TRILHOS DO DEVER
Resgatar
De resgatar a vida há uma maneira,
A de não esperar que alguém por nós
Nos venha resgatá-la da fogueira
Onde em cinzas lhe arder a frágil voz.
Desistência
Quando em teu gesto reviste a desistência
E dentro o lamentaste em mudos ais,
Cedo demais optaste pela ausência:
Desististe de ti cedo demais.
Perfeita
Com as obras te enfeita, congelada
Embora a inspiração a ti afeita:
Pouco importa uma obra ser perfeita,
Pois perfeita não é de obra acabada.
Ergue
Ergue os olhos e a mente em ti que estua,
Quando mais ao lameiro o pé te aferra:
É só pelos instantes em que és lua
Que viver vale a pena aqui na terra.
Imensamente
Querer imensamente sermos mais
Do que aquilo que somos é deixar
Com isto cada qual de ser capaz
De ser o pouco que é o seu limiar.
Pessoa
Sempre qualquer das pessoas
É uma pessoa qualquer:
Se te fechas às pessoas,
Fechas-te àquela que houver.
Grande
Grande problema do mundo
Que infecundo o irá deixar
É não ouvir tudo a fundo
Para após poder falar.
Grandes
Sonho de grandes parece
Que não é sonho nenhum:
Todo o grande se enobrece
Em ser apenas mais um.
Saída
Quando buscas a saída,
Crês que andará por aí?
Não é de alguém de fugida,
A saída mora em ti.
Burro
Todo o burro que é espertinho
É o maior na burridade
Dizimável que adivinho
Na história da humanidade.
Horizontes
Para alargar horizontes,
Mais que retirar antolhos
Para reconstruir pontes,
- É urgente fechar os olhos.
Medricas
Pelo céu ou pela terra,
O medricas, ao andar,
De tanto temer a guerra,
Anda sempre a rastejar.
Mudanças
Se há mudanças a fazer,
A mudança mais saudável,
Afinal contra o mutável,
É a de nos lograr manter.
Transpor
A melhor altura,
Ao transpor a fossa,
De rir com frescura
É sempre que possa.
Desgraça
Verás uma desgraça muito grande
E na desgraça tu serás feliz:
Busca a felicidade que te mande,
Procura-a na desgraça e desta ris.
Gostar
Rogo só por coisas boas
De noite a acender estrelas.
O que gostar das pessoas
Gosta da alegria delas.
Corrida
Corre o tempo tão depressa
Que esquecemos, na corrida,
De a rosa cheirar que esqueça
Cada minuto da vida.
Factos
O problema com os factos
Não é que de mais precise,
É que fazer, com que impactos,
Com os que tiver eu vise.
Contar
Seja daqueles com quem
Os demais podem contar:
É só feliz quem se atém
Aos mais como a si a par.
Próximas
Têm os que são felizes
Mais próximas relações:
Poucos amigos que vises
Mas em quem confiança pões.
Alie
Para dar à vida alento
E à dos mais respiração,
Trabalha por que o talento
Se alie com a paixão.
Corpo
No teu corpo sê feliz,
Ele é o único que tens.
Mais vale que, de raiz,
Gostes dele entre teus bens.
Negra
Mesmo na era mais negra
A felicidade induz
A cumprir sempre esta regra:
- Lembrar de ligar a luz.
Colibri
És, homem, um colibri
Com cor de tanto matiz!
Larga a pena que hás de ti
E serás então feliz.
Objectivos
A felicidade vem
De agirmos em direcção
Aos objectivos, também,
Definidos de antemão.
Sério
Leva o teu trabalho a sério
Mas a ti, contudo, não.
Em teu proveito, eis o império
Da melhor combinação.
Desolação
Em meio à desolação,
Olha o que evita o tropeço:
- Segue a tua inspiração;
Tudo vê que tem um preço.
Pesar-me
Não andes com muita coisa,
Que as coisas que em mim encaixo
Só servem (tudo em mim poisa)
A pesar-me para baixo.
Embota
O ócio embota o imo,
Tenta o encéfalo ocupá-lo.
