DA  IRONIA  AO  BOM-HUMOR

 

 

 

Prova

 

Se eu tiver um grande sonho

E houver muito antagonista

É a prova de que disponho

Da viabilidade em vista.

 

 

Mesmo

 

Senso comum, bom humor

São o mesmo patamar:

Bom humor é como pôr

Senso comum a dançar.

 

 

Espaço

 

Dar espaço pode ser

Respeitar a solidão,

Não a desculpa acolher

De que os trabalhos de casa,

Nos prazos feitos que apraza,

Todos os comeu o cão.

 

 

Belo

 

Tudo o que é belo preza,

Anotando, porém,

Que não podes comer a beleza:

 Ela não alimenta ninguém.

 

 

Encontrará

 

Se algo quiser fazer,

Encontrará uma maneira.

Se não quer,

Tem logo uma desculpa à beira.

 

 

Explodir

 

O sucesso dá-te gozo

Até te explodir de inchaço.

Sucesso é mais perigoso,

Muito mais do que fracasso.

 

 

Tipicamente

 

Tão tipicamente humano!

Elegem um psicopata,

Dão-lhe poder absoluto por engano

E depois choram a malapata

Que os levou, em conclusão,

À beira da destruição.

 

 

Ilusões

 

Ilusões nascem na mente

E ali são alimentadas.

Virtudes é diferente:

Morrem de fome, coitadas!

 

 

Sempre

 

Ao que sempre estiver certo

Ante os demais sempre errados,

Nada na vida decerto

Bem lhe corre nos telhados:

 

Se o lar dele é deplorável,

É de outrem ser intragável!

 

- Tudo embora o contradiga,

Nada do dogma o desliga.

 

 

Difícil

 

Fácil é fazer

A guerra.

Difícil, mesmo para o mais capaz,

É, na terra,

Manter

A paz.

 

É o desafio

Inteligente

De encontrar o fio

Do bem comum de toda a gente.

 

Quando há guerra, é que alguém

Não foi suficientemente

Inteligente

Para a alegria que de irmos juntos nos advém.

 

Até à taxa

De esperteza dum calhau

A guerra nos rebaixa.

- E há quem julgue que não é mau!...

 

 

Antes

 

Toda a criança é inteligente.

Se parece mais esperta,

É que, antes, nenhum parente

Lhe fechou a porta aberta.

 

 

Preguicite

 

Preguicite: a epidemia

Da criança até ao adulto

Que o aluno ataca,

Dia após dia,

E mantém estulto,

Com mais cascos que uma vaca

Mas sem úbere de leite

Que as refeições nos deleite.

 

Apenas um antídoto a cura:

Um projecto que entusiasme

O aluno que nele captura.

Desde que o produto final pasme,

Mais que qualquer prova singular,

Aqueles a quem o aluno amar.

 

 

Alvor

 

Para todos, na magia

Do alvor que a manhã dimana,

Façamos de cada dia

Um longo fim-de-semana.

 

 

Informação

 

Mais informação, contra o que seria de supor

Dos temporais ao vento,

Não é mais nem melhor

Conhecimento.

É apenas o engulho

De muito barulho

E entulho.

 

 

Fique

 

Há quem, de medo em medo,

Fique tão assustadiço

Que, credo,

Por isso

Finde a medo ter de ter medo...

 

Numa criança é o fim da linha:

Finda a campina maninha.

 

 

Ganhar

 

O medo de não ser capaz

Lembre

Que é parte do gosto que se traz

De ganhar sempre.

 

 

Tentação

 

Perante a tentação de desistir

Ao mais pequeno solavanco,

Após uma tarefa assumir

Até ao fim terá de persistir

Ou findará manco.

Não há estrada

Para quem quer tudo e não faz nada.

 

 

Apenas

 

Criança desmotivada

Na preguiceira?

É apenas assustada

E batoteira.

 

 

Transformar

 

Transformar um exame num papão

É como nos Descobrimentos

Gritar: “Há cada dragão

No mar dos tormentos!”

Então, se não fora a ida,

Teria sido uma oportunidade perdida.

 

 

Passear

 

Passear os livros

É meio caminho andado

Para passear nos livros

Com significado.

 

Quem nos livros não passeia

Não aprende, nem à boleia.

 

 

Criança

 

Criança que não pensa e só repete

Tem bom resultado escolar.

Não recria, como lhe compete.

Disto em lugar,

O que a atitude rende

É que, no fundo, a criança não aprende.

 

 

Porvir

 

O porvir continuará feito

Do homem imperfeito.

