IV PARTE



ANTEMANHÃ






Véu


I


Na praia a leste lá da aldeia existe

A gigantesca catedral dos sinos,

É numa ilha que tu nunca viste”


De véu brilhante a cintilar destinos.

A roupa estranha que o menino aviste

Nunca a viu antes nem os pés franzinos,

Mas acha-a linda, é madrugar com chiste.


Já viste o templo?” - a formosura inquire. -

- “Vai até lá, depois me conta o que achas.”

E, seduzido, ei-lo a correr, fluir...


Na areia admira do horizonte as faixas,

Mais não viu nada que o que sempre encontra:

O céu azul e do mar largo a montra.



II


Decepcionado, o povoado busca:

Dos pescadores quer saber sinais

Dum templo e sinos cuja sombra brusca

Mágica o toca como nada mais.


Tal foi há muito, muito tempo atrás.

Meus bisavós que me a memória ofusca,” -

- Comenta um velho, sem avós nem pais -

- “Contavam que era catedral farrusca


Que em maremotos se afundou no mar.

Já não podemos ver-lhe a ilha agora,

Mas conseguimos sinos escutar


Sempre que o mar a baloiçar a aflora.”

Voltando à praia, tenta a tarde inteira:

Só ouve as ondas e os pardais à beira.



III


Um dia após, ele tornou à praia:

Não acredita que uma bela moça

Pode mentir. E dado que ela possa

Ali tornar, vinda da longa raia,


Ele diria: muito embora o atraia,

Não vira a ilha mas ouvira a grossa

Voz do sineiro que da funda fossa

O templo toca, mal o mar se espraia.



Vão muitos meses e a mulher não volta.

Após a esquece este petiz então,

Mas quer tesoiros, pelo mar à solta.


Se escutar sinos, olha logo o chão:

Resgatar pode todo o esconso bem

Que algum tesoiro lá escondido tem.



IV


Que importa a escola, como o velho amigo?

Riem-se dele: “já não é dos nossos,

Olhando o mar, perdeu-se lá nos fossos,

Não brinca mais, anda a cumprir castigo.”


Não ouve os sinos, mas do seu postigo

Vai aprendendo outros subtis esboços:

De tanto ouvir das ondas cavos poços,

Já o não distraem, tem seguro abrigo,


Também não ouve das gaivotas gritos,

Zumbir de abelhas, nas palmeiras vento...

Seis meses mais, nada o distrai dos ritos,


Mas nenhum sino lhe traz mais alento.

Só os pescadores vinham ter-lhe aos cimos,

Com ele insistem, firmes: “nós ouvimos!”



V


Os pescadores mudarão os ditos:

Preocupado andas demais com sinos

Que sob o mar hão-de tocar uns hinos.

Esquece e brinca com os mais, que aflitos


Andamos nós, por isso ouvimos, fitos,

Seu repicar a nos marcar destinos.”

Um ano após e como os mais meninos,

Pensa o menino: “têm razão, os gritos


Deles aflitos é que os sinos tocam.

Irei crescer, ser pescador, voltar,

Já que esta praia os sonhos meus convocam.


E, se calhar, nem podem mais tocar

Os sinos tais que o terramoto arrasa...”

E eis que o menino volta então a casa.



VI


Descontraído, olha a mãe natura,

Pode sorrir, ouve a guinchar gaivotas,

Do mar o estrondo, das palmeiras notas

Que o vento toca em farfalhada pura.

Ouviu ao longe de meninos botas

Na brincadeira onde ele não figura.

Sente-se alegre, logo ali apura

Que em breve deles compartilha as rotas.


Contente fica de tão vivo estar,

Não perdeu tempo, contemplou, profundo,

A natureza a que agradece o lar.


E, ao escutar gaivotas, mar, o mundo,

Ouviu de súbito o primeiro sino

E outro e outro: é um carrilhão num hino!



VII


Anos depois é um homem, volta à aldeia,

De infância à praia de memórias gratas.

Já não pretende resgatar as pratas

Dalgum tesoiro que no mar ameia,


Fora maré de fantasia cheia,

Acaso os sinos nas precoces datas

Nem ouviu mesmo: de ilusões pacatas

De então a vida, prenhe, o lá permeia.


Foi passear para ouvir bem o vento

E das gaivotas o piar surpreso.

Sentada então viu a mulher do invento


Da ilha e templo que o tivera preso.

Que fazes aqui?!” - pergunta, incréu, à bela.

Eu esperava-te” - respondeu-lhe ela.



VIII


O tempo corre mas não corre nela,

Mulher eterna é, na aparência, igual,

De desbotado o véu nem dá sinal,

No rosto brilha sempre a mesma estrela.


O luminar tem prestes seu fanal

Naquele olhar duma criança bela

Que o mundo vê sem de amargor sequela” -

- A mulher diz. - “Se queres ver real


O que pensar de alguém, vê neste olhar.”

Um luminar?!” “É o que entender da vida

O milagroso e que depois lutar


Pelo que crer e ouvir do mar a ermida.”

Não o serei...” Todos o são, embora

Ninguém o creia quando chega a hora.”




IX


Já era noite quando a bela cala,

Ficam os dois olhando o luar nascente.

Muito que diz contradiz” - ele sente.

Ela levanta-se e então, quando abala:


Sabes que os sinos do mar são presente:

Apto a escutá-los só quem não se rala

Com as gaivotas. Se o barulho estala

Pela folhagem, badalar pressente.


Tudo em redor, falhas, vitórias, são

Do bom combate as estratégias certas.

O luminar não é coerente em vão,


Sabe viver, mãos ao contraste abertas.”

E a bela afasta-se do mar nas ondas,

Rumo ao luar a tecer magas sondas.



Iluminado


O iluminado é gratidão atenta.

Os companheiros, porventura, dizem:

É sorte a dele que os troféus deslizem

Pelas mãos fora como fruta benta.”


Durante a luta teve a ajuda isenta

De anjos secretos que o perigo avisem,

Tudo ordenaram a que os passos visem

O que melhor de si pode ele e tenta.


Então consegue mais do que é capaz

E ao pôr-do-sol ajoelha grato ao manto

Que protector à volta eterno traz.


Como aos amigos, rosto deste encanto,

Ele agradece, pois no sangue e vinho

Que partilharam nunca está sozinho.



Caminho


Todo o caminho ao coração conduz

Do iluminado que mergulha frio

Na correnteza das paixões, no rio

Que a vida corre e que a melhor traduz.


Sabe que é livre de escolher pousio,

É da coragem, desprendido, à luz

Que às vezes vai pelo que louco o induz,

Colhe paixões, desfruta fio a fio.


Não renuncia ao entusiasmo alegre

Que alegra todos os que as mãos se deram,

E o duradoiro faz que ali se integre

E a solidez dos nós que os laços geram.

O transitório distingiu certeiro

E o que é perene ocupá-lo-á primeiro.



Também


Um luminar mais que a dele usa a força,

Usa também a que inimigos têm.