Se não há cérebro, o arrimo
Compete às mãos o lavrá-lo.
Normalidade
A normalidade não
Mora no tempo de trás,
Mora nesta ocasião,
No que aqui eu for capaz.
Cela
Se o mundo não pode entrar,
Então não posso sair:
Na cela a me aprisionar,
Sou este estranho a me urdir.
Detesto
Detesto quem não quer saber,
Passa na vida distraído,
Despreocupado, a nada ver,
Não crendo em nada e sem sentido.
Escolhe
Escolhe qual teu alento,
Como a vida se te aparte:
Podes cavalgar o vento
Ou vê-lo antes a arrastar-te...
Escuro
Não quero passar a vida
Sem saber o que é que há,
Após do monte a subida,
No escuro lado de lá.
Talento
O talento só é grande
Se o artista o for bastante.
A grande alma que o comande
É que o que intenta garante.
Feito
O que deve ser bem feito
Não é feito então depois
Nem antes do tempo eleito,
Nele a tempo tu te impões.
Lavrador
Bem ensina o lavrador:
Espiga que é de cortar,
Que amadurou já o verdor,
Antes será de a abraçar.
Mandar
Ninguém pode só mandar
Se mandar como convém:
Deve sugerir, a par,
O carreiro de ir além.
Um
O que manda e o que sugere,
Sendo dois, deveras um
Devem ser enquanto impere,
No diverso, algo em comum.
Virtude
Mais estima o que é de idade
Do que o saber, a virtude,
Que ela é que um dia nos há-de
Fundir num quanto nos grude.
Tomado
Pouco importa ter tomado
Se aquilo que se tomou
Não for após conservado
Todo o tempo que durou.
Peso
Ninguém por pesado o peso
Tomará pesadamente
Se lho distribuem coeso
Por igual por toda a gente.
Tema
Tudo aquilo cuja traça
Em vós tema um inferior
É para vós ameaça,
A seguir, dum superior.
Rouba
O que rouba o mais pequeno
Findará, mande o que mande,
Finja o que fingir o aceno,
Finda roubado do grande.
Despende
Em que se despende a vida?
É num farrapo de pano
Com que estadear na avenida
Por que se matam todo o ano.
Farronca
Deus não quer o roncador:
Cuidado com a farronca,
Que a humilhação há-de impor
Àquele que muito ronca.
Arrogante
Todo o arrogante e soberbo
Anda a medir-se com Deus.
Quem por Deus se toma, acerbo
Finda em baixo dos pés seus.
Achegado
Achegado embora aos grandes,
Nunca vás tão apegado
Que te mates por onde andes
Nem deles morras ao lado.
Maiores
Aqueles que a natureza
Ou fortuna fez maiores
A fatalidade preza
Esmagá-los com mil dores.
Milagres
Para que a vida consagres
Muito tens donde escolher,
Que não faltam os milagres,
Faltam são olhos de os ver.
Boas
Por pedras e paus
Não dês, que não sobras:
Havendo olhos maus
Não há boas obras.
Comande
Quem comande teus pendões
Escolhe em quem mais te agrades,
Que o desvelo em eleições
Não periga em tempestades.
Retira
De quem menos se esperar,
Mesmo bom, retira a escolha,
Que o melhor para o lugar
É o melhor que o voto acolha.
Prudente
O vencedor que é prudente
Temeu a própria vitória,
Que é dela próprio temente,
Não vá perdê-la em vanglória.
Lonjura
Entre os sábios mais letrados
A lonjura é de o não serem:
É aqueles, de enfatuados,
À luz não se converterem.
Dócil
Importa o rasto no chão
Seguir do saber no couto.
Quem não for dócil então
Nunca poderá ser douto.
Tentação
É tentação do letrado
Ver a inclinação do rei,
Torcer a verdade ao lado
De que o rei quer lavrar lei.
Salvar
Eis como não há lugar
À salvação que quiserem:
- Todos se querem salvar
Mas salvar-se como querem.
Costumais
Pela salvação fareis
O que costumais fazer
Pelo muito que quereis
Do dia-a-dia querer?