 

Mas aceita, acarinha e é grato

Aos que trazem singularidade

Amor pelo saber, paixão pela vida,

Ao pacato

Cidadão cuja individualidade

Anda por aí distraída.

 

É que, das funduras do fundo,

São aqueles que mudam o mundo.

 

 

Adora

 

Criança não gosta de trabalhar

Mas adora aprender.

Diverte-se ao se fincar

Em vencer.

 

Embora dê uma trabalheira,

Tudo é gozo em tal canseira.

 

 

Família

 

A família tem pais e filhos,

Falta-lhe, em geral, o espírito santo,

Para viver no encanto

Dos brilhos

Que hauriria

Se fora o lugar onde se estaria

Em deus,

Cá na terra, não nos céus.

 

Um lugar de comunhão

Tamanha

Que paz, bondade,

Beleza e verdade

Que ali se ganha

Gerarão

O entusiasmo:

Aí, cheio de Deus, pasmo.

 

Até onde algo disto houver gerado

A família é o lugar do sagrado.

 

 

Todos

 

A família ideal

Onde todos são amigos

Não é real,

Não existem tais abrigos.

 

A rasoira todos a igualar

A todos retira o respectivo lugar:

 

Não há pais, avós, tios nem primos,

Tudo confundido nos imaginários cimos.

 

Sem cada um na respectiva lista,

Talvez a família já nem exista.

 

 

Espírito

 

O espírito de família,

Por entre descuido, desmazelo ou desconsideração

Entre todos em quezília,

Geração a geração,

Não passa dum chá de tília

De ficção.

 

 

Avós

 

Os avós têm direito a ser avós,

Apenas,

Tornando as regras mais amenas,

Açucaradas de brandura com uns pós.

 

Com jeitos tais

Amadureceram

Que findam sendo melhores pais

Do que como pais eram.

 

 

Sereno

 

Um avô justo e sereno tropeça,

Firme embora e bondoso até mais não,

Se ao neto não desarruma a cabeça

E despenteia o coração.

 

 

Doem

 

Aos avós doem artelhos

Mas têm mágicos pós.

Os sábios nunca são velhos,

Simplesmente são avós.

 

 

Reformas

 

Quem pedir reformas estruturais

Sem lograr definir quais

 

É uma boca desbocada,

Sem estrutura, atoleimada.

 

Pardais

A voar por toda a estrada,

Sem discernirem sinais

De jornada.

 

Do poder na bancada,

Aos gritos,

Não passam de espantalhos aflitos

Que não entendem nada de nada.

 

Cada ideia,

Em vez de cheia,

 

É mera ideia amolgada

Duma cabeça com pancada.

 

 

Prisão

 

A prisão domiciliária

A um bebé, por mais jucundo,

Servida em dose diária,

Não sabe ao melhor do mundo.

 

 

Sempre

 

A mãe anda sempre ausente

E o pai, sempre atrapalhado?

Há um bebé presente

Nalgum lado.

 

 

Saudável

 

Toda a mãe saudável tem o direito

Milenar

Ao defeito

De se esganiçar!

 

 

Gira

 

“Um dia vou-me embora” – diz a mãe –

“E vão ver a falta que faço!”

E a gente a pensar: “Que gira fica também

Do mau génio com o traço!”

 

 

Aconchega

 

Passa da fúria de leoa

À maior das ternuras

No beijo em que ecoa:

“Ah! Coisinha boa!”

- E aconchega no berço as pequeninas criaturas.

 

 

Quem

 

Quem é que faz o jantar,

Tem a mania de achar

 

Que a sopa é mesmo importante,

Que o peixe, vida adiante,

 

Torna o filho inteligente,

Que o vegetal o acrescente,

 

Que de cenoura uns palitos

Tornam os olhos bonitos,

 

Que a batata frita resta

Como aquilo que não presta,

 

Que o sumo, de açucarado,

Põe-lhe o filho abatatado,

 

Que a doçura, de repente,

Faz cair da boca o dente,

 

Que a bolacha é proibida

Antes de qualquer comida?...

 

- Quem há-de ser então, quem?

Doutora disto, só a mãe!

 

 

Tretas

 

São tantas tretas e lérias

Que a mãe levam a dizer:

“Qualquer dia tiro férias

De mãe e vocês vão ver!”

 

 

Perde

 

Até pode ser bom pai

Sem ser mais um rezingão,

Mas de alma um pouco se esvai,

Falta um pouco de paixão.

 

 

Seis

 

Aquele que tem seis filhos

Será sempre mais feliz

Que o que tiver seis milhões.

