O
AMOR DOS
CAMINHOS
BARTOLOMEU VALENTE
Lisboa,
2014-12-13
TRILHOS DO AMOR
Embora
Embora a vida de quem ama fique
Exactamente igual, tão fundamente
O amor lhe muda quanto em si despique
Que, embora o mesmo, o mesmo é diferente.
Falta
Apesar de ter tanta, tanta coisa,
Sinto em mim falta do que falta pôr
Como repoiso enfim que nos repoisa
E mais vale na vida - e é o amor.
Toda
Toda a fama do mundo pode advir,
Todo o talento e o dinheiro todo,
Toda a apreciação prenhe em porvir,
- E amor nunca sentir: perdi meu bodo!
Mais
Não é o mais poderoso o mais feliz,
Nem dinheiro ou poder são contador
Em que a felicidade dê raiz:
- Mede a felicidade só o amor.
Feitos
Não foram feitos, não, para pensar
Os homens: para amar, sim, foram feitos.
E quem for animal não logra amar
Mesmo que seja humano nos trejeitos.
Final
Restas tu, no final, e o que acontece.
Tu e o que te acontece que, afinal,
Sempre és tu que aconteces, na quermesse
Do amor compartilhado universal.
Iludo
Há sempre a conjuntura em que me iludo
E pára o tempo ali numa demora:
Sempre amar é sentir que está ali tudo
Por mais coisas que faltem vida fora.
Nitidamente
Amar é perceber nitidamente
Que sempre de lá o lado é que será
Outro ângulo afinal aqui presente
Do que foi sempre o meu lado de cá.
Tamanho
Da beleza a matéria quem recolha
Não recolhe acolá matéria a par:
Cada beleza tem de quem a olha
O tamanho do amor daquele olhar.
Abraço
O abraço abraça apenas se o calor
Me estremecer inteiro com tonturas.
O abraço tem um fecho interior
E todo o abraço aperta nas costuras.
Beijo
Quem ama beija um beijo e põe no lábio
Pernas, braços, pulmões, olhos e sexo:
Só o amor a proeza logra sábio
De tudo num só gesto pôr conexo.
Amo-te
Amo-te: sei,
Da fundura deste algar
Que nem irei
De teu corpo precisar.
Olhos
De carne são um bocado
Os lábios quando te vi.
Os olhos, por outro lado,
São um bocado de ti.
Declaras
Declaras o amor.
Às duas por três,
É deste teor:
- Perdi-me de vez!
Sei
Quando sei o que é o amor,
Quero lá saber de mais!
Nem há mais definidor
Que saber saberes tais.
Diferente
Um abraço é diferente
Quando, em lugar de apertado,
For antes um apartado:
Dentro há lonjura entre a gente.
Terrorista
Mesmo estando aqui por nós,
É o amor o terrorista
Sempre a nosso lado após
E de todo o lado em lista.
Rende
Ninguém o entende
Mas eu entendo-o:
É quanto rende
O amor, havendo-o.
Prostituta
Ser a mera prostituta
Para aquele a quem amamos,
Das provações em disputa
É a pior em quaisquer ramos.
Pecado
Eu amei-te sem pecado,
Que só assim o amor existe:
Além do legalizado,
Do permitido que aliste.
Centrado
Sempre o amor é amor centrado,
Sem admitir mais pendor.
Se é ligeiramente ao lado,
É ligeiramente amor.
Salva
Se não te salva de tudo,
Se não te salva da dor,
Por mais que, a salvar, agudo,
Não é deveras amor.
Abrir
Amar é a capacidade
De abrir portas no entremez
(Qualquer que seja, em verdade)
Sempre da primeira vez.
Aborrece
Quando um amor te aborrece,
Sabes lá o que é o amor!
Se não for vital, esquece,
Que amor não é teu fervor.
Fecundo
É amor quando, mui
fecundo,
Um novo mundo atordoa:
É que anda entre mim e o mundo
O filtro duma pessoa.
Oficialmente
Quando amamos, de repente,
E quase sem reparar,
Somos do outro oficialmente
E desde o primeiro olhar.
Apaixonado
Andas mesmo apaixonado
Quando até teu corpo tem
Discernimento apurado
Mais que o que tens dum além.
Eixo
Numa reciprocidade
Em que tudo arde em calor,
O eixo da felicidade
É dar e acolher amor.
Balança
A balança tem horror
Se há dois pesos mal medidos:
É dar e aceitar amor
Uma rua, dois sentidos.
Íngreme
Torna um amigo comigo
Menos íngreme a colina:
Serena a busca de abrigo,
Mata a ansiedade mais fina.
Protecção
Quando o amor em nós viceja,
É de o termos sempre à mão.
Não ames nunca o que esteja
Além desta protecção.
Perfeito
O amor só existe,
Ao amor atreito,
Quando alguém desiste
De se ver perfeito.
Exiguidade
Ao amor medimo-lo em exiguidade:
Quão menor o espaço que os corpos separa
Tão maior do lume a luminosidade
Que dentro de nós a noite inteira aclara.
Ódio
O ódio, por mais gostoso,
Não dará nunca calor.
Não há ódio perigoso
Mais que o que já foi amor.
Padece
O amor tece uma tal trama
Que a derrota é uma vitória:
Quem padece por quem ama
A cruz dele é dele a glória.
Normas
Governa-se a humanidade
Com normas deste teor:
- Quem perde o fio à verdade
É quem granjeia o amor.
Merecimento
O maior merecimento
Para ser amado é amar
E de amar prova o momento
Em que a verdade falar.
Entregar
Entregar o coração
É amar, embora em sigilo.
Não falar verdade, então,
Mentir, é sempre encobri-lo.
Dor
Muito temos, com amor
E quão mais amor lhe temos
Mais de dor nos doeremos,
Que o não perdemos sem dor.
Motivo
Sempre o motivo de amar
Há-de ser o próprio bem.
De aborrecer, em lugar,
É o doutrem que se não tem.
Bem
Bem quando me não quer bem
Qualquer inimigo meu
Quem foi que tal bem me deu?
- Foi o amor que Deus me tem.
Corte
A corte de amor atina,
A corte de poder junta.
Esta acolá desafina
Tudo quanto aquela assunta.
Dívidas
Seja a morte ou a espelunca,
Não há como se pagarem?
- Dívidas não as há nunca
Entre aqueles que se amarem.
Semente
Por mais tempo que passemos
Com alguém, suficiente
Jamais é? – Concluiremos:
O amor é eterna semente.
Premissa
É o amor sempre a premissa
Que o melhor implica ao termo:
Antes deixar de ir à missa
Que de assistir a um enfermo.
Requer
Nunca o amor são palavras
Que não dão mesa nem sobras,
Requer o amor outras lavras,
O que lavra amor são obras.
Chegado
Entre um par que é mui
chegado
Quando se cortar a linha,
Logo as pontas, lado a lado,
Murcham, que aquilo as definha.
Nega
Nega o amor o comum senso
Em auto-preservação
Num discernir tão intenso
Que penso discerne em vão.
Laço
Tens-me a mim, tenho-te a ti
Num laço a devir eterno.
Não é o céu, que nunca o vi,
Mas faz tremer todo o inferno.
Morte
Se só de meu par a morte
É a morte de me matar,
Porquê maldizer da sorte?
É o amor de par em par.
Ambulância
Todo o amor vai de ambulância,
Tal se a morrer ao sol-pôr.
Se não grita àquela instância,
Então não será o amor.