:

Trair do imo as longínquas e pequenas

Luzes do fanal.

 

 

Desvergonha

 

Se a desvergonha que em ti fito

É de teu íntimo o chão,

Que te importa o que terão dito

Ou que dirão?

 

 

Peso

 

Que eu tenha peso e medida

Em tudo o que for

Minha vida

- Menos no amor!

 

 

Projectado

 

Se o amor dá tanta consolação

Quando na terra o concito,

Que será então

Quando o viver alargado ao infinito?

 

 

Erro

 

Não é um erro enganar-se

Ou falhar.

Não há disfarce:

- Erro é não tentar!

 

 

Ansiedade

 

Se ansiedade em ti bole,

Tenaz,

Olha de frente o sol:

- Logo te ficam as sombras para trás.

 

 

Fugir

 

Desde que no Paraíso fugiu Adão

Até, no limite, nos tornarmos ateus,

Há uma tradição:

- O homem gosta de fugir de Deus!

 

 

Segredo

 

O segredo maior

É calmo e sereno:

- Nada feito por amor

É pequeno.

 

 

Entende

 

Quem não entende um olhar,

Então,

Também não entende, em lugar,

Qualquer explicação.

 

 

Melhores

 

Não jogues ao vento

Maus humores:

Útil é apenas o conhecimento

Que nos torne melhores.

 

 

Secreto

 

A vida é o secreto traslado

De misteriosa pasta:

- Amei e fui amado,

É quanto basta!

 

Que importa andar tresloucado

A buscar do rumo a casta?

Amo, amei e fui amado:

- É quanto basta!

 

 

Difícil

 

Do desconhecido temer os sinais

Não nos deixa entender

Que viver é mais difícil, muito mais

Do que morrer.

 

 

Descobre

 

Olha para o mundo como quem nasceu,

Pára teu olhar que interminável erra

- E descobre o céu

Na terra!

 

 

Curta

 

A mais curta das distâncias

Entre dois entes com siso

Não é um retorno às infâncias,

- É um sorriso!

 

 

Todos

 

Quando todos mentem

Falar verdade, sumário,

Todos o sentem

Como perigosamente revolucionário.

 

 

Comunica

 

Comunica com alguém.

Isso, fecundo,

Pode fazer além

Toda a diferença do mundo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ENCRUZILHADAS  DE  RUMOS

 

 

 

 

 

Charco

 

Porque beber neste charco

Que mal tenho aqui à perna

Se puder beber num barco

Que navegue a vida eterna?

 

 

Criaturas

 

Criaturas para ti

Não as há, tudo é de Deus.

Para ti só as eu vi

Se os portais abriste aos céus.

 

 

Mudança

 

Quando o mundo não alcança

A mudança a ter no fundo,

Alcança em ti a mudança

Que em si não alcança o mundo.

 

 

Aposta

 

Acolhe da vida a aposta,

Banal seja ou singular.

Deus conduz o barco à costa,

Só tens mesmo é de remar.

 

 

     Dentro

 

A felicidade é um dom

Que mora dentro de ti:

Do fundo do coração

O que sonhas vem aí.

 

 

Enterrada

 

Tu nunca serás feliz

Verdadeiramente. É triste?

Felicidade é raiz:

- Enterrada, mas existe.

 

 

Confia

 

Por muito que digas não,

Queres vida e com alarde.

Confia na intuição,

Vais conseguir, cedo ou tarde.

 

 

Recusa

 

Quando o sonho te ofertarem

De tua vida, recusa.

Bom é todos se lembrarem:

- Um sonho apenas? Não se usa!

 

 

Desprendimento

 

O desprendimento custa

E é sempre a justa medida

Duma cruz que em mim ajusta

Quanto é livre a minha vida.

 

 

Submeter

 

Não te queres submeter

De Deus à vontade inteira,

Mas entretanto a quenquer

Te submetes que se abeira.

 

 

Lugar

 

Nada tires do lugar.

Se Deus se te dá no mundo,

Porque andas a te apegar

Às criaturas tão fundo?

 

 

Dor

 

A dor te abate, que tu

A acolhes com cobardia.

Acolhe-a valente, a cru:

- E um tesoiro te anuncia!

 

 

Aborrece

 

Não digas que te aborrece

Quem sempre te mortifica,

Olha que é quem te oferece

O que, ao fim, te santifica!

 

 

Abater

 

Não percas a ocasião

De abater teu pré-juízo.

Custa, mas, sem isto, não,

As funduras não diviso.

 

 

Mortificações

 

Tuas mortificações

Que a teu dia se te apliquem,

Deixem os mais sem lesões,

Que os outros não mortifiquem.

 

 

Olhar

 

Para que hás-de olhar, profundo

Vasculhando a bisturi,

Se, bem no fundo, o teu mundo,

O trazes dentro de ti?

 

 

Melhor

 

O que é melhor para elas

As pessoas nunca sabem

Até que abram as janelas

E no infindo em frente acabem.

 

 

Mundo

 

Todo o mundo a se propor

Ter. E o terror de perder

Que chega a ser bem pior

Que a frustração de não ter?

 

 

Nunca

 

Se quando desejo muito

Nunca o consigo alcançar,

Nunca então da vida intuito

Aquilo é de pôr-me a par.

 

 

Confusão

 

Porquê tanta confusão

Pelos bens materiais todos?

A vida interior à mão

Dá-nos mais que tais engodos.

 

 

Atraímos

 

O que nós sempre atraímos

É o que já dentro em nós mora.

- Por que trilho então seguimos,

Qual meu rumo íntimo agora?

 

 

Muda

 

Para que jamais me iluda

Vou meu íntimo ajustar,

Porque o resto apenas muda,

O resto, quando eu mudar.

 

 

Pedra

 

Quando estou no meu caminho,

Qualquer pedra de sentar

É boa, que é de meu ninho,

Faz-me sentir no lugar.

 

 

Dar

 

O céu nunca nos vai dar

Aquilo que nós queiramos,

Antes, ao invés, a par,

O que nós mais precisamos.

 

 

Pobre

 

Se não tiveras nascido,

Mais pobre era a humanidade:

Tens em teu imo investido

Campo onde mais ninguém grade.

 

 

Preocupado

 

Quem viver preocupado

Com dinheiro que retém,

O contributo pagado

Perde-lhe o ser troca além.

 

 

Foco

 

Quando o foco é contribuir,

Construir, edificar,

O dinheiro finda a vir,

Mas humilde em seu lugar.

 

 

Paz

 

Para a alegria chegar

E ter paz até ao fim

Terei de não me apegar

A coisas fora de mim.

 

 

Bem

 

Se estiver de bem comigo,

Nunca cedo nem ataco,

Nunca vou buscar amigo

Que por mim tape o buraco.

 

 

Arte

 

Arte é conseguir viver,

Relacionar-se de pé,

Sem nunca deixar de ser,

Mas nunca, de ser quem é.

 

 

Mundo

 

Para onde é que hás-de olhar

Se  o teu mundo nunca ali,

Lá por fora, te há-de estar,

Que o trazes dentro de ti?

 

 

Vence-te

 

Vence-te ao primeiro instante,

A preguiça não te aguça.

Como a perda é desgastante

Na primeira escaramuça!

 

 

Dar-se

 

Alma e corpo, os inimigos

Que não podem separar-se

E, por igual, os amigos

Que nem vão ver-se nem dar-se.

 

 

Ressaibos

 

A alegria que tivermos

Tem ressaibos de amargura:

Cá em baixo estes são os termos,

Dor é o sal que nos apura.

 

 

Ala

 

Na hora de levantar,

Ala, então, que se faz tarde!

- E a vontade, ao despertar,

Logo enrija o mais cobarde.

 

 

Aborrecimento

 

É um bom aborrecimento

O que sentes de ti mesmo,

Senão, com qual argumento

Desbravas a vida a esmo?

 

 

Semeia

 

Sempre alegres na esperança;

Na tribulação, pacientes;

Na oração, perseverança

- E a dor semeia sementes.

 

 

Cumprindo

 

De Deus cumprindo a vontade

Sofreram Cristo, os profetas...

- E queixas-te, de verdade,

Que te doi buscar as metas?!

 

 

Corpo

 

Diz a teu corpo sem regras:

“Prefiro ter um escravo

A sê-lo teu: quando integras

Quanto vida fora escavo?”

 

 

Choras

 

Se choras, não te envergonhes,

Purificas teu passado

E o futuro que hoje sonhes

Além vai do que hás sonhado.

 

 

Feliz

 

Quero-te feliz na terra,

Mas não o és com medo à dor:

Caminhante, a dor se aferra

E é o que paga a meta a apor.

 

 

Perder

 

Modos de perder a vida

Há muitos, conforme o apelo.

Vida em mais vida exaurida

É de todos o mais belo.

 

 

Purifiquem

 

Quando lograres que as dores

Físicas, morais, em filas

Purifiquem teus humores,

Não as rejeites, bendi-las.

 

 

Maior

 

O teu maior inimigo

Não o busques fora a esmo,

Que fora não há perigo,

- O teu maior és tu mesmo!

 

 

Cuidado

 

O teu corpo quer cuidado,

Caridade da maior,

Mas não mais que a que hajas dado

A um amigo que é traidor.

 

 

Pendor

 

Quando o corpo é o inimigo

No pendor que se procura

Porque o trazes ao abrigo

De tua parva brandura?

 

 

Noite

 

Quando a profundeza do imo

A noite é que enfim me invade,

Na fundura atinjo o cimo:

- Luminosa obscuridade!

 

 

Sofres

 

Quando sofres, deste lado

Mal vês as marcas de além.

Mas o Além não há mudado...

- Sofres? É porque convém.

 

 

Dor

 

A dor finda enobrecida

Quando é o custo de trepar

Ou então quando é ferida

Por desertar meu lugar.

 

 

Exame

 

Exame, tarefa diária

De quem negócios dirige:

- A nossa meta viária

Ainda mais premente o exige.

 

 

Aprender

 

Um olhar sobre o passado,

Sem lamento (estéril fundo)

Mas a aprender cada dado,

A aprender, que é o que é fecundo.

 

 

Raiz

 

Insiste em buscar mais luz

Até dar com a raiz:

A um novo trilho te induz

E dobra ao mal a cerviz.

 

 

Dívidas

 

Que as dívidas reconheças:

Com Deus e homens as desdobras...

De pagá-las não te esqueças

Com gratidão e com obras!

 

 

Fiel

 

Quem no pouco for fiel,

No muito o será também.

Do descaminho o meu fel,

Na raiz, dali provém.

 

 

Paternal

 

O Cosmos é paternal,

As barreiras e os impasses

Afastou-te, ao teu sinal,

Para que não tropeçasses.

 

 

Concretos

 

Tem propósitos concretos,

Cumpre-os, com o apoio do imo.

Por estes passos discretos

Trepas pouco a pouco ao cimo.

 

 

Dão

 

Se te dão honra e louvor,

Lembra o que te faz corar.

Da vergonha és tu senhor,

Louvor é Infindo a se dar.

 

 

Demais

 

Volta à tua vida agora:
Agora não é jamais

Cedo demais, na demora,

Nem, por ora, tarde a mais.

 

 

Treino

 

Se eu nunca desanimar,

A derrota de hoje, esquiva,

Treino é que me há-de acartar

Vitória definitiva.

 

 

Ângulo

 

Não tomes a decisão

Sem considerar o assunto

Neste ângulo de visão

Em que tu com Deus vais junto.

 

 

Sozinho

 

Sozinho, nunca estás só,

Na lonjura há companhia:

Os longes são do teu pó

Quem pinta o tom do teu dia.

 

 

Emproar

 

Sermos nós filhos de Deus

É de emproar de soberba!

Questão é que os gestos meus

Façam jus a uma tal verba!

 

 

Imo

 

O íntimo maior que o imo

Mantém em tua presença:

É teu trilho até ao cimo

Da vida na tua avença.

 

 

Silêncio

 

Silêncio: o porteiro-mor,

Quando vou à descoberta,

Em caminhada interior,

E transponho a porta aberta.

 

 

Bom

 

Que eu seja bom e que os mais,

Na eterna busca de céu

Ultrapassem meus varais,

Que sejam melhores que eu!

 

 

Converter-se

 

Converter-se é num instante.

Santificar-se, em seguida,

É partir pedra adiante,

É obra de toda a vida.

 

 

Melhor

 

Nada de melhor no mundo

Que, nos labirintos meus,

Seguir o imo até ao fundo,

Entreabrindo a porta aos céus.

 

 

Pureza

 

A pureza de intenção

Fica de vez garantida

Se no imo escavar o chão

Que irei semear na vida.

 

 

Impaciente

 

Impaciente de Infinito,

É estéril a rede viária

Se não tratar, quando a habito,

Minha conduta diária.

 

 

Rectificar

 

Rectificar cada dia

Um pouco, um nada que seja,

É o labor constante, a via

De quem céu quer que se veja.

 

 

Dever

 

Não há peritos de jeito,

Nem monopólios nenhuns.

O dever de ser perfeito

É de todos, não de alguns.

 

 

Começar

 

Começar, recomeçar,

É o que a vida interior

Deverá ser sempre, a par,

Que infindo é o que vem propor.

 

 

Servir

 

A vontade de servir

Com voluntariedade

Abre portas ao porvir,

Lenta o Infinito a invade.

 

 

Deves

 

Por ti morrem os profetas,

Cândidos arroteadores,

Mil e um cristos ante as metas...

- Não deves nada a tais dores?

 

 

Minutos

 

Procura diariamente

Minutos de solidão

Para a interior vida em mente

Teres a arrotear teu chão.

 

 

Milícia

 

Vida de homem é milícia

Sobre a terra história além.

Comodista é o que a estultícia

De nem dar por ela tem.

 

 

Guerra

 

Guerra por dentro de mim,

A desatar-me os meus nós

Em busca de meu confim,

- Só nesta é que há um bem após.

 

 

Intimidade

 

A intimidade contigo,

Em teu imo o mais além,

Não te diz nada do abrigo

Que ao longe te chama: “Vem!”?

 

 

Raposas

 

Por falhas que não condenas

Teu íntimo desalinha.

Caça as raposas pequenas,

Que te destroem a vinha!

 

 

Falha

 

Pela falha a que não ligas

(Falha não é de maior),

Nunca tens, em tuas brigas,

Deveras vida interior.

 

 

Rumo

 

Segue teu rumo a valer,

Vê que é que teu imo almeja!

Ao que ser sábio puder

Quem perdoa que o não seja?

 

 

Muito

 

Escrever todas as loisas

Não é deveras o intuito:

Não requeiro muitas coisas,

Em cada requeiro muito.

 

 

Estudas

 

Trabalhas em mil trabalhos,

Todavia, não estudas?

Não serves a quebrar galhos,

Que os baralhas, se não mudas.

 

 

Estudo

 

As horas de estudo são,

Quando quero luz no mundo,

Bem mais horas de oração

Com que de Infindo me inundo.

 

 

Inteligência

 

Se tens de servir a Deus

Com a tua inteligência,

Estudar é uma exigência.

- É o dia dos dias teus!

 

 

Empenho

 

Se pões o empenho no estudo,

Doutro empenho sê senhor

A obrar como teu escudo:

O de ter vida interior.

 

 

Antes

 

Antes de pôr-te a ensinar,

Primeiro põe-te a fazer:

Fazer vai proporcionar

Que outros aprendam a ser.

 

 

Labor

 

Um labor profissional

Vai melhorar tua vida

Fora e dentro: dá sinal

De alma a ser robustecida.

 

 

Cultura

 

É bom que ninguém nos vença

Na vivência da cultura,

Mas é um meio de quem pensa,

Nunca o fim que alguém procura.

 

 

Figueira

 

Todo o teu tempo aproveita!

A figueira amaldiçoada

É sempre quando só deita

Folhas à berma da estrada.

 

 

Negócios

 

Para os negócios humanos

Tempo é de oiro e gera história.

Para os do imo irem sem danos

É o tempo sempre antes glória.

 

 

Milagres

 

De milagres não preciso,

Preciso do teu dever

Cumprido com todo o siso,

À brisa do imo a ceder.

 

 

Chefe

 

De chefe tens vocação?

Serve então os que comandas

Com o desvelo de irmão

E os mais como iguais com que andas.

 

 

Aborreces-te

 

Aborreces-te? É que tens

Os sentidos bem despertos

E o imo, ignorando os bens,

A dormir em teus desertos.

 

 

Virar

 

Se queres virar o mundo

De teu imo ao melhor lanço,

Tens de trabalhar bem fundo

E trabalhar sem descanso.

 

 

Precipitação

 

Toda a precipitação

Na actividade que tento

Não é actividade, não,

É apenas estouvamento.

 

 

Fraquejar

 

Se te vêem fraquejar

Quando és chefe, a consequência

É que não é de estranhar

Que quebrante a obediência.

 

 

Ridículo

 

Do ridículo te ri,

Fiel mantém-te ao teu imo,

Mantém-te fiel a ti:

Quem de ti rir falha o cimo.

 

 

Avessas

 

Ridículo é quem persiste

Às avessas com o andor.

Ridículo não existe

Para quem faz o melhor.

 

 

Destempero

 

A intransigência, no fundo,

Se é meu imo que venero,

Por aqui não a confundo

Jamais com o destempero.

 

 

Fracassar

 

Fracassaste? Tu não podes

Fracassar nenhum instante:

É só vivência que rodes

Dentro em ti. Portanto, adiante!

 

 

Virtude

 

Virtude que o imo almeja

Murmura no acto de agora.

Que a virtude em ti não seja

Uma virtude sonora!

 

 

Mundano

 

Homem de Deus pervertido,

Que pena e que enorme dano!

E pior é o sem sentido

Que tíbio for e mundano.

 

 

Julgador

 

Das vitórias e derrotas

É o mundo mau julgador:

Sai tantas vezes, nas notas,

Derrotado o vencedor!

 

 

Feito

 

O que me arrepia a pele

É a criança ou um doente,

Quando fundo atento nele,

Ser Deus aqui feito gente.

 

 

Intenções

 

Aflora na intenção já

Todo um Belo sem maleitas.

Homem perfeito não há,

Somente intenções perfeitas.

 

 

Negativa

 

Nunca a negativa crítica.

Quando não for de louvar,

Deve esta ser a política:

- Calar, apenas calar.

 

 

Longe

 

Sendo ao fim tão miserável,

Longe de alturas sidéreas,

Como estranho, insociável,

Que os outros tenham misérias?

 

 

Livro

 

Livro para alimentar

Da inteligência o postigo

Mais eficaz é que dar

Um pão, mesmo de bom trigo.

 

 

Santos

 

Todos são, no fundo, santos,

Que o mais profundo do fundo

Vem do reino dos encantos,

É o portal do outro mundo.

 

 

Busques

 

Se o reino de Deus procuras

Bem como a justiça dele,

Não busques mais sinecuras,

Ele tas dá no que sele.

 

 

Toco

 

Toco a vida como vier,

No cume ou no fundo algar:

Se para pular não der,

Sigo em frente a rastejar.

 

 

Entregas

 

Quando te entregas a Deus,

Trepas dum tão fundo abismo

Que não há lesões nem véus

Que te quebrem o optimismo.

 

 

Prudentes

 

Sempre os prudentes julgaram

Loucuras as obras do imo.

Não ligues, sempre findaram

Atolados bem no limo.

 

 

Troças

 

Quando apenas troças firmem

Marcos maus em teu redor,

Que as tuas obras confirmem

O que tua missão for.

 

 

Espectáculo

 

Sem espectáculo agiram

Os santos a quem apeles.

Se espectáculos surgiram,

Sempre foi apesar deles.

 

 

Pareces

 

Do presépio te consomem

Horas os musgos. Avança:

Nunca pareces mais homem

Que se pareces criança.

 

 

Obras

 

Tão abundante é na boca

A fé, mas jamais nas obras!

A pregar é que se evoca,

Praticar, não, que são sobras?!...

 

 

Superstição

 

Fé, não, mas superstição:

Palavras de mau agoiro,

Facas cruzadas do pão...

- E a vida tomba em desdoiro!

 

 

Aplausos

 

Os aplausos do triunfo

Quando ouvires, que ressoem

A teus ouvidos, por trunfo,

Risos que as falhas te ecoem.

 

 

Desprezem

 

Quando te vires como és,

Parece-te natural

Que te desprezem aos pés:

- Pois se és mesmo tal e qual!

 

 

Humilde

 

Humilde quando te humilhas

Não é humildade jamais,

Mas se te humilham e cilhas

Do Infindo acolhes que tais.

 

 

Reconhece

 

Reconhece humildemente

Tua fraqueza, que então,

Quando és fraco, de repente,

És forte como um leão!

 

 

Paz

 

Quando a paz morre ao cadinho

Das pressões e do furor,

A humildade é um bom caminho

De atingir paz interior.

 

 

Lado

 

Ante teu imo Infinito

Que é que és tu cá deste lado?

És um mero pobrezito

Com um bom fato emprestado.

 

 

Conhecer-me

 

A mim próprio conhecer-me

Leva-me, mais que à verdade,

Pela mão, feito qual verme,

À verdadeira humildade.

 

 

Desobedecer

 

Desobedecer ao imo

Mais profundo de si mesmo

É perder o rumo ao cimo,

Caminhar na vida a esmo.

 

 

Tempera

 

Tempera a tua vontade

Para ser esporão de aço.

A vontade forte é que há-de

Obedecer a compasso.

 

 

Instrumento

 

Tal se foras instrumento

Em mão de artista, obedece

Quando dentro e fora o vento

De luz igual a ti desce.

 

 

Ridículo

 

Ridículo pormenor

(Será que obedeço nisto?)

Terá de heróico o teor

Quando em meus actos o alisto.

 

 

Paz

 

Se obedecer a teu imo

Não te trouxer, ao fim, paz,

Soberbo és da base ao cimo,

Em resumo, um incapaz.

 

 

Mais

 

Necessidades convém

Que não crieis de pequenos:

Aquele que é quem mais tem

É quem precisou de menos.

 

 

Desprezar

 

Se és homem de Deus e do imo,

Põe em desprezar riqueza

Com empenho tanto arrimo,

Como o do mundo que a preza.

 

 

Tombarão

 

Porque a riqueza se preza

É que muitos tombarão.

Se à tua mão vem riqueza,

Não lhe ponhas coração.