Quero
Como é que quero o bom fim
Se não quero nunca os meios?
Eu quero e não quero, enfim,
Sou vida, mas de entremeios.
Céu
Eu bem quero ir para o céu,
Todavia não quero ir
Por onde vai, sem labéu,
Quem ao céu vai a seguir.
Rumo
A vontade para um lado,
Para outro irem os passos
É não querer, de contado,
Seguir de meu rumo os traços.
Despego
Não me despego de mim,
Findo então pegado a tudo,
Tudo me embaraça, enfim,
Feito cego, surdo e mudo.
Querer-se
Querer-se como convém
Não requer o que em mim vi,
Só se logra querer bem
Quem bem se livrar de si.
Preciosa
Cruz preciosa cobiçar
É não ver que é de temer:
Quão mais preciosa se alçar
Mais pesada ela há-de ser.
Grandezas
Os bens, grandezas do mundo,
Pecam na grandiosidade:
É de males que me inundo
Ao não ver-lhe a pouquidade.
Cobiça
Cobiça a mulher alheia
Quem da mão cheia se cansa.
Perde na dança a mão cheia,
Nem uma mão meia alcança.
Própria
É a mulher própria tragédia
Muitas vezes para a lida
Quando trata por comédia
O trato sério da vida.
Graça
Das obrigações da graça
É a graça de nos encher,
Não de enchê-la treda traça,
Nem traça de alguém se encher.
Fortuna
Que ninguém a si se estime
E a outrem ninguém despreze
Pelo que a fortuna encime
Nem derrube quando lese.
Enfermidade
Má sempre é uma enfermidade
Mas há um bem com que a transmude:
- Dá-nos a oportunidade
De apurarmos a virtude.
Governo
Governo é de fazer bem,
Fazer bem do próprio pão,
Não de acrescentar além
O seu com o alheio à mão.
Concorre
Não é quem melhor discorre
Que deveras é fiel,
Antes quem melhor concorre
À terra de leite e mel.
Comum
No bem e no mal comum
Ninguém é privilegiado.
Sinta o mal, pois, cada um
Que a todos haja tocado.
Moderar
O que importa é moderar
Confiança com cautela
E o valor assegurar
Com vigilância que vela.
Luzir
Aquele que quer luzir
Quando houvera de poupar,
Por luzir à hora de ir
Há-de vir a mendigar.
Salvação
A salvação sempre prima
Por incerta toda ela
Em quanto a esperança anima,
O temor nos acautela.
Distinta
Cada afecto observe
Na distinta trama:
Espera quem serve
E teme quem ama.
Temer
Quem o perigo possível
Temer fica acautelado
E quem temer o impossível
De seguro é assegurado.
Conta
Dá conta da tua vida,
Onde empregas teus cuidados.
De alheias conta, em seguida,
Por teu descuido em maus fados.
Pouco
Dar muito não podem, vis,
Pouco não querem, pequenos:
Os homens a quem servis
Podem pouco e querem menos.
Bastar
Quando alguém quer o que basta
Sem o que fizer bastar,
Perde-se então, de tal casta
Que a si se há-de condenar.
Arriscando-as
Ninguém melhor se assegura
Nem às coisas que tiver
Que o que em dádivas as cura
Arriscando-as a perder.
Ser
Desejar ser não é um erro,
Que ser abre qualquer porta,
Erro é o ser a que me aferro
Não ser qualquer ser que importa.
Enganar
Tudo tem o seu encanto
Mas pode enganar quenquer:
Tudo o que não for ser santo
Pode inchar, não pode encher.
Comanda
Que a memória quem comanda
Mantenha de seus regalos:
É glória a bem de quem manda
O sossego dos vassalos.
Salpico
Se reinas, qualquer salpico
De riqueza é bom que dobres,
Nunca rei há-de ser rico
Cheio de vassalos pobres.
Príncipe
Príncipe que engorda os lobos
E que emagrece as ovelhas
Certo é que enaltece os bobos
Quanto arruína as próprias telhas.
