TRILHOS  DO  SER

 

 

Dói

 

Nada dói mais do que perder os sonhos,

Nem a vida perder vai mais doer,

Em meio aos pesadelos mais medonhos,

Do que perder os sonhos que viver.

 

 

Liberdade

 

Se do mundo o atropelo que me invade,

Me invade a me jogar fora do ninho,

Um só trilho reveste a liberdade:

Liberdade é poder andar sozinho.

 

 

Negaceia

 

Negaceia a verdade tão cimeira

Da vida no intangível maior cerro

Que a única verdade verdadeira

É que nunca se está livre dum erro.

 

 

Chega

 

Tanto nós procuramos, procuramos

Todo o vinho da vida pela adega,

Que nem damos às portas pelos ramos:

Chega uma altura em que já nada chega.

 

 

Paz

 

Nenhuma vida que se apronte à sorte

Há-de poder em vida andar pacífica,

Pois quando a paz se lhe antolhar magnífica,

Querer a paz então é querer morte.

 

 

Coragem

 

Coragem ir não é de rebolão

No tropel insensato da viagem,

Sem temer nem tremer pisando o chão:

- Tremer é que é o começo da coragem.

 

 

Rumo

 

Coragem não será só não fugir

Nem só tomar em mão o rumo aos lemes,

É mais ao medo o freio lhe incutir,

Coragem é fugir rumo ao que temes.

 

 

Pior

 

O pior do desespero traço obreiro

Nem é não ser, que é coisa só de velhos.

O pior do desespero (e bem primeiro)

É jamais aceitar de alguém conselhos.

 

 

 

Perdição

 

Quantas vezes perdição

É a melhor forma de acerto

Para te teres à mão,

Encontrado o rumo certo!

 

 

Solidão

 

Solidão não é questão

De andar pelo mundo a sós.

Só existe uma solidão:

- Andar sozinhos de nós.

 

 

Iguais

 

As pessoas são iguais,

Os olhos é que o não são:

O preconceito é que é mais

Um problema de visão.

 

 

Dás

 

 

Se tu dás a toda a gente

O que toda a gente quer,

Então não dás, no presente,

A ninguém o que quiser.

 

 

Mata

 

O que nos mata é que nos torna fortes.

Só quanto abala a ponto de fazer

Nascer de novo de sofridas mortes

É que nos pode, enfim, fazer crescer.

 

 

Fecha

 

Fecha os olhos o infeliz

Quando for para morrer,

Fecha os olhos o feliz

Quando for para viver.

 

 

Génio

 

Génio não é quem inventa

Novo invento por magia.

Génio será quem se inventa

Todo novo todo o dia.

 

 

Derrotado

 

O cobarde é um derrotado

Que acredita que esconder

A derrota onde há tombado

Vencedor o há-de fazer.

 

 

Frustrado

 

O maior frustrado

É quem, singular,

Nem mesmo acabado

Consegue acabar.

 

 

Dor

 

Uma dor, quando doer,

Doer não vai dum lado só:

Uma mó, quando moer,

Mói o grão por toda a mó.

 

 

Graça

 

Cuidam difícil ter graça

Mas é muito interessante:

Não é difícil o instante

De se pôr a rir a praça.

 

 

Rindo

 

Quando estão rindo as pessoas,

Em regra não vão se estando,

A par das risadas boas,

Umas às outras matando.

 

 

Comédia

 

Na comédia o que comando,

Que humano sou cada dia,

Não é o rir se libertando,

É mesmo ter empatia.

 

 

Riso

 

O riso é uma relação,

Mal tem a ver com piada,

É uma comunicação

A abrir a porta de entrada.

 

 

Ris

 

Não é só o que fiz,

Pegada dos pés...

Diz-me do que ris,

Dir-te-ei quem és.

 

 

Preocupar

 

Às vezes, na cama, à noite,

Não há nada a preocupar.

É o que, quando lá me acoite,

Me preocupa então, a par.

 

 

Cruzam

 

Os que por nós cá se cruzam

Não se vão cruzando a sós:

Em nós deixam algo que usam,

Levam um pouco de nós.

 

 

Factos

 

Quaisquer factos factos são

E não deixam de existir

Por serem, de supetão,

Ignorados a seguir.

 

 

Quem

 

Vida fora acumulado,

O que se tem nada conta:

O que conta, desprezado,

É quem se tem que o apronta.

 

 

Brilha

 

Tendo ou não tendo o que tem,

Podendo até ter demais,

É a grácil alma de alguém

O que nalguém brilha mais.

 

 

Bem

 

O que os mais têm de bom,

O que corre bem na vida

É de ser feliz o tom,

De ser feliz a medida.

 

 

Conseguido

 

Um trabalho conseguido,

Mesmo sem ganhar dinheiro,

Em nosso íntimo é o primeiro

Sucesso que é garantido.