 

 

Calar

 

De te calar tu jamais

Alguma vez te arrependes,

Já de falar é demais

Que arrependido te rendes.

 

 

Discrição

 

Discrição não é mistério

Nem tem de implicar segredo.

Naturalidade a sério

É o que é, sempre além do medo.

 

 

Calas

 

Se calas, mais eficácia

Hás-de ter em tua história:

Mata a boca muita audácia

E mata-te com a vanglória.

 

 

Seiva

 

Nunca poderemos ser

Raiz e copa senão

Sendo seiva a percorrer

Por dentro, no íntimo, o chão.

 

 

Despeito

 

Porque tomas tanto a peito

Aquilo que já passou?

Cala-te, que foi despeito

O que a língua te afiou.

 

 

Gume

 

A discrição não é gume

De arma tua de combate

Mas como punho a resume

Que a qualquer gume então se ate.

 

 

Virtude

 

A verdadeira virtude

Não é triste ou antipática,

Mas, de alegre, é como grude

Que amável nos cole à prática.

 

 

Antipático

 

Cara séria, modo brusco

E de ridículo aspecto,

Ar antipatico... Busco

A quem inspirar correcto?

 

 

Terra

 

Tudo o que for deste mundo

Não é mais que terra ao léu.

Junta-o sob os pés, fecundo,

Findas mais perto do céu.

 

 

Comes

 

Comes mais do que precisas?

Tal fartura é lassidão,

Entorpece o que ajuízas...

Rastejas, verme, no chão.

 

 

Quando

 

Quando vier o sofrimento

Ou do desprezo o tropeço,

Pondera: que é isto, atento

Ao que, no fundo, mereço?

 

 

Fora

 

Há muita luta lá fora,

O que te desculpa em parte.

Mas o cúmplice em ti mora:

- Como isto então desculpar-te?

 

 

Eriçada

 

Quando a vejo tão pequena

E sempre tão eriçada,

A nossa vida terrena

É má noite em má pousada.

 

 

Inquietação

 

A inquietação não é parte

Do que for vida capaz:

Não deves nunca inquietar-te,

Que é sempre perder a paz.

 

 

Contra

 

Tu não vais contra Deus, não.

Quedas são fragilidade,

Porém tão frequentes são

Que és tolo e mau de verdade.

 

 

Vencer-te

 

Quando não sabes vencer-te,

É olhar a sela, os arreios,

E perguntar-te, solerte:

- Será que já usei os meios?

 

 

Custa

 

Como custa! Todavia,

Para a frente! Premiado

Só quem luta dia a dia

Com bravura de soldado.

 

 

Fortaleza

 

A força que em mim me preza

De além do imo vem jorrada.

Toda a nossa fortaleza

É fortaleza emprestada.

 

 

Seguro

 

Deus meu! Cada vez me sinto

Menos seguro de mim

E cada vez mais me pinto

Seguro do além sem fim.

 

 

Certezas

 

Das certezas singulares

Esta é a melhor que houver cá:

Ao Além, se o não deixares,

Ele não te deixará.

 

 

Confia

 

Confia sempre em teu Deus,

Fala do imo à tua igualha,

Que esta é a vantagem dos céus:

Ele não perde a batalha.

 

 

Tem

 

O homem tem a sua hora,

A treva da morte o invade,

E Deus, que ali também mora,

Tem lá sua eternidade.

 

 

Morte

 

Se és fiel a teu imo, amiga

A morte é no teu cadinho:

A esteira da luz abriga,

Facilita-te o caminho.

 

 

Voz

 

Se a teu imo fores fiel

E à voz nele que haja a mais,

Não morres em tua pele:

- Mudas de casa, aos sinais.

 

Se, pela mão do Infinito,

Conduzes quanto te apraza,

Não morres, no fim aflito,

Apenas mudas de casa.

 

 

Onça

 

Tenho a mania da onça

Que valho mas nem sequer

Peça alguma desengonça

No mundo quando eu morrer.

 

 

Vista

 

Não percas de vista o juiz,

A justiça, o julgamento:

Irás ver teu Pai feliz

Na hora do passamento.

 

 

Operário

 

Da vida inteira operário,

Dela é fruto quanto valho:

A cada qual seu salário

De acordo com o trabalho.

 

 

És

 

Não atrases nem aprazes

Os actos que em ti concitas,

Que és sempre mais o que fazes

Do que aquilo em que acreditas.

 

 

Calar

 

Continuo, calmo o rosto,

Mil histórias escutando,

Desde que esteja disposto

A calar de vez em quando.

 

 

Falhar

 

Falhar nunca tem problema

Se quantos degraus não galgo

Só me acirrarem o lema

De querer alcançar algo.

 

 

Agradece

 

Agradece coetânea

Como repetidamente:

A gratidão instantânea

Jamais é suficiente.

 

 

Desconfortável

 

Fazer o desconfortável

Será bom nesta medida:

Treinas, quanto te é viável,

Musculação para a vida.

 

 

Mudar

 

O melhor de mudar é,

Mais que o novo que te alcança,

O que em ti porá de pé:

- É que é um sinal de esperança.

 

 

Muda

 

Todos temos muita muda

Na vida, pelas idades.

São, da miúda à graúda,

Novas oportunidades.

 

 

Ameaça

 

A quem for homem de Deus,

A ameaça maior, o pego

Que o perde de vez dos céus,

Hoje e sempre, será o ego.

 

 

Tirano

 

Resta apenas um tirano

Que eu aceito neste mundo:

- Voz silente e sem engano

Dentro em mim lá bem do fundo.

 

 

Importa

 

A Deus não importa nada

Nem templo nem edifício,

Só lhe importa o que na estrada

Nós faremos desde o início.

 

 

Aprender

 

Quilómetros de prazer

E eu sem nada aprender...

 

Meio metro de tristeza

E o que aprendi, que beleza!

 

 

Mudança

 

O mundo recusa ver

A mudança que hei tentado:

Tendem a me apreender

Prisioneiro do passado.

 

 

Queixas

 

Se tem remédio, então

Porque será que te queixas?

Se não tem remédio, não,

Porque te queixas das deixas?

 

 

Caminho

 

Não assinala o caminho

Meu dedo a apontá-lo à gente,

Cada qual feito adivinho,

- Antes caminhando à frente.

 

 

Dever

 

O dever da inteligência,

Dos demais antes da resma,

É desconfiar com premência

Mas desconfiar de si mesma.

 

 

Sério

 

Não existe nada sério,

Permeado de juízo,

Que não possa sem mistério

Ser dito com um sorriso.

 

 

Fonte

 

Triste, a rotina despreza

A maior fonte de gozo:

Em tudo, na natureza,

Algo há de maravilhoso.

 

 

Descontentamento

 

Todo o descontentamento

Por aquilo que nos falta

É de gratidão a falta

Ao que temos no momento.

 

 

Melancolia

 

Às vezes melancolia

Traz consigo algum prazer:

De nosso íntimo é a magia

A confortar-nos de o ver.

 

 

Decisão

 

Mais útil não nos é nada

Como a decisão confessa

De na vida, pela estrada,

Não ter pressa, não ter pressa.

 

 

Momento

 

Importa estar preparado,

Que um dia, mais cá, mais lá,

Quando menos precatado,

O momento chegará.

 

 

Nunca

 

O melhor duma verdade,

Ao tanto eu a requerer,

E que mais me persuade,

Nunca se chega a saber.

 

 

Sombra

 

Não há razão de temer

A sombra que se introduz:

Perto indica que há-de haver

A fonte onde brilha a luz.

 

 

Choras

 

Se por ter perdido o sol

Choras de noite as sequelas,

De lágrimas o teu rol

Não deixa ver as estrelas.

 

 

Rascunho

 

Não faças de tua vida

Um rascunho a rasurar,

Podes não ter à medida

Tempo de a limpo a passar.

 

 

História

 

Imagina em tua vida

Nova história, nova estrela,

E depois, mas sem medida,

Crê profundamente nela.

 

Imagina a nova história

Que pode ser tua vida

E, após fixa na memória,

Crê  nela, crê sem medida!

 

 

Pode

 

Acredite já que pode,

Que isto é quanto lhe adivinho:

Mais que o pó de si sacode,

Andado é meio caminho.

 

Acredita tu que podes,

Pois, mesmo andando sozinho

No rumo ao fito a que acodes,

Já vais a meio caminho.

 

 

Coragem

 

Coragem! Coragem!

Pulso bem medido,

É o medo, na viagem,

Duma vez vencido.

 

Sempre é preciso coragem

No itinerário seguido.

E o medo então da viagem?

- Coragem medo é vencido.

 

 

Milagres

 

Nos milagres acredita,

Vislumbra o que há sob as peles,

Mas à precaução incita

De nunca depender deles.

 

O milagre te concita

A força com que te impeles.

Nos milagres acredita,

Porém não dependas deles.

 

 

Viajas

 

Viajas cruzando o mar

Como por ti dentro ao ir,

Já que para viajar

Basta apenas existir.

 

A viajar andam no mundo

E há sempre mais aonde ir.

A viajar ando, no fundo:

A viajar basta existir.

 

 

Sucesso

 

Tem o sucesso uma base

Com que todos se consomem:

A base que no-lo apraze

É a de conhecer o homem.

 

Uma vitória que arrase

Obriga a pagar o preço:

Conhecer o homem é base

De todo e qualquer sucesso.

 

 

Falta

 

Não vivas para a presença

Ser notada de seguida

Mas para devir imensa

A tua falta sentida.

 

 

Trabalho

 

Trabalho de que gostar

Quem escolher à medida

Não terá de trabalhar

Nenhum dia mais na vida.

 

 

Simplicidade

 

Quem simples quer de verdade

Devir, sujeite-se ao malho:

Conseguir simplicidade

Só após, só, muito trabalho.

 

 

Força

 

A força nunca provém

Dum físico incontestável,

Vem da vontade, porém,

Quando é vontade indomável.

 

 

Dificuldade

 

Por mais que nos custe um custo,

Em meio à dificuldade

Vem o pagamento justo:

- Vem-nos a oportunidade.

 

 

Desejo

 

O desejo configura

Um futuro aqui chamado:

É sempre parte da cura

Desejo de ser curado.

 

 

Reconhece

 

Triste, feio, uma aspereza

Têm sentido algum dia:

Quem nunca viu a tristeza

Não reconhece a alegria.

 

 

Certo

 

No fim tudo dará certo,

Que se não der certo, assim,

É que só estaremos perto,

Ainda não chegou ao fim.

 

 

Passado

 

Uma vez o passo dado,

Segue o trilho que te impele:

De respeitar é o passado,

Jamais é de viver nele.

 

 

Terminal

 

Para além de transitória

E mui débil, afinal,

Por detrás de toda a glória

Toda a vida é terminal.

 

 

Corrente

 

À corrente deste rio

Não a lograrei parar:

Vivo neste desafio

De eterno me transmudar.

 

 

Vivendo

 

Trepo a pulso na subida,

Rasgo os dedos nos cipós:

Mais que nós vivendo a vida,

Vive ela através de nós.

 

 

Teor

 

Do reino de Deus o teor

Algo é de hoje diferente.

Jesus diz ao seguidor:

- Faz-te à estrada e cura gente!

 

 

Questão

 

Todo o problema de crer

Mora num outro lugar:

É tudo questão de ser

E jamais de acreditar.

 

 

Tormento

 

Para quê tanto tormento

Do passado com histórias?

Erros e arrependimento

Tudo apenas são memórias.

 

 

Aprender

 

A beleza de aprender,

Além de mundo explorar,

É que, depois de o reter,

Ninguém to pode tirar.

 

 

Magnífico

 

Só depois do vale escuro

Podemos saber, sem falta,

Quão magnífico é o ar puro

Lá na montanha mais alta.

 

 

Música

 

Música: fala divina

Que do mais fundo torrão

Frases belas nos destina

Poéticas ao coração.

 

 

Presos

 

Neste mundo estamos presos

E completamente sós,

Porém guiados, que ilesos

É de ao termo irmos após.

 

 

Sempre

 

“Para sempre” é eternizar

O agrado de que alguém goza,

Porém tudo há-de acabar,

A palavra é mentirosa.

 

 

Contínuo

 

Isto é um contínuo acabar-se:

Quando à festa algo se inclina,

Se olho por trás do disfarce,

Mal começou já termina.

 

 

Chave

 

A vontade prosseguir

Do Pai que dos céus me exorta

É que é a chave para abrir

Do reino dos Céus a porta.

 

 

Falta

 

É o Senhor que me governa,

Nada, pois, me faltará:

Mesmo se a falta é superna,

Não falta o lado de lá.

 

 

Rumo

 

De ti será que Deus diz

Tal dos que o rumo perderam:

- “Eu, por mim, eu bem o quis

Mas os homens não quiseram.”

 

 

Falta

 

É o abandonar-me a Deus

O que mais falta me faz

Para, nestes dias meus,

Não perder a minha paz.

 

 

Menos

 

Tu não és menos feliz

Apenas por te faltar

O que eras noutra matriz,

A do que te sobejar.

 

 

Exalta

 

Deus exalta os que cumprirem

Dele a vontade daquilo

Em que os humilhou, ao virem

Cheios de si em sigilo.

 

 

Pergunta

 

Muitas vezes te pergunta

Ao correr de cada dia:

- Meu acto que aqui se junta

É mesmo o que ser devia?

 

 

Êxitos

 

Meus êxitos não são meus,

São os êxitos que em mim

Vai, afinal, tendo Deus

De eu ir nEle até ao fim.

 

 

Glória

 

Se a vida não tem por fim

A glória dos Céus além,

É desprezível, enfim,

E detestável também.

 

 

Rectifica

 

Rectifica, rectifica,

Senão a tua vitória

De vez estéril te fica

De ser por tua vanglória.

 

 

Pescar

 

Repele o teu pessimismo

Que te acobarda em seguida,

Lança as redes sobre o abismo

E corre a pescar a vida.

 

 

Exemplo

 

O bom exemplo semeia,

Semeia a boa semente

E a caridade é que ameia

Que semeie toda a gente.

 

 

Santidade

 

A santidade que é grande

Mora no dever pequeno

Que é cumprido no que mande

Em cada instante, sereno.

 

 

Ocasião

 

“Quando for ocasião

De algo grande, ah!, então, sim!”

- Mas olimpíadas não

Se ganham sem treino assim.

 

 

Soma

 

Já viste que enorme soma,

Tanta que é quase de loucos,

Que atingimos se se toma

A soma de muitos poucos?

 

 

Vences

 

Não vences nas gestas grandes

Só porque tu não quiseste

Vencer, por tudo em que mandes,

Nas pequenas que tiveste.

 

 

Mérito

 

Nem no pouco nem no muito

Há mérito em afazeres

Mas na vontade do intuito

Com que os tu empreenderes.

 

 

Punhados

 

Punhados de trigo à terra

Lançados a apodrecer?

- Só que tal loucura encerra

A colheita a vir a ser.

 

 

Magníficos

 

Magníficos edifícios

E palácios sumptuosos,

Mas de que almas são resquícios:

Das vivas ou monstruosas?...

 

 

Audácias

 

As grandes audácias são

Sempre, sempre das crianças:

Quem pede a Lua, do chão

Donde a nunca, ao fim, alcanças?

 

 

Menino

 

Menino se és de verdade

No mais fundo fundo assente,

Serás outra realidade:

- Serás mesmo omnipotente.

 

 

Colo

 

Se és menino, não tens pena,

Entregue ao colo do pai.

Olha, pois que Deus te acena,

Se nele o medo se esvai.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

MAPAS  DO  TESOIRO

 

 

 

 

 

Desligado

 

Se ages por motivo humano

Desligado do Infinito,

És tíbio, provocas dano,

Seja qual for o teu fito.

 

Se diminuis teu dever

E tua comodidade

Para ti só queres ter,

Se é mera ociosidade

 

A tua conversa vã,

Se as faltas, não sendo graves,

São só de ver amanhã,

 

Se não recusas entraves,

És a tibieza encarnada

E a vida tem-la parada.

 

 

Desiludido

 

Desiludido, retornas

Com as asas descaídas.

Não te pagaram as jornas

As amizades mentidas.

 

Enquanto não precisaste,

Foi tudo oferecimento.

No dia em que, por contraste,

Em tua vida muda o vento,

 

Logo ficou convertido

O amigo no indiferente.

Em que confias, traído

 

Na pedra em que a vida assente?

Não te resta alternativa:

Só na Fonte que em ti viva.

 

 

Falso

 

Muito apóstolo que é falso

Acaba fazendo o bem,

Embora sendo um percalço

Da força que o pregão tem.

 

Porém, não compensa o mal

Enorme, efectivo dele,

Pois povo mata ao sinal

De nojo do que o impele.

 

Quem não quer íntegro ser

Nunca na primeira fila

Se há-de antepor a quenquer,

 

Chefe que aos mais se perfila.

Quem não fizer o que ensina

Ao pregão não se destina.

 

 

 

És pó sujo, pó caído.

Embora o sopro em teu imo

Te levante, pó fluído,

Sobre tudo a que me arrimo,

 

Te faça brilhar como oiro

Ao reflectir as alturas

Em teu mísero desdoiro,

Raios de sol que depuras,

 

Não ignores a pobreza

Do que é tua condição.

A soberba que despreza

 

Fará que tornes ao chão.

Deixas de ser luz de todo

Para não passar de lodo.

 

 

Aventureiros

 

Um mundo auto-suficiente,

Diabo a querer ser por si,

Carne a fartar-se, demente:

Aventureiros aqui,

 

Do prazer fugaz em troca

A querer que lhes entregue,

Andando acaso à matroca,

O oiro fino que eu carregue,

 

As pérolas, os brilhantes,

Os rubis de sangue vivo

Que em meu imo são constantes

 

Arautos do além esquivo.

Roubam preço em toda a linha

Da eternidade que é minha.

 

 

Toda

 

Sempre é toda a vida humana

Que se incarna em cada qual,

Individualiza, irmana

Numa só voz o total.

 

E o modo de reagir

Ao desafio enfrentado

Tem efeitos, a seguir,

Globais sempre em todo o lado.

 

Participantes activos

Somos da comunidade

Mais vasta de seres vivos

 

Responsáveis de verdade

Por desdobrar, em seguida,

Todo o possível da vida.

 

 

Senão

 

Nunca posso outrem amar

Senão amando a mim mesmo,

Do mais profundo lugar

Que vislumbro além a esmo.

 

Não me posso amar a mim

Se não tiver a abertura

De outrem amar rumo ao fim

Da derradeira fundura.

 

Ambos são inseparáveis

E, se estou trilhando um rumo

Sem o outro, dos prováveis

 

O provável, em resumo,

É que não estou fazendo

Nenhum deles, bem me vendo.

 

 

Mundivisão

 

A antiga mundivisão

Aferra-se bem amiúde

À permanente obsessão

Que ao ancestral mais a grude.

 

As crenças ideologia

Devirão, manta de ideias,

E a verdade fugidia

Escapa-lhes logo às teias.

Na preconcebida ideia

Dum inimigo facundo,

No limite, se baseia:

 

- É  o que ameaçaria o mundo.

Nunca vêem que são elas

Que nos tapam as estrelas.

 

 

Agora

 

O Reino anda agora aqui,

Não está nem a caminho,

Nem algures por ali,

Nem oculto ao adivinho.

 

Não é de facto aparente

À nossa visão comum.

Nosso olhar tem de, exigente,

Ter metanoia incomum,

 

Mudança de perspectiva

Para daqui ver o Reino,

Partilhar da gesta viva.

 

Não difere, após tal treino,

Afinal, do mundo e vida

Que vivo noutra medida.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CRUZAMENTOS  DE  SENTIDOS

 

 

 

 

 

Coração

 

Tens o coração na mão,

Proposta mercadoria.

Se ninguém o quer, então,

Se a ninguém agradaria,

 

Entrega-lo a Deus (um vão

Ídolo de fantasia),

Num convento em solidão,

No dom murcho do teu dia...

 

- Não entendes mesmo nada

Do que é do Infinito a estrada.

 

 

Conversa

 

Conversa com os teus filhos,

Mas olha que conversar

Não é arremessar aos trilhos

As palavras que calhar,

 

Não é só frases cuspir.

Falar quer os que se calem:

É deixar, ao bem ouvir,

Deixar que os silêncios falem.

 

 

Ambos

 

Findam a se apaixonar.

Nem viam que se moviam

Ambos no mesmo sentido.

Acabam por encontrar

Aquilo que nem sabiam

Que afinal tinham perdido.

 

 

Relação

 

Toda a relação de amor

Será um falhanço total

Até uma que o não for.

É o que lhes troca o sinal:

 

Só logrando ultrapassá-las

Na certa que ao colo embalas.

 

Só por dentro andando em frente,

A ti a tornas presente.

 

 

Afeição

 

Tens o coração tão cheio

De tanta afeição humana!

A guardar este é o recheio

Que dás de tua cabana

Ao anjo que no teu imo

Te chama a trepar ao cimo?

 

É que só deve andar cheio

Desde que o não trave o enleio.

 

 

Medo

 

Tens medo de te tornar

Frio, duro para todos

De tanto te despegar?

Afasta de vez tais modos.

 

Se é por luz e a Luz te guia,

Fogo, luz e calor tens

Para todos, dia a dia,

Gratuitos entre teus bens.

 

 

Dever

 

O dever, antes de mais,

E depois o coração.

Cumprido o que deve ser,

Teu coração que entre então

Sem mais travão que o degrade:

Inteiro sê suavidade.

 

 

Contido

 

A palavra comedida,

Dentro contido o sarcasmo;

A quem me incomoda a vida

Sorrir, sem mesmo entusiasmo;

Ante a acusação injusta

O silêncio que me custa;

 

A minha conversa amável

Com maçador importuno;

Não dar, negligenciável

Valor (se me não coaduno)

Ao pormenor aborrido,

Impertinente, atrevido,

 

Dos que convivem comigo;

- Isto, com perseverança,

É que é o meu porto de abrigo

Na lonjura que me alcança,

Mortificação interna

Que abre a porta à vida eterna.

 

Começa aqui, comedida,

Que isto lubrifica a vida.

 

 

Dor

 

Na pobre vida presente

Que importa a dor que vier?

É do parto a dor que sente

O porvir a florescer.

Que importa, afinal, a dor

Se é sofrida por amor?