Fisco
Súbditos enfraquecidos
Não podem levantar forças
A governos combalidos,
Por mais que ao fisco os retorças.
Dinheiro
O dinheiro dum país
É o sangue que o corpo corre:
Se de todo o destruís,
Esvai-se a saúde e morre.
Novidade
Mais certo é uma novidade
Ter rectidão de observância
Que qualquer antiguidade
Já relaxada da infância.
Obra
Para falarmos ao vento
Bastam palavras e sobra.
Se o coração tocar tento,
É preciso muita obra.
Aumento
Os que querem ter aumento
Vejam onde anda o perigo:
- Ser inimigo é o intento
Ou amar todo o inimigo?
Desejar
O bom ano não o dá
Apenas quem o deseja
(Desejar não chega lá),
Só se assegurar que o seja.
Costas
Costas à benevolência
Do adulador logo dê,
Que do infortúnio a valência
Sempre consigo ele vê.
Prefere
Se aquele que serve o rei
Prefere o que a si lhe importa,
De servir não segue a lei,
O inimigo é que entra à porta.
Rede
O que ao amigo disser
Palavras brandas e falsas
Uma rede anda a estender
Que os pés lhe prende nas alças.
Esponja
Antes, quando o mundo invade
Dos egoísmos a esponja,
Ofender com a verdade
Que agradar com a lisonja.
Nunca
A norma de mais temores
A que em desespero apeles:
Ouvir os aduladores,
Nunca se guiar por eles.
Serviço
Para o serviço de Deus
Ou quanto de Deus dimana
Nada importam os bens teus,
Nenhuma grandeza humana.
Degrau
Fazer duma dignidade
Degrau doutra até o enésimo
Sem parar nunca, em verdade,
Pior que mau, será péssimo.
Louvor
O louvor de mais valia
Que em louvado mais encaixa,
Não é o que procuraria,
É o que sem buscá-lo, ele acha.
Nada
Não ter nada é o que convém
A quem a tudo se aferra.
Quem não quer nada é que tem,
Afinal, tudo na terra.
Rico
Deveras rico quenquer
Pode ser, a mente em alta:
Àquele que nada quer
Nenhuma riqueza falta.
Humildade
A virtude da humildade
Sempre com óculos vê:
Aumenta a própria maldade,
Diminui o bem que dê.
Volta
Para o mundo dar a volta
Não bastam pés, sempre à míngua,
Voltas dando ao mundo à solta,
Dar-lhe a volta é o dom da língua.
Desbasta
Desbasta de infância o bronco,
Podes não ter mais lugar:
Depois de torcido o tronco
Mal se pode endireitar.
Dom
Tenho o dom da profecia,
Desvendo todo o mistério?
Sem o amor dos mais seria
Nada no abismo sidéreo.
Eito
Condenarás tudo a eito
Sem de norma haver lição?
Onde não houver preceito
Não pode haver transgressão.
Pérola
Não é por nascer no lodo
Que a pérola o não será,
Negar-lhe o valor de todo
É do tolo que em ti há.
Enxada
A melhor enxada a dar
A um filho para obrar tudo
Não tem cabo onde pegar,
Há-de enxada ser de estudo.
Dever
O dever devém mui breve
Força que força tenaz:
O que não faz o que deve
Deve aquilo que não faz.
Trepar
Ao trepar repara onde ir,
Senão nem trepas sequer.
Nunca a pressa no subir
É maior que a no descer.
Alicerce
Não iremos reprimir,
Porque alguém o vira ao mal,
O querer de bem agir,
Alicerce do real.
Erro
Não erres, ao te propores,
Se entre o melhor és constante:
É que um erro dos melhores
Não tem nunca semelhante.
Invejoso
Do alheio merecimento
Faz peçonha refinada
O invejoso do momento
E assim nunca abre uma estrada.
Luzimento
Luzimento em quanto obrar
Pede armas que o defender,
Tanto a inveja há-de soprar
A derribá-lo de ser.
Prudência
A prudência se acomoda
Para ao fim melhor luzir,
Não vá perder-se ela toda
Por demais sempre bulir.