O entusiasmo, ao iniciar, detém

E o que aprendeu, que qualquer treino esforça.


Porém descobre que o que o mais reforça

É experiência que lhe falta além.

Ao Universo abre seu imo e vem

Pedir que inspire, que o que é mau retorça


Numa lição do que é melhor defesa.

Os companheiros não entendem: ”luta

Não quer, parou para rezar e preza


Este adversário com quem tem disputa.”

Provocação não tem resposta alguma,

Que inspiração é que resulta, em suma.



Sabe


O iluminado o que quer sabe e cala,

Que explicações a ninguém tem de dar.

Não trapaceia mas distrai o olhar

Dum adversário que de dentro fala.


Por mais ansioso que estiver, escala

Recursos tácticos do fito a par,

Para que as metas que quiser tentar

Sejam logradas, com ou sem ter gala.


No fim das forças, faz que não tem pressa;

Se quer direita, imita que é da esquerda;

Se é de ir em frente, faz que dorme e esqueça...


Amigos cuidam: “do entusiasmo é a perda.”

Mas pouco importa, que eles não conhecem

Da luta os truques que a vitória aquecem.



Inimigo


Que o inimigo a recompensa creia

Que não consegue se atacar-te for:

Desta maneira, do entusiasmo o ardor

Nele fraqueja e nunca mais se alteia.





E retirares do combate ameia

Se o inimigo mostrou mais vigor,

Que mais importa que em batalha o ardor

Na guerra ao fim quem vence e a paz semeia.


Se forte estás, não te envergonhe fraco

De te fingir, que o inimigo perde

Toda a prudência: “antes da hora ataco!”


Ora, em confronto, um adversário verde

Surpreender é que, em feliz memória,

A chave entrega da final vitória.



Pior


Encontro quem, mal se precata, tenta

O pior mostrar que de si próprio tem,

Esconde a força interior aquém

Do ar de ameaça, esconde o medo, inventa,


Por solidão, independência lenta.

Não acredita em que o poder retém

Mas apregoa pelo mundo além

Dele as virtudes em que mal assenta.


Pela aparência não te deixes ir,

Fica em silêncio se impressiona mal,

Corrige a falha que em ti vês surgir.


É que as pessoas são o espelho real

E o luminar a ocasião persegue

De descobrir que passo além se segue.



Luta


O iluminado com quem ama luta,

Que quem preserva amigos seus jamais

É dominado por tornados tais

Quais a existência sempre tem por fruta.


Forças terá de ultrapassar a arguta

Dificuldade e de ir em frente mais.

Mas muitas vezes desafios reais

Tem de quem ama e com os quais labuta.


À prova põe capacidades suas,

Contra-argumenta e uma harmonia volta

Ao grupo a quem isto abre ao sonho ruas.


Se o grupo o enfrenta, na verdade, envolta

Terá vontade de auscultar oráculos:

Mantido, o diálogo supera obstáculos.




Confronto


Ante um confronto sempre a ti pergunta:

Até que ponto é que eficaz estou?

Do que travaste outrora em ti ficou

O que aprendeste e que ao demais se junta.


Porém sofreste com a ganga adjunta

Desnecessária, que a mentira andou

A usar-te às vezes e, em lugar dum voo,

Sofres por quem te nunca o amor assunta.


De teu amor há quem não ande à altura,

Muita mentira de ti faz um meio.

Em quem vencer nunca erro igual figura,


O iluminado tria sem receio,

O coração apenas ele arrisca

Em quanto valha a sorte, embora arisca.



Perseverar


Perseverar é favorável jeito,

Não é insistência de insensato apuro.

Às vezes lutas vão cobrar o juro

Além das forças, do que acende o peito.


Aí quem luta à reflexão atreito

Vê que alongar acaba, é o fim seguro,

Por destruir o vencedor que auguro:

Dois contendores, fim igual no feito.


Então retira do combate a força

E tréguas dá nesse entretanto a si.

Mas persevera, que o querer não torça,


Só que ele aguarda o dia certo ali.

Não por teimoso, mas por ver permuta,

Acaba sempre por voltar à luta.



Repetem


Certos momentos se repetem,duros,

E com frequência iguais problemas dão,

Em situações que já enfrentei em vão.

Fico oprimido, de incapaz de apuros,


A progredir avesso, pois que estão

De volta as lutas que em mim erguem muros.

Já dei por isto tombos mil seguros!”

Ultrapassaste-o?” - o coração diz. - “Não...”


Então entende, é repetir os passos,

Finalidade única em mim perseguem,

Por mais hediondos que lhes veja os traços:

É a de ensinar, mais que degraus se seguem

( No itinerário um breve traço mero)

Antes aquilo que aprender não quero.



Incomum


Algo incomum é sempre um luminar:

Vai a dançar quando ao trabalho vai,

Olha um estranho e de amor já se esvai,

Por uma ideia pretendeu clamar...


Mágoas antigas não temeu chorar,

À descoberta ri que às mãos lhe cai.

À hora certa larga tudo, o estai

Da caravela ruma ao bravo mar.


Quando o limite de aguentar lhe chega,

Sai do combate sem desculpa alguma

Pelas loucuras repentinas feitas.


O esclarecido os dias seus não lega

Representando uma figura, em suma,

Doutras pessoas que são nele estreitas.



Brilho


O iluminado tem um brilho no olho,

Está no mundo, é parte doutras vidas,

Sem alpercatas é que entrou nas lidas

E sem alforge do que à ceifa colho.


Covarde às vezes quando enfrenta o escolho,

Não é correcto, ao estragar surtidas,

Sofre por nada, mesquinhezes tidas

Vês-lhe ao crescer, tais que, se as vejo, as tolho.


De qualquer bênção crê-se indigno acaso

E dum milagre, então, nem faz sentido,

Incerto até do que é daqui seu prazo.


Esclarecido por isto é que é tido:

Porque interroga e erra e quer a causa

E encontra-a após, à derradeira pausa.



Parecer


O luminar vai parecer um louco,

Fala em voz alta lá consigo a sós,

É uma maneira de falar após

Como com anjos, nele, a pouco e pouco.





No início mesmo é um incapaz cabouco,

Nada a dizer, deu à tolice voz,

Mas ele insiste, um derrotado atroz,

Fala interior mesmo quando o imo é mouco.


Um qualquer dia percebeu mudança,

Na sua voz uma outra voz se entrosa.

Entende então que canaliza e alcança


Sabedoria bem maior que glosa.

O esclarecido um louco mais parece

Mas é um disfarce com que amanha a messe.



Capaz


O luminar seu inimigo escolhe,

Do que é capaz sabe e jamais precisa

De dos dons próprios ostentar divisa,

As qualidades a recato colhe.


A qualquer hora sempre alguém o tolhe,

Sempre tentando mostrar que este giza

Melhor os dons que num experto visa,

Melhor os gere se os em si recolhe.