 

 

Aceitação

 

Quando aceitação tu queres,

Não queres aceitação,

Uma outra coisa preferes:

- Ser amado de feição.

 

Sempre que queremos algo

Que os outros nos podem dar,

- Um estatuto fidalgo,

Dinheiro, poder sem par... -

 

Se olharmos lá bem no fundo

Outra coisa é o que queremos.

A emoção em que outro mundo

Em nossa alma inauguremos.

 

O que outrem me pode dar

É apenas retorno do ego.

O que ao fim quero, em lugar,

De alma anseio é de aconchego.

 

Qualquer alma, ao fim da estrada,

Quer mesmo é sentir-se amada.

 

 

Fora

 

Nada no mundo lá fora

Devolve a emoção interna.

Comprem carros toda a hora,

Casas, a mansão superna...

Cedo ou tarde, a vida envolta,

Torna e o vazio volta.

 

Porque uma casa ou um carro

Como todo o mundo a eito,

Mil coisas com que eu esbarro,

Não nos enchem nunca o peito.

Que nada do mundo, enfim,

Nos enche o peito: o amor, sim!

 

 

Buscar

 

Vir buscar amor à terra

De humano ser não é clima,

Mas trazer o amor à terra

Que se foi colher lá Acima.

Este amor é que nos cerra

E a todos no Todo arrima.

 

 

Vigência

 

Alma em que a luz tem vigência

Dará frutos às mancheias:

Compreensão, transigência

Para as misérias alheias;

Nas próprias, intransigência,

E não há medidas meias.

 

 

Travo

 

Travo de fel e vinagre

Do íntimo no dissabor:

Querem que mais lhes consagre,

Sei lá dar seja o que for!

 

Porém, este desagrado,

Se me humilhar, ficaria

O dia após ter lavrado

O melhor que poderia?

 

 

Vês

 

Este Cristo que tu vês

Não é Jesus nunca, não.

E nunca Maomé, de vez,

É o dos filhos do Alcorão.

- São sempre uma triste imagem

De olhos turvos da viagem.

 

A ti, pois, te purifica:

Teu olhar, com humildade,

Penitente, clarifica,

Que jamais tens a verdade.

Depois não falta o calor

Da luz que te traga o amor.

 

 

Venda

 

Que um inimigo me ofenda

Não é estranho, é tolerável.

Mas que um amigo me venda

À minha mesa, confiável,

Comendo na minha tenda...

 

O pior do cafajeste,

Ante o cândido universo,

É que eu acabo sendo este

Amigo por norma adverso,

Sempre de traidor em veste.

 

Tanto falho, no sumário,

De tanto andar ao contrário.

 

 

Apesar

 

Apesar de ires ao fundo,

Portaste-te muito bem,

Porque te rectificaste

E de esperança, jucundo,

Te preencheste também

E nela recuperaste

Todo o amor que te convinha.

- Pois levanta-te e caminha!

 

 

Filhos

 

Os filhos como procuram

Ante os pais ser dignamente!

Como os filhos de reis curam

De a realeza ter em mente!

E então tu, sempre ante Deus,

Descuras os gestos teus?!

 

 

Junto

 

Como é urgente descobrir

Quão Deus é junto de nós!

Andamo-lo a perseguir

Como nuvem que veloz

 

Corre alegre entre as estrelas

Sem reparar quanto, ao lado,

Tal dentro em nós, há morado,

Perdido em nossas vielas.

 

Mais do que o pai amoroso,

Do que a mãe mais extremosa,

Nos ajuda, atencioso,

Nos inspira cada glosa,

 

A pegada abençoando

E perdoando a topada.

A fronte desanuviada

A nossos pais provocando

 

Após uma travessura,

Quantas vezes nós dissemos:

- “Não, nunca mais, é uma jura,

Cairei em tais extremos!”

 

E tornámos a cair...

E o pai, a fingir de duro,

Repreende-me, seguro,

De coração a sorrir

 

Cuidando, bem lá por dentro:

- “Coitado, pobre rapaz,

Os esforços que, do centro,

Para bem ir ele faz!”

 

Vou-me embeber deste Deus

Que mais que um pai é meu Pai,

Que jamais de mim se vai,

- Dentro em mim mora nos céus.

 

 

Oxalá

 

Oxalá que na intenção

Seja o Infindo o nosso fim.

No afecto do coração

Que nosso amor seja assim.

 

Na palavra, o nosso assunto

Afinal dele vá junto.

 

Como depois nossa acção

Por modelo o haja à mão.

 

 

Distrair-te

 

Precisas de distrair-te?

Fecha os teus olhos de todo:

A vida interior, ao vir-te

Com cor, relevo e seu modo

 

Inteiramente imprevistos,

Mostrará mil maravilhas,

Um mundo novo em registos

Onde com Deeus te envencilhas,

 

Longe de tua miséria,

Onde te endeusas no céu,

Do trampolim da matéria

Saltando ao Infindo teu.

 

Aproximas-te do Pai

Tornando-te mais irmão

De cada irmão que aqui vai,

Dos homens pisando o chão.

 

 

Método

 

O método praticar

Melhor para teus alunos

É o que for de utilizar

Ascese que quer trepar

Dentro e fora, a sermos unos,

Eu e eles nos pendores

De virmos a ser melhores.

 

 

Queixas-te

 

Queixas-te interiormente,

Que te tratam com dureza.

Muito o contraste te pesa

Com o que é de tua gente.

 

Porém, perante um enfermo,

Pose fria e calculada

Mas objectiva, acertada,

É honesta e útil, ao termo.

 

É de bom profissional,

Não lamúria de família.

Que seria da vigília,

Ante uma guerra letal

 

Com a vaga de feridos

A chegar amontoados,

Se houver por todos os lados

Só de família alaridos?

 

 

Chefias

 

Se chefias, a aparência

De amigo particular

Entre a tua dependência

Tens mesmo até de evitar.

 

Ao invés, que te injuria

Se um ou outro então tiver

Alguém em quem mais confia

Por dele mais afim ser?

 

 

Posto

 

Tens direitos e deveres

E mais num posto oficial

Que vêm de o exerceres

Para bem ou para mal.

 

Se desvias o caminho

A pretexto de ir a Deus,

Erras e findas sozinho,

Não cumpres deveres teus.

 

Prestígio profissional

É o anzol que é de supor

Na mão de quem, afinal,

Vai ser de homens pescador.

 

 

Pagão

 

Num ambiente pagão

Que chocar com minha vida,

Parece postiço o chão

Da arena com que se lida:

 

Vidas em choque, em contraste,

Finda a mostrar, com verdade.

Aos trilhos onde me arraste

Vou com naturalidade:

 

O que em meu imo auscultar

É o que, enfim, vou semear.

 

Será mesmo diferente

O que semeia outra gente?

 

 

Marreta

 

Não transijo no que faço

Nem no trilho de atingi-lo.

Nisto sou marreta de aço

Mas depois, como um sigilo

 

Tenho-a bem almofadada

Das formas pela brandura:

Vou com outrem pela estrada,

Ríspido ser não nos cura.

 

 

Coacção

 

Não há santa coacção,

Mesmo dos fins pelo Fim,

Senão de a mim dar a mão,

Coacção de mim a mim.

O mais é perversidade:

Do outro viola a identidade.

 

 

Fátuo

 

Que o fogo de teu amor

Um fogo fátuo não seja,

De mentira, sem fulgor,

Que nem labareda almeja,

Que não ateia o que toca

Nem dá calor ao que evoca!

 

Seja o fogo onde, sublime,

O mundo inteiro se arrime!

 

 

Meto

 

Meto Deus nas minhas coisas,

Não há mais minhas tontices:

Quando os olhos em mim poisas,

Já não são as “minhas” coisas,

São as “nossas” que a Deus ices.

 

 

Pena

 

Pena imposta aos que a merecem

Adquire todo o valor

Se os que impõem não se esquecem

De castigar por amor.

 

A pena não é vingança

Mas pretende apaziguar

O pé quebrado na dança

Com remédio salutar.

 

 

Pedra

 

Pedra de toque do amor

Não é o prazer, a alegria,

Mas de nós quanto exigia:

- A pedra de toque é a dor.

 

Vivida no dia a dia

De ajustes de pormenor,

Mudado o lume em calor,

Nem dá pela dor que avia.

 

 

Labora

 

Se terminou teu labor,

Labora o de teu irmão,

Com tão natural pendor,

Delicado no teor,

Que ele nem repare então

 

Que bem mais, fazendo, agias

Do que em justiça devias.

 

Nisto é que mostras que céus

Afloram nos gestos teus.

 

 

Sobejos

 

Falar mal de teu irmão,

Nem com sobejos motivos!

Desabafa, pois, então,

Só com quem, ante o senão,

Logra a todos manter vivos.

 

 

Perdoa

 

Perdoa a quem te ofender

Logo desde o primo instante.

Por muito que haja a perder,

Mais, no rumo de ir avante,

Já perder fizeste a todos,

Sejam quais forem teus modos.

 

 

Murmuras

 

Murmuras de alguém? É mau.

Perdes o espírito bom,

Falhas em transpor o vau:

Cada termo tem o som

Da pegada que, em seguida,

Põe-te à porta de saída.

 

 

Partes

 

Sem ouvir as duas partes

Não julgues. Mui facilmente

Os que de justos têm artes

Ignoram, jeito imprudente,

Esta norma elementar

De terra firme pisar.

 

 

Presunçosa

 

Caridade presunçosa,

De longe atrai, que tem luz.

Repele ao perto: não goza

Do calor que amor produz.

Na estrada onde caminhava

Não abre caminho: entrava.

 

 

Mútua

 

A nossa mútua fraqueza

É o que quer mútuo apoio

Para encher com inteireza

Do dever bem cheio o moio.

Como cartas de jogar

Mútuas a se sustentar.

 

 

Preocupação

 

Tua preocupação

Com os mais, que grande bem!

Não degenere, porém,

Nunca numa inquietação:

 

Aquela supervisiona,

Esta não te deixa à tona,

 

Afoga-te no fundão

Que rodopia em teu chão.

 

 

Poderosos

 

Precisas dos poderosos

Para continuar fazendo

O que Deus de ti requer?

São volúveis e teus gozos

São de constante ir torcendo

O escolho que a vida der.

 

Se te ajudam, agradece.

Se te desprezam, esquece,

 

Que são mundo vulnerável,

E caminha, imperturbável.

 

 

Fio

 

Um fio com outros, muito

Bem, de vez, entrelaçados,

Formam calabres, no intuito

De quintais serem guindados.

Tu e os teus, vontade unida,

Até a Terra será erguida!

 

 

Lavrando

 

Que importa ter contra ti

O poder do mundo inteiro

Se é teu imo que em ti vi

Lavrando a vida leveiro?

A quem é que irás temer

Se é o Infindo em ti a ser?

 

 

Delicada

 

Discrição é delicada.

Não sentes inquietação,

Certo mal-estar, de entrada,

Quando temas em questão,

 

Nobres embora e correntes,

Porém de tua família,

Do lar vão, indiferentes,

Escapar para a quezília

 

Da curiosidade vã,

Praça pública malsã?

 

 

Gente

 

Muita gente, gente boa,

Não entende teu caminho.

Não te empenhes tu à toa,

Ninguém é teu adivinho:

Perdes o tempo, as funções

E cais em indiscrições.

 

 

Contente

 

Que estejas sempre contente,

Que a alegria é uma integrante

De teu caminho presente!

 

E pede que dela os bodos

Sejam daqui por diante

Já partilhados por todos.

 

 

Puro

 

Tudo faz por puro amor,

Desinteressadamente,

Tal se haver prémio não for

Nem castigo a amor ausente.

Há uma esperança de teu:

- Já começou a haver céu.

 

 

Pecador

 

Foi deveras pecador,

Mas não faças tal juízo

De inabalável pendor.

Tem piedade, com siso,

 

Que ele pode vir a ser

Santo, herói, sábio que abraças...

E tu, terreno a perder,

Dum medíocre não passas.

 

 

Baixo

 

Não ponhas o amor cá em baixo,

É um amor sempre egoísta.

Os que amas fogem em cacho

Mal fiques fora da vista

 

Do lado dalém da vida,

Na presença do Infinito.

O amor que perdura lida

Com tal fundura que fito:

 

Se aqui o entregar a alguém,

Então é que a sério vem.

 

 

Mau

 

Há quem seja mau contigo?

E tu, com teus altos cumes,

Tens sido amigo, inimigo,

Ou como é que te resumes?

Cara a cara aí com Deus

Como te julgam os céus?

 

 

Sofreste

 

Soltaram-se as línguas,

Sofreste desfeitas,

Feriram-te mínguas

Nada àquilo afeitas.

 

Deves perdoar

E pedir perdão.

Tenta aproveitar,

Despega do chão.

 

Só desapegado

Do que é criatura

Podes, abnegado,

Ter nova figura.

 

 

Doi-te

 

Doi-te que não te agradeçam,

Mas fizeste este favor

Para que aqui não te esqueçam,

Cá te paguem o valor?

Do lado de Além que avistas?

- És mesmo curto de vistas!

 

 

Ralham

 

Se te ralham, não te zangues,

Como aconselha a soberba.

Antes cuida: têm bons sangues,

Muito baixaram a verba

Antes de me vir cobrar.

Quanto houveram de calar!

 

Tentação

 

A tentação que te envolve,

O espirito a trepidar,

É uma venda que resolve

Teus olhos de alma ofuscar.

 

Ficas às escuras. Não

Te empenhes em andar só,

Que, só, cairás no chão,

Perdido a meio do pó.

 

Agarra a mão que te ajude

A trilhar o teu caminho.

Tem coragem, não se ilude

Quem Deus cura de mansinho.

 

Obedecendo-Lhe caem

As névoas e cai a venda

Dos olhos que ora não traem

E Deus logo é a tua lenda.

 

 

Extremos

 

Eu nas nuvens co'a cabeça

E tu com os pés no chão:

Ou somos um ou tropeça

Cada pé na contramão.

 

Somos a prova provada

De que os extremos se tocam,

Um trilho por cada estrada

No fim comum desembocam.

 

Ninguém nos acreditou

Quando juntámos as vidas,

Tão díspares em seu voo

Uma doutra eram vividas.

 

Mas quisemos apostar

Que a complementaridade

É no amor a singular

Amostra da infinidade.

 

Quem julgar que o amor é

Cópia a químico papel

Nunca logra pôr de pé

O infinito a que ele apele.

 

Nosso amor é diferente,

É aberto a tantas lonjuras

Que abraça aqui toda a gente

No infindo apelo às alturas.

 

 

Avô

 

O avô índio conta ao neto:

- “Tenho dentro de meu peito

Dois grandes lobos em luta,

Um gentil, cheio de afecto,

Outro ao ódio sempre afeito,

Eternamente em disputa.”

 

Pergunta o neto, curioso:

- “E qual deles vai ganhar?”

- “O que eu, muito cuidadoso,

Dia a dia alimentar.”

 

 

Mistério

 

O amor é sempre um mistério,

Porta aberta a um outro mundo

Dum maravilhoso império

Onde de espanto me inundo.

 

O que quer o amor igual

Da lonjura se tolheu,

Não entendeu o sinal

Que o chama de além do céu.

 

O igual é porta de entrada

E quem por aí se fica

Tem à partida a chegada,

Nunca mais além se aplica.

 

Quando nós damos as mãos,

São dois mundos que se cruzam,

Dois diferentes irmãos

Partilhando a mesa que usam.

 

Na aventura das estrelas

Trocamos voos sidéreos,

É o fulgor das prendas belas

De alegres gestos e sérios.

 

Por vezes não entendemos

Quanto o diferente é o grito

Que nos chama dos extremos,

À janela do Infinito.

 

Amo-te em dor e prazer,

Que me entreabres o véu

Donde, ao crescer, logro ver,

Uma pontinha de céu.

 

 

Natal

 

O Natal, festa de amor,

Que é que tem de diferente?

Tem da ternura o fervor

Sempre do erótico à frente.

 

O Natal é feminino:

Um homem mal entrevê

Que o sexo lhe inverta o tino

Das pegadas de seu pé.

 

À mulher é o coração

Que o corpo lhe inunda em festa

E o sexo inventa-lhe então

Vida, vida em cada fresta.

 

Jesus por isto é menino,

Eterno bebé da mãe,

E o Natal devém divino

De tanto afecto que tem.

 

O erótico então depois,

Sexo inundado em afectos,

De cada um gera dois,

Do Infinito rumo aos tectos.

 

Dentre os homens é que eu, homem,

Te agradeço a ti, mulher,

De as fomes que me consomem

A todas satisfazer,

 

Um sim, um não, um talvez,

Com a ordem bem medida.

Isto mais e mais nos fez

Um Natal de toda a vida.

 

 

Pais

 

- “Que é que pensas, que é que pensas

A respeito de teus pais?

São perfeitos, sem doenças

Nem falhas outras que tais,

 

Ou, ao invés, têm falhas

Que terão de corrigir?”

- “Perfeitos, não, que nas calhas

Muito havia que bulir

 

Só que, por mim, não precisam

De corrigir nada, não...”

- “A profundeza que visam

Tuas palavras, irmão!

 

Quer dizer que estás disposto

A aceitá-los como são,

Tal como aos mais, com o rosto,

Seja qual for, que terão.

 

É que ninguém é perfeito,

Nem sequer os nossos pais,

E serão do mesmo jeito,

Decerto, todos os mais.”

 

 

Desenho

 

A casa, com um desenho,

Chega a menina da escola.

Corre à cozinha, no empenho

Da obra que desenrola.

 

- “Sabes uma coisa, mãe?”

- “O quê?” - lhe pergunta esta,

Sem desviar, pois convém,

Os olhos de quanto apresta.

 

- “Sabes?...” - repete-lhe a moça,

O desenho lhe agitando.

- “O quê?” - logo a voz se adoça

E a mesa vai aprontando.

 

- “Não estás, mãe, a me ouvir!...”

- “Claro que eu estou, querida!”

- “Mãe,” - volta a filha a insistir -

“Não estás, não, na medida

 

Em que só tratas dos molhos

- E não me ouves com os olhos.”

 

 

Emprego

 

Um homem anda à procura

Dum emprego numa quinta.

Entrega, para o que augura,

Recomendação que o pinta

 

Com uma linha que agrade:

“Ele dorme descansado

Durante uma tempestade.”

O quinteiro, aperreado,

 

Tal indivíduo contrata.

Umas semanas mais tarde

Um furacão se desata,

Rasga o vale, o alcantil arde...

 

Acorda o proprietário

Da chuva com o ruído,

Assobiar do vento vário.

Salta logo, no alarido,

 

A clamar pelo empregado

Que dorme profundamente.

Corre aflito disparado

Ao celeiro logo em frente

 

E constata, com surpresa,

Que as reses estão seguras

Com ração que baste, ilesa.

Corre ao campo das agruras,

 

Vê fardos de trigo atados,

Cobertos com lonas presas.

Vai ao silo e vê trancados

Os portais e das devesas

 

O cereal recolhido

Ali bem guardado e seco.

Então entende o sentido

Do que entendera por peco:

 

“Ele dorme descansado

Durante uma tempestade.”

Se eu na vida houver tratado

Do que de importante a invade,

 

Da dolorosa incerteza

De haver assuntos pendentes

Não serei jamais a presa

- E abraço todas as gentes!

 

 

Feliz

 

De ser feliz o segredo

É dar-me por satisfeito,

Grato do que tenho a medo,

Do amor que acolho em meu peito,

Desta pontinha de céu

Que Deus já me concedeu.

 

- Só isso? - perguntarás.

- Só isso! - digo. E verás.

 

 

Pai

 

- “O pai é religioso,

Porém, nosso primo, não.

O pai ora e é com gozo,

Ele, nem na contramão.

Contudo, eles têm tudo

E nós nada, sobretudo...”

 

- “Deus e as suas decisões

São acertadas, rapaz.

Deus não pune sem razões,

Deus sabe bem o que faz.”

 

Foi a derradeira vez

Que o filho deste entremez

 

A vida então mediria

Por aquilo que possuía.

 

 

Par

 

Como podes perguntar

Se te amarei, meu amor?

Vê quanto, contigo a par,

Construímos com suor.

 

Um amor que reparamos

Já determos quando olhamos

 

Para a vida edificada

Juntos ao correr da estrada

 

É todo ele prata e oiro:

- É o amor que é duradoiro.

 

 

Lavrador

 

Ao acordar, um lavrador

Vê que o cavalo lhe fugiu.

E a vizinhança, com ardor:

- “Que enorme perda este azar teu!”

- “Talvez, talvez” - replica o dono,

Sem confiar deles no abono.

 

Um dia após retorna a casa

Tal animal com mais cavalos.

E a vizinhança em festa apraza

Celebrações de tais regalos.

- “Talvez, talvez” - replica o dono

Sem confiar deles no abono.

 

E, quando o filho vai montar

Um dos cavalos mais recentes,

Parte uma perna, ao mal tentar,

E eis os vizinhos descontentes.

- “Talvez, talvez” - replica o dono,

Sem confiar deles no abono.

 

Um dia após, os militares

Recrutar vêm o filho seu

Mas não o levam, dos maus ares

Da perna. E canta o povoléu!

- “Talvez, talvez” - replica o dono,

Sem confiar deles no abono.

 

Simplicidade e profundeza

Há nesta entrega ao Universo.

Quem desprendido a singeleza

Deste abandono tem no berço?

Talvez, talvez, um dia dono

De mim sou tanto em meu abono.

 

 

Conhecer

 

Um homem foi conhecer

Inferno e Céu, certo dia.

No Inferno deu para ver

A divinal iguaria

 

Na mesa posta pejada

E mil comensais em roda

Com cada mão algemada

Ao vizinho, a sala toda,

 

De tal modo que ninguém

Podia então saciar-se.

“É terrível!” - cuida bem.

Pede para ao Céu alçar-se:

 

Sala igual, iguais a mesa,

Os comensais e as algemas...

A diferença é surpresa:

Uns aos outros, sem problemas,

 

Todos aqui se alimentam

- E é festa o que nisto inventam.

 

 

Canta

 

Canta Deus e acompanhamo-lo

Com mil e uma melodias

E a canção, adivinhamo-lo,

É uma só todos os dias.