 

 

Espiritualidade

 

Que é que é espiritualidade

Se não é religação?

E ligação de verdade

Entre as gentes é união.

 

 

Bonitos

 

Os felizes são bonitos:

Têm de espelho a faculdade

De reflectir aos aflitos

Deles a felicidade.

 

 

Significativa

 

Na união significativa

Com o lar, com um amigo,

Acolho a pessoa viva:

- Então vive em mim comigo.

 

 

Falhar

 

Falhar muito raramente

Nos irá fazer parar.

Faz parar é, de repente,

O medo só de falhar.

 

 

Triste

 

Sensação triste da vida

É se, ao dançar todo alegre,

Bato a cabeça, em seguida,

Nalgo que me desintegre.

 

 

Auto-ajuda

 

Se tens um livro na mão,

Algo em ti então se muda:

Todos os livros serão

Assim livros de auto-ajuda.

 

 

Piada

 

Não ter piada não faz

De ninguém a má pessoa.

Senso de humor incapaz

Faz, que então dos mais destoa.

 

 

Dançar

 

Vestida para dançar,

A rapariga é uma flor

Orvalhada: atrai o olhar

E acalenta-a, terno, o amor.

 

 

Sinal

 

A fome joga-te afim

Daquilo em que te não ceves:

Se alguém diz “confia em mim”,

É sinal de que não deves.

 

 

Difícil

 

Não é difícil sequer

Viver da vida os escorços,

Mais difícil de viver

Sempre é viver com remorsos.

 

 

Munição

 

A lucidez com que nasço

É uma mera munição.

Torná-la lâmina de aço,

Só o treino de precisão.

 

 

Letra

 

A letra duma canção

É o que me leva a entender,

Contudo, o que me faz crer,

É da música a punção.

 

 

Ignore

 

Não há nada no caminho

Que ignore antes de iniciá-lo:

O importante é o que adivinho

Bastando-me recordá-lo.

 

 

Tempo

 

O tempo, estilete agudo,

Drena a dor que nos invade,

Mas, se o tempo cura tudo,

Não nos cura da verdade.

 

 

Especial

 

Quem é mesmo especial

Nunca faz por parecê-lo.

Quem o não é tal sinal

Busca com todo o atropelo.

 

 

Entre

 

Entre o que vejo e o que sou

A lonjura se mantém:

Desta vida o amargo voo

Dói tanto ao ficar aquém!

 

 

Liberdade

 

Sempre a liberdade é o ar

Que respirar um artista,

Como a pátria de seu lar

É onde aquele ar exista.

 

 

Mudanças

 

Como as mudanças confundem

Os homens, sempre a desoras!

E as grandes, quando se infundem,

Como são demolidoras!

 

 

Sábio

 

O sábio mais sabe ouvindo

Do que por si discorrendo

E acompanhado vai indo

Longes e longes vencendo.

 

 

Segura

 

A ignorância aconselhada

Mais segura é, de seguida,

Que a ciência proclamada,

Quando é ciência presumida.

 

 

Esconder

 

Não é só do varapau

Que quenquer se anda a esconder,

É que ninguém é tão mau

Que o quisera parecer.

 

 

Sábio

 

Há-de o sábio sustentar,

Teimoso, um erro anterior

Tanto mais quão luminar

O sábio dos sábios for.

 

 

Presumido

 

Nem do mundo por sentido,

Nem por sentido do céu,

Nenhum sábio presumido

Risca aquilo que escreveu.

 

 

Escrito

 

Ao autor engana o escrito,

Que é parto do entendimento,

Como um filho que é esquisito

É para os pais um portento.

 

 

Saber

 

Para saber e acertar

Não há mais do que um caminho.

Ao contrário, para errar,

Infinitos adivinho.

 

 

Pendores

 

Há nos homens dois pendores

Que os incham sem mais fim ter

E que os tornam roncadores:

O saber e o poder.

 

 

Brado

 

O saber que se calar

E o poder dum alto estrado

Que nunca se brasonar

- Ao fim dão imenso brado.

 

 

Pesa

 

Menos pesa ao presunçoso

Enrugar a sobrancelha

Que queimar estudioso

A pestana que aconselha.

 

 

Perde

 

Tudo aquilo que se perde

Ganha muito então na estima

E acresce o gosto ao que o herde,
Recobrado, que ora o mima.

 

 

Duas

 

A moeda e a mulher

São as duas entidades

(Mais que mais realidades)

Por que se perde quenquer.

 

 

Ambas

 

A cobiça cega a uns,

A sensualidade, aos mais

E ambas, sem pejos nenhuns,

Quase a todos dão finais.

 

 

Tragá-lo

 

É timbre duma nação,

Mal à luz vem quem luzir,

Tragá-lo ali logo então

Por que não luza a seguir.