Para o que é lúcido, melhor, pior

Não existiam, cada qual os dons

Tem requeridos ao que quer se impor.


Tais jeitos o hábil cansam, não são bons,

Não perde o tempo em algo sem sentido,

Tem um destino enorme a ser cumprido.



Passei


Passei o que passei, de meus problemas

Não me arrependo, já que aqui me trazem

Onde chegar sempre aspirei. Meus lemas

São quanto tenho do que os sonhos fazem.


As cicatrizes são da vida esquemas

Rememorando o que vivi, mas jazem

Dentro de mim, compensações extremas

Testemunhando efeitos que hoje aprazem.


Elas me irão abrir portais sublimes,

Que de bravura já escutei eventos

E já vivi mesmo ao sabor dos ventos,


Mas hoje vivo porque atei meus vimes

E quero um dia ficar junto a Quem

Me dediquei, lutando vida além.




Andar


Ao começar a andar conheço a via,

Cada meandro, cada pedra dá

As boas-vindas. As montanhas lá,

O rio aqui, todos serão fatia


De meu fundo imo, a planta, o mar, o dia...

De Deus a ajuda e a dos sinais de cá

Me guiarão rumo às tarefas já,

A me informar que nada mais se adia.


Dormir as noites ou sofrer de insónia,

Tudo faz parte: decidi seguir

Por esta via que escolhi, de idónea.


Triei a estrada, meu segredo, ao ir,

Todo o poder é nisto que há-de estar:

Vou meu caminho, não reclamo andar.



Novas


Ideias novas vão querer espaço

E renovar da Terra a força é urgente.

As almas têm desafio em mente

Que é novo quase em todo o seu abraço.


Todo o futuro se tornou presente

E todo o sonho, ao preconceito escasso,

Vai revelar dele o gostoso traço

Que a ocasião de se mostrar alente.


O que é importante há-de ficar, o inútil

Desaparece, mas o encargo então

De julgar sonhos que outrem tem é fútil.


Que ninguém perca, a julgar tal pendão:

Quem tiver fé no pessoal caminho

Provar não tem de outrem errar de ninho.



Cuidado


O iluminado com cuidado estuda

A posição que conquistar pretende.

Por mais altura a que um final ascende,

Há sempre um meio que mais alto o escuda.


Então apura quanto ali lhe acuda,

Perseverança o coração lhe rende

Para enfrentar o que na via pende.

Descobre sempre uma muralha muda,


Inesperada, quando avança atento.

Se aguarda a hora, do lugar não sai,

Que o ideal não é o de tal momento.

É um pouco louco, dar acaso vai

Um passo adiante, corajoso e frio,

Pois é inviável prever todo o rio.



Conhece


O esclarecido as qualidades suas

E seus defeitos já conhece bem.

Os companheiros vão dizer que alguém

Ocasiões vai ter bem mais nas ruas


Do que eles têm. Pouco importa, as nuas

Virtudes dele valoriza além,

Não vai parar se a queixa os mais detém.

Vê que à gazela, se lhe o galgo acuas,


As pernas contam e à gaivota o peixe

Não lhe escapou da pontaria certa,

A hiena ao tigre à força faz que a deixe...


Busca saber com que contar e aperta

Fé de esperança mais amor e os três

Já lhe aceleram de imediato os pés.



Ensina


O esclarecido que ninguém é tolo

Sabe e que a vida ensina a toda a gente,

Embora nunca por nenhum repente.

Sempre o melhor de si dará sem dolo


E espera doutrem o melhor somente.

Busca mostrar a todo o mundo o bolo

De cada um, como ele lavra o solo,

Do que é capaz ao procurar que aumente.


Muitos comentam que há quem seja ingrato,

Mas não o abala a ele assim tão pouco.

Ele aprendeu que jamais fora inato


O entalhe duro, muscular cabouco.

Outro estimula, semeando a esmo,

De estimular é o modo a ele mesmo.



Desperto


Medo de entrar nalgum confronto já

Teve o desperto e já mentiu, traiu,

Trilhou caminho que não era o seu,

Sofreu por nada mil vazios que há.





Até julgou que afinal nada viu,

Não despertou para o que é torto cá,

Falhou deveres do interior maná,

Foi ditar sim onde era um não que creu...


E assim feriu alguém que muito amava.

Por isto é que é um desperto à grande luz,

Porque passou por quanto ali baqueava


E não perdeu que trilho o ali seduz:

Uma esperança que no fim o altera

De vir melhor a ser, melhor do que era.



Espantalho


O acto desperto é um espantalho horrível

Para o covarde, mas de luz um raio

Para o que é sábio, que me não distraio.

O tabuleiro de xadrez temível


É o mundo; as peças, a visão legível

Da vida diária; as regras são meu aio:

Leis naturais. O Jogador não saio

A ver jamais, não é daquém visível,


Mas é paciente, honesto e justo, enfim.

Cabe-me a mim ao desafio ir,

Que Deus não deixa em falta o amigo assim,


Não vinga a falha, por tolher porvir.

Deus não permite (eram-me as mãos no fogo)

Que eu vá fingir que ignoro as leis do jogo.



Escolha


O esclarecido a escolha não adia,

Antes de agir reflecte bem em tudo,

Pondera o treino, o seu dever por miúdo,

Fica sereno a analisar o dia


E cada passo como o mais agudo.

Mas, se decide, logo após se enfia

Ignoto adiante: duvidar não ia

Do que escolheu. Nem de percurso eu mudo


Se as circunstâncias outras são que sonho.

Se a decisão foi a correcta, vence;

Se foi errada, ele à derrota oponho.


Recomeçar então fará que pense

Mas com maior sabedoria enfim,

Pois se começa vai até ao fim.




Compartilha


Meu melhor mestre compartilha o campo

Onde batalho, companheiro em luta.

Ali conselho em risco é pôr conduta,

Dá-lo é arriscado se me aperta o grampo.


Se quero ajuda no muro ao qual rampo,

Olho os amigos na feroz disputa

Como resolvem, meu ouvido à escuta,

Este problema de atingir o escampo.


A inspiração de meu vizinho vem,

Anjo da guarda aqui ao meu dispor.

Se solitário, o que distar além


Não me reparte nem carinho ou dor.

O atento sabe que a distante estrela

Vai-se mostrar no que em redor me apela.



Partilho


Partilho o mundo com aqueles que amo,

Sempre os animo ao que não têm coragem

Mas gostariam de fazer quando agem.

Então o escuro em causa põe meu tramo:


Mais pensa em ti, não tens de erguer-te em amo

E quem és tu, experto em só vadiagem,

Para ajudar na vida alguém na viagem?

Sei meus defeitos, mas da flor o ramo


Não é distante nem a sós que cresce.

Por mais verdade que as razões mantenham,

Jogo-as ao chão, já que a razão que acresce


É que os felizes que por tal se tenham

Continuarão, firmes, com ar desperto,

A animar sempre os que estiverem perto.