Cuidado
É ter cuidado ao subir,
Não vá ser demais trepar,
Que alguém só doutro aplaudir
Vai o que pode imitar.
Esconde
Esconde a melhor figura,
Que é mesmo a maior prudência
Para se ganhar, na altura,
A seu tempo, uma pendência.
Subir
O trabalho de subir
É uma diligência, a par,
Sem em mais nada bulir,
Para a gente se arruinar.
Resplendor
Das honras o resplendor
Cega os homens que elas gabam
E a razão volta-se a impor
Somente se elas acabam.
Pressa
Grande pressa no subir
Dá mais veloz o descer.
Cuidado, portanto, ao ir,
Não vá o vir tudo perder.
Desatino
Não há maior desatino
Que presumir por engano,
Nalgum canto do destino,
A eternidade do humano.
Alevantado
Quanto mais alevantado
Tanto mais há que se veja,
Mais que então ter forcejado
Contra os furacões da inveja.
Tudo
Quem pode tudo o que quer
Não quer tudo quanto pode
Se o bem comum a atender
É o que ao íntimo lhe acode.
Cargo
O cargo pesa o que pesa
Toda a honra que ele tem.
Quem pesa o cargo que preza
Pesa a carga que lhe advém.
Ombro
Quem do ombro olhar por cima
É que não pesou a carga
Que o cargo sobre ele arrima,
Não vê quanto o doce amarga.
União
A união dos naturais
É o terror dos inimigos.
Na desunião lhes dais
Das vitórias os pascigos.
Conquistam
Mais se conquistam os reinos
De guerra civil com ganhos
Que da guerra com os treinos
Que suportarem de estranhos.
Conservar
Conservar um cidadão
Ofertando-lhe um abrigo
É bem melhor solução
Que vencer muito inimigo.
Vingança
Não é de herói a vingança,
Que a si mesmo é que se ofende
Quem o outro ofende: se lança
Na lama em que este se estende.
Divida
Que o parecer se divida
Na ilação que lhes importe,
Nunca o afecto, em seguida,
Senão a união perde o norte.
Concórdia
Qualquer obra se sustenta
Com concórdia e amizade.
Faltando estas, se apoquenta,
Morre ao fim de insanidade.
Antes
Que numa verdade clara
Antes se veja o valor
Do que na lisonja avara
Que um valido vem propor.
Obra
Obra boa, com trabalho,
Boa fica, o labor passa.
Se má, de gosto um migalho,
Vai-se o gosto e o mal se enlaça.
Interesse
Interesse sob os pés
É degrau de mais estima.
Sobre a cabeça, ao invés,
É peso que desanima.
Melhor
Melhor viver passo a passo
É do que acabar voando
No abismo que nunca passo
Se me for lá estraçalhando.
Nada
Para ser livre quenquer
Tudo ao céu tem de entregar:
Nada receia perder
Quem nada tenha a esperar.
Grandeza
Grandeza é não precisar
De muito: os bens da fortuna
Findam então a sobrar
Do pouco que se reúna.
Ostentação
Quem vive de ostentação
Findará tolhido a eito,
Dele o que se espera não
É nunca de algum proveito.
Prudência
Ser muito e não parecer
É mesmo a maior prudência,
Que afasta a inveja a quenquer
E dele qualquer pendência.
Pouco
Com pouco a viver se andais,
O muito logo apavora:
Aos humildes honra a mais
Embaraça, não melhora.
Buraco
Ao que vive num buraco
Feliz com a mediania
A grandeza fá-lo um caco,
Que embaraça a demasia.
Mérito
É requerido o respeito
Ao mérito em cada qual
Ou o favor leva a eito
Ao mal no ajuste final.
Tribunal
O mérito é o tribunal
Onde é bom se pretender,
Doutro modo iremos mal
Em nosso modo de ser.
Honra
Quem honra quem é incapaz
Contra si leva o castigo:
Consigo perdeu a paz
E dos mais perdeu o abrigo.
Costumam
Os que costumam mandar
Não sabem de obediência.