 

 

Farto

 

Farto estou do que não tem

Nada dentro que acender,

Farto do que escreve bem

E nada tem a dizer.

 

 

Pátria

 

Nem um deus omnipotente

Logra ter na pátria ouvido,

Quanto mais dez reis de gente,

Embora sábio subido!

 

 

Decreta

 

Já Cristo em Mateus decreta

Das verdades a mais crua:

Não há sem honra profeta

A não ser na pátria sua.

 

 

Tortos

 

Provém de velhos arquivos

A verdade de pés tortos:

Sempre a inveja mata os vivos

E anda a celebrar os mortos.

 

 

Luzida

 

A parte menos luzida

Viu a inveja em obra boa.

Por maldita ali zurzida

Há-de logo ser à toa.

 

 

Muito

 

Não é nunca a multidão

Que, sendo muitos, faz muito.

Bem poucos sempre o serão

E, às vezes, sem ter o intuito.

 

 

Roda

 

Tudo o que é dito da sorte

É sempre fingido e falso

Menos a roda da morte

Com que o mundo em meus pés calço.

 

 

Segurança

 

Que segurança bastante

Pode haver em ser feliz

Quando um revés adiante

Revela que é por um triz?

 

 

Vitória

 

A vitória ensoberbece

Quando se não olha à sorte.

Quando se olha, logo esquece,

Que o invés traz no recorte.

 

 

Dura

 

Não há cabeça mais dura

De penetrar, converter

Que a coroada. – É o que apura

Quem pela verdade houver.

 

 

Arrogância

 

A arrogância dos valentes

É maior que a valentia:

Na hora de combatentes

Não fugiu quem não podia.

 

 

Difícil

 

A mais difícil vitória

Do coração, mente e lábios

E que nunca finda em glória

É a de sábio contra sábios.

 

 

Luta

 

Quem por própria escola luta

Poderá findar vencido,

Mas confessá-lo, em disputa,

Jamais há tal ocorrido.

 

 

Agudeza

 

Se mais verdade e sublime

A agudeza em si conforma,

Se contra a soberba esgrime

Jamais deu-lhe a nova norma.

 

 

Longe

 

Quem não quer, de desejar

Longe andará, se não quer.

Se nem quer querer, a par,

Mais longe é do que quenquer.

 

 

Mudam

 

Mudam as leis como as velas

Demais ao sabor do vento

Do poder e das querelas

Que encobrem venal o intento.

 

 

Rumo

 

Nós, ao remo desta vida:

Se o desejo pisca ao céu,

Um acto aproa, em seguida,

A todo o inferno que é meu.

 

 

Cruz

 

A cruz que em vida sopeso

É dos troncos que criamos:

Nossa cruz não tem mais peso

Que aquele que nós lhe damos.

 

 

Loucos

 

Qualquer erro em testemunho

Leva a enlouquecer o sábio.

Se loucos tão poucos cunho,

Sábio de poucos é o lábio.

 

 

Vinho

 

Como o vinho tira o juízo,

Tiram-no-lo as aflições

Quando as grandes fundo viso,

Que aqui lhes sofro as lesões.

 

 

Infâmia

 

É tal o poder da infâmia

Que do inocente infamado

Enche o campo de cizânia,

Torna o inocente culpado.

 

 

Coroa

 

Os fumos duma coroa,

E mais quão mais elevada,

Não trepam aos céus em loa,

Descem à mente coroada.

 

 

Rede

 

A rede, quando lançada,

Em cada malha, esperança.

Quando recolhida, nada

Quanta vez a rede alcança!

 

 

Melhor

 

O melhor dos bens da vida

É a lida da espera deles.

Mais dá quem os dá na lida

Que o que os tem, que os lê tão reles.

 

 

Nomes

 

Os nomes sempre nos calam

Muito mais do que nos dizem:

Corpo e sangue é do que falam,

Alma é o além que mal visem.

 

 

Presidente

 

O lado do presidente

É tão fértil, tão fecundo!

Tudo ali medra contente,

Tudo medra: mesmo o imundo...

 

 

Faminto

 

Tanto faminto, esfaimado

Há da graça do poder!

Cheio de graça tratado,

É só vazio a se encher...

 

 

Pão

 

Tem hoje mais pão que todos

Quem ontem nem um pão tinha?

Do poder abraça os modos

Que a graça dele adivinha.

 

 

Encobrir

 

Encobrir muito evidências

Mais pesa ao entendimento

Que persuadir conveniências

Ao querer de mim aumento.

 

 

Assegura

 

A matéria dum segredo

Só a assegura a ignorância:

Se a ninguém confio o credo,

É morto e sem relevância.

 

 

Intentos

 

Os intentos ignorados

Suspendem um inimigo.

Manifestos, são legados

Com que me acertam no abrigo.

 

 

Prevenção

 

Prevenção doutrem sabida

Ameaça quem preveniu.