 

Uma canção deslumbrante

Cantada, já polifónica,

A uma só voz mundo adiante,

Do Infindo na escala tónica.

 

Por muito que diverjamos

Em postura, igreja ou seita,

Sempre ali nos encontramos

No sonho que nos aleita.

 

 

Motivação

 

A inspiração

Dos outros vem.

Motivação

Vem cá de dentro,

De além do centro

Que me contém.

 

Sei lá também

Se, ao me inspirar,

O outro não tem

Voz de além-mar,

Todos assim,

A ser, no fim,

O Infindo a ecoar.

 

 

Vero

 

Um amor que amor é vero

Muito estima a diferença,

Respeita o outro, outro mero

Por ser na própria querença.

 

O ágape não é o igual

Noutro igual a se apoiar,

É o estrangeiro, afinal

É o ignoto que aflorar,

 

O indaptado ou o incerto

Que acolho no abraço aberto.

 

 

Lei

 

A antiga lei, de exigência

Minimal e negativa,

É trocada, na vigência,

Do amor pela luz furtiva:

 

Não há mais obrigações

Baseadas na ansiedade,

Mas antes de amor clarões

Do imo vindos que me invade.

 

 

Crianças

 

Difíceis são as crianças

E autocentradas também

Mas entrada livre alcanças

Que no Reino sempre têm

Por terem sempre os pés certos:

- Têm corações abertos!

 

 

Casamento

 

O casamento partilha

Do fundamento do Reino:

Unem-se os dois e na cilha

Atam nós, nenhum é leino.

 

Trilham a vida em conjunto,

Crescem enquanto pessoas,

Em casal sempre mais junto,

Filhos, netos, lendas boas,

 

À medida que o amor

Que sentem transforma o mundo.

É um modelo do teor

Do Reino lá longe ao fundo.

 

 

Clube

 

Jesus não veio fundar

Um clube de escol de crentes,

Antes veio transformar

Da população as gentes

 

Espalhadas mundo fora

Numa só comunidade

Que dedica cada hora

A ultrapassar de verdade

 

Tudo o que é seu narcisismo

E, com ele, todo o egoísmo.

 

No fim, com cada parceiro,

Um só mundo é o mundo inteiro.

 

 

Caminho

 

Há caminho e bem seguro

De chegar a um coração,

O caminho que eu apuro

Quando a outrem dou a mão

Sem cobrar qualquer favor:

É o caminho dum amor.

 

 

Fracassos

 

Os fracassos sexuais

Podem ser bens preciosos:

Alimentar podem reais

Mudanças do imo nos gozos

E sexualidade tal

Baseia em breve os sinais

De todo o amor comunal.

 

 

Baptizado

 

Ser baptizado é, num rito,

Descobrir que a vida flui,

Lugar-comum que, contrito,

O fundamento institui.

 

Todos vivem tal se a vida

Estática deva ser,

Sem jamais rasgar saída

Do lugar onde estiver:

 

É assim com o casamento,

As relações, o trabalho,

Valores e pensamento...

Mantê-los presos ao galho

 

Tentamos, firmes, estáveis,

Mas a vida sempre está

Em corridas imparáveis.

A questão é se, cá e lá,

 

O fluxo à vida acompanho

Ou se insisto no seguro

Que encaro como meu ganho:

Contra o baptismo que apuro,

 

Se a estabilidade empolo

E apenas quero controlo.

 

Baptizar – fluir no rio

É jogar-se ao desafio.

 

 

Casamento

 

Na vivência espiritual

O casamento figura,

Com a vida sexual,

A união onde depura,

Lenta, a talhar novos rostos,

A multidão dos opostos.

 

A vida não vai seguir

Livremente se isolados

Tendem opostos a ir,

Um do outro separados:

É urgente encontrar a via

Que num só os uniria.

 

Mente-corpo, espírito-alma,

Masculino e feminino,

A euforia e a calma,

Tristeza-alegria, o fino

Da vulnerabilidade

Fio de força que a invade...

 

Sanear a divisão

É o que nos projecta o chão.

 

 

Suprimir

 

Suprimir sexualidade,

Mesmo por motivos nobres,

Produz agressividade

Contra os outros, contra os pobres,

 

Contra o próprio, mal castrado.

Quem sexual é reprimido,

Torna rígido seu fado,

É um hipócrita fingido,

 

Sempre a condenar propenso.

Manifesta cegamente

A agressão de quem é tenso

Do proibido eros que o tente.

 

 

Separar

 

Nos espirituais assuntos,

Em todos, a tentação,

É separar os que juntos

Sempre de facto andarão:

O chão só unido fecundo

Do espírito com o mundo.

 

Quando andamos absorvidos

Só na espiritualidade

Podemos não ter ouvidos

De ouvir a banalidade

Da vida quotidiana

No trivial que dela emana,

 

Nas rasas preocupações,

Relações defíceis, cruas,

Nos indivíduos malsões...

Podem-nos picar as puas

De nossa sexualidade,

Renegada então da herdade

 

Para a pilha de detritos

Das paixonetas humanas.

Não entendo os requisitos

Do espírito, das mil ganas

Com que nas pedras normais

Pega e torna espirituais.

 

Como a vida quotidiana

Tão humilde é preferida!

O amor a Deus não engana:

É amor doutrem, em seguida,

E do próprio – três notáveis

Que um são sempre, indissociáveis.

 

 

Principiante

 

A mente de principiante

Duma criança, a abertura

Emotiva ali constante

E ausência que ali se apura

 

De artifícios abrem portas

Escancaradas ao Reino.

No Reino não as exortas

A se tornarem com treino

 

Em adultos. Ao invés

São os adultos crianças:

Abandonamos aos pés

As ideias e as tranças

 

Dos rumos convencionais.

Vamos começar de novo

A ser pessoas reais

Transformadas desde o ovo,

 

Desde o fundo mais profundo,

Neste agora novo mundo.

 

 

Extremistas

 

Os extremistas opostos

Usam sempre a mesma táctica.

Quem discorda da gramática

Deles, com outros rostos,

 

Mesmo que muito ao de leve,

Empurram-no simplesmente

Para o outro extremo em frente,

De modo a poder em breve

 

Ser bem desumanizado

E nunca tomado a sério,

Pó que o vento move aéreo.

Assim um e outro lado

 

Podem o comportamento

Justificar, aliados.

Cada qual crê que seus dados

São os bons, o bom fermento.

 

Então terá de lutar

Para a civilização,

Contra os que alma nem terão,

Ir finalmente salvar.

 

 

Meio

 

Aqueles que andam no meio

Andarão sempre acusados,

De ambos os extremos lados,

De extremistas como o seio.

 

Tendem a ser empurrados,

Logo, persistentemente,

Para os extremos, em frente

A frente sempre apostados.

 

Ora, o perigo reside

Nesta polarização

A que muitos cederão.

Quando é que a cultura a elide?

 

 

Informação

 

Uma informação aberta

Sobre a espiritualidade

Muitos querem bem desperta,

Rumo à consensualidade

Do que nossa natureza

Espiritual em nós preza.

 

Ora, muitos que pertencem

Às crenças tradicionais

De ameaçados se convencem

Por itinerários tais.

No esforço por defender

Dele a doutrina, qualquer

 

Um pode ir tanto ao extremo

Que acabe por desistir

E largar de mão o remo

Por já nem ver por onde ir.

Finda, em desespero fundo,

Propugnando o fim do mundo.

 

 

Mesma

 

As religiões apontam

Todas a mesma experiência:

Ligação Divina contam,

Hoje de muitos vivência.

 

Tal experiência comum,

Uma vez reconhecida,

Sanear pode qualquer um

Dos diferendos que a vida

Entre religiões persuade

Que as impede da unidade.

 

É que a verdade gozosa

É, por fim, contagiosa.

 

 

Ligação

 

Quando um grupo experimenta

Uma ligação divina,

Por igual tudo acalenta

Sem olhar se se destina

A qualquer religião

Em vez doutra ali à mão,

 

Todas são de igual tratadas

Nas vivências partilhadas.

 

Cada religião do mundo

Só realça alguns aspectos

Da vivênvcia em chão fecundo,

Outros não lhe são afectos,

Ora ali minimizados,

Ora de fora deixados.

 

Entre todas completado

Mais da mensagem é o dado.

 

Tomada isoladamente,

Cada uma era incompleta.

Que cada ensine à parente

De si a forma dilecta,

Depois aprenda o elemento

Que for desta o ensinamento.

 

A vivência no total

Se entende mais no final.

Na realidade inserida

No quotidiano humano,

Ao consenso se convida

Das religiões no plano,

Ao dispor de quem quiser

E que todos possam ver.

 

Reconciliação final

Por um trilho natural.

 

 

Acreditar

 

Nunca devemos pensar

Que os crentes da tradição

Irão ter de abandonar

De vez esta via à mão,

 

Antes devem procurar,

Ao invés do que era dantes,

A forma de se integrar,

Sendo eles, com os restantes.

 

Ninguém deve, pois, pensar

Que apenas os trilhos seus

São únicos a levar

A uma ligação a Deus.

 

 

Descreveria

 

Como se descreveria

De amor o dado e pertença

Que a união a Deus daria?

Do Espírito Santo é tença;

 

Alá deu orientação;

Pagou Javé o labor;

O Grande Espírito o chão

Do mundo, tal semeador,

 

Semeou: de amor cativo,

Todo o mundo acordou vivo.

 

 

Forjam

 

Forjam do mundo o futuro

Os pais e as mães, pois são eles

Que os filhos moldam, no apuro

Com que vão talhar, imbeles,

Estes depois o pilar

Do futuro a germinar.

 

Todavia, são os filhos

Que trarão os pais ao mundo,

Obrigando-os aos sarilhos

De tomar consciência a fundo

Do que é que se passa em volta,

Uma vez a vida à solta.

 

 

Vença

 

Aquele que permitir

Que nele o amor vença o ódio

Não é fraco. Ao prosseguir,

Pelo contrário, sacode-o

O fogo de quem é forte:

- É o farol de nosso norte.

 

 

Heróico

 

Há quem morra heroicamente

Mas mais heróico é morrer

Despercebido da gente

Na cama que à mão houver

- Desde que a morte o teor

Tem de vir de mal de Amor.

 

 

Universal

 

Quanto mais de Deus bem perto

Mais universal me sinto:

Dilata-se o imo desperto

Para que caibam no plinto

Tudo e todos. É o desejo

De a Deus dar algum ensejo.

 

 

Atrair

 

Quererias atrair

Um sábio ou poderoso,

Um prudente, um virtuoso...

Trata tu de prosseguir,

 

Exemplar sê, com palavra!

Não vêm? Não são de vir,

Não os quer o chão da lavra.

 

 

Pequenas

 

Quando é tudo por amor,

Não há mais coisas pequenas,

Tudo é grande e que fervor!

Perseverar em tais cenas

Não é tombar num abismo,

É deveras heroísmo.

 

 

Ninharias

 

Sempre o amor em ninharias

Mora para que me inclino,

Quer seja o de humanas vias,

Quer seja o amor divino.

 

Aliás, nunca são dois

Mas um só, cara e coroa

Da moeda que depois

Vejo que em ambos ecoa.

 

 

Familiar

 

Farás um labor melhor

Em conversa familiar,

Da confidência ao calor,

Do que aí a perorar

Ante enorme multidão

- Tal se o lar não fora um chão.

 

 

Reconfortante

 

É bem mais reconfortante

Cuidar que Deus nos ouviu

Mas não liga ao impetrante

Que crer que nada existiu.

 

No vácuo do coração,

Quando morre um amor meu,

Quem culparei eu então?

Se não há nada no céu,

Só resta autopunição:

- O culpado então sou eu!

 

É terrível a facada

Por minha mão a mim dada.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAMINHOS  IRREGULARES

 

 

 

 

 

Pedras

 

As verdadeiras pedras preciosas

Da raça humana

Escondem-se, manhosas,

Por trás dum exterior que nos engana:

Não é que não nos fique à mão e a jeito,

É que é imperfeito.

 

 

Verdade

 

A verdade é só uma: é verdade,

Não é asneira.

Questão é cada individualidade

Olhá-la à sua maneira.

 

A seguir

Vem a disputa:

A outrem cada qual a impingir

Que a sua é que é a verdade absoluta.

 

 

Percurso

 

Não há certo ou errado,

Tudo é percurso

Em todo o lado,

Experiência em curso.

 

Na vida,

O erro incomum ou vulgar

É apenas a maneira mais comprida

De para casa voltar.

 

 

Engano

 

É um engano

Total

O que uma experiência emana:

Não és um ente humano

A ter uma experiência espiritual,

És um ente espirritual

A ter uma experiência humana.

 

 

Corre

 

Corre em nós um rio de sentimentos

E cada gota de água é um diferente,

Dos mais interdependente

E em todos os momentos.

 

Para vê-lo, é sentar-nos à margem do rio,

Identificar cada sentimento

Que aflora, num arrepio,

Na superfície com os mais se entretece,

Flutua um momento

E desaparece.

 

Quando medito,

Este é o espectáculo que fito.

 

É a ponte

Com o Infinito

No horizonte.

 

 

Inferno

 

Há inferno,

Há.

E é eterno.

Não porque alguém do lado de lá

Nele fique prisioneiro

Sem jamais atingir o momento derradeiro.

 

É a possibilidade

Mera

De não aderir alguém à Luz que o invade,

Eternamente à espera.

 

É uma escolha

Permanente:

A Luz quer que livre a acolha,

Sempre, sempre, quem a sente.

 

Não a escolher

É o inferno

Por que pode, eterno,

Optar então quenquer.

 

 

Cura

 

Se o mundo viver lograra

Por amor,

A cura logo para tudo encontrara

E recuperara

A vida,

No calor do fogo e no vigor

De vez desmedida.

 

Então é que era Vida!

 

 

Maior

 

Quando a maior verdade

Que conheço

A viver começo

E vejo que servir dos mais a comunidade

 

E com o acto agir mais depurado

- É o melhor que farei por mim,

Tudo, em todo o lado,

Muda, por fim.

 

Fico em alinhamento

Com o modo como se espere

Que a todo o momento

O Universo opere.

 

Deixo de manipular

E, portanto, de atrair,

A seguir,

Manipuladores para a vida que levar.

 

 

És

 

És aquilo que amas.

Vem daqui, do que se lhe acolha,

O que chamas

De livre escolha.

 

Qual é teu templo, portanto?

Se não houver viabilidade

De escolha, entretanto,

Tudo é sentimento em tua interioridade.

 

Fanático do desejo,

Escravo dos afectos,

Em ti vejo,

Da entrada,

O vazio sob os tectos,

O cidadão do nada.

 

Sozinho, de joelhos

De ti próprio ante o amargo travo,

Eis um mero escravo

Que se crê livre apesar de sem artelhos.

 

Morre por alguém?

Não,

Não morre.

Morre pelo sentimento que o tem

À mão

- E por ele, por ele apenas, é que corre.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CARROCEL  DE  AVENIDAS

 

 

 

 

 

Confies

 

Não confies na pessoa,

Apenas no ensinamento.

Quando o ensinamento ecoa,

Não confies no elemento

Da palavra, que é traslado,

Prende-te ao significado.

 

Ao significado atreito,

Salta as interpretações,

Só com o final afeito.

Buscando deste as lições,

Não te fies na normal

Consciência ocasional:

 

Procura a sabedoria

No teu mais profundo estado.

Nunca o mais correcto iria

Da função ser mero dado,

Mas é quanto anunciar

Que anda além o que é de fiar:

 

- Mais e mais é de aprender

O que em nós luz acender.

 

 

Terra

 

Na terra toda a gente é doutra terra,

Pessoas atraídas pelo sonho,

Fugindo ao pesadelo que as aterra,

Todos de mala feita onde disponho

 

Toda inteira de  minha identidade

Ao evento disposta que a persuade.

 

Cá vamos todos juntos, separados,

Em busca, sempre em busca doutros lados.

 

 

Melancolia

 

A tua melancolia,

Quando é de vez duradoira,

Intimamente se avia

De vida, na perspectiva

Que, em vez de alegria viva,

Apenas a morte agoira.

 

Importa-me ver se é disto

Que me quero quando existo.

 

 

Más

 

Tens uma boa memória

Mas de más recordações?

Deita já fora essa escória,

Troca-a, vê se o bom lá pões!

É que após, mesmo sem crer,

Olha o bom a te ocorrer.

 

 

Ato

 

Os sonhos, as esperanças

Irão desaparecer.

Mas do mundo as contradanças,

Onde ato aqui minhas tranças,

Se morrem, vão renascer.

 

Pois bem, morte, se me alcanças,

Não me alcanças neste ser:

- Alma sou deste Universo

Até ao último berço.

 

 

Estrelas

 

Ao olhar para as estrelas

Vislumbro a história dos céus

E ao deslumbrarem, de belas,

Entrevejo o rosto a Deus.

 

Têm Infindo passado

Sempre aqui a alvorecer,

Cintilam por todo o lado

Para toda a gente O ver.

 

 

Leme

 

Deus, Deus vai sempre ao teu leme.

Embora cuides que o barco

Se afunda, que tanto treme,

Confia, não cais ao charco,

 

Que o comandante melhor

Do que tu sabe o caminho.

Vai acabar por te pôr

Onde tens de ir: ao teu ninho.

 

 

Solta-te

 

Solta-te das criaturas,

A ficar despido delas.

Do diabo as armaduras

Nada do mundo têm nelas:

Ele vem nu à contenda,

A ver que é que apanhe e prenda.

 

Se vais com ele lutar

Vestido, por terra cais,

Em breve, em qualquer lugar.

Pela veste é que te trais:

Ele tem então, destarte,

Sempre por onde apanhar-te.

 

 

Extraordinária

 

Extraordinária benesse

Oferta o desprendimento:

Paz e união oferece

Crescendo a cada momento.

E o que maior lonjura alcança:

- Fortalece-me a esperança.

 

 

Arrimo

 

Buscas arrimo na terra?

Procura que teu apoio,

A que tua mão se aferra,

Não vire de trigo em joio

Que escravize, por contraste,

Peso morto que te arraste.

 

 

Claro

 

Como é claro teu caminho

E os obstáculos, patentes!

Que armas boas adivinho

Para vencê-los, presentes!

Contudo, quantos desvios,

Quantos tropeços, fastios!

 

É um fiozinho de nada,

Porém é cadeia de aço

Que conhecemos na estrada

E nos vai trocando o passo,

Que não queremos quebrar

E nos leva a tropeçar

 

E porventura a cair.

- Que esperas para o cortar,

Para o cortar e seguir?

 

 

Ideal

 

Nenhum ideal se torna

Realidade sem dor:

Nega-te ao que és jorna a jorna,

Abre-te ao que ideal for.

E paga o que for devido

Pela carne do sentido.

 

 

Servir

 

Quantas vezes te propões

Servir em alguma coisa

E tens de te conformar:

É aborrimento o que pões,

O desgosto singular

De não ter, chamado à loisa,

Cumprido mesmo, afinal,

Propósito tão banal!

 

 

Pau

 

Quando vês a cruz de pau,

Desprezível, sem valor,

Feita mero varapau

Sem crucificado a apor,

 

Esta cruz é a tua cruz

De cada dia, escondida,

Sem brilho, da pouca luz,

Sem consolação vivida.

 

Aguarda o crucificado?

- És tu, a ela ofertado.

 

 

Arena

 

O  mundo apenas admira

O sacrifício na arena.

Ignora quanto não mira,

Silente, fora de cena.

E quanto deste valor,

Quanto, às vezes, é o maior!

 

 

Dar-se

 

É preciso dar-se todo,

Negar-se de todo então:

Holocausto deste modo

Fermenta do dia o pão.

Desde que não seja o imo

Que fora com o ego arrimo.

 

 

Leva

 

Tudo o que não leva a Deus,

Dedo embora lá apontado

Tão grande que tapa os céus

(Liturgia, dogma dado,

De catedrais coruchéus,

Leis e o mais codificado...),

 

Se à vida o rio põe torvo,

Em actos errada a mira,

Tudo isto então é um estorvo.

Arranca-o e longe o atira,

Como atiras longe o corvo

Que só por mortos aspira.

 

 

Sonha

 

Quando uma pessoa sonha,

Não sonha com os problemas

Do que no sonho disponha,

Tudo é perfeito em tais lemas.

Vem a vida então depois,

Mais que um problema traz dois.

 

 

Espiritualidade

 

O que me pode dar tudo

Sem gastar nada, em verdade,

Nem a moeda a que me grudo,

É só espiritualidade.

 

Não é preciso pagar

Ao meditar, ir ao céu

Acolher luz singular,

Acalmia sem labéu,

 

Íntima paz, segurança,

Protecção até sentir

Que ser especial me alcança

Por aqui ao progredir.

 

É apenas mudar de foco:

- Dar logo mais importância

Ao que está dentro e não toco

Que ao que está fora e traz ânsia.

 

 

Lutam

 

Sonham com vida ideal,

Lutam com insanidade

Para alcançá-la, total,

Tal direito que os persuade.

 

Quando o não conseguem, ficam

Vida fora amargurados,

Tal se a perda verificam

De que foram despojados.

 

Como é que podem sentir

Que alguma coisa perderam

Quando afinal, se bem vir,

Nem sequer nunca a tiveram?

 

 

Nunca

 

Agir em função do ser,

Sentir a felicidade

Que nunca pode trazer-

-Nos nenhum bem material:

- Não têm nossa identidade,

Nunca do imo são fanal.

 

 

Fora

 

Fora meu ego se foca

E quanto mais nós corremos

Mais dele o aguilhão nos toca:

- Corre mais, senão perdemos!

 

Mas, se corro e não alcanço,

É que não é por aí,

Outro deve ser meu lanço,

Nunca o rumo que segui.

 

Só que o ego é renitente:

- Vê quantos mais vão à frente!

 

Se o deixo enganar-me e corro,

Breve adoeço e acaso morro.

 

 

 

Confundir

 

Somos todos educados

Para confundir quem somos

Com aquilo que fazemos.

E eis-nos feitos em bocados

Arrumadinhos em tomos

Nas estantes do que temos.

 

Em vez da interioridade,

Reduzida a frágil fio,

Fica em nós a opacidade

De insuportável vazio.

 

 

Retirar

 

Se o Cosmos me retirar

Tudo o que tenho e que faço,

Que é que me iria ficar?