Respeita


O que é pequeno, o que é subtil respeita,

Respeita sempre, que o caminho o inclui.

Conhece sempre aquele instante, intui

Quando avançar uma atitude eleita.


Se muitas vezes a postura é feita,

Presta atenção a como nela influi

O teu trejeito, o habitual que flui,

Que, se inconscientes, far-te-ão desfeita.


O principiante, se consciente, acaba

Inteligente, mais que o sábio cheio

Mas distraído, que ao topar desaba.

Juntar amor traz sorte, odiar, receio:

Calamitoso, este olha a porta aberta

Para a tragédia que ali já desperta.



Luz


O iluminado vai sentar tranquilo

E se entregar à interior luz divina.

Não pensa em nada e nem sequer se inclina

Dos desafios à busca em sigilo,


Nem ao prazer, revelações, e di-lo

Aos dons, poderes, na textura fina.

Se os nem percebe de momento, a sina

É que eles tomam conta dele, o silo


Donde transbordam para o dia inteiro.

E durante isto ele não é, mas alma

Do mundo todo e este é o seu viveiro.


Então entende, responsável, calma

O enche do fundo e vai agir conforme,

Cumprir a Lenda que o orienta enorme.



Esticado


O arco esticado chega a um ponto tal

Que perco o fôlego se o não disparo.

Ora, se o tiro provocar, reparo

Que à dum arqueiro não tenho arte igual.


O que atrapalha a precisão final

É meu querer demasiado e raro,

Vontade activa do que a mim é caro,

Como se aquilo que não torno real


Não fora feito já por mais ninguém.

Jamais é assim: devo actuar, decerto,

Mas deixar devo, por igual, também


Que este Universo, que é meu longe e perto,

Tome a palavra no banco onde sento,

Por ele actue quando é o seu momento.



Injustiça


Quando injustiça sofro, irei sozinho

Refugiar-me, a não mostrar a dor,

Ao mesmo tempo bom e mau pendor,

Comportamento a que é de impor cadinho.





Que o imo cure o pertinaz furor,

Ferida aberta, mas peneire o ancinho

Meditações onde o negror alinho

Com medo só de cara fraca pôr.


Anjo e demónio moram dentro em nós,

Vozes iguais e por igual ouvidas.

De vulnerável me ata o diabo os nós,


O anjo atitudes quer rever, medidas,

Por boca doutrem diz-me quanto quer.

Meu equilíbrio dum e doutro aufere.



Carinho


O esclarecido sempre quer amor.

Carinho e afecto são seu próprio modo,

Como comer, beber e todo o engodo

Com que o atrai do bom combate o ardor.


Quando feliz não sentir já o sol-pôr,

Sente que errado algo andará de todo.

Suspende e vai da companhia o bodo

Compartilhar para atear calor.


Se companhia é de encontrar difícil

A si pergunta: tive medo acaso

De aproximar-me de alguém, foi um míssil


Que em vez de afecto disparei no caso?

A solidão usa por própria estrela

Mas não é nunca usado então por ela.



Impossível


O iluminado que é impossível sabe

Relaxamento por perene estado.

Do arqueiro aprende que o além visado

Quer arco tenso, infringir tal nem cabe


Com as estrelas, que explosão é o dado

Que alcança o brilho que num Sol acabe.

Mesmo o cavalo, quando o mundo o gabe,

Contraiu músculos, se houver saltado.


Relaxamento por inteiro nunca

Pode esta vida propiciar a alguém,

Antes o chão do esforço a marca junca.


Mas não confunde isto que é lei, porém,

Este tensor ao saltar sobre o vão,

Com nervosismo duma má tensão.




Balança


Misericórdia e rigor são balança

Equilibrada de quem for atento.

Vontade firme quer do sonho o alento,

Poder de entrega ao fim que o fim alcança.


Há metas, pois, mas o caminho lento

Não será sempre o que no sonho cansa,

A disciplina à compaixão se entrança,

Que Deus jamais larga do filho o intento.


Dele os desígnios insondáveis são,

Constrói a estrada com os nossos passos,

Entusiasma-nos da entrega o chão


E a disciplina entalha em volta os traços.

Os movimentos importantes sina

São do que nunca comandou rotina.



Água


Às vezes água somos: flui abrindo

Por entre obstáculos caminho esperto,

Ser destruída era caminho certo

Se resistira às margens ao ir indo.


Às circunstâncias se adaptar convindo,

Sem reclamar, que o penhascal deserto

Traça o seu rumo, é o que fará, desperto,

Quem pretender um mundo armar mais lindo.


Não é quebrada nem ferida à faca

De água a corrente rumo ao fim, o mar.

Nascente frágil, qualquer nada a ataca,


Mas ganha força do que a si juntar.

Com afluentes, no correr final,

A força dela é dum poder total.



Conforto


Ao que é desperto tudo diz respeito,

Não vai sentar-se no conforto brando,

O que acontece mundo fora olhando,

Antes aceita o desafio, atreito


A transmudá-lo, de algum modo, a jeito.

Muitos criticam toda a escolha quando,

Seja a dos outros ou a sua, optando,

Vêem que o leque é por demais estreito.


O esclarecido o pensamento muda

Em acto logo. E quando é um erro, paga

Sem reclamar, o preço a quanto o iluda;

Se se desvia do caminho, apaga

De engano os trilhos ao tornar à via:

- Não se distrai enquanto a vida avia.



Qualidades


As qualidades há que ter da rocha:

Em terra plana, de harmonia envolta,

Mantém-se estável, não é pedra solta,

Todos constroem, lar a lar a tocha


Pode acender-se, a tempestade roxa

Desabar pode, não destrói em volta;

Mas na ladeira a inclinação revolta

Perde o equilíbrio, já o respeito afrouxa,


Desaba a pedra e ameaça a paz:

Qualquer algar devastador devém,

Mesmo a detê-lo ninguém é eficaz.


- Em simultâneo cuida à frente e atrás,

Aprende a agir no que o perfil contém,

Das circunstâncias o pendor refaz.



Inteligente


O inteligente que demais confia

Na inteligência acabará o poder

Subestimando do adversário um dia.

Não ignorar precisará quenquer


Que a força bruta eficaz pode ser

Mais que a estratégia alguma vez podia:

Vai os toureiros a seguir colher

Toiro em tourada que decifra o guia.


Quando acontece, findou todo oencanto,

Troca argumentos por final tragédia.

Nunca relegues uma força ao canto:


Se for violenta, de recursos nédia,

Retira então, não é por ora a via,

Que o inimigo esgote a mais-valia.



Forte


O atento sabe do inimigo forte:

Se o enfrentara, verá que é desfeito;

Provocações são de armadilha o jeito...

É diplomata, a não perder o norte,





Supera assim da conjuntura o efeito.

Se o inimigo é de infantil recorte,

Faz ele o mesmo; se a lutar reporte,

Desentendido imita ter o peito.


É de covarde que acham muitos isto,

Porém, o esperto o comentário esquece:

Perante um gato que é um pardal mal visto?