Secreta, ela ameaça erguida

Contra quenquer que a não viu.

 

 

Revelado

 

Um exército estropiado

Pode-se recuperar,

Um segredo revelado

Nada o vai remediar.

 

 

Segredo

 

Poder sem segredo

É sempre fraqueza;

Fraqueza em segredo,

Poder com firmeza.

 

 

Certo

 

Certo é no médico o pão,

Na mortalidade, a doença.

No que morremos, então,

Vive o médico da tença.

 

 

Afoga

 

Quando chuva afoga as searas

Ou sol as queima na herdade,

Cresce o médico em aparas

Tão mais lavra a enfermidade.

 

 

Médico

 

O médico jamais cura

Nem púrpura nem coroa,

Mas o corpo a nu que apura

De igual barro, igual pessoa.

 

 

Idade

 

Os homens ódio à idade

Têm em que eles nasceram:

Não há profeta que agrade,

Só mesmo os que já morreram!

 

 

Génios

 

O idólatra do passado

Desengane-se: o presente

Tem sempre, por todo o lado,

Génios tal antigamente.

 

 

Irresoluto

 

Um governo irresoluto

É peste para a nação

E a morte, dele é o produto

No porvir posto em questão.

 

 

Carga

 

Cada um lançar a carga

Sobre os ombros doutrem tenta.

Então ao chão cai, amarga,

Ninguém ao fim a sustenta.

 

 

Liberalidade

 

Não é tanto entendimento

Quanto liberalidade

A fé, se autêntica a alento:

- Gero dela realidade.

 

 

Firme

 

É na vida que animar

Que da fé pondero o ser:

Quem é duvidoso em dar

É pouco vero no crer.

 

 

Perigo

 

Não é o tímido valente

Como o não é o temerário

E o perigo mais patente

Seguro é crer no contrário.

 

 

Melhorou

 

O vosso maior amigo,

Se melhorar de fortuna,

Já dos olhos (é castigo?)

Convosco se não coaduna.

 

 

Fortuna

 

Os homens noutrem conhecem,

Não a pessoa, a fortuna

E da pessoa se esquecem

Se fortuna não reúna.

 

 

Cortesãos

 

Os homens, tais cortesãos,

Buscam tudo desta vida:

De servir simulam mãos,

De mandar morrem na brida.

 

 

Alvedrio

 

A nobreza de ser homem

É ter o livre alvedrio

E servir: quando o não somem,

Discerni-lo é por um fio.

 

 

Tirano

 

Quem serve não há tirano

Que não lhe admita descanso.

Quem manda é o mando um tal dano

Que quietação não lhe alcanço.

 

 

Vulgar

 

Vulgar é tomar do mando

O poder mais a grandeza,

Peso e cuidado largando,

Que só regalo se preza.

 

 

Governantes

 

Os governantes depressa

Ignoram a quem os serve:

Pagam por que tudo esqueça,

E mais se o preço os conserve.

 

 

Mandam

 

Os que mandam não estimam

Nem pagam o que deviam,

Que, no trono a que se arrimam,

Tudo lhes deve o que aviam.

 

 

Santo

 

Ser Papa ou Imperador,

Se não for santo à chegada,

Pouco importa o resplendor.

Não é santo? Não é nada.

 

 

Vil

 

Podes ser vil, desprezado,

Contudo, se fores santo,

És o mais afortunado

Do mundo em todo o recanto.

 

 

Céu

 

O céu onde moram santos

Não mora longe, mas perto,

Mais que perto: são os cantos

Do coração puro aberto.

 

 

Justiça

 

Quando reina a iniquidade,

Um dia a justiça orça:

Não dar pouco por vontade

É perder tudo por força.

 

 

Resgate

 

Não há resgate a que fosses

Pedir de escravo os desquites

Se aos gastos não medem posses

Mas antes os apetites.

 

 

Experiência

 

Alguns anos de experiência

Valem mais na formação

Do que muitos de ciência

Feita de especulação.

 

 

Naturais

 

Os naturais do País

Conjuram-se a destruí-lo?

- É a vergonha contra os vis

Que não findam de atingi-lo.

 

 

Tiro

 

Palavra sem obra

É tiro sem bala,

Atroa e redobra,

Não fere o que abala.

 

 

Desgraça

 

Pode haver maior desgraça

Que alguém não ter, que se veja,

Um bem qualquer cuja traça

A ninguém suscite inveja?

 

 

Portal

 

Se inimigo tens,

Vem de que portal?

- A quem não tem bens

Ninguém lhe quer mal.

 

 

Maior

 

Um homem não ter desgraça

A desgraça maior é

Quando isto de ser não passa

Que ninguém dele dá fé.

 

 

Doméstico

 

O doméstico inimigo,

Seja lá ele quem for,

Há-de ser sempre o que digo

Que é por norma adulador.