Vai a lei então findar,
Que em todos não tem fluência.
Indispensável
Tão indispensável é
A lei com que tudo meça
Que não pode ir só no pé
Sem chegar nunca à cabeça.
Aplicar
Tanto a lei se há-de aplicar
Molestando a um qualquer
Como ela há-de molestar
A quem a estabelecer.
Conflito
Como lícito nos grandes
Pode ser o que é delito
Aos pequenos em quem mandes,
Ao dirimir o conflito?
Antever
Antever com prevenção
É prudência de quenquer,
Que não é de remeter
Tudo ao presente em acção.
Dêem-se
Se engordam poucos somente,
Os demais, abandonados,
Dêem-se, por mal ser gente,
Por serem já sepultados.
Só
Quando for útil a todos,
Enche os corações de afectos,
Quando um só come dos bodos,
Perdido o amor, vão-se os tectos.
Ostentar
Ao lavrar a terra o arado
Lavra a flor sem pejo algum.
Quem ostentar o privado
Não trata do bem comum.
Fraco
É poder contra o mais fraco?
A casa, quando rebaixa
E esbarronda taco a taco,
Parte da parte mais baixa.
Atalaia
Quando o defensor da lei,
Em vez do povo atalaia,
Busca o agrado do rei,
De escravo merece a vaia.
Dependência
Tanto pode a dependência
Que, sem vontade, o vassalo,
Do senhor preso à pendência,
Não há como libertá-lo.
Livre
Como superior deidade,
Quem livre é da dependência
Obrará com liberdade
Constante por inerência.
Saber
Todo o saber é um presente
A que o porvir dirá não:
Sempre é próprio do prudente
Ter em dia a informação.
Amor-próprio
Do amor-próprio depender
A ponto de erros seguir
É do facto se perder
E a aparência preferir.
Satisfeito
Que alguém não seja o que deve
E que viva satisfeito
Com que os mais com quem se enleve
Cuidem bem – é o mal do preito.
Obrar
É de obrar o que se deve
E não tudo o que se pode:
O absoluto além deteve
O dissoluto que engode.
Ampara
Quem não ampara a verdade
É culpado da injustiça,
Porque comete a maldade
De não operar na liça.
Medicina
Para não temer o mal
Fazer bem é a medicina.
Para o bem ter, afinal,
A mal não fazer te inclina.
Alheia
Censurar a falta alheia
É de a própria não olhar,
Por mais que seja mancheia
E a alheia um nada, em lugar.
Entendido
De entendido é dar louvor
Com que a falta ultrapassar.
Defeito o néscio vai pôr
Para o louvor apagar.
Todos
Dizer mal quem diz de todos
É o que não me importa nada.
Mal de mim, dos mais, engodos,
Isto, sim, é uma estalada.
Sobejem
Da emergência ante os assédios,
À cautela é bem melhor
Que sobejem os remédios
Que alistar no contador.
Antepor
Antepor o velho ao novo
Só de antiguidade de anos
É bom do vinho que provo,
Não da verdade ou de enganos.
Sabores
Se todos novos sabores
Buscamos, como em costumes
Só valem velhos chorumes
Sem buscar novos valores?
Perto
Candeia que luz mais perto
É morada mais varrida:
De muito lixo decerto,
À luz, foi desimpedida.
Contra
Contra o reino que se tem
Ou possui injustamente
Se prognosticam além
Mudanças que em breve sente.
Letrado
Que é que importa que o letrado
Saiba ler se não abrir
O livro que houver chegado
E o não ler nunca a seguir?
Benevolência
Não hás-de escandalizar
Nem terás de persuadir,
Antes do outro hás-de apoiar
A benevolência a vir.
Negas
Se tu negas o que é claro,
Como queres que, seguro,
Te creia no intento ignaro
Que reclamas no que é escuro?
Protesto
O protesto tem impacto
Mas é o governo, no fundo,
Que, avançando pacto a pacto,
Remodela ao fim o mundo.
Copo
Quando está de copo cheio
Porque quer mais malvasia?