Não é por mundanos brilhos:

É que o dos milhões só quis

E quer mais e mais dobrões...

Ao dos filhos já lhe basta

Cada um de sua casta.

 

Importa

 

Tem um filho adolescente?

Importa então ter um cão,

Para em casa alguém contente

Ter sempre de o ver então.

 

 

Visionário

 

Visionário não é, não,

O que só vive de enganos,

É aquele que tem razão

Passadas dezenas de anos.

 

 

Muda

 

Muito há quem queira mudar,

Mas, quando a muda se apura,

Afinal não tem lugar:
Muda só o que é sem ruptura.

 

 

Tempos

 

Os tempos mudaram

Mas eles não viram...

Se com sebo untaram

Mentes que deliram,

Talvez menos turvas

Não rujam nas curvas.

 

- Para atingir siso

Que será preciso?

 

 

Topo

 

Os do topo da nação

Andam de peito emproado,

Os homens simples serão

Para eles mero gado.

 

 

Beberem

 

Podem ser bons os itinerários,

Mas quer a sina

Que os carros (mais que antes os cavalos e os dromedários)

Não andem sem beberem gasolina.

 

Boas condições de vida?...

- Como vivê-las se de todo quase

Falta a base

Da comida?

 

 

Tecer

 

Tecer uma capa à volta da vida,

A livrar-me de responsabilidades...

Raptado por extraterrestres, que subida

Promoção perante as dificuldades!

 

Ser vítima dum culto satânico,

Que maravilha!

Nenhum pânico

Invadirá doravante a minha ilha.

 

Refugiado dentro da capa

Todo o mundo escapa.

 

- Que importa a realidade?

Nela nada vêem que lhes agrade...

 

 

Poder

 

Poder...

O poder garante respeito,

Quem o detiver

Fala e é ouvido,

Prestam-lhe preito,

Manda e é obedecido,

Não teme e é temido.

 

Dinheiro, educação, altos cargos,

Nada disto confere,

Automático, o poder.

Pode mesmo opor-lhe embargos.

 

O poder radica na convicção

Que outrem tem

De que ele mora, é um condão

Em alguém.

 

Verga toda a gente

À vontade, de repente,

 

De quem é, por sinal,

A todos os mais igual.

 

 

Ir

 

O lugar

De ir mais além...

Nisto ao menos podemos confiar:

- Não podemos confiar em ninguém.

Somos tão fracos

Que o mundo ficaria em cacos.

 

 

Verdadeira

 

Verdadeira solidão

É a que se atinja

Vivendo entre os simpáticos cuja questão

É que só querem que se finja.

A verdade?!

Mas a quem é que ali persuade?

 

 

Arrancá-los

 

Há os que nasceram num trilho

E ninguém conseguirá,

Por maior que seja o sarilho

Ou a atracção dum novo brilho,

Arrancá-los de lá.

 

 

Querelas

 

As guerras, as contendas, os conflitos,

São tudo querelas medievais

De sábios que se interpelam aos gritos

Acerca de sexos angelicais.

 

Ninguém os entende...

Todavia,

O que todo o mundo compreende

É que, enquanto disputam,

Constantinopla (que ignoram e apupam)

Nas mãos do inimigo, dia a dia,

Mais caía.

 

- É sempre outra a verdadeira guerra

Que ocorre na terra.

 

 

Debaixo

 

Debaixo da estupidez

Há coisas tão delicadas,

De tão luminosa tez,

Que o mais, quando comparadas,

Pouco importa a relevância,

É mesmo sem importância.

 

 

Mentiroso

 

Mentiroso inteligente

Pormenoriza a questão.

Mais inteligente? Mente

Mas sem pormenor então.

 

 

Estranho

 

É o amor um entremez

Dum estranho rosto e tez:

Sempre que o vejo de viés,

É sempre a primeira vez!...

- Quantos rostos, é esquisito,

É que terá o Infinito?

 

 

Mísseis

 

Se hoje é com mísseis a guerra,

Que importa me fatigar

Se ao que a minha mão se aferra

É só a pedras lhe atirar?

 

 

Uivar

 

Um cão a uivar na noite,

Focinho apontado ao céu,

A saudade de não ter quem inteiro o acoite...

- Aquele cão sou eu!

 

 

Visar

 

Ao visar tudo o que almejas,

Repara-lhe bem no selo:

Cuidado com o que desejas,

Podes obtê-lo.

 

 

Bater

 

Talvez de bater no fundo

Tenhamos desta imundície

Para abrir trilho fecundo

A irromper à superfície.