 

 

Adulado

 

Quanto maior o louvor

Com que o rei for adulado

Tanto o inimigo é maior

Que se pavoneia ao lado.

 

 

Veneno

 

É tal o doce veneno

Da lisonja que aos escolhos,

Mal à orelha dá o aceno,

Logo encegueiram os olhos.

 

 

Ungirem

 

Os que ungirem a cabeça

Dos que os ouvem adulando

A visão cegam depressa

Por que não vejam olhando.

 

 

Desarmada

 

Mais de temer desarmada

É a língua do adulador

Que qualquer arma ferrada

De qualquer perseguidor.

 

 

Paulatinamente

 

Paulatinamente adula

Até o íntimo da casa

O que adulador abula

Dum império qualquer asa.

 

 

Perpétuo

 

O perpétuo mal dos reis

Há-de ser a adulação:

Qualquer gesta lhes vereis

Da lisonja posta ao chão.

 

 

Abundância

 

Pode ter de todo o bem

Abundância o governante,

Não da verdade, porém:

Quem o adula mente-a diante.

 

 

Eco

 

É o adulador um eco,

Repete o que diz a voz,

Nem outra tem, de tão peco,

E por isso a enterra após.

 

 

Agravo

 

Para esconder um agravo

Leva o crime a sepultar

Sob a terra e com um cravo

O que agravado se achar.

 

 

Restos

 

Se adularas o poder,

Restos tu não comerias.

Se restos são teu comer,

É que a adulá-lo não ias.

 

 

Santificação

 

Sempre o palácio do rei

Dele é santificação,

Tão do adulador é lei

A perene adoração.

 

 

Palácio

 

Todos quantos no palácio

De seu interesse amigos

Forem, serão o prefácio

De do rei ser inimigos.

 

 

Tentação

 

O diabo é tentação,

Porém, se bem enfrentada,

Remédio vai ser então,

Um salto além na jornada.

 

 

Tentador

 

Como é tentador o mundo!

Um instante é o que oferece,

Sem tempo de ver, profundo,

Quão nada pesa o que tece.

 

 

Riqueza

 

A riqueza com trabalho

É adquirida. Com cuidado

É mantida, talho a talho.

E em dor perdida, ao finado.

 

 

Soberba

 

A soberba dos que têm

Ódio ao píncaro sumo

É soberba que também

Trepa, ao fim, ao mesmo prumo.

 

 

Idolatria

 

O cobiçoso ao dinheiro

Gasta-o numa fantasia.

O avarento é prisioneiro,

Torna-o numa idolatria.

 

 

Repartir

 

Sempre repartir lugares

Tem grande inconveniente:

Qual o melhor ou são pares,

Que favor há-de ir à frente?...

 

 

Apreensão

 

Na apreensão toda a dor

De antecipar os tormentos

Dói com muito mais furor

Que da dor viva os momentos.

 

 

Dado

 

Depois de lançado o dado

Não fica em nosso poder.

Todavia, o resultado

Por mim vem do que fizer.

 

 

Beldade

 

Medes em pedra a beldade?

Não é beldade o que medes:

Os homens são a cidade,

Cidade não são paredes.

 

 

Distingue

 

Só o amor mútuo distingue

Filhos de Deus e do diabo,

Tudo o mais, abunde ou mingue,

É comum, ao fim e ao cabo.

 

 

Sábio

 

Ser sábio não é ser certo

Mas por certo o certo ver,

Por falso, o falso, no acerto,

No incerto o incerto manter.

 

 

Falta

 

Não há mais fácil intento

Que noutrem divisar falta,

Nem mais difícil portento

Que vê-la quando em mim salta.

 

 

Vista

 

Um homem de vista curta

Vê mais ao nascer do dia

Que a perspicaz vista surta

À meia-noite veria.

 

 

Horizonte

 

Mais vislumbra anão do monte

Que gigante em fundo parque,

Tanto depende o horizonte

Do pilar donde o abarque.

 

 

Palácios

 

Nos palácios a verdade

Ou não chega ou tão remota

Vive que não persuade

E é o que os condena à derrota.

 

 

Próspera

 

O perigo é tão mais certo

Quão mais próspera a fortuna,

Que os olhos são-lhe um deserto

E a surdez se lhe coaduna.

 

 

Grande

 

O grande não necessita

De nada, só da verdade.

Se a verdade é o que ele evita,

De vez finda em vacuidade.

 

 

Ignorância

 

Ignorância a que jamais

Ilumina o bom discurso

Dos remédios principais

Tira esperança ao percurso.

 

 

Ruído

 

O ruído da grande fama

Leva a que seja roído

Nas asas que a fama trama

Quem na fama voa erguido.

 

 

Declina

 

A grandeza não quer mais

Que de si, do que declina

Com dela própria os sinais,

Para cavar-lhe a ruína.

