TRILHOS  BATIDOS

 

 

Contribuir

 

Se percorreste a vida sem contribuir

Para a morte de algo em alguém,

Então parco é teu porvir,

Nunca estiveste vivo também.

 

Viver é, volta e meia,

Contribuir para a vida e morte

De quem nos rodeia,

Quer limite, quer conforte.

 

Ao entrar na vida de alguém

Ora o ajudas a viver,

Ora a morrer também

 

Por dentro da vida que tiver.

És o bisturi do cirurgião

Cortando entre o sim e o não.

 

 

Demais

 

Os demais servem a manter-me alerta,

Manter-me atento a me manter ligado.

Se me desliga quem de mim é amado,

Digno não é do amor que em mim desperta.

 

O amor exige vigilância certa,

Em campo de batalha hirto o soldado,

Um corpo à espera dum ataque armado,

Bala perdida que canhestra acerta.

 

É imbatível o amor na quantidade

De que me livra das perdidas balas.

Sou atingido às vezes e o que invade

 

Nem o entendo, que amor não é nas talas

Da dor que me consome o sonho e a vida:

Se fere o amor, não é jamais ferida.

 

 

Grandes

 

Quantos grandes há no mundo

Sem saber ser o que são?

Depois do píncaro, o fundo

Reclama-os, tombam no chão.

 

Torna-se o rico avarento,

Não sabe usar da riqueza.

O sábio, com louco intento,

O saber além despreza.

 

O valente é temerário,

Não sabe usar o valor.

E quem manda, salafrário,

 

Sabe lá que é que anda a impor!

Tombam sem nenhum resquício

Logo após no precipício.

 

 

Pedir

 

Nada aos homens mais repugna

Que finalmente pedir.

Nem o lar modera a pugna,

Nem modera o amor ter de ir.

 

É que entregar é grandeza

E pedir é sujeição.

Quem entrega é que não preza,

Desprezada é a petição.

 

Entregar é abrir de mão,

Pedir, beijar mão alheia.

Doar é livrar-se então

 

Pedir é prender cadeia.

De pedir a oferecer

Dista de não ter a ser.

 

 

Prendas

 

Por mais que te dê prendas pelas festas,

Melhor é sempre a prenda que me dás,

Que prenda é cada dia sempre atrás

Do cuidado dos dias que me prestas.

 

Eram noite os meus dias, sem ter frestas

Por onde a tua luz fora capaz

De me entregar a prenda perspicaz

De tuas mãos limando-me as arestas.

 

Até que um dia entraste em minha vida

E do luar à madrugada erguida

Foi um nada em que eu antes nem creria.

 

Na escuridão da noite de meu cerro,

Inesperado o sol em mim descerro,

Contigo tudo luz, que tudo é dia.

 

 

Amor-perfeito

 

Ter um amor-perfeito, que alegria,

Com uma rosa ao peito do quintal

Por onde o alvor espreita, alvo fanal,

Enquanto estreito aos braços cada dia!

 

Ter um amor-perfeito, que magia,

Contigo, rosa ao peito do casal,

Onde alvorada estreito, ao teu sinal

De me abraçar com jeito e fantasia!

 

Amor-perfeito é flor que de veludo

Com a garrida cor nos pinta tudo

E murcha ao fim no pôr-do-sol da morte.

 

O amor-perfeito que és cresce infinito,

No jardim plantas pés a que te incito

E tu é que és o meu jardim da sorte.