Antes paciência lhe jamais falece:

Logo o inimigo há-de partir cansado

A ocasionar que se lhe esgote o fado.



Indiferença


A indiferença ante a injustiça não

É do desperto própria, vê que tudo

É uma só coisa, uma isolada acção

Afecta todos no planeta mudo.


Quando vê doutrem a cruel lesão,

Usa o poder, ordem repõe a miúdo.

Embora lute contra uma opressão,

Já o opressor não julgará, contudo:


Perante Deus responde cada qual.

Tarefa finda, não emite mais

Um comentário, não é o seu fanal.


Anda no mundo, mas seus trilhos reais

São os da ajuda dos irmãos que tem,

Não os que tentam lapidar alguém.



Acovarda


Não se acovarda o iluminado nunca.

A fuga pode excelente arte ser

Duma defesa, mas jamais quenquer

A pode usar se o medo o chão lhe junca.


Antes, na dúvida, a derrota trunca

Qualquer caminho, para após haver

Cura às feridas que, se fuga houver,

Mais o agressor vai ter a garra adunca,


Maior poder do que ele enfim merece.

Nalgum momento doloroso então,

Quanto é difícil o guerreiro esquece,


Vai encarar a desvantagem são.

A persistência é o que requer a viagem,

Há-de enfrentá-la com de herói coragem.




Pressa


O iluminado nunca mostra pressa,

Trabalha o tempo a seu favor, constante.

A impaciência dominou, instante,

Evita o gesto que impensado teça.


É devagar que firme os passos meça.

Sabe que actua num sector gritante

Da história humana e que, ao mudar-se, o implante

Dum novo mundo a antecipar começa.


Revolução requer que o tempo dure,

Como um fermento, a se instalar deveras.

Se feita à pressa, pão que nunca apure,


Abolorece, perdas só colheras:

O esclarecido nunca colhe o fruto

Enquanto verde, que era um mau conduto.



Simultâneo


O esclarecido paciência quer

E rapidez em simultâneo prazo,

Que erros maiores na estratégia acaso

São o de agir antes de a hora ser


E o de deixar a ocasião morrer,

Perdida ao longe. Ao evitar o caso,

Urge tratar o acto a que dermos azo

Já sem receitas, opiniões quaisquer.


O hábil segredo, ao ajustar caminho,

É não meter-se sem estudo sério

Da retirada, se falhar o ninho,


E nunca entrar em sonho algum sidéreo

Com a vontade mal afeita a ser

Quem sair logo quer a bom correr.



Desanima


O esclarecido desanima às vezes,

Julga que nada despertar consegue

Uma emoção a que fatal se apegue.

Tardes e noites sustentou soezes


Já conquistadas posições, reveses

De recaída a evitar lá, se adregue

De acontecer. Mas que de novo agregue

Nada lhe ocorre e o fogo apaga aos meses.


Talvez, comentam, seja o fim da luta.

Confusão, dor, é o que ele sente, ouvindo,

Pois não chegou a colher ainda a fruta.

Mas, persistente, agarra o sonho lindo

E, de repente, quando nada o exorta,

Abre-se então à frente nova porta.



Coração


O iluminado o coração mantém

Limpo dos ódios, o adversário ama.

Mas perdoar, porém, jamais reclama

Aceitar tudo, tal e qual lhe advém.


Ele não pode se abaixar refém,

Senão de vista perde quanto aclama,

Os horizontes que a sonhar proclama.

Os adversários quer que o testem bem,


Capacidade, persistência, enfim,

Toda a bravura em decisões que tome:

São quem o obriga a combater assim.


Esta experiência do confronto a fome

De ir mais além é o que afinal traduz

E fortalece quem buscar a luz.



Lembrará


O esclarecido lembrará o passado,

O itinerário do interior do homem,

As buscas vê como o melhor consomem

De história escrita que é de céus traslado.


Mas o pior também lhe aqui é dado,

Obscurantismo, sacrifícios somem

Massacres vis em que os ideais se tomem

Por mascarar um inconfesso fado.


Como saber se este caminho é sério?

Muitos a busca abandonar irão,

Pois à pergunta respondeu mistério.


Já duvidar o esclarecido não

Vai, que infalível sabe a lei das leis:

- É pelos frutos que o que é bom vereis.



Intuição


O esclarecido a intuição respeita,

Quando anda agindo não tem tempo algum

De olhar o adverso, não pensou nenhum

Golpe, é o instinto que usa, a fada eleita.





De paz em tempo, os sinais lê que ajeita

A mão de Deus. “Senso perdeu comum” -

- Dirão os mais. - “De juízo é jejum,

Como confia na razão desfeita?!”


Mas ele sabe como escreve Deus,

Que intuição das profundezas vem,

Que as marcas dela sempre as cobrem véus,


É o alfabeto que mais luz retém.

Escuta o vento então que lhe infla as velas,

Fala convicto ao cintilar de estrelas.



Fogueira


Com companheiros da fogueira à roda

Compartilhamos aventuras, casos,

Mesmo os estranhos são bem-vindos vasos

De néctar cheios a alegrar a boda.


Com entusiasmo todo o trilho é coda

De canto e poema, desafios, prazos

E as soluções advêm sem atrasos,

Tudo é paixão e romantismo em moda.


Vêm exageros, pintam sangue vivo,

Gestos heróicos são de semi-deuses,

Nossos maiores retomando às vezes.


Mas com vaidade o gosto não arquivo,

Que os distinguimos sem os pôr a par

E ao exagero ao fim não há lugar.



Tudo


Tudo entender é o que precisa alguém

Antes que tome decisões a sério,

Que de mudar requer ter sempre o império.

Mas desconfia o luminar, porém,


Porque ele é livre e o compromisso além

Nada o impede e o mais que ignora fere-o

Sem lhe tolher nem o sonhar sidéreo

Nem a pegada que seu trilho tem.


Decisões toma, compromete o sonho,

No seu caminho que é de livre escolha

Acorda a horas de negror medonho,


Fala com gente que, invernosa, molha.

Porém, é livre ao pisar neste chão,

Que forno aberto não cozinha pão.




Actividade


Na actividade há-de importar-nos ver

O que esperar e de alcançá-lo os meios,

Para a tarefa o que irão ser esteios

De que dispomos na destreza a haver.


Renúncia aos frutos vai poder dizer

Só quem se equipa assim e sem rodeios

Não tem desejo de nenhuns recheios

Do que conquista, só o combate quer.


Renunciar vai poder sempre ao fruto.

Mas não indica indiferença ao fito,

Que o fito visa um final bom e enxuto.


E não se deixa confundir, precito,

Dos incapazes de chegar ao termo:

Renúncia pregam só de murchos no ermo.



Atenção


O esclarecido atenção presta em norma

A todo o nada que perturba tudo.

Qualquer espinho, mesmo o mais miúdo,

Faz manquejar qualquer atleta em forma.


De nada a célula, se não acudo,

De cancro mata e o mais viril deforma.