 

 

Defeito

 

Os homens, na luz que vêem,

O defeito que a luz mostra

Antes de mais é o que lêem,

Do bem em lugar da amostra.

 

 

Caras

 

Duas caras tem a inveja:

No interior uma entristece,

Outra, no exterior que a veja,

Dissimula o que parece.

 

 

Fumo

 

Qualquer honra é sempre fumo

Que, quanto mais alto sobe,

Mais se desvanece ao rumo

Da vaidade que lhe coube.

 

 

Dita

 

Na dita com que alguém sobe

Há-de ir sempre disfarçado

O risco com que se adobe

A descida em todo o lado.

 

 

Grandeza

 

Mais depressa nós morremos

Ao afago da grandeza

Que lisonjeia em extremos

Que ao desfavor que despreza.

 

 

Opera

 

Ciência, por ela apenas,

Não opera sem o braço:

São braço as obras pequenas

Ainda de ciência sem traço.

 

 

Singular

 

O grande não quer ser um,

Quer sempre ser o primeiro.

Singular, perde o comum;

Perde-se, por derradeiro.

 

 

Calos

 

Melhor é ser rei de si

Do que ser rei de vassalos.

Destes é todo o que vi.

Rei do rei? Nele que abalos!

 

 

Boca

 

A verdade, se infeliz,

Fere a boca que a profere,

Fere tanto a quem a diz

Como a quem tal se disser.

 

 

Bicho

 

Verdade é bicho montês:

Mais que em palácio reinante

Se ouve no monte. Em revés,

Quem a ouve é forte adiante.

 

 

Dita

 

Ter sempre que desejar

É a dita da infinidade.

Não ter mais que caminhar

É mesmo infelicidade.

 

 

Afectos

 

Os afectos se dedicam

Ao que se espera de alguém

Mais que à pessoa, onde ficam

Escassos mais que convém.

 

 

Ostentar

 

Quanto mais alto é o lugar

Menor parece um objecto,

Por isto é que se ostentar

Alguém mostra o que é um dejecto.

 

 

Grandes

 

Se os méritos sobem mais

Quando, afinal, pesem menos,

Descerão muito os actuais

Grandes lá feitos pequenos.

 

 

Demais

 

Quando só se ao grande acode,

É do pequeno a ruína.

Se demais este se engode,

Queixa-se o grande da sina.

 

 

Cume

 

Quando o pequeno se ergueu

Ao cume que não lhe impende,

É fumo que ao ar subiu,

Mais desfaz quão mais ascende.

 

 

Privilégio

 

O privilégio, se largo,

Logo a infâmia a todo o ferra:

Pouca veia em grande cargo

Logo dá com ele em terra.

 

 

Achaque

 

Um achaque mui vulgar

É ver o pé levantado

E a cabeça no lugar

Mais abatido e calcado.

 

 

Quando

 

Do grande, quando abatido,

O comum é que rebenta.

O pequeno, quando erguido,

Estoira do que fermenta.

 

 

Capa

 

Um interesse privado

Com capa de bem comum

É o achaque mais herdado

Onde houver poder algum.

 

 

Rebenta

 

Se rebenta de queixosa

A plebe, os ambiciosos

Rebentam, inchada a prosa,

De irem tão prenhes de gozos.

 

 

 

O pequeno dá o que tem,

O grande dá o que lhe sobra.

Vejamos como convém

Donde vem a maior obra.

 

 

Lince

 

Lince enxerga a falta alheia,

Enxerga a toupeira a sua:

Aquela grita ante a aldeia,

Esta nem se viu na rua.

 

 

Ferida

 

Ferida fácil se cura,

Não a rotura da fama,

Que, quando rota se apura,

Não cose nenhuma trama.

 

 

Bem-intencionado

 

Onde o bem-intencionado

Pintar imagens devotas,

O perverso desbocado

Vê só da maldade notas.

 

 

Perigo

 

Sofremos, por experiência

Do que ocorre em cada idade,

Mais perigo da opulência

Do que da necessidade.

 

 

Novas

 

As coisas boas e grandes

Acusam-nas de más novas,

Seja embora quanto expandes

Canto velho em velhas trovas.

 

 

Nova

 

Por muito que coisa nova

Não haja aqui sob o sol,

Toda a coisa ao fim comprova

Que nova já foi no rol.

 

 

Vinho

 

A verdade não é vinho

Em que se apura o sabor:

Quanto mais velha a adivinho

Mais caduco lhe é o teor.

 

 

Esgarce

 

Um saber, mal novo acabe,

Rompe o antigo até que esgarce.

Só saber o que outrem sabe

Não é saber, é lembrar-se.

 

 

Sofrer

 

Não há nunca coisa boa

Sem sofrer contradição,

Nem grande, se grande ecoa,

Sem a inveja lhe ir à mão.