Nada? Não, sinto-lhe o abraço

E ainda por ele vou...

- Afinal, fica o que Sou!

 

 

Actos

 

Os meus actos são a pedra

Num elástico amarrada:

Quão mais longe o lanço medra

Mais medra atrás a pedrada.

 

Se me conecto profundo

Ao meu Eu par do Infinito,

Logo o Universo, fecundo,

Veloz corre ao que concito.

 

Se no fundo de mim entro,

Todo o Universo é meu centro.

 

 

Mudança

 

Abraça a mudança, a muda

É a tua prioridade.

Quão mais primeira e aguda,

Mais tudo é facilidade.

 

O mundo corre veloz.

Quem não acompanha a ida

Uma vida sofre atroz

E é derrotado em seguida.

 

Se for rígida a postura,

Quando sobrevier o vento,

Caímos de toda a altura,

Seja qual for nosso intento.

 

Se mais flexíveis vivermos,

Não caímos na jornada,

Por nenhum domínio termos

Nem controlo sobre nada.

 

Aconteça o que tiver

De acontecer, o acolhemos.

E seja o melhor que houver

Para o mundo o que vivemos.

 

 

Ideia

 

Cuidas que tens uma ideia

E uma ideia nunca tens.

Recebe-la, volta e meia,

Dum Além que não deténs.

Não sejas, pois, exigente:

- Abre-te e após segue em frente!

 

 

Escolhe

 

Porque sou eu quem escolhe

De que é que vou precisar,

Se “não preciso” é o que acolhe

Minha decisão tomar,

Apenas então serei

Livre de ser quem me sei.

 

 

Imo

 

Quando o imo se não conhece,

Mora então como um estranho,

Nunca está consigo em messe,

Nunca de si tem o ganho.

Doutrem sempre dependente,

Perde-se então de repente.

 

É a mensagem do Universo

Para devir firme e terso,

 

Por dentro de cada qual,

Ali do Infindo o fanal.

 

 

Perco

 

Se perco o medo da perca,

Medo da separação,

A eternidade me cerca,

Ganho a eternidade então.

 

Quando me soltar da posse

Crendo que todo o caminho

Cruza os mais, corda que engrosse,

Nalgum dia que adivinho,

 

Atinjo a prenda superna:

- Ganho aí a vida eterna.

 

 

 

A fé nisto é acreditar:

Seja o que for que aconteça,

Para mim é a melhor peça

Com que posso deparar,

Mesmo que ainda não saiba

Nem que em meu fito ela caiba.

 

 

Lógica

 

Lógica de homens é mente,

De Universo é sentimento.

Em qual delas, no presente,

Se finca em mim meu intento?

- Fico-me por aqui bem

Ou vou tentando ir além?

 

 

Testemunhas

 

Os que foram testemunhas

De misérias e fraquezas

Que importa que as caramunhas

Testemunhem das ilesas

Horas duma penitência

Que só peca por ausência?

 

 

Grão

 

Se o grão de trigo não morre,

Há-de ficar infecundo.

Queres ser grão que socorre

A fome imensa do mundo?

 

Pode a dor ser sem igual,

Mas que bendito trigal!

 

Quão mais dor, mais euforia

Há-de explodir de teu dia

 

E até a dor então se esquece

Ante a inumerável messe.

 

 

Soberbo

 

Não te vences, que és soberbo,

Muito embora penitente.

Após queda, o gosto acerbo

É dor? Ou despeito ingente

De te veres tão pequeno

E sem forças no terreno?

 

Não és humilde... Ora, então,

Que longe andas de teu chão!

 

 

Quantos

 

Quantos que se deixariam

Pregar numa cruz de dores

Se aos milhares os veriam

De espanto os espectadores

 

E que não sabem sofrer

Do dia as alfinetadas

Que cada freima trouxer

Ao acaso das jornadas!

 

No cômputo do que foi,

Ao fim, quem é mais herói?

 

 

Manteiga

 

A tragédia da manteiga

De quem é humano vulgar:

Ontem fechou a taleiga,

Hoje abre-a de par em par,

 

Ontem vence, hoje é vencido,

- Tal é da vida o tecido.

 

E assim vamos nós vivendo,

Pé direito, pé torcendo...

 

 

Lavrador

 

Como enterra o lavrador

Junto às árvores que os dão

Frutos podres, ramos secos,

Folhas murchas, o que for,

E o que estéril era e vão,

Prejudiciais galhos pecos,

Contribui com propriedade

A nova fecundidade,

 

Enterra em fosso profundo

Que tua humildade abrir

Negligências e ofensas,

Os erros de todo o mundo...

Das quedas o impulso de ir

Colhe então para que venças

E, da morte, de seguida,

Aprende a retirar vida.

 

 

Parecer

 

Para mui bem parecer

Perante o mundo o que fazem!

Se o fizeram a rever

Intuitos que ao Mundo aprazem,

Que santos, que heróis seriam

Aqueles que tal fariam!

 

 

Concretiza

 

Concretiza teu propósito,

Não é fogo de artifício

Que brilha e deixa em depósito,

Como implicação de ofício,

Uma cana inútil negra

Que atiras fora, por regra.

 

 

Novo

 

És tão novo! Como um barco

Quando empreende viagem,

Desvios (que mal abarco)

De hoje, se não há triagem,

 

Se logo os não corrrigires,

(A que, insistente, te exorto)

Levam-te a não atingires

No fim o almejado porto.

 

E, tão novo, findas velho,

Ao não ligar ao conselho.

 

 

Agora

 

Agora porta-te bem,

Sem de ontem já te lembrares,

Que já passou, findo além,

E sem te preocupares

Com o amanhã que não sabes

Se, aqui chegando, lá cabes.

 

 

Lavras

 

Se do íntimo ao chamamento

Respondes, lavras melhor.

Se falas com ele, atento,

Corresponde ao teu sabor.

 

E buscas a cumeeira,

Custe o que custe, cimeira.

 

E feliz és na subida,

Mais, por fim, na vera Vida.

 

 

Ferida

 

A tua ferida doi,

Embora em vias de cura.

Teu propósito é que foi

O purgante que a depura.

Mantém a purga capaz

E em breve és só gozo e paz.

 

 

Escrúpulos

 

Os escrúpulos nos tiram

A nossa paz interior.

Joga-os fora! Não ouviram

Do Infinito a voz maior

 

Que nos diz, calma e veraz,

Como que em saudação:

A ti deixo a minha paz

Mesmo na tribulação.

 

 

Nuvem

 

A tristeza, o abatimento,

A nuvem de pó que a queda

Levanta a cada momento.

Mas da luz do íntimo o vento

Não varre a nuvem que veda

 

O horizonte ao teu olhar?

Basta, até porque a tristeza

Pode ter soberba a par:

Julgavas-te singular,

Perfeito, uma singeleza?

 

 

Laje

 

Não penses na tua queda,

Pesada laje que encobre,

Esmaga o que em ti leveda

E vai tentar-te que sobre.

Perdoado é o teu artelho,

Esquece-te do homem velho.

 

 

Eleva-te

 

Eleva-te ao Infinito,

De Deus junto ao coração,

E agradece o dia inteiro.

Porque, de fome ao teu grito,

Te entregou breve o teu pão.

Porque um desprezo rasteiro

Te amargurou qualquer hora.

Porque tens ou não agora.

 

Porque fez este animal

E criou o Sol e a Lua,

Aquela planta festiva...

Porque a um deu um sinal

Que não é da conta tua.

Porque um dado se te esquiva...

- Grato do mau e bom tom,

Por tudo, que tudo é bom.

 

 

Cruz

 

Uma cruz de pau sem Cristo

É o que a tarefa me obriga

A não largar sem registo,

Nela pregada formiga.

Que uma cruz abandonada

Quer ombros feitos à estrada.

 

 

Visão

 

Toda a gente, geralmente,

Tem visão colada à terra,

Duas dimensões somente:

Largo e comprido. E se enterra.

 

Quando a vida interior

Nas funduras mergulhar

É que um terceiro pendor,

O da altura, há-de aflorar.

 

Com ele aflora o volume

Que o relevo em ti assume.

 

 

Sentido

 

Quando perdes o sentido

De Âlém do imo que em ti luz,

A caridade é um vagido,

Filantropia traduz;

 

Tua pureza é decência,

Mortificação, parvoíce;

Disciplina, a tua ausência

Onde só o látego urdisse.

 

E todas as tuas obras

São meras estéreis sobras.

 

 

Acessível

 

Mais acessível ser santo

Há-de ser do que ser sábio,

Mas mais fácil, entretanto,

É ser sábio do que santo

E a nossa lonjura sabe-o.

 

 

Crescem

 

Já não se vêem as plantas,

Tudo é gelo campo fora.

Diz o lavrador, às tantas:

“Crescem para dentro agora.”

Na inactividade se entro,

Cresço também para dentro?

 

 

Solte

 

“Quem quereis que vos eu solte,

Será Cristo ou Barrabás?”

É triste que a vida volte

Tanto em meus gestos atrás.

 

E mais triste é se a sequela

Na traição à Vida fica,

Que da vida apõe na tela:

“Crucifica-o! Crucifica!”

 

 

Preocupa

 

Tudo o que te preocupa

É mais importante ou menos.

Importa, no que te ocupa,

Que sejas feliz nos drenos

De te regar o Infinito

Que em ti saúda o teu grito.

 

 

Luzes

 

Luzes novas! Que alegria

Que o Além tenha, fecundo,

Feito descobrir-te, um dia,

Todo inteiro um novo mundo!

Na hora de agradecer

Olha quanto há por fazer.

 

 

Dois

 

O desgosto, a inquietação,

Tua amargura pessoal...

- Ninguém pode servir, não,

A dois donos por igual.

 

Terei de fazer a escolha:

Dentro ou fora, qual acolha?

 

A fim de ordenar os dois

Por esta escolha depois.

 

E, qualquer que seja o custo,

Dela é sempre o preço justo.

 

 

Punhado

 

Um punhado de homens seus

Em cada pomar humano

É o que afinal requer Deus

A atalhar da crise o dano.

É que, encarada dos céus,

Nenhuma crise faz réus.

 

Dalém vista, após meu treino,

Ruma a crise à paz do Reino.

 

 

Militar

 

O meu modo de actuar

A partir do imo mais fundo

É táctica militar.

Aguento a guerra no mundo,

 

A diária luta interior,

Muito longe da muralha

Do castelo, no pendor

Onde menos me atrapalha.

 

Aí acode o inimigo,

Ao ligeiro sacrifício,

Ao salto além que persigo,

À entrada a horas no ofício...

 

Nunca atinge a barbacã,

Perigosa para o assalto,

Do meu castelo a mais chã,

Alcandorada lá no alto.

 

E, se acaso lá chegar,

Não tem eficácia a par.

 

 

Alegria

 

A minha alegria é paz

E a paz é sempre um efeito

Do que a vitória me traz.

À contínua luta afeito,

Minha vida é uma disputa,

Não posso ter paz sem luta.

 

 

Julgamentos

 

Nos humanos julgamentos

Quem confessa é castigado.

Do Infinito em provimentos

Quem confessa é perdoado.

Mede esta contradição

Lonjuras do céu ao chão.

 

 

Sonhas-te

 

Sonhas-te além missionário

Pelos confins do planeta?

- Obedecer é o primário

Degrau para a tua meta:

 

Trabalhas aqui agora

Sem que o longe se intrometa.

Tua lonjura onde mora?

Onde teu imo é profeta.

 

Quando teu pé dali corre,

Nunca a utopia te morre.

 

 

Queres

 

Que queres dizes à vida.

Mas é como o avaro quer

Ao oiro na mão tolhida?

Como a mãe ao filho quer

Presente ou à despedida?

Como o ambicioso quer

Uma honra apetecida?

Como o sensual ao prazer

Busca, infrene, a toda a brida?

 

- Se não, é para esqueceres:

Querer deveras não queres.

 

 

Empenho

 

Os homens que empenho põem

Em seus terrenos traquejos!

Sonhos de honras se propõem,

Por riqueza mil arquejos,

De sensualidade a busca

Em festa acaso patusca...

 

Eles, elas, ricos, pobres,

Velhos, jovens, homens feitos,

Crianças que mal descobres,

- Todos nos mesmos trejeitos.

Quando igual for nosso empenho

Do íntimo pelo desenho,

 

Então vivo e operante

É nosso trilho indo além

E não há barreira adiante

Que nos tolha o que convém.

Aí nosso empreendimento

Vingará de vela ao vento.

 

 

Estádio

 

Todos pelo estádio correm.

Muito embora todos corram,

Um só de quantos acorrem

O prémio colhe que aforram.

Corre, pois, de tal maneira

Que ganhá-lo se te abeira.

 

 

Nobilita

 

Nobilita o pensamento

Com teus desejos sublimes.

A chispa, próspero o vento,

Incendeia, num momento,

A fogueira a que te arrimes.

 

 

Começou

 

Começou a edificar,

É a triste sina do homem,

Mas não pôde terminar,

Que as eras tudo consomem.

 

Mas do lado além da vida

Nenhuma meta é perdida:

 

São metas além da linha

Do que a visão adivinha.

 

Mas vão na continuidade

Do melhor que nos invade.

 

 

Frouxidão

 

Luta contra a frouxidão,

Preguiçoso, desleixado,

Que o imo te arrasa ao chão.

É tibieza em traslado

E os tíbios, ao deus-dará,

Deus logo os vomitará.

 

 

Descambar

 

Não te preocupa o contínuo

Descambar em falhas leves

Deliberadas. “Combino-o,

Mas depois atracções breves

Me espicaçam como facas...”

- Tuas vontades, que fracas!

 

 

Edificar

 

Só te ocupas da cultura

Sem o íntimo edificar

Mas do mundo a noite escura

Só ilumina algum luar

 

Se um olhar posto no céu

Se dedica a agir, humano,

Prestigioso, de alma ao léu,

Realizando todo o ano

 

Silencioso, eficaz,

Sementeiras do imo em paz.

 

 

Desleixo

 

A tua incúria e desleixo,

Cabulice, cobardia,

São comodismo que deixo

Ferreteando o teu dia.

Porém, se bem adivinho,

Não são deveras caminho..

 

 

Opinião

 

Se uma opinião veraz

Exprimiste funda do imo,

Que te importa que, mendaz,

Se escandalize o do cimo?

- Qualquer trono finda arcaico,

O escândalo é farisaico.

 

 

Inexperiência

 

Tua própria inexperiência

Leva à presunção, vaidade,

Dando-te um ar de imponência

Que mascara a vacuidade.

 

Embora néscio, tu podes

Ter cargos de direcção.

Se à falta tu não acodes

De dotes que teus não são,

 

Negas-te a escutar conselho

De quem dele tem o dom.

Assim, do mal quanto quelho

Vai desgovernar teu tom!

 

 

Impulso

 

O impulso do fundo do imo

Põe no agir profissional,

Em teu lápis, foice ou malho:

Elevas até ao cimo,

Para além do natural,

As marcas de teu trabalho.

 

 

Corrente

 

Não arrastes os teus actos

Como se foram corrente

Chumbada a teu tornozelo,

Que importante é andar em frente.

Carrego de actos transactos

Nesta vida, de elo em elo,

 

Pouco importa. Amargo ou bom,

Tu é que escolhes o tom:

 

Grilheta que, em chumbo, cansa

Ou plinto que ao céu te lança?

 

 

Serviras

 

Se serviras seriamente

A fundura de além do imo

Como te enganas, premente,

Na ambição de alçar-te ao cimo,

De servir tua vaidade,

Tua sensualidade?...

 

- Que sol, a cada manhã,

Romperia pela chã,

 

Se serviras a fundura

Que além o teu imo apura!

 

 

Embebem-se

 

Teus sentidos e potências

Embebem-se em qualquer charco,

Despertam concupiscências,

Tens pé que, em firmeza, é parco.

 

Adormecida a vontade

E dispersada a atenção,

Terás, com seriedade,

De seguir dum plano um guião.

 

Pois, se não for deste jeito,

Nada farás de proveito.

 

E é preciso que vás fundo

Neste a implantar outro mundo.

 

 

Ambiente

 

O ambiente conta tanto!

Urge trazer, natural,

O meu que no mundo implanto,

Em redor, por onde abale.

 

Com o pasmo primordial

Ante o espanto das primícias,

Findo a clamar: “Afinal,

Mundo além, quantas delícias!”

 

 

Pessimista

 

Não sejas tu pessimista,

Pois tudo quanto ocorrer

É para o bem que se alista,

Mesmo se o não logras ver.

Nosso optimismo então é

O efeito firme da fé.

 

 

Flua

 

Que nosso sal, nossa luz

Flua tão naturalmente

Que a pieguice se reduz

A nada espontaneamente!

A esquisitice, em verdade,

Morre na simplicidade.

 

 

Preocupa

 

Nada preocupa a criança.

As misérias naturais

Com simplicidade as lança

Perante os olhos dos mais.

 

O louvor, o menosprezo,

Escárnio, admiração,

Desonra ou honra que prezo,

A saúde ou a infecção,

 

À vida franqueada a porta,

Tudo isso, ao fim, que é que importa?

 

 

Incongruência

 

A incongruência é sinal

Duma verdade tremida.

Quando um ideal se abale,

Honra ou fé que orienta a vida,

 

Quer dizer, no fim de contas,

Que não existem de todo

Ideal, honra ou fé, mas pontas,

Máscaras a encobrir lodo.

 

 

Persuadido

 

Não transijo, persuadido

Se vivo íntimo ideal:

Dois e dois, quando os redijo,

São três e meio, afinal?

 

Nem de amizade por ânsia

Cedo esta insignificância.

 

Isto é que outrem conduzir

Há-de ao que no imo fremir.

 

 

Fracassas

 

Fracassas. Mas cofiaste

De teu imo na fundura?

Não elidiste o contraste

Dos meios nessa procura...

 

Assim êxito aqui nisto

Fora fracassar de todo.

- Agradece o escuro visto,

Recomeça doutro modo.

 

 

Desastre

 

Aquilo foi um desastre,

Do espírito falho o rumo?

Seja o que for que te lastre,

Derrota ou vitória, o sumo

 

É o do rumo que seguias.

Se foi teu imo o fanal,

O Além dele a dar-te os guias,

Tudo é um êxito, ao final.

 

Por mais que a derrota seja

Tudo o que ao redor se veja.

 

 

Temor

 

O temor de Deus é santo

Se ele for veneração.

Se for servil, entretanto,

É dum tirano a infecção.

 

Ora, Deus ou é um bom pai

Ou, não o sendo, então cai,

 

Porque era uma imagem falsa

À pendura em tua calça.

 

 

Crosta

 

A murmuração é crosta

Que nos suja e entorpece.

Contra a caridade aposta,

Tira a força, a paz empece

E faz perder a união

Com o além que é o coração.

 

 

Palavreado

 

Depois do palavreado

Tão oco de tanta vida,

Como o silêncio é prezado

E quanta conta é pedida

 

À palavra buliçosa

Que mais não é que ociosa

 

Badalada de oco sino

Sem mensagem e sem tino!

 

 

Julgar

 

Não vale a pena julgar.

A cada ponto de vista

Corresponde o inverso, a par,

Com a razão que lhe assista,

 

Quase sempre limitado,

Com olhar acaso obscuro

E normalmente enevoado

Pelas trevas sem apuro

 

Da pertinaz infecção

Que é sempre a da exaltação.

 

 

Pedras

 

Jogas palavras ao vento,

Pedras com olhos vendados,

Sem reparar, neste intento,

Nos males que são causados.

 

Parecem-te muito leves,

Que teu olhar te encegueira

Em teus escrúpulos breves,

Na exaltação sem peneira.

 

E, às vezes, como são graves

Esses teus termos suaves!

 

 

 

Destruir

 

Criticar a destruir

Não é difícil jamais.

Qualquer aprendiz bulir

Consegue em pedras que tais.

Construir, só se te adestres:

Sempre isto é que requer mestres.

 

 

Empreendimento

 

Em todo o empreendimento

Não são de ignorar os meios,

Sem esquecer um momento

Que eles andam sempre cheios

Duma outra dimensão,

A de além do coração.

 

E que esta liga e remete

Ao que Além te não compete.

 

 

Ponta

 

É teu dever ter em conta

Todos os meios terrenos

Sem deixar de atar a ponta

Ao que tem poderes plenos

E dentro deles revela

Que Além há outra parcela.

 

 

Porquê

 

Mas porquê desesperar

Só de olhar minha miséria?

É verdade, estou a par,

Em prestígio perco a féria,

 

Sou um zero e um outro sou

Se anotar minha virtude

E num zero se escoou

Meu talento, nada o ilude...

 

Mas, se atrás da negação,

Brilha a luz de Além do imo,

Esta unidade um milhão

Faz dos zeros rumo ao cimo.

 

 

Ninguém

 

Julgas que não és ninguém

E que os outros levantaram

Mundos novos nos projectos,

Organizações além,

Pela imprensa que alertaram,

Na propagação de afectos...

 

Lá terão todos os meios

E tu sem meio nenhum!

Contudo, se olhares bem,

São só dúvidas, receios

De ignorantes, pobres... Um

Dentre eles qualquer retém:

 

Irás ver que vida além

Perseguido e caluniado

Há-de ter sido deveras.

Ama e crê, sofre também,

É o caminho que hão trepado

Pela aresta das esperas.

 

São os recursos credíveis

Que recortam relevâncias

Na areia inerte do chão.

São os meios infalíveis

Para eternizar as ânsias

Que trazes no coração.

 

 

Miserável

 

Vês-te e és bem miserável,

Por isso Deus te procura,

Emprega, sempre improvável,

Os instrumentos de cura

Com teor desproporcionado:

Assim finda demonstrado

 

Que a obra é dEle, em verdade.

Tua, só a docilidade.

 

 

Recantos

 

Porque deixas uns recantos

De teu coração de fora?

Enquanto inteiros os mantos

Teus não dás de cada hora,

É inútil tentar os céus

Abrir a quenquer dos teus.

 

No rumo de cada evento

És um bem pobre instrumento.

 

 

Rio

 

Não empurre o rio.

Ele irá viajar

Por onde cruzar,

De fio a pavio,

Queira-o ou não queira,

Só dele à maneira.

 

É a rota estendida

Do rio da vida.