De medo o instante que o passado informa

Cada manhã me vê covarde e mudo.


O fatal golpe do inimigo aguarda

Por um segundo distraído e mata.

Quem for atento, embora o fogo lhe arda,


Prefere o duro em si que o não empata

A uma brandura que ao fim rasgue horrores,

Já que os diabos dela são senhores.




Nem sempre a fé teremos todo o dia,

Não creio, às vezes, rigoroso, em nada.

Esforço tal vai valer tal jornada?

O coração, a se calar, nem pia,


É decidir a sós, a voz calada.

Jesus à morte tal e qual se via,

De plenitude condição seria

Nossa pegada recobrir achada.


Afasta o cálice!” - pediu Jesus,

Coragem, ânimo a perder na dor,

Mas não parou, antes quebrou tabus.

Continuamos sem a fé supor,

Seguindo adiante sem jamais parar

E acaba a fé por, no final, voltar.



Ilha


Ilha ninguém, por mais minúsculo, é,

Lutar sozinho ninguém pode, pois,

Seja qual for o plano, ao menos dois

Envolve e pende, para ter-se em pé.


Discutir urge mais pedir com fé

Qualquer ajuda e descansar depois

Requer alguém a quem contar os sóis,

À mesa assentes a tomar café.


Camaradagem, todavia, não

É insegurança. Transparente é o acto,

Porém os planos mui secretos são.


Com companheiros danço e canto ao pacto

Mas a ninguém transferirei jamais

Ser responsável de ir por mim ao cais.



Intervalos


Nos intervalos descansar devemos,

Passar uns dias sem fazermos nada,

Se o coração, após qualquer jornada,

O pretender. Porém, o alerta temos


Da intuição sempre, que a preguiça à entrada

Onde conduz já eterna nós sabemos,

À mornidão em que uma tarde andemos

E o que se passa? Não se passa nada!


De cemitério será paz bem tépida

Que Deus vomita pela boca fora,

Por trás não tem qualquer passada lépida.


Nós descansamos, rimos, é por ora,

Pois cá de vista ninguém perde o intento

E cada qual estará sempre atento.



Medo


O mundo tem medo de todo o mundo,

Anda agressivo ou é um submisso escravo,

Duas posturas, ferradura e cravo,

Igual problema, em vez de ser fecundo.





Ora, se estou perante quem, no fundo,

Temor inspira, lembro: não é um bravo,

Inseguranças tem que em mim escavo,

Ergueu mil muros em que eu não abundo.


Na situação já sei lidar melhor,

Sou dele espelho e ele é o meu, fiel,

Então meu medo vai ser meu motor,


Jamais um freio que me rasgue a pele.

Meu adversário é uma lição cimeira,

Aprendo e actuo por igual craveira.



Impossível


Um impossível amor não existe,

Não intimida nem silêncio mudo,

Da indiferença ou rejeição o escudo,

Que atrás do gelo com que alguém resiste


Um coração em fogo a arder persiste.

Por isso o atento arrisca mais que tudo,

Busca incessante o amor que além desnudo.

Mesmo que implique ouvir um não que insiste,


Voltar a casa derrotado e triste,

Ser rejeitado em corpo e alma inteiro.

Ninguém se assusta ao buscar quanto aliste,


Quanto precisa para o seu viveiro

Que mantém fresco quanto em vida agrada,

Pois, sem amor, ele não era nada.



Silêncio


Olha o silêncio que antecede a luta,

Propor parece: tudo está parado,

O melhor, pois, é a luta pôr de lado

E divertir-nos, já que se isto escuta.


Sem experiência, muitos tal conduta

Adoptam, queixam-se de tédio grado.

O atento atende a tal silêncio opado,

Algum lugar quer atenção arguta.


Um terramoto chega sem aviso,

Durante a noite sempre a selva cala,

Perigo perto cala ao gato o guizo.


Os mais conversam, ele faz escala

A se adestrar, visando além da ponte,

A ver ao longe o que é que lá desponte.




Luz


O esclarecido na luz crê sem peias,

Creu em milagres e acontecem logo,

Seu pensamento ateia à vida o fogo

E tudo muda sem medidas meias,


Encontra amor porque se lhe abre às teias...

Porém, às vezes, decepções a rogo

Cruas magoam no maior afogo:

Como ele é ingénuo!” - lhe dirão plateias.


Mas ele sabe que valeu o preço,

Cada derrota valeu mais conquistas,

Fé restitui sempre com largo excesso.


Porém, nem todos correr vão tais pistas

E nem entendem que bens lá nos cabem,

Os que acreditam é que disto sabem.



Cortejaste


Seguir a luz aprende que é o melhor.

Já cortejaste as trevas, já mentiste,

Já do caminho desviaste um ror

E já traíste. E para além seguiste,


Tal se não fora nada, nada a opor.

Porém, o abismo, de repente, em riste

Projecta a fenda e, após mil passos, pôr

Um mais além, finda com quanto existe.


Paraste e ouviste que és sempre um errado,

Velho demais para mudar, és mau,

Nada mereces...Mas o céu perdoado


Sempre te tem e vais passando a vau

A cachoeira, a culpa a ter-te à mão.

Ora, se és vero, aceita tal perdão.



Militante


Um militante melhorar pretende:

Traz cada gesto de eras grão saber,

Meditação e todo o treino a haver.

A habilidade e a força toda rende,


De quem outrora se empenhou em ser,

Nos actos de hoje, cuja força tende

A dar a bênção ao que o lume acende

E o gesto deste honra um maior qualquer.


Cada atitude as gerações de outrora

Retoma em si, dá cumprimento ao voto

Que transmitir tentaram nessa hora

E que nos vem por tradição, remoto.

O militante desenvolve em pêlo

O corcel da luta vigoroso e belo.



Fidedigno


É fidedigno o que é desperto a sério,

Erros alguns vai cometer às vezes,

Às vezes crê-se mais que os mais corteses,

Porém não mente, ao vislumbrar mistério.


Quando reúne o fogaréu sidéreo,

Fala, com pares, de ganhões, malteses,

Sabe que os termos ficam dias, meses

Da universal memória sob o império.


Capaz não sou, por que converso tanto?”

Quando defendes tua ideia, tens

De te esforçar por lhe viver do encanto.


É porque pensas que és tal qual seus bens,

Dizendo então tudo o que então se diz,

Que te transformas no que a fala quis.



Interrompido


Sabe o instruído que, de vez em quando,

Interrompido vai ser seu confronto.

E não importa querer tudo pronto,

É ter paciência, as forças já guardando


Para um vindoiro embate e um novo conto.

Silente escuta o coração pulsando,

Vê que está tenso, o medo no comando.

Então à vida faz balanço, o ponto


Ao coração, à fé, ao gesto fino,

Se lhe incendeiam alma, corpo e gesto:

Manutenção traça ao agir destino.


É que há sempre algo em falta, algum apresto,

E, quando o tempo se detém, aprende

A se equipar melhor enquanto rende.