 

 

Candeia

 

Os antigos têm candeia,

Nós, lanterna e projector.

Longe, a deles mal ameia;

A luz perto luz melhor.

 

 

Templo

 

O templo de Deus é santo,

Não o digas tu a esmo,

Já que templo, a cada canto,

És sempre, afinal, tu mesmo.

 

 

Razões

 

Há razões que apenas lê

O discurso de experiência,

Não o livro onde se crê

Na mentira da evidência.

 

 

Dores

 

As dores certas é certo

Que se não podem curar

Com remédio cujo acerto,

De incerto, é de duvidar.

 

 

Despacho

 

Ruim despacho ao requerente

Que requer pôr-se ao abrigo

Quando a lei lho não consente

Vira-o de amigo a inimigo.

 

 

Mudanças

 

Nas mudanças da fortuna

O ódio jamais se esquece,

Antes se farta e se enfuna

Mais que então se compadece.

 

 

Conversas

 

Nas conversas sempre entendem

Os homens tudo ao contrário:

Seus deuses sempre propendem

Cada qual a seu sacrário.

 

 

Diverte

 

Com as folhas, com as flores

Se diverte o mundo tanto

E tão pouco com primores

Da raiz de Homem que planto!

 

 

Odeia

 

Embora paradoxal,

Muito odeia quem odeia

Aqueles a quem fez mal,

Tanto a culpa nele ameia!

 

 

Ignorantes

 

Quanto mais são ignorantes,

Mais firmes as opiniões.

Quão mais de poder impantes,

Mais gritantes os senões.

 

 

Moderado

 

O moderado, devoto

Mais de ordem que de justiça,

É que eterniza o que anoto

Como o mal que nos enguiça.

 

 

Sexo

 

O sexo, mais do que corpo,

É uma personalidade:

Queira ou não, eu sempre o encorpo

De quanto eu for de verdade.

 

 

Passos

 

São dois passos para a frente

E depois um passo atrás:

É o progresso, a dar à gente

Tempo de ver que é que traz.

 

 

Míssil

 

A liberdade é difícil.

Democracia? Imperfeita.

- Mas nenhuma joga um míssil

Ao oponente que enjeita.

 

 

Fechada

 

Numa cultura fechada

É uma impossibilidade

Alguém ter aberta a entrada

Para aceder à verdade.

 

 

Ismo

 

Qualquer ismo tem um germe

Que sempre o corrói, sumário:

Mesmo em humanismo há o verme

De o tornar totalitário.

 

 

Sistemas

 

Quaisquer sistemas são falsos,

Que a verdade não se agarra:

Na roda da vida calços,

São de prisão sempre amarra.

 

 

Defeito

 

Mantenho um grande defeito:

Não me calo. E este enguiço

Não me condecora o peito:

- Os patrões não gostam disso...

 

 

Raízes

 

Sem raízes nada somos,

É como termos então

Os pés, onde quer que os pomos,

Jamais assentes no chão.

 

 

Apagar

 

O mundo tende a esquecer,

Não gosta de recordar

Mormente os crimes que houver

E que se queira apagar.

 

 

Resposta

 

A resposta anda aqui dentro,

Mas requeiro o espelho ao pé,

Tu e eu falando ao centro:

- Aí vejo que sou quem é.

 

 

Terramoto

 

A criança às vezes diz

Coisas com força bastante

Para, infeliz ou feliz,

Um terramoto adiante.

 

 

Garantidas

 

Tomamos por garantidas

De vez as pequenas coisas.

E a maioria, perdidas,

Que grandes ficam nas loisas!

 

 

Pertinaz

 

Se ao pertinaz não o move

Movimento de razão,

Só o apetite o comove,

Só o movimenta a paixão.

 

 

Oculta

 

O que se não vê

E o que mais se oculta

É o que ofende até

Que nos lá sepulta.

 

 

Grandeza

 

A grandeza pessoal

É o perfume rescendente

Que um utente, no final,

Sendo o principal, não sente.

 

 

Seca

 

Seca a lágrima veloz

Quando o mal por que ela veio

Não nos atingir a nós

Por mal ser que atinge o alheio.

 

 

Juízo

 

Quando na vida o juízo

Não atender à maldade,

A lágrima mostra siso

E o riso, frivolidade.

 

 

Alegria

 

Por maior que seja a dor,

A verdadeira alegria

O esquecimento ao que for

Traz dela com a magia.

 

 

Atributo

 

É atributo singular

Da glória o esquecimento

De tudo o que pode dar

Qualquer dia sofrimento.

 

 

Pranteia

 

Nunca ninguém se pranteia

Senão do que muito amou

Ou que muito desejou

E se finou, mal ameia.

 

 

Gosto

 

De não ver o que dá gosto

Nos há-de ferir a dor

Mas a dor é bem maior

De ver o que der desgosto.

