TRILHOS  DAS  ESTRELAS

Fala

Quando um amor fala ao mundo,

Esquisito

Em seu pendor de infinito,

Há o risco fecundo

Dum grito.

Grande

Se é tão grande

Que só pode ser dum teor,

Seja o que for

Que o comande,

É amor.

Quando

Quando amamos, fechar

Os olhos é uma mansão,

Um lar:

O mundo inteiro à mão

Com, dentro, o coração.

Preciso

Preciso de não precisar

Para tudo ter de que preciso.

Quão mais livre no mundo me encontrar,

Menos da montanha para o viso

Terei de arrastar.

Sexo

Quando alguém ama,

O sexo não reclama,

Túrgido, a pesar,

Apenas ama,

Pronto sempre para amar.

Opõe

Quem se opõe ao acto que magoa

Tende a magoar.

E não é à toa:

A si próprio se magoa,

Singular.

Existe

A maldade não existe

E não existe a bondade,

Mas actos com que infligiste

Ora a dor que te malquiste,

Ora a festa que te agrade.

Aprender

Quando aprender vais

Seja lá o que for,

Vê a regra a propor:

- É quem se rir mais

Que aprende melhor.

Medicamento

O melhor medicamento

Não é nunca o comprimido

Ou a injecção do momento:

- Em cada dia vivido,

É o abraço bem sentido.

Começar

Não espere, ao começar,

Pelas condições perfeitas.

Começar há-de tornar

As condições que criar

Perfeitas das mal atreitas.

Sonho

Por muito que me aborreça,

Ainda bem que o sonho tropeça,

Senão perderia da realidade o treino.

É bom que o sonho permaneça

No próprio reino.

Atrai

É o igual que atrai o igual

Como a mudança, a mudança.

O mundo gira, afinal,

Para o bem e para o mal,

Todo entrançado em tal trança.

Levo

De mim levo quanto olhei,

O que fui capaz de olhar.

Por isso, porque te sei,

Te quero aqui quando a lei

Do final olhar chegar.

Piloto

O piloto que forceja

Contra a tempestade, arrisca.

O que paira e que veleja,

Toma o vento tal qual seja,

Segura a rota que risca.

Ama-o

Se um inimigo razão

Tem de te fazer abalo,

Emenda-te, ama-o então.

Se, porém, não tem razão,

Então ama-o a emendá-lo.

Peso

O peso do mundo

Não afecta a todos,

Que muitos, no fundo,

E de muitos modos,

Têm bem pouco mundo.

Tropeça

A vida bem arrumada

Não receia a língua má,

Que o touro, numa tourada,

Mesmo se salta a estacada,

Tropeça ao pulo que dá.

Passa

Não passa o livro, não passa

Tanto evento à flor da terra!

E pelo livro perpassa

E pela terra a desgraça

De quem do que faz tudo erra.

Opressão

Onde quer que haja opressão

Tem de haver gente vulgar

Que é boa de coração,

Ao vero mal em questão

A cara ao lado a virar.

Climática

Sem uma acção concertada

Na climática mudança,

A geração aguardada

Há-de ser tostada, assada,

Muito além do que se alcança.

Grandes

Pouco a pouco operam as gestas grandes.

Para concluí-las com brevidade coerente

O melhor arbítrio requer que as comandes

E que as não queiras, impaciente,

Findar de repente.

 Peça

Que ninguém peça

Que o mereça

O que o mundo lhe traz.

Se queres que aconteça,

Faz!

Idade

O amor não tem idade

Por mais rugas que tenha.

E tem a capacidade

De ter a mesma propriedade

Noutro qualquer amor que advenha.

Miúdo

De novo miúdo ser...

Que riqueza a da ingenuidade,

Nada saber para nada sofrer!

Atingir, por maturidade,

O miúdo de novo a acontecer...

Contente

O contentado

É uma vítima jacente,

Já morreu suicidado.

O contente

Vive esperançado.