 

 

Rumo

 

A questão mais importante

Rumo à espiritualidade

Não é que deus dentro implante

Mas se actuo com verdade:

Se é dentro que busco arrimo,

Se fiel sou sempre a meu imo.

 

 

Instrumento

 

Sê instrumento de oiro ou de aço,

Sê de ferro ou de platina,

Grande ou, de pequeno, escasso,

Tosco ou duma traça fina:

 

Todos são úteis e cada

Tem a missão própria dele.

Não vale menos, de entrada,

Serrote que, a cortar pele,

Bisturi de cirurgião.

Teu dever, neste momento,

É o de ser, de coração,

Deveras um instrumento.

 

 

Retrair

 

Como te vais retrair

No trabalho que te apela?

Tens soberba oculta ao ir,

Crês-te perfeito na tela?

 

O fogo que te atraiu,

Além da luz, do calor

Que de entusiasmo te encheu,

Expele de fumo um ror:

 

É, dentre outros elementos,

Fraqueza dos instrumentos.

 

 

Ferrugento

 

Há trabalho, os instrumentos

Não podem ser ferrugentos.

 

Há normas para evitar

Mofo e ferrugem, a par.

 

Basta, em postura didáctica,

Apenas pô-las em prática.

 

 

Inquiete

 

Não te inquiete a economia

Quando se avizinhar parca.

Apenas em Deus confia,

Recursos que tens em arca

 

Usa até onde puderes,

Até teu limite humano.

Em breve redunda em veres

Que o dinheiro cai no pano.

 

Regra geral, este lema

Faz deixar de haver problema.

 

 

Faltarem

 

Jamais deixes de fazer

Por faltarem instrumentos,

Será como se puder

Que começam os eventos.

Vai ser depois a função

Que o órgão te cria à mão.

 

Alguns dos que não prestavam

Tornam-se aptos entretanto.

Outros, porém, mais escavam

A sepultura em seu canto.

Faz destes a cirurgia,

Segue em frente com teu dia.

 

 

Catavento

 

Não queiras ser catavento

Doirado num edifício:

Por muito que brilhe ao vento,

Por alto que ande, de ofício,

Não conta na solidez

Das obras que tenha aos pés.

 

Antes sejas tu silhar

Velho, oculto no alicerce,

Sob a terra a se escorar,

Que ninguém veja nem verse.

O terramoto que arrasa

Por ti não derruba a casa.

 

 

Conheces

 

Se te conheces, te alegras

Do desprezo que te dão

E chora o teu coração

Dum louvor que não integras.

É, depois, deste fermento

Que encetas teu crescimento.

 

 

Apoquentes

 

Por verem as tuas faltas

Não te apoquentes jamais.

As dores só irão ser altas

De Deus se não há sinais.

 

Que saibam como és, de resto,

E te desprezem, que importa?

Nada ser e sem apresto

Ao Infindo é que abre a porta:

 

Tudo em ti, da base ao cimo,

Ele irá pôr em teu imo.

 

 

Impulso

 

Se és impulso da razão

À margem do coração,

Findas com a boca em terra,

Em perene prostração,

Verme que no esterco ferra,

- Quando Deus, afinal, quando

Tanto no ar te anda elevando!

 

 

Soberba

 

Soberba, se dentro em breve

- Anos, dias, quem o sabe? -

És cadáver podre e leve

Num fedor que nunca acabe?

Ninguém do lado de cá

Nunca mais te lembrará.

 

 

Tu

 

Tu que és sábio, afamado,

Eloquente ou poderoso,

Se não és humilde, o fado

É que nada, de vistoso,

Nada vales, malfadado.

 

Esse ego superlativo

Corta, arranca lá de dentro.

Poderás então, ao vivo,

Obrar a partir do centro,

Do além dele sempre esquivo.

 

Vais em último lugar?

- És quem acende o luar.

 

 

Falsa

 

A tua falsa humildade

Afinal, é comodismo:

O que humildezinho te há-de

Precipitar num abismo

 

É que abandonas direitos

Que são, afinal, deveres.

Os que a isto andam atreitos,

Se enganam: perdem poderes.

 

 

Suportar

 

Como é que irei suportar

Todo este lixo que sou?

Se a humildade me levar

A tal sentir-me em meu voo,

Talvez, depois da miséria,

Ganhe ainda grande féria.

 

 

Soberba

 

Por soberba te julgavas

Capaz de tudo sozinho.

Ficaste nas grutas cavas,

Cais de cabeça do ninho.

Sê humilde: do Infindo o apoio

Separa o trigo do joio.

 

 

Pincel

 

És pincel na mão do artista,

De nada mais tens valor.

De que serve ter-te em lista

Se não deixas pôr à vista

O trabalho do pintor?

 

 

Vazio

 

Humilde para que sejas,

Tu, vazio e satisfeito

De ti mesmo em quanto vejas,

Basta-te do rio o leito:

 

És gota de água, de orvalho,

Cai ali, jamais se vê.

Afinal, para que valho

Se nem logro ter-me em pé?

 

 

Despega

 

Despega dos bens do mundo,

Que te contente o que basta

A um sóbrio viver fecundo,

Temperado em boa casta,

- Senão nunca vês teu fundo.

 

 

Pobreza

 

A verdadeira pobreza

Nunca consiste em não ter

Mas em desprendido ser,

Em renunciar, que o despreza,

 

Sobre as coisas ao domínio.

Por isso há pobres que, a sério,

São ricos de tal fascínio

E ricos, pobres de império.

 

Destes o jeito é que aponta

Na pobreza o que é que conta.

 

 

Apego

 

O apego às coisas da terra...

Bem cedo nos fugirão,

Que não descem, quando enterra

Ao rico o sepulcro vão,

As riquezas que adorava:

Mesmo cheia, a cova é cava.

 

 

Exibas

 

Não exibas facilmente

A intimidade que actuas.

O mundo é sinistramente

Inçado de falcatruas,

Pejado de falsas pistas,

De incompreensões egoístas...

 

- Senão, tudo o que actuares

Cheira sempre a lupanares.

 

 

Cala-te

 

Cala-te, nunca te esqueças

De que teu brilhante ideal

É uma luzinha às avessas,

Recém-acesa ao portal.

Pode um sorpo só bastar

Para do imo ta apagar.

 

 

Perdidas

 

As energias perdidas

Com faltas de discrição

São à eficácia traídas

Do trabalho tido à mão.

Como é fecundo o silêncio,

- Sê discreto e ao mundo vence-o!

 

 

Discreto

 

Se tu foras mais discreto,

Já não te lamentarias

Da amargura sob o tecto

Onde sofres muitos dias,

Após sequelas adversas

De tuas muitas conversas.

 

 

Espectáculo

 

Gráficos, fotografias,

Espectáculo constante...

São os materiais que envias

Para o que esperas adiante?

 

Trabalhas e fazes guerra

Visando o que há-de ser teu:

Empoleiras-te na terra,

Não te empoleiras no céu.

 

 

Indignação

 

Cala-te logo que sintas

Dentro em ti a indignação,

Muito embora quanto pintas

Seja à ira uma impulsão.

 

Apesar da discrição,

Nesse instante dizes mais

Do que querias então

Dizer em casos que tais.

 

 

Correrem

 

Se as coisas correrem bem,

Alegremo-nos, a Deus

Bendizendo, de ir além

Por dar incrementos seus.

 

Se correrem mal, porém,

Alegremo-nos, a Deus

Bendizendo por também

Da cruz partilhar dos seus.

 

E tentemos, longe mais,

Ver que escapou nos sinais.

 

 

Alegria

 

A alegria a ter bem fundo

Não é da fisiologia,

De animal são pelo mundo,

Mas aquela que adviria

 

De abandonar tudo, tudo,

E me abandonar inteiro

Ao que além do imo, ali mudo,

Me estende os braços, certeiro,

 

Me murmura, ledo e terso,

Do coração do Universo.

 

 

Desanimes

 

Não desanimes, não há

Contradição que não possas

Superar e desdejá,

Sejam quais forem as mossas.

É a condição do que existe.

-Então, porque é que estás triste?

 

 

Triste

 

Se estás triste, então mergulha

Por teu imo, para além,

E conversa ali com quem,

Silente, de Além te arrulha.

Cedo ou tarde, então verás

Como lograrás a paz.

 

 

Injustiça

 

Duma injustiça sofrida

Te queixas de amargo tom.

Aborrece-te? Revida:

Então não queiras ser bom...

- O caminho para a frente

Custa sempre a dor presente.

 

 

Cavalheiro

 

És cavalheiro cristão,

Maometano, budista,

Ou agnóstico humanista,

Ou jovem em oração,

 

Até clamas contra quem

Ataque acaso teu credo,

Frequenta-lo desde cedo...

Só não vejo em ti, porém,

 

Que faças um sacrifício

Em prol de quanto confessas,

Nem prescindes de às avessas

Disto andar em teu ofício,

 

Nem sequer és generoso

Com quem for teu inferior,

Não toleras um tremor

De fraqueza no operoso,

 

Não abates a soberba

Nunca pelo bem comum,

Não te desfazes nem dum

Manto de encobrir a verba

 

A que te monta o egoísmo...

- Não te vejo no que dizes.

Que ideia tens das raízes

Que são das crenças o abismo?

 

 

Deixam

 

Teu talento, simpatia

Não deixam aproveitar?

O incenso não se perdia

No imo se a Deus o ofertar.

 

Mais se honra no abatimento

Do Infinito o alto balcão

Do que se usas teu talento

Num qualquer dele uso vão.

 

 

Ventos

 

Ventos de perseguição,

Sendo um mal, um bem farão.

 

Que se perde? Bem medido,

Não se perde o já perdido.

 

Árvore que não se arranca

De raiz, só se alavanca

 

Quando, antes que acabe peca,

Dela cai a rama seca.

 

Por mais que o vento me traia,

Esta rama é bom que caia.

 

 

Indiferente

 

Por onde tenha passado

Ninguém fica indiferente.

Ora amado, ora odiado,

Jesus toca toda a gente,

 

Como divide, de entrada,

Quem lhe seguir na peugada:

 

Por baixo de cada tecto,

Ora aversão, ora afecto.

 

É dos profetas destino

Dividir o coração,

Seja ele clandestino,

Seja público o sermão.

 

É o mesmo, curiosamente,

Com quem toque a vida em frente

 

Na cultura, na ciência:

- Sempre há quem mate a evidência.

 

 

Direito

 

Se vais direito a teu fim,

Com cabeça e coração

Prenhes dele em teu confim,

Que te importa o furacão,

 

Cegarrega de cigarra

Ou da manada o mugido,

Relincho de quem te agarra,

De qualquer porco o grunhido?

 

Reticências e calúnias,

Exaltação, panegírico,

Sandices, verdades, une-as

Igual desacerto lírico.

 

Ao campo com que te importas

Frui dele como os poetas,

Não lhe pretendas pôr portas:

- Do Infindo fermenta as metas.

 

 

Sofres

 

Sofres a tribulação,

Aguentas contradições?

- “De Deus se cumpra a tenção” -

Dirás sem hesitações.

Aquilo que alcançarás,

Se fundo o dizes, é paz.

 

 

 

Sofres na vida de cá,

Que é um sonho curto deveras.

Teu Pai, do lado de lá,

Se muros lhe não ergueras,

Após tanto mau sonhar,

Vai dar-te um bom despertar.

 

 

Assustas

 

Não vejo porque te assustas.

Sempre foram irrazoáveis

Com quem de além paga as custas.

Se há mortos ressuscitáveis,

Aquele que os ressuscita,

Pelo terror que suscita,

 

Será morto de seguida:

- À morte a quem der a vida!

 

 

Bons

 

Na luta e contradição,

Quando os “bons” são o obstáculo

De teu trilho no desvão,

Levanta o teu coração,

Do cume observa o pináculo.

 

Grão de mostarda e fermento

É o que és, parábola viva:

Alegre tomas assento

Num porvir que há-de vir lento,

A massa fermenta activa.

 

Do céu descansam as aves

À sombra do que aqui graves.

 

 

Tribulação

 

Se a tribulação acolhes

Encolhido e temeroso,

Alegria e paz escolhes

Perder, como todo o gozo.

Não há mais nenhum proveito

Que ao transe arranque teu jeito.

 

 

Público

 

Um qualquer público evento

Leva ao enclausuramento

 

Pior talvez, na circunstância,

Que duma prisão a instância.

 

Tua personalidade

Sofre eclipse de verdade.

 

Não tens um bom ambiente:

Egoísmo, murmuração,

Curiosidade doente,

Perversa incompreensão...

 

Mas vontade livre tens

E a criança em ti com mil bens.

 

A falta de folhas, flores,

A multiplicação nunca

Impede nem os fervores

Da raiz que o imo junca.

 

Trabalha, que há-de mudar

O rumo da vida e dás

Mais frutos em teu pomar

E saborosos assaz.

 

 

Cruzes

 

Trabalhos, tribulações,

Cruzes mil de mil e um modos

São todos os Abraões:

Criam civilizações,

Pagam-no com tais apodos.

 

Discípulo que se adestre

Vê que não é mais que o mestre.

 

Porque aquilo que compensa,

Custa. Mas quem nisto pensa?

 

 

Sarmento

 

És sarmento de videira,

Exigido é que dês fruto.

És podado a vida inteira

Para dar melhor produto.

 

Doi cortar, doi arrancar,

Mas depois, que louçania

Nas obras a verdejar

Maturando dia a dia!

 

 

Intranquilo

 

Quando ficas intranquilo,

Lembra que o que acontecer,

Fora ou do imo no sigilo,

É relativo a quenquer.

 

Deixa o tempo decorrer

E depois, de longe olhando

Factos e gentes que houver,

Tens a perspectiva quando

 

Cada coisa ao lugar vai

Com seu tamanho real.

Justo prendes teu estai

Sem preocupar-te, afinal.

 

 

Mosteiro

 

Numa visita ao mosteiro

Confrange-se o coração

Da pobreza por inteiro

Da séria vida em tal chão.

 

Mas - “É duro!” -  se alguém diz,

Pode ouvir logo, entretanto,

- “É aquilo que sempre quis!” -

Dum monge feliz ao canto.

 

Dizes que não és feliz?

Verdadeiramente é pena:

Nem sombra deste cariz

Em tua vida se ordena.

 

 

Físico

 

No físico abatimento

És esgotado deveras.

Descansa, pára um momento,

Vida exterior é de esperas.

 

Em breve hás-de retornar

Ao trilho de tua vida

E, fiel, vais melhorar

O teu labor em seguida.

 

Não creias que o activismo

Te fará merecedor

De não cair num abismo

Onde cai mesmo o melhor.

 

 

Véu

 

Se ergues a ponta do véu

E um vislumbre tens de céu,

 

Dum outro lado do espelho

Resmunga logo o homem velho.

 

É o nosso corpo de morte,

Pelos direitos perdidos.

- Fiel ao imo, és o mais forte.

Vence-o em quaisquer sentidos!

 

 

Noutro

 

Noutro estado, noutro grau,

Noutro lugar ou ofício

Farias, saltando o vau,

Bem melhor que no resquício

 

De aquilo fazer que fazes,

Que nem talento requer?

Pois te digo: não te abrases,

Que onde o Cosmos te puser

 

É onde agradas a Deus.

O mais são infernos teus.

 

 

Queda

 

Outra queda, queda grande?

Desesperar-te, jamais!

Humilha-te, é o que o céu mande,

Recorre dele aos sinais.

 

Logo, coração ao alto,

A principiar novo salto!

 

 

Fundo

 

Quando mais fundo caíste,

Recomeça o alicerce

A partir daí. Já viste

Que humilde é que importa ser-se,

Que o coração humilhado,

Contrito, a Deus é grudado?

 

 

Querer

 

Querer sem querer é o teu

Enquanto não afastares

O evento que te perdeu.

Fraco? Não, é te enganares.

O que, embora sem alarde,

És mesmo será um cobarde.

 

 

Desventura

 

A desventura da terra,

Pobreza, lágrimas, ódio,

Desonra, justiça torta,

Bem-aventurança encerra

De todo o mal neste bródio

Se do imo o Além te conforta.

São teus passos rumo ao cimo

Que invertem o teor do limo.

 

 

Queixar-te

 

Sofres e não vais queixar-te?

Não faz mal que tu te queixes

Desde que a vontade, aparte,

Nunca empenhe o que não deixes,

Antes sempre vá querer

Aquilo que Deus quiser.

 

 

Nunca

 

Nunca desesperes, pois,

Já bem morto e corrompido

Está Lázaro depois

De quatro dias metido

 

Na tumba dum cemitério.

Se ouvires a inspiração

Do fundo do imo sidéreo

E depois teu coração,

 

Logo ouvirás, em seguida,

A Voz que te chama à vida.

 

 

Cambaleia

 

Se te cambaleia a casa

Espiritual, toda no ar,

Apoia-te à pedra rasa,

Segura, que te aflorar

Na fundura de teu imo

E te servirá de arrimo.

 

De começo edificado

Devias ter deste lado.

 

 

Provação

 

Longa provação agora?

É que a não acolhes bem

Ao correr do que demora,

Queres consolo também.

 

Arrancaram-to do seio

As forças que a vida tem,

Por que não haja outro esteio

Além do esteio do Além.

 

 

Indiferente

 

É-te tudo indiferente?

Não te queiras iludir.

Se de actos falo e de gente

Em que empenhas o porvir,

Logo mui briosamente

Te havias de discernir

Com o interesse cimeiro

De quem foi ali pioneiro.

 

Indiferente? Não é.

Não és, porém, incansável,

Precisas de tempo até

Recuperares saudável.

E o tempo de ti dá fé,

Em teus actos projectável,

Que tu, a todo o momento,

És de facto um instrumento.

 

 

Peito

 

Tens no peito fogo e água,

Ora frio, ora calor,

Deus e das paixões a mágoa,

Vela acesa, a luz a impor,

Pelo arcanjo S. Miguel,

Outra que ao diabo apele.

 

Calma, que enquanto lutares,

Não haverá duas velas

De teu peito em dois altares,

Mas uma só por que apelas,

A do arcanjo que em ti luta

Dando-te a mão na disputa!

 

 

Inimigo

 

O inimigo dentro em mim

Age quase sempre assim.

 

Com quem resistir-lhe em mente

Tiver: hipocritamente,

 

Suavemente e por motivos

Espirituais, assertivos,

 

Não quer chamar a atenção...

Só quando parece então

 

Que não vai haver remédio,

Fere descarado e nédio,

 

A tentar um desespero

Sem contrição do acto mero.

 

Que é raro um desesperado

À Luz subir do outro lado.

 

 

Consolo

 

Perdes o consolo humano,

Sentes-te na solidão

Preso num fio de engano

Do abismo sobre o desvão.

E ninguém clamor nem gritos

Escuta, por mais aflitos.

 

Merecido é o desamparo.

Humilde, não te procures

Nem ao teu cómodo raro,

Ama a cruz com que te apures,

Que no teu imo ouvirá

A prece o lado de lá.

 

Há-de acalmar-te os sentidos

E vai voltar a fechar

Teu coração aos gemidos,

A fenda a cicatrizar.

E, mal olhes para trás,

Vês então que estás em paz.

 

 

Sofrer

 

Em carne viva te encontras

E tudo te faz sofrer,

Tudo é tentação nas montras...

Mais humilde hás-de então ser.

 

Rápido te irão tirar

Deste estado de agonia

E a dor vai-se transmudar

Em pacífica alegria.

 

Em lugar da tentação

Terás segura firmeza.

Ao lado de além a mão

Vais dar, que é quem mais o preza,

 

E enche-te ele de esperança

Numa comunhão perene

De amor até onde alcança

Teu imo o Infindo que acene.

 

 

Todo

 

Espera tudo do Todo,

Tu nada tens, nada vales,

Nada podes. O teu bodo

É que Ele age, mal o iguales,

Sem nisto até reparares,

Ao nEle te abandonares.

 

 

Folhas

 

Na tarde triste de outono

Caem as folhas já mortas.

Assim caem, sem mais dono,

Do eterno as almas às portas.

Um dia, folha caída,

Serás tu na despedida.

 

 

Mundano

 

O mundano se lamenta,

Pois cada dia que passa

Morre um pouco. E pouco tenta.

Alegra-te, é uma trapaça:

- Cada dia te convida

A mais conchegar-te à Vida!

 

 

Impulso

 

A morte a uns paralisa.

Para nós a morte é vida,

Dá-nos ânimo e desliza

No impulso de quem convida.

Para eles sendo o fim,

- Em nós é iniciar, assim.

 

 

Medo

 

Não tenhas medo da morte,

Acolhe-a mui generoso,

Quando Deus queira, da sorte

Que o queira, vau prestinoso.

 

Virá no tempo e lugar,

Do modo que convier,

Pelo Pai mandada ao lar

Quando com Ele te quer.

 

 

Cadáver

 

O cadáver bem-amado,

Desfeito materialmente,

Pestilento e enjoado,

Foi um formoso vivente...

- Que insensata e desmedida

A prisão que há sempre à vida!

 

Em humores pestilentos

O cadáver bem-amado

Desfaz-se, ao sabor dos ventos.

Foi formoso no passado...

- Reparando em tais senões,

Quais, enfim, as conclusões?

 

 

Podridão

 

Cadáver de imperador,

De rei, papa ou cavaleiro,

Podridão viva e fedor

De quem fora tão cimeiro...

- Que importa um servidor ser

De quem pode ao fim morrer?

 

 

Mundano

 

Muito o mundano propende

A querer misericórdia!

E Deus que constante o atende,

Que atende a tentar concórdia!

- Todavia, como é justo,

Também cobra, ao fim, um custo...

 

 

Pesa

 

Muito, demais pesa a vida

E não é suficiente.

É sempre meia medida,

Meia cheia de repente,

Meia vazia em seguida.

 

 

Importa

 

Só te importa o que, fecundo,

Nada deixa como dantes?

Não têm de mudar o mundo

Os gestos, nem um segundo,

Para serem importantes.

 

 

Caixeiro-viajante

 

Um caixeiro-viajante

Bate à porta duma casa.

Quem se lhe posta diante

Nada quer e nada apraza.

 

Porém, no dia seguinte

O vendedor lá retorna.

Logo o mandam, sem acinte,

Embora, que perde a jorna.

 

Contudo, ele não desiste

E volta terceira vez.