É assim que do rico o enleio
Sempre finda em porcaria.
Egoístas
Egoístas somos todos
E bem dos quatro costados.
O problema é nossos modos
Se além disto são mimados.
Brutos
Como os demais brutos,
Animal ou gente
De nervos são putos
Se se lhes faz frente.
Oportuno
Que é que uno ou desuno
No tempo desperto?
- É sempre oportuno
Fazer o que é certo.
Dogma
Um dogma numa cabeça
Com honesta convicção,
- E então logo ali começa
De todos a violação.
Malham
Quantos factos malham contra,
Maré viva a comer praia,
Até que quem lá se encontra
Do abismo dum dogma saia?
Negociar
Quando aceitas negociar
Uma crença, uma atitude,
Vai aí principiar
O que a um novo mundo mude.
Família
Se a família conta mais
Que o talento, a honestidade,
Traficâncias pessoais
São logo a perversidade.
Justiça
Praticar a caridade
Sem justiça social
É para sempre, fatal,
Estender a iniquidade.
Oferta
Nada ninguém nos oferta,
Que ser seremos apenas
Por nós próprios quem acerta
Cenas grandes das pequenas.
Mal
Quando alguém não faz por mal,
Deve entender, perspicaz,
Então e com força igual,
Todo inteiro o mal que faz.
Derrotar
Derrotar um inimigo
É inviável e te iludes
Se o não vês de teu postigo
Com suas próprias virtudes.
Horizonte
Ocupar-me do fastio
Quando faltar o horizonte?
- Quando chegar a tal rio
Cuidaremos de tal ponte.
Guerra
Deve-se a guerra evitar,
Dos males mal infindável,
Até a guerra se tornar,
Sem recurso, inevitável.
Floresta
Toda a floresta que exista
Destruir por lucro à mão
É um quadro renascentista
Queimar no forno do pão.
Planetário
No carro imos planetário
A correr contra a parede
...E cada a discutir, vário,
Que lugar é dele a sede!
Praga
Somos a praga na Terra:
Ou nos impomos limites
Ou a Terra que nos cerra
Fará por nós os desquites.
Matar
Se se mata a natureza,
Estaremos a matar
A parte que mais se preza
De nossas almas, a par.
Patranha
É patranha sem sentido
Desenvolver sustentável:
O sentido bem medido
Mundialmente é o partilhável.
Passado
O passado é um molho atado
A nos atar em redor.
Só fugimos do passado
Abraçando algo melhor.
Galinha
A galinha da vizinha,
Por mais que cante com brilho,
Nem sempre é melhor que a minha:
A minha é melhor com milho.
Conselhos
Não sigas os meus conselhos,
Nem conselhos de ninguém:
A vida é tua, teus quelhos,
De tão teus, só a ti convêm.
Obscuro
Não temas teu lado obscuro.
Se lhe apontares a luz,
São tesoiros do monturo
Que todo ele te traduz.
Remo
Por seguirmos a virtude
Caímos num tal extremo
Que a virtude em mal transmude,
Do barco perdido o remo?
Falso
Quando falso acusam tantos,
Quantos serão que inocentes
Pranteiam iníquos prantos
De culpados decorrentes?
Menor
Não se punir um culpado
É menor inconveniente
Que o preço que é, malfadado,
Ver punir um inocente.
Opinião
Seguir a opinião comum
É o comum para acertar.
Se o bem fundado é incomum,
É o da opinião singular.
Muda
Muda o sábio o parecer,
Que tudo é sempre mudável.
Mais o sábio que quenquer
Vê que só a muda é fiável.
Desvia
Quem se desvia da via
Vai saltar valas, indícios
Do risco que correria
Que é cair em precipícios.
Zelo
Zelo a mais irrita o mal,
Não o cura, é dele o templo.
Não é remédio, afinal,
Nem pode servir de exemplo.
Exasperado
Exasperado, o maldoso
Prevarica em contumácia,
Se, férreo, o zelo extremoso
Demais tentar a eficácia.
Peca
Peca menos a doçura
Do que pecará o rigor.