 

 

Dita

 

A verdade que for dita

Não é uma final verdade,

É apenas o que a concita

No rumo da infinidade.

 

 

Começo

 

Depois de qualquer começo

É que a mim mais me desenho:

Quanto mais, pois, envelheço

Mais ideias boas tenho.

 

 

Aparte

 

Parte de nós vive aparte

Do tempo que nos invade.

Viver é ser de tal arte

Que nem tenhamos idade.

 

 

Envelhecer

 

Envelhecer não será

Piorar de parecer,

É só diferente ser:

Mudamos. Que bem que está!

 

 

Mulher

 

A mulher rebola a bola

Para trás e para a frente:

A mulher é mesmo tola

...Mas é muito inteligente!

 

 

Potencial

 

Por potencial que haja então,

Vizinha a terra ou distante,

Um exército é tão bom

Quanto o for o comandante.

 

 

Ricos

 

Sempre os ricos são senhores

Mesmo quando não convém:

Não ter materiais valores

Valor não tira a ninguém.

 

 

Bonita

 

De livros bonita a estante

Não me garante, afinal,

Que o arsenal lá constante

Leia adiante alguém curial.

 

 

Antiguidade

 

A antiguidade é uma liga

Que não liga quem a tem:

Uma linhagem antiga

Não casa de amor ninguém.

 

 

Difíceis

 

Quando difíceis os dias,

Os de cima, como um cacho

Maduro das tropelias,

Deslizarão para baixo.

 

 

Triaga

 

Ambição, quando aliada

A uma falta de talento,

É triaga envenenada,

Do mundo letal invento.

 

 

Intriga

 

Política intriga arruína

Mais vidas que qualquer guerra.

O ingénuo que o não atina

Merece o dente que o ferra.

 

 

Nome

 

Quando um nome é celebrado

A concorrer contra a obra,

Finda a obra a pôr de lado

E um nome é o nada que sobra.

 

 

Estranha

 

Que estranha a filosofia,

Aqui branda, além atroz,

A ressumar alegria

Tão feliz quanto feroz!

 

 

Inimigos

 

Os maiores inimigos

Da humanidade em esforço

De à luz rasgar mais postigos

São o ódio e o remorso.

 

 

Vozes

 

Há vozes em que reside

A força de impor silêncio.

Outras, o tufão que agride:

- E quem o transponha, vence-o.

 

 

Mente

 

Cada mente tem um mundo

Outro ante as que tem à beira

E, no fundo mais profundo,

Tem seu ponto de cegueira.

 

 

Sombra

 

Não existe saber puro,

Verdade sem ilusão:

Sempre apuro no que apuro

A sombra da minha mão.

 

 

Prazo

 

Sempre Deus perdoa;

Os homens, acaso;

Só a terra se doa:

Não perdoa, a prazo.

 

 

Palavra

 

A palavra pronunciada

Vai o mundo desvelar.

Desvelando-o, na empreitada,

Já nisto é o mundo a mudar.

 

 

Cobra

 

Aquele que sobressai

Tem entre quem o corteja

A cobra que do antro sai

Envenenada de inveja.

 

 

Tempo

 

Muito tempo nós levamos

Para jovens nos tornarmos!

Tanto que, se reparamos,

É de velhos lá chegarmos...

 

 

Pára

 

Um pensamento que pára

Logo ali se petrifica.

Petrificado é que aclara

Quão falso é o que pontifica.

 

 

Inda

 

Sendo aquilo que é o homem,

No fundo o que o tem de pé

São os sonhos que o consomem:

É aquilo que inda não é.

 

 

Solidão

 

Ser pessoa é conhecer

A última solidão,

Plataforma onde quenquer

Esmerila a comunhão.

 

 

Passagem

 

A grande arte é uma passagem

Rasgada através do artista,

Obra a moldá-lo na viagem

Que ao fim o perde de vista.

 

 

Empedernida

 

Uma vida empedernida,

Vergonha da estupidez,

É uma doença então lida:

A mente é uma pedra soez.

 

 

Inimigo

 

O inimigo da verdade,

Maior que os mais que o serão,

Não é mentira que agrade,

- O maior é a convicção.

 

 

Despedida

 

Não paramos de viver

Sempre como em despedida:

Não paramos de morrer

Ao correr de nossa vida.

 

 

Rei

 

Quem é que será mais rei?

Não será o que mais aterra,

Mas quem nem sequer tem terra

Nem súbdito: é de si lei.

 

 

Casas

 

As casas não são de pedras,

Encastelam-se em lembranças,

Pedaços por onde medras,

De antanho a vir das andanças.

 

 

Adoram

 

Os que adoram a pessoa

Contar-se-ão dedo a dedo.

Os que esperam dela a broa,

De inúmeros, metem medo.