Gritam-lhe então porque insiste,

Cospem-lhe da cara a tez.

 

Ele sorri, limpa o rosto,

Olha para o céu e diz:

“Está chovendo. Que gosto!”

É assim a fé de raiz:

 

Se te cospem, tu dirás

Que deve estar a chover.

Mas nunca voltas atrás,

A seguir vais lá bater.

 

Não é do proselitismo

A vender banha da cobra,

É do que és no teu abismo,

Que vida além de ti sobra.

 

 

Selada

 

Selada a vida na morte,

Aí principia Deus.

Não é que antes largue à sorte,

Ignorado, algum dos seus:

- Morte é só chave de corte

A abrir a porta dos céus.

 

 

Cruzarem

 

Depois de os isrealitas

Cruzarem o Mar Vermelho,

Os egípcios parasitas

Seguiram-nos pelo quelho

E então, por todos os lados,

Morreram mesmo afogados.

 

Após, os anjos de Deus

Quiseram comemorar

A derrota pelos seus

Do inimigo a eliminar.

 

Deus, porém, se enraiveceu:

“Parem lá de celebrar,” -

Bradou da altura do céu -

“Que os que vimos soçobrar

Nos tortos caminhos seus

Também eram filhos meus!”

 

 

Guerra

 

Deus não quer carnificina,

É qualquer fé contra a guerra.

Que é que perpetua a sina,

O mal que mais nos aterra?

Não há motivo sequer:

- É só porque o homem quer!

 

 

Remédios

 

Remédios não erradicam

O problema na raiz:

Querem as metas que ficam

Além do que um homem quis,

 

Ir recorrer ao espelho

A alimentar auto-estima,

Submergir-me em labor velho

E questionar porque acima

 

Nunca estou da linha de água,

De insatisfeito, de mágoa...

 

Aqui, quanto mais faria

Mais vazio me sentia.

 

- Tem de haver um outro rumo

Para a vida encontrar sumo.

 

 

Bebé

 

Quando um bebé nasce, traz

Os punhos todos fechados.

Recém-nascido incapaz,

É tal se clamara aos lados,

Convencido e mui lampeiro:

“Pertence-me o mundo inteiro!”

 

Quando um velho morre, fá-lo

De mãos abertas, colheu

A lição de grande abalo

Que a vida inteira lhe deu:

“Seja qual for nosso rosto,

Nada levamos connosco.”

 

 

Buraco

 

Um buraco nós no tecto

Todos temos, uma fenda

Donde as lágrimas sem venda

Escorrem e o vento abjecto,

 

Revoluteando agreste,

Me faz sentir vulnerável.

Dali a morte indomável

Se abate em mim como peste.

 

 

Faísca

 

Dentro em mim, na intimidade,

Cintila-me uma pequena

Faísca de divindade

E esta irrelevante cena

Que me acalenta no fundo

Salvar pode um dia o mundo.

 

 

Entalha

 

De teu imo um diamante

Entalha, por cada corte

Nova face rebrilhante,

Até que, num dia à sorte,

No espanto como no gozo,

Todo fique luminoso.

 

 

Abraçar

 

Quando o louvor sem vaidade

Fores capaz de aceitar,

Terás a capacidade

De a correcção que persuade,

Sem ofender-te, abraçar.

 

 

Recomenda

 

Jesus nunca nos pediu

Nem para ser adorado

Nem mesmo até venerado:

Recomenda o desafio

De viver em sintonia

Com do Pai meta e magia.

 

É a radical diferença

Com dos milénios a crença.

 

Como retomar a ponte

Para o correcto horizonte?

 

 

Rimar

 

Algo mais difícil há

Que rimar o meu desejo

Com o da vida, acolá,

A correr livre no brejo

Que brota dentro de mim

E que ela atravessa assim?

 

Que dizer “cumpra-se aquilo

Que de mim queira em sigilo”?

 

 

Colide

 

Algo a vida quer de nós.

Colide com o que quero

Na estreita raia da voz

Do ínfimo eu onde impero.

 

Se é batalha de vontades,

São perdas nas colisões.

Há um rumo de que te agrades,

É o encontro de intenções.:

 

Aí minha pequenez

Abre ao Infindo de vez.

 

 

Salvo

 

O Evangelho fala em cura

Onde o cristão quer ser salvo:

Um salvador é o que apura

Donde um curador é o alvo.

E assim de Cristo à figura

Limita o que configura.

 

 

Cidadão

 

Ser um cidadão do Reino

É ser sempre uma criança:

Um estranho, sem ter treino,

E que ainda nada avança,

De iniciado, em verdade,

Nos mitos da sociedade.

Assim, é o virgem terreno

Onde plantar outro aceno.

 

 

Ritual

 

O ritual pode ajudar

A partilhar do mistério,

Mas pode o muro aprontar

Que de vez mo impede a sério.

Não do erro ou falta de treino:

- É que a igreja não é o Reino.

 

 

Tira

 

Tira as portas e janelas

Das salas, que tudo é inútil.

Os buracos que houver nelas

É que útil tornam o fútil:

Vago o espaço, pode entrar

Outro mundo no teu lar.

 

 

Outra

 

Uma coisa é tentar ser

Uma pessoa melhor,

Outra mudar é de ver,

Nosso de pensar teor:

A forma como pensamos

Pinta à vida os mil e um ramos.

 

 

Livra

 

Quando a ideia do caminho

Se livra do texto à letra,

Literalismo maninho

Da crença sem etc.

 

Inflexível e fanática,

Aproximo-me na prática

 

Do mistério que me abrasa

Do Reino: cheguei a casa!

 

 

Enorme

 

Não é um enorme sistema

De crenças, dogmas e ritos

Que me garantem meus fitos,

A alimentar qualquer lema.

 

Antes um pequeno ajuste

De visão e de valores:

Abdicar, por mais que custe,

Das ânsias e mais temores,

 

De ambições de que me inundo

- E assim transmudar meu mundo.

 

 

Céu

 

O céu não é uma utopia,

É aqui mera condição

De vivermos, dia a dia,

A vida fértil de chão,

 

Desinibida no mundo,

Baseada no respeito,

Na reverência, no fundo,

Pela vida inteira a eito.

 

O céu não é o impossível

Ou um mundo idealizado,

É o viver comum gerível

- Num abraço iluminado.

 

 

Aceite

 

És aceite pelo que é

Maior que tu, cujo nome

Não conheces, nem com fé.

Não pergunte tua fome

 

O nome dele por ora,

Talvez o encontres mais tarde.

Não tentes agir agora,

Talvez após, sem alarde,

 

Acabes obrando muito.

Não procures nada então,

Nada realizes, fortuito,

Não pretendas nada, não.

 

Acolhe apenas o facto

De que és aceite. O que passa

Na fundura de tal pacto

É o vivenciar da graça.

 

Posso não ficar melhor

Do que eu era anteriormente,

Nem crer num novo teor

De crenças ante o vigente.

 

- Todavia, por tal norma,

Tudo, tudo se transforma.

 

 

Nunca

 

Jesus nunca nos ensina

A ser virtuosos, nunca.

Nem o que fazer declina

Em regras de que o chão junca

 

Para virmos a ser salvos.

Nem diz nada da memória

Em que os dogmas sejam alvos.

Nem como atingir a glória

 

De ser bom membro da igreja.

Nada sobre o cumprimento

Dum conjunto que se veja

De leis firmes, de cimento...

 

- Ao invés, de tempo um ror,

Demonstra como viver

Aqui como curador

Que é o Reino de Deus a ser.

 

 

Quando

 

Quando nos preocupamos

Com as crenças, se são puras,

Ou por demais ansiamos

Em responder às seguras

 

Coacções da instituição,

É mais provável ver alma

De nossa religião

Fanando-se em falsa calma.

 

As histórias atraentes

Que os Evangelhos nos contam

São de Jesus os presentes

Que de alma um homem apontam

 

Que se esforça por mostrar

Legalismo e moralismo

Por perigoso lugar

Para o espiritual abismo.

 

Há que os relativizar:

Não dão o que dizem dar.

 

 

Religião

 

É a religião a atitude

De respeito pelo além

Da fronteira a que me grude

A pequenez da virtude,

Da vontade que me tem.

 

Além  da compreensão,

Além do nosso controlo,

Do nosso desejo vão,

A religião é o pontão

Entre do mistério o polo

 

E o polo do conhecido,

Entre o que realizar

Posso a sós e o requerido

Pelo que, a ser atingido,

Requer outra ajuda a par.

 

Ajuda que, se se entende,

É de algo que nos transcende.

 

 

Diremos

 

Diremos que confiamos

Nesta vida e lhe ofertamos

 

Todo inteiro cada dia.

As massas não me são guia

 

De maneira inconsciente

E não vivo, dentre a gente,

 

De quenquer sob o comando

Que a mim é um alheio mando.

 

- Participarei activo

Na vida que só eu vivo.

 

 

Motor

 

O motor dos Evangelhos

Não é mente nem vontade,

Mas coração nos artelhos,

Aberto à oportunidade,

 

Aos desafios da vida:

Eu que não quer proteger-se

Mas ter um fluxo à medida

Da vida sempre a acrescer-se.

 

A maneira de atingir

Aquilo de que precisa

É de si próprio sair

Rumo ao Infindo que visa.

 

 

Importante

 

Mais importante não é

Que nós nos regeneremos,

É admitir de boa fé

A fraqueza que nós temos,

 

Reconhecer a ignorância.

Se deixarmos de pensar

Que merecemos, com ânsia,

Que alguém somos singular,

 

Acabamos preparados

Para vivermos no mundo

De coração sem cuidados,

Aberto a quanto é fecundo,

 

Pejados de compaixão

Na infinita aceitação.

 

 

Seguidor

 

De Jesus o seguidor

Faz o que ele sempre fez:

Se da morte encontra a dor,

Faz brotar vida de vez;

 

Sempre que encontrar tristeza,

Depressão de perda de alma,

Acorda as almas que preza,

Da tumba as livra da calma.

 

Este despertar gozoso

Dizem-no miraculoso.

 

 

Negligencia

 

Uma espiritualidade

Que o corpo negligencia

Desequilibra, em verdade,

Neurótica cada dia.

 

No Reino é tão importante

O corpo que vivencio

Como o espírito que avante

Nele à vida segue o rio.

 

 

Virtuosos

 

Nada diz que os “virtuosos”,

Os que transpor os limites

Nunca arriscaram, medrosos,

Encontram, nos seus palpites,

A porta de encaminhados

Para bem-aventurados.

 

 

Regras

 

Envolver-nos em “virtude”,

A regras obedecermos,

Sempre à letra quem se grude,

- Nunca garantem tais termos

Nenhuma entrada no Reino,

Nem a tal servem de treino.

 

Estas redes vão do lado

Errado do barco errado.

 

 

Escondam

 

Não, não se escondam da vida

Num culto à “virtude”: é falso!

Acolham a vida erguida,

Gozem quanto traz no encalço.

 

No fundo deste prazer

Encontrarão o conforto

Da comunidade a haver

Que o Pai quer por vosso horto.

 

 

Optar

 

Optar por viver quenquer

Pode em vez de se esconder.

 

Ao fazermos esta escolha

Abandonamos a bolha

 

Dos valores sem saída

Desta época iludida

 

E entramos no Reino a sério

Do Evangelho sob o império.

 

 

Vinho

 

A vida do Reino é vinho

Comparado a insossas águas:

Intensifica ao cadinho,

Metamorfoseia em fráguas

A vida quotidiana

Que extraordinária emana.

 

Em lugar de narcisista

Vai-se tornando altruísta,

 

Acolhe, os braços abertos,

Sem paranoicos desertos,

 

Aberta fica ao mistério,

Ao que for miraculoso,

Ao espiritual mais sério,

Em vez de presa ao gotoso

Frio do secularismo,

Do racional ao abismo.

 

Daqui o vigor retoma

À vida que andar em coma.

 

 

Responder

 

Pela vida espiritual

Teremos de responder

Por si próprio cada qual

E sem nunca depender

De estruturas que medeiam

E que sempre nos rodeiam.

 

Não procuramos ninguém

Que nos dite a lei, a regra.

Ao avançar vida além

Respondendo ao que a integra,

Encontro a regra da vida

E o propósito em seguida.

 

Temos de pensar por nós

Sem carregarmos o fardo

Da religião de avós

Nem daquela por que hoje ardo:

- O caminho é sempre o meu,

Noutro nenhum vou ao céu.

 

 

Movimento

 

Movimento descendente

Rumo ao corpo também é

O movimento ascendente

Rumo ao imo a ter de pé.

 

Um espírito elevado

Requer esta ligação

Descendente ou demasiado

Seus actos se tornarão

 

Egocêntricos, esquivos

E, logo após, agressivos.

 

 

Focado

 

Qualquer coisa que eu fizer

No Reino focado, atento,

Resulta, sem mesmo eu crer,

Num farnel muito opulento:

 

Tocará nosso imo e mente

E grande significado

Reveste em nós, coerente.

O senão que houver restado

 

É que temos de acolher

Do barco um e o outro lado

De a rede lançar que houver:

Dum bordo, a vida é o cuidado

 

Familiar e previsível,

Prático e autocentrado;

Do outro, o Reino invisível,

Rico no manto cendrado,

 

Magnânimo na semente,

No igual sempre diferente.

 

 

Inspirado

 

De Jesus um inspirado

Tem de procurar sinais

Duma realidade ao lado,

Alternativa às demais,

Sinais do Reino e ficar

Disponível para entrar.

 

Aí capaz de curar,

De ser curado vai ser.

Aí há-de penetrar

No mundo outro que escolher,

De imagens pleno assombrosas,

De novas bizarras glosas,

 

Tudo para que o pacífico

Reino dos iguais progrida,

Discreto, porém magnífico,

Do lado outro desta vida,

Anjos a gerar, semente

Por dentro de toda a gente.

 

 

Espiritualidade

 

Duma espiritualidade

O fecundante fermento

É por exterioridade

Alheia a meu fundamento

Proposto, filosofia

Que finjo imitar um dia...

 

Farei de conta, executo

Os gestos apropriados,

Mas deveras não escuto,

Não quero sacrificados

Nenhuns recantos da vida

Que talho à minha medida.

 

Actor sou habilidoso

E, ao fazer orelhas moucas

Do ensino ao que for valioso,

Conforto-me com as toucas

De fingir seguir de perto

Aquele caminho certo.

 

 

Igualmente

 

Do modo que procuramos

À louca facto e controlo

Sobre a natura em que andamos,

Igualmente trato o solo

 

Do espiritual mistério

Como da religião

Tal se um facto for sidéreo.

Não mergulho no fundão

 

Que me jogarão defronte.

Quanto a Jesus eu pergunto

Se foi de milagres fonte,

Se é Deus, de facto, por junto,

 

Se ressuscitou dos mortos...

Corro o risco de passar,

Afundado em meus abortos,

Ao lado do que ensinar,

 

Daquilo em que desafia

A uma vida diferente

No modo em que se desfia,

A viver radicalmente

 

Do Evangelho os ideais:

- Ser visceral curandeiro,

Responder às mundiais

Comunidades que abeiro,

 

Amar os que são diversos,

Amar mesmo os mais adversos.

 

 

Posse

 

Quem dele próprio na posse

Andar anda protegido

Contra o assalto que engrosse,

Interno ou externo urdido.

 

Constituição não tem frágil

Que ao mais pequeno sinal

De alarme não escape ágil,

De prevenido, afinal.

 

É capaz de outrem sentir

Enquanto o que se não tem

Não vai nunca conseguir

Pensar mesmo em mais ninguém.

 

Aquele sabe quem é

E do que é que ele precisa,

Que pode fazer até

Em tudo quanto ele giza.

 

Enquanto o que é possuído

Se vê, em última instância,

No fundo nível vivido,

Na mais profunda ignorância.

 

Não sabe nunca o que quer

Porque vive perturbado

Por desejos que tiver

Demoníacos ao lado.

 

Não crê que terá poder

Porque os demónios estão

A lhe controlar o ser

Que lhe arrancaram do chão.

 

 

Religiões

 

Em grandes religiões

Como em pequenas comunas

Todos se acham sem senões,

Certas são quanto são unas

 

Estas escolhas e as mais

Estarão todas erradas,

Que estas são mesmo especiais

E as mais, desafortunadas.

 

Ora, o trilho de Jesus

Vai na direcção oposta:

No momento em que supus

Não ver-me em nenhuma aposta,

 

Não ser de lugar nenhum,

Que me não logro adaptar,

Nem sequer, de modo algum,

Ter-me em conta é de cuidar,

 

Quando o atilho está mais leino,

- Aí mais próximo é o Reino.

 

 

Doença

 

A doença é como a espora

Da consciência: a iniciação.

Posso encará-la de fora,

À doença, é uma lesão,

Infortúnio que, afinal,

De algo vem que correu mal.

 

Mas também poderei vê-la,

Sem negar o sofrimento,

Como o ponto, na sequela,

De rumar a um outro vento,

Como uma oportunidade

Que me questiona e me invade.

 

É o túnel a doença então

Que eu atravesso a caminho

Dum novo patim de chão

Do imo donde me encaminho.

É por onde a mim me acarto,

Devindo canal de parto.

 

 

Regras

 

A regras obedecer

É motivação de vida

Que por inteiro difere

Da vida que queira erguida.

 

O perigo existe nela

De se tornar legalista,

De encontrar toda a janela

Da fuga à lei que lá exista.

 

Perde o espírito da ética,

Ignora logo a justiça,

A moral devirá céptica,

Sem jamais trazer à liça

 

As questões não aparentes

Dos mandamentos oriundas.

Os perigos eminentes

Das dobras do amor fecundas,

 

Ao invés, são que a noção

É sentimentalizada,

Restringem a expressão

De amar os mais à braçada

 

Dum grupo seleccionado.

Isto ignora a natureza

Do mandamento inovado

Que é uma radical empresa,

 

Tão funda neste quesito

Que abarca mesmo o Infinito.

 

 

Ingénua

 

A ingénua “virtude” às vezes

É uma defesa contrária

Da vida às complexas teses

De complexidade vária.

 

Indisponibilidade

Pode ser de correr riscos

E descobrir a verdade,

Da face da vida os ciscos.

 

Depois de riscos correr

Preparados acabamos

Da virtude para um ser

Doutro tipo noutros tramos.

 

Então entramos no Reino

De olhos abertos, adultos.

Do bem o sentido, o treino,

Mais duro e negro, são cultos.

 

Este segundo planalto

Da virtude é raridade,

Para o religioso é falto,

Nem análise é que agrade.

 

A religião costuma

Ir pela virtude intacta,

Primária, ingénua: em suma,

O Evangelho não impacta.

 

Do Evangelho no cadinho

É o outro sempre o caminho.

 

 

Dionisíaco

 

Dionisíaco Jesus

Viver de forma intrigante

É um sim à vida que apus

A cada passo adiante,

 

Apesar de poder ser

Julgado, despedaçado,

Crucificado ao correr,

Aqui como em todo o lado.

 

Nós vivemos e morremos

A cada momento então.

Amamos tanto que temos

Riscos de separação

 

E, porventura, de perda.

Seremos tão criativos,

Tão originais que a lerda

Pegada dos mais, esquivos,

 

Fica chocada, vizinhos

Sejam ou mesmo os amigos.

Dilaceram-nos ancinhos

De críticas aos postigos.

 

Tão ternos e poderosos

Somos que ninguém consegue

Rotular-nos, tendenciosos

Que são os nomes que segue.

 

Poderemos ficar cheios

De qualidades contrárias:

Simples e radicais meios,

Afáveis mãos temerárias.

 

 

Muda

 

Se não passo por profunda

Muda em mente e coração,

Não chego ao Reino que abunda,

Tão simples é a condição.

 

Poderei acreditar

Naquilo que bem quiser,

Ir à igreja e frequentar

Nela quanto me aprouver,

 

Posso ser virtuoso e nobre...

Se não fujo à falsidade

Defeituosa que me cobre,

Se não busco a realidade

 

Doutro nível de existência,

Se um baptismo existencial

Não procuro com premência

Em lugar do ritual,

 

À porta do Reino então

Ficarei mesmo em joelhos:

Ao lado passei em vão

Do núcleo dos Evangelhos.

 

 

Imaginário

 

Os Evangelhos retratam

O Reino de imaginário

Mundo em que os humanos tratam

Do itinerário primário

 

Do valor e do sentido

Que poderão transformar

A vivência do vivido,

Converter do ódio o mar,

 

Toda a agressão em amor

E gerar comunidade.

O Reino não é uma cor,

Um lugar, uma entidade,

 

Nem sequer instituição,

Igreja ou clube qualquer...

É uma imaginação

Reviravolta de ver,

 

É mais como uma atitude,

Olhar num outro modelo

Que faz, da vida no açude,

Mudar as águas do apelo.

 

E, após aquela sentença,

Tudo, tudo é diferença.

 

 

Janela

 

O Reino é janela aberta,

Nele próprio não é nada,

Mas permite ao mundo entrada:

Para além de que se veja,

Permite que tudo seja.

 

É transparente e desperta,

A plenitude da vida

Deixa que brilhe, subida,

Através dele. É uma forma

De viver por outra norma,

 

Mas não é uma entidade

Separada da existência

Comum, mas outra vivência.

Não é um conjunto de crenças

Mas posição com que avenças

 

A vida em toda a verdade.

Nalguns aspectos é porta

Aberta à vida a que exorta,

Janela por onde o olhar

Vê o outro mundo a brotar.

 

 

Devoção

 

Se não tornarmos Jesus

Devoção espiritual,

Ídolo de interior vida,

O Reino então ganha jus

À vida de cada qual,

Dentro em nós semente erguida.

 

À medida que a pomposa

Nossa linguagem, ideais

Preciosos em demasia

Encolhem até que a prosa

De mostarda será mais

Semente que mal se via,

 

Acordamos para a vida

Então de maneira nova.

Em vez de nós sempre cheios

Da verdade perseguida,

Serenos vamos à prova

Dentro vivos sem receios,

 

Sabendo espiritualmente

Que o caminho é o pé da gente.

 

 

Aceitação

 

De Jesus a aceitação

Mera e nada mais do que isso,

Engrandecê-lo em função

Sem de mensagem chamiço

 

Torná-lo-á grande demais:

É um obstáculo à mensagem,

Aplicação não há mais

Nem duma semente a imagem,

 

Nem duma bilha vazia,

Nem a da erva daninha...