Ponderada, aquela cura;
Este o mal finda a repor.
Destempero
O problema é o destempero
Porque ao fim nada resolve:
Se o juiz for só severo,
No limite, nada absolve.
Desprezo
Não há mais que mais irrite
E leve a prevaricar
Que o desprezo que isso incite
E a aspereza a provocar.
Solidão
A solidão mete dó
Se quebrá-la não consigo?
Nunca o sábio menos só
Fica que ao ficar consigo.
Emenda
O mundo não nos engana,
Prega-nos a emenda certa.
Feliz de quem se não dana
E, aprendendo, a emenda acerta.
Além
Um homem, ao bem fazer,
Não é um homem entre os seus,
Trepa além de quanto houver,
Ao tal fazer faz-se Deus.
Divino
Nada num homem divino
É tanto como ele ter
Por vontade seu destino
Destinado a bem fazer.
Alheio
Confessar pecado alheio
Quando anda o próprio escondido
Sempre é do mundo o rodeio
Que o mantém sempre perdido.
Esmola
A esmola que faz o pobre
Espremida em sua toca
Tem um mérito que a dobre
Que é de ser tirada à boca.
Mérito
O mérito de quem dá
Não é que o colha a quem dê
Mas que o dê sempre acolá
E que o colha então quem crê.
Escandalizar
A escandalizar, um acto
Não se requer seja injusto:
Reputa-o de desacato,
Logo custa aquele custo.
Ignorante
É o vulgo sempre ignorante
E mais ignorante o noto
Quando presumido cante
Que tudo faz por devoto.
Superior
Não teme quem nada estima
E a todos é superior
Se a nada e ninguém se arrima,
De tudo ri com humor.
Fresta
Aquele que rir de tudo
Deixa a fresta da esperança.
O que chora finda mudo,
Nada o desespero alcança.
Sofre
Quando a dor que nos invade
É do mal e caramunha,
O que sofrer de verdade
Sofrerá sem testemunha.
Ódio
Ódio, a inútil batalha
Para que há-de ter lugar?
Somente nos atrapalha,
Algum dia há-de acabar.
Convocamo-la
Se décadas nos cortaram
Da juventude perdida,
Basta os olhos se fecharem,
Convoco-a ali renascida.
Inútil
Se inútil se acha o mais velho,
A mente pára de usar.
É um erro de mau conselho:
- Pára inteiro de operar.
Investir
Nem inventará o porvir
Nem o terá nem de esmola
País que mais investir
Em lares do que na escola.
Vale
Àquele que te concita
À partilha em sociedade
Vale mais em que acredita
Do que valer a verdade.
Fugir
A fugir de teu problema
Abandonas terra e lar?
Do problema o rubro tema
Vai-te sempre acompanhar.
Difícil
É difícil conviver
Com o grande homem amado:
Dá vontade até de o ter
Às vezes estrangulado.
Infiel
Uma mulher infiel
Não deixa de olhar aos filhos
Nem queima o lar que repele.
Ébria, sim, corta os vincilhos.
Natureza
É da natureza humana
Mais com oiro preocupar-se
Que da vida que se dana
Dos homens a deslaçar-se.
Pensamento
O pensamento de alguém
Importa só no momento
Com que invento, dele além,
O meu próprio pensamento.
Partido
Quando os nossos aderentes
Somarem milhões a esmo,
É de tomar, entrementes,
Partido contra si mesmo.
Pensar
Para quê pensar senão
Para pensar eu naquilo
Que disposto nunca então
A pensar eu me perfilo?
Traio
Não a mim, que a mim me traio,
Me desminto e contradigo,
Não a mim, que de mim caio,
Confiaria o meu abrigo.
Honras
Como matar qualquer génio?
Não a tiro de canhão:
- Das honras com o convénio,
Morte de antecipação.
Hostil
Hostil contra o que escraviza
E jamais se purifica,
Contra quanto imobiliza
E que ali nos petrifica.
Fez-me
O passado fez-me a mim.
O que conta é o que é que faço
Disto no projecto, ao fim,
Onde em tudo me ultrapasso.