Disputando


À mão e ao gesto disputando vão

Anjo e demónio cá por dentro em mim.

Vais fraquejar, não vês a hora, ao fim,

Estás com medo” - repisar irão,





O que é surpresa, por igual dirão

Ambos o mesmo: que os distingue assim?

Vou ajudar-te!” - deles é o clarim,

Com toque idêntico no mesmo chão.


Só muito a custo a diferença aflora,

Só estando atento distingui-los vou:

Termos iguais, mas a aliança agora


Com aliado diferente arcou.

Ao anjo meu quero estender a mão,

Escolho arguto onde mais brilha o chão.



Usa


O iluminado, quando à luta vai,

Usa das armas cujo poder tem.

Abre caminho, ajuda presta a alguém,

Perigo afasta, mas um dom se esvai


Se for exposto sem razão também,

Por isso é que ele a ameaçar não cai,

Defende, ataca ou foge e o não distrai

Falar dum acto em vez de agi-lo bem.


Atento está, perene, aos gestos dele,

Que eles atendem ao que deles faz

E o já condenam se ele os não impele.


Capacidades que qualquer um traz

Não são de enfiar-se a se esconder na toca

Nem de gastar em gritos só de boca.



Convidá-lo


O mal às vezes o espertar persegue.

Então, tranquilo, é convidá-lo a entrar:

Queres ferir-me ou ferir, ao calhar,

Outro qualquer?” - eis a questão que segue.


O mal não ouve ou finge, a ver se eu cegue,

Conhece as trevas em meu imo a andar,

Toca feridas, diz que quer vingar,

Lembra armadilhas, dons letais que agregue...


Mantenha a escuta. Se se o mal distrai,

Retome o tema, o pormenor em causa.

Muito há quem logo, ao fim, se embora vai.


Tanto o mal fala no estertor sem pausa

Que do vazio tomba deste estilo,

Já não tem forças para mais segui-lo.




Falso


O militante um passo em falso deu

E, sem querer, já mergulhou no abismo.

Com solidão e com fantasmas cismo,

No confronto isto não cuidei de meu.


No escuro envolto, grito: “mestre, crismo

De funda e escura a fenda que se abriu.”

Lembra-te disto,” - o mestre diz do breu -

Não é o mergulho em buracão de sismo


Que afoga alguém mas não tirar-se fora,

Permanecer debaixo de água aflito.”

E, de repente, sem qualquer demora,


As forças uso, o coração contrito,

Como quenquer que se enganou de montra

Para sair do beco em que se encontra.



Criança


Tal a criança o luminar se porta,

Ficam chocadas as pessoas todas.

Breve esqueceram que as crianças codas

Querem cantar, que divertir-se importa,


Como brincar, irreverente e torta

Ser cada uma, perguntar sem modas,

Ser imatura, ser tolinha em rodas

Com tais tolices que ela as nem suporta...


Horrorizadas vão gritar então:

Isto é o caminho?! Um imaturo eterno?!...”

Ele se orgulha ao comentário vão,


Com Deus mantém dele o contacto terno,

Com inocência, de alegria cheio,

Tem sempre em mira da missão o enleio.



Responsável


O responsável foi capaz de olhar,

De observação, de treino, e foi capaz

De irresponsável ser também assaz,

Que se deixou da situação levar.


Não respondeu nem reagiu a par.

Mas aprendeu as lições logo atrás,

Uma atitude tomou, ouve em paz,

Com humildade ajuda vai rogar.


O responsável não coloca aos ombros

O mundo inteiro pesadão e podre,

Para evitar-lhe mais alguns escombros.

Antes é aquele que olha em cada odre

Um desafio e aprendeu confiante

Sempre a lidar com isto, instante a instante.



Campos


Nem sempre os campos escolher podemos,

Às vezes sou de supetão colhido

Dentre um confronto que não hei querido.

E não adianta fugir, pois nos vemos


Dele seguidos, maldição dos demos.

Ante o conflito, o outro lado ouvido

Há-de ser sempre no porquê devido,

A convencê-lo: de lutar não temos.


Por quê lutar, por quê sair da aldeia?

Sem covardia ou medo, faz questão

De mostrar como tal é perda meia.


Porque escutara nele o que é razão,

Só lutará se se esgotar o aviso,

Só lutará mesmo quando é preciso.



Cimeiras


As decisões cimeiras dão pavor.

Grande demais tal para ti será” -


Após a angústia, restará o calor

Do lar, da tribo, dum recanto lá

Onde medite. E vê o futuro cá,

Se o prejudica ou não por onde for.


Não quer causar nem sofrimento aqui

Nem abandono do caminho certo.

Depois, então, a decisão sorri,


Se for um sim, coragem: trilho aberto;

Se for um não, sem covardia em si,

Há que dizê-lo atento e bem desperto.



Assume


O esclarecido assume a própria história,

Dirão alguns: “é uma admirável fé!”

Fica orgulhoso num momento, até

Que se envergonha da falível glória,





Pois fé não tem, pelo que aqui se vê.

Do íntimo um anjo murmurou: “vitória,

És o instrumento da luz, não a escória!

Vangloriar-te, não; culpar-te, que é?...


Motivo apenas de alegrar-te tens.”

Então, consciente de instrumento ser,

Um bem descobre que é mais que outros bens:


Aprende a entrega sem querer saber,

Fica tranquilo, mesmo num apuro,

Sente-se agora por fim bem seguro.



Findou


Findou a guerra mas ganhou-se a morte:

Foi o extermínio, foi tortura, acaso,

Foi fechar olhos, cada vida a prazo...

Desgraças doutrem, ora, foi da sorte!...”


Não, que hoje existem os bebés sem norte,

Os civis mortos, do inocente o caso

Preso à cadeia, o velho a sós e raso,

O ébrio no chão, no poder louco porte...


Terá razão e não terá também,

Que aflora ao lado a militante luz

Que o mundo vira e uma inversão traduz.


A dizer “não!” há-de haver sempre alguém

Que acorda noutrem da alegria o gosto

E vão pisar do vinho novo o mosto.



Cabrito


O bom cabrito é o que não berra nunca,

Que as injustiças acontecem, todos

Somos levados pela vida a rodos

A conjunturas cuja garra adunca


Não tem defesa e a derrota junca

O itinerário de quem não tem modos.

Fica em silêncio, termos não são bodos,

Nada farão nem te alimentam nunca.


Tem paciência ao resistir, que Alguém

Vê dor injusta e não aceita tal,

Vai-te dar tempo e, tarde ou cedo, vem


Em teu favor tudo propor-te igual.

Sábio sê, pois, vela por tuas frotas

E não comentes tuas mil derrotas.




Durar


O militante durar deve muito,

Por muito breve que lhe dure o apresto.

Não se enganou com o poder do gesto,

Surpresa evita, qualquer vau fortuito,


A cada coisa o valor certo e o resto.