Tal Jesus não condiria

Com nada do que convinha.

 

Mas  foi isto, História fora,

Que foi feito a toda a hora.

 

 

Exibe

 

Quando exibe certa gente

Algo de forma extremada

É que lhe falta, evidente,

O que exibe pela estrada.

 

Aquele que se comporta

Como se soubera tudo,

Teme e logo fecha a porta,

Não vão ver-lhe o ignaro estudo.

 

Quando os mui religiosos

Exibem a própria fé,

Duvidamos se, fogosos,

A falta dela não é...

 

Visão de Jesus subtil,

Transparente, enraizada

Há-de estar mais que outras mil

Na rua em grita pegada.

 

Tudo a fluir, dado a dado,

Verter a matéria densa

Agarrada no passado

- E do Reino eis a presença!

 

 

Cultura

 

A cultura em que vivemos

Tenta impor-nos dela o mito,

A história sobre o que temos,

Quanto importa o que concito.

 

A nossa religião

Dela o mito tenta impor,

A escapar do mundo vão,

Do que sou, que é desvalor.

 

Dir-nos-á dar um caminho

Melhor à nossa pegada.

Mas o melhor que acarinho

À cultura propalada

 

Como à religião seguida

É ajudar-nos a encontrar

Nosso mito para a vida,

Narrativa de ajudar

 

A vida  a desenrolar-se

Com visão, inteligência,

No sentido de fundar-se

Num valor que for à essência.

 

Mito é realidade viva,

Narrativa que dá vida,

E não uma forma esquiva

De escapar-lhe de fugida.

 

 

Preocupes

 

Nunca tu te preocupes

Com aquilo de que foges,

Que o pé ligeiro das trupes

Breve encontra onde te alojes.

 

Reserva tua ansiedade

Para aquilo que, a seguir,

Há-de ser a tua grade

Para que estás a fugir.

 

 

Proteger

 

Não se pode proteger

A si próprio da tristeza

Se proteger-se quenquer

Não lograr do que requer

Da felicidade a empresa.

 

 

Difícil

 

Difícil de contactar

É quem se aferra demais

Às doutrinas em lugar

Das vidas espirituais.

 

Cuida que sabe a verdade

Inteira intelectualmente

E não vê que o que persuade

É sentir, além da mente,

 

O amor e abrir a consciência

Da União Infinda à vivência.

 

 

Agarrar

 

Tentar agarrar estrelas

É melhor do que sentado

Ficar e desanimado,

Por entendermos que a elas

 

Não logramos agarrá-las.

Pelo menos o que tenta

Exercita-se e aumenta

Agudeza e visão ralas:

 

Talvez ele, em ramo baixo,

Ainda apanhe uma maçã

Que lá cresça temporã,

Do esforço a pagar-lhe o facho.

 

 

Exterior

 

Vês Deus como divindade,

A ti próprio exterior,

Um ser físico a propor

Controlar-te a actividade

Para fins que são lá dele?

Rejeitas que te atropele!

 

Os deuses moram cá dentro,

Assumidos como nossos

Ou não, em íntimos poços:

Segue-los quando és teu centro,

Deles tenhas nome ou não

A pôr no teu coração.

 

Que sentiste olhando o sol,

As estrelas, a floresta?...

Que maravilha é sempre esta,

De flores à brisa o rol?...

Que é que Deus então exige?

- O que em teu coração vige.

 

 

Vasto

 

Há um vasto mundo lá fora,

De dor cheio e de alegrias.

A dor mantém-te nas vias

De crescer a toda a hora,

A alegria torna à viagem

Gratificante a paisagem.

 

Parte, pois, e, singular,

Esculpir vai teu lugar.

 

 

Tentamos

 

Tentamos seguir de acordo

Com aquilo que sabemos.

Depois, mudando de bordo,

Afinal compreendemos

Que nada sabe quenquer

Do que julgava saber.

 

 

Silhares

 

Nós somos pedras, silhares

Que andam, sentem, têm vontade.

Deus é o canteiro, é quem há-de

As arestas singulares

 

Moldar a escopro e martelo,

Modelando o que deseja.

Não queiramos o que almeja

Esquivar-nos dele ao selo,

 

Dado que, de qualquer modo,

Os golpes não evitamos.

Mais sofrerei nestes ramos

Que se ao tronco me acomodo:

 

Não sendo pedra polida

Pronta para edificar,

Serei brita num algar

Que quenquer pisa em seguida.

 

 

Acolhimento

 

O acolhimento rendido

Ao que for de Deus vontade

De alegria e paz invade

A vida em todo o sentido.

Então é a felicidade

Na cruz do dia vivido.

 

Veremos aí que o jugo

De Deus é mesmo suave

E o peso a que me subjugo

É leve, mesmo se é grave.

 

 

Abandonar-me

 

Abandonar-me à vontade

De Deus: segredo que encerra

O trilho da liberdade,

De se ser feliz na terra.

Então o meu alimento

É o que Deus quer e que eu tento.

 

 

Desprendimento

 

Desprendimento não é

Manter, a qualquer momento,

Coração seco de pé,

Tal se Deus fora um tormento:

É ser livre e bem jucundo

Para dar-se a todo o mundo.

 

 

Depois

 

Primeiro tu te resignas

Com a vontade de Deus.

Logo após tu te designas

Conformado com os céus.

 

Depois vais por ti querer

Aquela vontade suma.

Por fim, amas todo o ser

Que em ti Deus queira que assuma.

 

 

Espreme

 

Espreme de tua acção

O pus da humana soberba,

A complacência que em vão

Cobras como tua verba.

Nada fique de teu eu

A travestir-se de céu.

 

 

Semeia

 

Semeia tu aos punhados,

Que o vento leva a semente

Se os sulcos não vão fadados

A germiná-la, virente.

Semeia! Disto o produto

É que ela vinga e dá fruto.

 

 

Deserto

 

Teu caminho não é claro,

Não segues a luz de perto,

Findas nas trevas, não raro.

Que escolhes em teu deserto?

 

Em teu imo não escutas

O eco de todas as lutas?

 

Não te sugere um caminho

Sem que sejas adivinho?

 

 

Fogo

 

Quem vem trazer fogo à terra

Que quer senão que se ateie?

E quanto frio nos ferra!

- Com quanto teu imo encerra

Que tua mão incendeie!

 

 

Santo

 

Quem quer deveras ser santo

Cumpre o pequeno dever

De cada momento e canto,

Faz o que deve fazer:

Está naquilo que faz

E semeia, alegre, a paz.

 

 

Pequenez

 

A pequenez do começo...

Não vejo pelo tamanho

Das sementes o que meço

De erva alterosa que apanho

Ou então, pelo contrário,

De arvoredo centenário.

 

Na natureza ou na vida

É de usar outra medida.

 

 

Terra

 

Na terra tudo o que é grande

Começou por ser pequeno.

Se grande nasce, o que o mande

Por um mnonstro o toma, pleno,

E de imediato desata

A atacá-lo e logo o mata.

 

Na natureza exterior

Tal qual como na interior.

 

Devagar, devagarinho

Se armará na altura o ninho.

 

 

Edifício

 

Viste como levantaram

Um edifício grandioso?

Um tijolo e outro armaram,

Ao milhar os cimentaram,

Mas um a um, sem ter gozo.

 

Mais os sacos de cimento

E mais os blocos de pedra,

Um a um, curto elemento

Ante o conjunto que atento

Acompanho enquanto medra.

 

E mil pedaços de ferro

E operários às centenas

A laborar desde o aterro,

Dia a dia a  erguer o cerro

De colunas e de empenas.

 

Viste como levantaram

O colosso onde olhos poisas?

À força com que ordenaram

Migalhas que carrearam,

- Força das pequenas coisas.

 

 

Persevera

 

Nas obrigações de agora

Persevera, persevera.

No trabalho que demora,

Monótono, em grande espera,

 

Humilde e muito pequeno.

É uma oração incarnada

Em obra, em qualquer terreno,

Que dispõe, nesta empreitada,

 

Ao trabalho com que sonhas,

Grande, vasto e mui profundo:

Dele embora não disponhas,

Cresce a par no outro mundo.

 

 

Tecido

 

Tudo aquilo em que intervimos

É um tecido com nós breves:

Tapeçaria dos cimos,

De heroísmo em passos leves,

 

Ou de baixeza no intuito,

De virtude ou de pecado.

As gestas relatam muito

Aventura em sublimado

 

De tamanho gigantesco

Com pormenores caseiros.

Ora, o apreço principesco

Assenta em dons corriqueiros.

 

 

Lago

 

És pedra caída ao lago,

Produzes com teu exemplo

Círculo pequeno e vago

Que às tantas eu mal contemplo.

 

Só que um outro e outro atrás

Se seguirão ao primeiro.

Cada qual mais largo faz

O percurso do pioneiro.

 

Compreendes a grandeza,

Como cada nada pesa?

 

 

Luzeiro

 

A brilhar como uma estrela,

Luzeiro aceso no céu?

Mais vale ser tocha ou vela

Escondida do escarcéu

Mas a tudo, desde logo,

Que tocar a pegar fogo.

 

 

Galopar

 

A galopar, galopar,

A fazer, fazer, fazer,

Tudo a mudar de lugar,

Ninguém em busca de ser.

 

Tudo a viver um presente

Sem sequer saber da idade.

Quem tem olhar diferente

Com olhos de eternidade?

 

 

Mártir

 

Para o mártir o martírio

Anda ao alcance da mão:

É profeta e, no delírio,

Nunca tal lhe chamarão;

 

Tem na vida uma missão

Mas de missionário o círio

Nunca nele acenderão...

 

É um homem de Deus fecundo,

Parece um homem do mundo.

 

Passa, com todo o sentido,

Sempre, sempre, inadvertido.

 

 

Criança

 

Diante de Deus, o eterno,

És criança mais pequena

Do que o miúdo que acena

Ainda em útero materno.

Criança mas de Deus filho,

Este é o mágico cadilho!

 

 

Seu

 

As crianças não têm nada

De seu, que tudo é dos pais.

E teu pai sabe de entrada

Gerir sempre bens que tais.

Questão é que tu o deixes

E a cumprir te não desleixes.

 

 

Sempre

 

Ainda que morras de velho,

Sempre sê, sempre, criança!

Se um miúdo verga o artelho,

Logo a mão da ajuda o alcança.

 

Se é velho quem tropeçar,

O movimento é de riso,

Acaso dando lugar

À piedade de algum siso.

 

Os mais idosos, porém,

Vão levantar-se sozinhos:

Não anda a mão de ninguém

A ampará-los nos caminhos.

 

A pegada em teu cotio

São mil tropeços e quedas:

Que vai ser de teu ousio

Se pequeno te não quedas?

 

Se, menino, tropeçares,

A mão de Deus te levanta

Nos milhentos avatares

Que em redor logo te implanta.

 

 

Sal

 

Quem há-de ser sal e luz

Quer ciência, idoneidade.

O cábula não reluz

E o comodista reduz

Ciência infusa a nulidade.

 

 

Fanatismo

 

 

A compulsão obsessiva

Irónica mais recente

É o fanatismo vigente

Na religião mais viva.

 

Os fiéis adormecidos

Mantêm-se em relação

À vivência do que são

Os espirituais sentidos,

 

Cooncentrando-se em doutrinas,

Rituais e liturgias,

Exterioridades frias

Das religiões mais finas.

 

Então vão tentar impor

Violentamente tais rostos

A todos os mais, supostos

Infiéis a contrapor.

 

E por dentro nenhum deles

Muda o íntimo a que apeles.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ROTEIRO  DA  FESTA

 

 

 

 

 

Ouvinte

 

É o cão excelente ouvinte,

Ao contrário da pessoa:

Nunca dá, por conseguinte,

Nunca, conselhos à toa!

 

 

Simples

 

“ Sou muito simples, deveras:

Vivo bem com cem milhões

Como com noventa! Esperas

Quê para dar-me os galões?”

 

 

Curto

 

“Então muito boa tarde” -

Dizem-nos, como é costume.

Desejo curto, no alarde

De imitar grande volume.

 

 

Amanhã

 

Amanhã será prudência

Ou servidão aos sentidos?

Em regra, dele na essência,

É o advérbio dos vencidos.

 

 

Saco

 

Feito aí saco de areia,

Tu, por ti, não fazes nada!

Logo a tibieza te enleia...

- Quando deitas pés à estrada?

 

 

Senhor

 

Se não és senhor de ti,

Embora mui poderoso,

Dá-me pena e quanto eu ri

De teu poderio ao gozo!

 

 

Bonzinho

 

Cumpres toda a liturgia,

Os rituais, como um caminho,

Mas estudar, nem um dia?

- Não és bom, és um bonzinho.

 

 

Cábula

 

Vida de cábula inútil

Quando crente dizes ser

Torna Deus algo tão fútil

Que nem lixo o há-de querer.

 

 

Mau

 

Se não és mau e o pareces,

És parvo e tais parvoíces,

No escândalo que entreteces,

São como se o mal servisses.

 

 

Diabo

 

O diabo tem cara feia,

Não se arrisca a que o vejamos.

É por trás que volta e meia

Com os cornos apanhamos.

 

 

Beato

 

O santarrão não é santo

Nem o beato, piedoso.

Caricaturam, se tanto,

Mal prestam para dar gozo.

 

 

Injustiça

 

Como a injustiça dos justos

Pode fazer mal a tantos!

E quanto, pesando os custos,

Escolhem ser justos quantos!

 

 

Segredo

 

Recomendas o segredo,

Mas como recomendar

Se isto prova, pois lhe acedo,

Que o não andas a guardar?

 

 

Dia

 

Dia mau não é o tramado

De mil zeros, de mil nadas.

O dia desperdiçado

É o que não tem gargalhadas.

 

 

Excêntrico

 

Excêntrico sê, se és novo,

Trata de o ser desde já:

Quando velho, então o povo

Não te diz que estás gagá.

 

 

Talento

 

O mais valioso talento

É aquele de nunca usar

Duas palavras ao vento

Quando uma apenas bastar.

 

 

Sinceridade

 

A pouca sinceridade

É perigosa, não vale.

A muita, embora me agrade,

É totalmente fatal.

 

 

Pareceu

 

Jesus nunca pareceu

Um papa: bem ao invés,

Ele sempre se vestiu

Tal, ao tempo, um camponês.

 

 

Sucesso

 

Sucesso é se preocupar

Com tudo no mundo inteiro

Ou algo em particular,

- Excepto com o dinheiro.

 

 

Reconheceria

 

Tanta gente há por aí

Que não reconheceria

A felicidade em si

Mesmo se a falar, um dia,

Com ela, durante a espera,

Ao telefone estivera!

 

 

Centro

 

Quão mais me centro lá fora

Mais o Cosmos me retira

O que lá por fora gira,

Por que entre em mim sem demora.

Mas que faz o mais da gente?

- Mais fora engrossa a corrente!

 

 

Obrigado

 

Muito obrigado, meu Deus,

Pelo tesoiro divino

De ouvir tantos escarcéus

Desbragados e sem tino

 

Deste chefe da maldade

Que, entre martelos e foices,

A cada amabilidade

Responde num par de coices.

 

É que tenho de aprender

A ser bem melhor: a Ser!

 

 

Conservar

 

Para conservar a vida,

A pobre vida de agora,

Submetem-se, de seguida,

À tortura que demora

A cruenta operação,

- Mas por vida eterna, não.

 

Algures, num alto viso,

O Homem perdeu o juízo.

 

 

Bastante

 

Não é bastante ser sábio

Além de ser bom cristão,

Se manténs a brusquidão,

Se incompatível teu lábio

For com boa educação.

 

Embora sábio mui crente,

Aquilo tanto desdoira

Que, mula que és renitente,

Amarrado à manjedoira

Deves ser urgentemente.

 

 

Ar

 

Com ar de suficiência,

Aborrecido, antipático,

És ridícula evidência,

Não és eficaz nem prático.

Peca o medíocre um dia

Por sábio em demasia.

 

 

Ócio

 

Primeiro momento de ócio

E todo o mundo interior

Se esbarronda no negócio

Como se do imo não for.

 

Não tens um livre momento

Porque o descanso jamais

É nada operar no evento,

Antes ver se te distrais

 

Doutros actos com o escorço

Que requer menos esforço.

 

 

Manjar

 

O manjar mais delicado,

Se for um porco a comê-lo,

Converte, mui descuidado,

De porco em carne o que é belo.

 

Sejamos anjos, então,

Dignificando as ideias

Ao assimilá-las, chão

Já de nutridas paveias.

 

Ao menos homens sejamos

Convertendo os alimentos

Em músculos, fortes ramos,

Ou miolos de ver portentos.

 

Limando assim as arestas,

Não sejamos, como tantos,

Na manjedoira umas bestas

A ruminar pelos cantos.

 

 

Fervilham

 

Quando os mal conceituados

Fervilham a chefiar

Da religião traslados

Exteriores num lugar,

 

Apetece lhes dizer

Ao ouvido, mui convicto:

“Por favor, não é de ser

Bem menos um crente ficto?”

 

Sejam príncipes reais

A ralé ou maiorais...

 

 

Cavalheiro

 

Cavalheiro intransigente

Fareja o vento da sorte

E continua, contente,

Condenando o arauto à morte,

 

De Sócrates a Jesus,

De Jesus a Galileu...

- É o que dentro lhe traduz

Que cava o inferno de seu.

 

 

Aparente

 

Uma aparente virtude

De bem pouco há-de valer

Se não se une, como grude,

À dos mais santos que houver.

É adornar-se, joias pores,

Mas sobre trajos menores.

 

 

Fácil

 

É bem mais fácil dizer

Do que fazer, quando calha.

Tua língua de navalha,

A cortar sempre em quenquer,

 

Experimentou, casual,

Fazer bem o que, talvez,

Um outro menos bem fez

Ou, porventura, fez mal?

 

 

Pouco

 

Muito pouco generosos

São todos com o dinheiro.

Entusiasmos buliçosos,

Promessas a tempo inteiro,

 

Tudo conversa fiada:

Na hora do sacrifício

Não vem ninguém à chamada.

E, quando dão um resquício,

 

É com diversão no meio,

Com baile, rifa, um serão,

Com um cinema, um passeio,

Ou talvez com um leilão...

 

E a lista dos donativos

Na imprensa, louros aos vivos!

 

- Onde é que a esquerda veraz

Nem vê o que a direita faz?

 

 

Depósito

 

Um depósito de lixo

Nunca te esqueças de que és.

Se o Jardineiro, ao invés,

De ti lança mão, no esguicho

Com que te limpa e te esfrega

E virentes flores te entrega,

 

Nem o aroma nem a cor

Que embelezam quanto és feio

Devem-te orgulhoso pôr.

Humilha-te de permeio,

Pois não sabes, torto bicho,

Que és um caixote do lixo?

 

 

Esterco

 

Oiro, prata, joias: terra,

Tudo são montões de esterco.

Prazer sensual que se ferra,

Apetite em que me perco,

 

Como uma besta, uma mula,

Porco, galo, um toiro acaso,

Não trepo quando me bula,

Sou bicho fora de prazo.

 

Honras, distinções e títulos

São balões de ar pela estrada,

De soberba mais capítulos,

Inchaços, mentiras: - nada!

 

 

Importante

 

O senhor muito importante,

De jantar sentado à mesa,

Sério, grave, o peito impante,

Ar de rito de quem reza,

 

Enfia gordura a esmo

Tubo digestivo abaixo,

Tal se um fim fora em si mesmo,

Que outro nele não encaixo.

 

A gula é um vício palerma.

Por isso morro de riso

Ao virar costas, na erma

Náusea com que tal diviso.

 

 

Desengonçar

 

Que peça a desengonçar

No mundo se finda a ver

Quando no mundo eu faltar,

Quando no mundo morrer?

Bem posso já cá ter alta,

Não faço nenhuma falta.

 

Quando eu faltar, ao morrer,

Quanta arroba, quanta onça

Do mundo se irá perder,

Que peça se desengonça?...

Fica tudo tal e qual

E, de mim, nem mais sinal.

 

 

Salada

 

Ninguém é nobre nem mau,

Todos somos a salada

Mais bem ou mal misturada,

Picada para o mingau

Num vinagrete restrito

De confusão e conflito.

 

 

Esqueças

 

Embora teu canto esqueças,

Podes continuar artista.

Mas se o hino, com as pressas,

Nacional, perdes de vista,

Então é que em todo o lado

Ficarás de vez tramado.

 

 

Lar

 

A filha ainda pequena

Dum soldado transferido

No aeroporto, serena,

Senta junto ao monte erguido

De escassos bens de família

Enquanto dura a vigília.

 

Ensonada, encosta às trouxas

Costas e cabeça frouxas.

 

Pouco após, uma senhora

Passa por ela e repara.

Afaga-a logo na hora:

- “Pobre criança,” - compara -

 

“Sem um lar onde dormir!”

A menina olha espantada:

- “Temos um lar” - diz a rir -

“E outro nem quero de entrada.

 

Não temos, é de supor,

Mas é uma casa onde o pôr!”

 

 

Certezinha

 

- “Nesta paróquia vão todos

De certezinha morrer” -

O pároco, com bons modos,

Que a morte enfrentem requer.

 

Porém, lá num banco ao fundo,

Um homem sorri contente.

- “Porque tem um ar jucundo?”

- “ Não sou daqui, desta gente...

 

Vim só de fim-de-semana,

Vou-me embora e com que gana!”

 

 

Parafuso

 

És pequeno parafuso

Do mundo na grã babel,

Não tens um grande papel

De vida para teu uso.

 

Contudo, se o parafuso

Não apertar o bastante

Ou saltar fora por uso

Que ocorre logo adiante?

 

Peças de maior tamanho

Findarão cedendo todas

Ou tombarão no arreganho

Sem dentes múltiplas rodas.

 

Dificulta-se o trabalho

E toda a maquinaria

Talvez quebre como um galho.

Como é grande (quem diria,

 

Ao finar-se ele contuso)

Um pequeno parafuso!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ÍNDICE

 

 

Trilhos do Amor

Carreiros em Contrapé

Encruzilhadas de Rumos

Mapas do Tesoiro

Cruzamentos de Sentidos

Caminhos Irregulares

Corrocel de Avenidas

Roteiros da festa