Perante o grave, o demo diz: “gratuito

E nada sério é o que é disto o intuito.”

E ante o banal: “nada de ser modesto,


Aplica tudo a situação tão grave.”

Quem anda atento não escuta o demo,

É sempre escura a tumba onde ele cave.


Não me demito, mesmo quando temo

Algum engano, inatendido impacto,

Antes sou mestre de meu próprio acto.



Vigilante


O esclarecido vigilante está

Perenemente, nunca pede aos mais

A permissão de usar dos céus bornais,

Toma-os nas mãos donde estiverem lá.


Os gestos seus não explicou jamais,

Fiel ao imo, ao que lhe Deus fará,

Pelo que faz responde e mais não há.

Vê para o lado os seus amigos reais,


Para trás olha que adversários vêm.

Será implacável com traidores que haja,

Mas não se vinga, que é perder também.


Os inimigos contra quem reaja

Afasta apenas, sem lutar até,

Que ele não tenta parecer, ele é.



Anda


Não anda o atento com quem lhe quer mal,

Mesmo com quem só consolá-lo quer,

Evita quem só se derrota houver

Lhe fica ao lado. Este a fraqueza real


Tenta sugar: doutro é má nova ter,

A confiança destruir final

Tentará dele, no falaz fanal

De solidário. De ferido o ver,


Mui lacrimeja, no final contente

Porque um confronto ele de vez perdeu,

Sem ver que isto é de quem lutar vertente.

Vero parceiro é o que a lutar se deu,

Quem, lado a lado e a qualquer momento,

Difícil, fácil, compartilha o intento.



Início


Eu tenho um sonho” - o luminar afirma

Logo no início do confronto a haver.

Anos após, alcançar quanto quer

Vê que é viável e a certeza o firma.


Mas fica triste, que infeliz quenquer

Nota em redor, a solidão confirma,

As frustrações, da humanidade firma,

Não crê no mérito de o prémio ter.


Porém seu anjo lhe murmura então:

Entrega tudo ao Universo, a Deus!”

Ele ajoelha a ofertar do chão


Suas conquistas ao gradil dos céus.

A entrega obriga a não fazer perguntas

E vence a culpa que entretanto juntas.



Mãos


O esclarecido tem nas mãos o apresto,

Ele decide o que é que dele faz

Ou não, conforme do que for capaz.

A vida às vezes disto faz o arresto,


Força a largar o que se amou atrás.

Urge pensar como operar, de resto:

Será egoísmo ou é que a Deus requesto?

Se separar é o que o caminho traz,


Sem reclamar, logo ele o aceita, calmo.

Mas, se maldade for de alheia fonte,

Ele é implacável então, palmo a palmo.


Tanto tem golpe como tem perdão.

Sabe fazer entre ambos sempre a ponte,

Vai usar ambos, hábil, sempre à mão.



Liberdade


Da liberdade na armadilha não

Cai quem é atento. Se oprimido é o povo,

A liberdade é clara, quer renovo,

Aí lutar é dar mais vida então,





Que a liberdade jamais é grilhão.

Dum tolo escuta: “minha vida inovo,

De trabalhar se deixo.” E após de novo:

Mas que rotina é a vida sem acção!”


A liberdade é de sentido ausência,

Quando ser livre for perder o fio

Da meada aos dias, sem mais forma, essência.


Ora, o atento compromete o ousio,

Do sonho escravo, com quem ata os laços,

Mas livre é sempre nos seus próprios passos.



Repete


A mesma luta não repete o atento,

Principalmente se em impasse cai.

Se não progride, assento toma e vai

Com o inimigo dar a trégua ao vento.


Já praticaram, de entender-se o intento

É um gesto digno que mais perda esvai,

É um equilíbrio, pois a muda cai

Numa estratégia de inovado aumento.


Colhida a paz, será o retorno ao lar,

Ninguém precisa de aprovar ninguém,

O bom combate combateu-se a par,


A fé manteve-se caminho além.

Cada qual cede, negoceia aparte,

E a superar-se aprende ali com arte.



Energia


Vem-lhe a energia do inimigo oculto

Ao luminar a quem perguntam donde.

De alguém que não” - logo ele então responde -

- “Que não podemos ferir, sempre inulto.”


Ora é o menino, no infantil sepulto,

Que o derrotou, que em velha briga esconde;

Ora é a menina namorada donde

O abandonou, a que hoje presta culto;


Ou professor que lhe chamava burro...

Não é vingança, este inimigo é findo,

Prato servido a que só resta o esturro.


Quer melhorar, pois que um eu novo advindo

Supera nele aquilo de que foge,

Muda a dor de ontem numa força de hoje.




Segunda


Segunda vez a vida sempre oferta,

Ninguém nasceu já destro e com critério.

Erramos muito antes de ver sidéreo

O nosso sonho com a porta aberta,


Ninguém sentar-se na fogueira certa

Irá poder da fraude sob o império:

Agi correcto!” Tocar tal saltério,

De mentiroso, nem a si desperta.


Todos cometem no infeliz passado

Muita injustiça mas, jornada além,

Compreendemos que quem foi magoado


Cruza connosco no porvir que advém.

Quem for desperto perder não vai tal,

A ocasião é de corrigir o mal.



Conversar


A conversar ao reunir-se aos mais,

Dos mais não julga as atitudes vistas,

Que as trevas usam invisíveis pistas,

Rede a espalhar delas o mal demais.


A rede agarra a informação que dais

Já solta no ar e logo a muda em listas

De intriga, inveja que por fim registas

Em alma humana de servis panais.


Tudo o que é dito referente a alguém

Chega ao ouvido do inimigo a postos

Com peçonhenta carga então que tem.


Fala o prudente do irmão sobre os rostos

Imaginando que ele está presente

E que o escuta a ver que o mais contente.



Prepara


Prepara o espírito aqui tua via

Com paciência e com justiça a ter.

Caminho fácil a igualar qualquer,

Também difícil, a obrigar um dia


A pôr de lado o inútil que eu queria,

As amizades de ocasião que houver.

A hesitação que há de o seguir quenquer

Aqui radica, ao empunhar o guia.


Apaga às linhas, no caderno escritas,

Insegurança, inquietação, mentira.

Escreve em troca o que hás-de ter: coragem.

Tua jornada, ao começar, debitas

Com tal conceito e o que te a fé refira,

- E então ao termo chegarás na viagem.



Predisposto


Quando o confronto se aproxima, o atento

É predisposto à conjuntura advinda.

A si pergunta: se é comigo ainda

De lutar fora, por que lado o tento?


Aí descubro os fracos meus que invento.

O tentador traz-me a promessa linda,

Negociações, tratados, luz provinda

De tentações de me cair o mento.


Procuro o acordo, em dignidade experta,

Cada proposta é analisada a frio.

Se evito a luta, a sedução desperta


Não me comove, é que é o melhor pousio,

Pois nunca aceito, em terra firme assente,

Dum inimigo, nunca, algum presente.