 

 

Ligar

 

Toda a pessoa acredita

No que quer acreditar,

Sem ligar nada ao que dita

O que tem perante o olhar.

 

 

Homens

 

Homens há que não têm pénis, não:

Pelo uso que lhe dão,

É uma varinha de condão.

 

E transformam todas as princesas

Em pobres camponesas

Derrubadas no chão.

 

Apenas são bravos

Num mundo de escravos:

Que pena ter acabado a servidão!

 

Nunca descobrem que existem as almas:

Pois se até todo o mundo lhes bate palmas!...

 

 

Apenas

 

Ser um pouco louco,

A sério e não por engano,

Não é muito nem é pouco,

É apenas humano.

 

 

Entende

 

Qualquer um quer ser ouvido,

Mas entende a distinção

Entre falar com sentido

E só chamar a atenção?

 

 

Biliões

 

A via Láctea terá

Aí cem biliões de estrelas,

Um trilião de planetas...

E para além haverá

Outros cem biliões de belas

Galáxias de mil facetas!

E é um conhecido pequeno

Naco do infindo terreno...

 

Então que importância tem

A roupa inda por lavar

Ou aquela parvoíce

Que outrem acaso te disse,

Se dum qualquer fungo nem

Tem o peso que pesar?

 

 

Floresta

 

Como a floresta é saúde,

É de a saúde tratar,

Antes que em deserto mude

O passeio a passear.

 

 

Após

 

Após a tumultuosa romaria,

Do retorno nas decepcionadas calmas,

Vimos cheios, ao fim do dia,

De poeira nas almas.

 

 

Edulcora

 

Da vida edulcora a espelunca

O sonho que a junca

E, ao sonharmos,

É infinitamente mais belo se nunca

O realizarmos.

 

 

Assenta-lhe

 

Qualquer coroa

Que alguém enobreça,

Por muito boa

Que pareça,

Assenta-lhe também à toa

Como uma dor de cabeça.

 

 

Fruto

 

O fruto proibido

É o mais desejado.

Porém, de árvore caído,

Já não é tão procurado.

 

É culpa?

É de ficar ao alcance?

É de se não merecer?

Que é que desculpa

O lance

De tal inesperado ocorrer?

 

- Que assustador

O desejado ali à frente a se nos propor!

 

 

Vista

 

Do ponto de vista do chão,

As pessoas são calçado:

Sandálias, no Verão;

Botas, no Inverno molhado...

- Eis como os terráqueos verão

Todo um Universo desfraldado.

 

 

Verdadeiro

 

O verdadeiro presente

Duma época de festas

É chegar lá, é evidente.

Mas, limadas as arestas

Das novidades, enfim,

O melhor presente -  é o fim!

 

 

Espera

 

À espera de que ele mude

À espera de que mude ela,

Toda a gente eis que se ilude,

Finda o amor numa balela.

 

 

Fina

 

Têm todos os direitos,

Consideração nenhuma

Por ninguém.

São a fina flor: só preitos

Na espuma

Dos dias que vêm.

Não há o perigo sequer

De algum dia, de tal atitude

Em virtude,

O mundo vir a se entender...

 

Então tudo se esbarronda

Dos desprezados na ronda.

 

E aqueles, caídos na estrada,

Nunca terão dado por nada...

 

 

Varia

 

Varia a felicidade

Com um estranho fermento:

Das relações humanas depende da qualidade,

Não do monetário rendimento.

 

 

Corpo

 

Nosso corpo recompensa

O que é benéfico à vida:

Do que é doce eis a sentença,

Do chocolate à bebida.

 

O problema é de parar,

Que ele mal sabe travar.

 

Quando muito, se ele briga,

Dá-nos a dor de barriga.

 

É neste desequilíbrio

Que ao fim caio no ludíbrio.

 

 

Problema

 

O problema do mau tempo

É do agasalho que poupa:

Se ao mau tempo as vinhas empo,

Não há mau tempo, há má roupa.

 

 

Adoras

 

Quando adoras viajar

E viajar é que te abrasa,

Se não vais ao tal lugar,

Traz o lugar até casa.

 

 

Menos

 

Quanto mais fanfarronice

E ostentação,

Menos bem-estar que se visse

À mão.

 

 

Jogos

 

Jogos de computador...

Dou-me com tecnologia

Em vez de dar-me ao calor

Com os mais, no dia-a-dia.

 

 

Produto

 

O produto interno bruto

Não nos traduz a saúde,

Da educação o usufruto,

Nem a alegria que grude

A criança à brincadeira

Quando lança uma joeira.

 

Jamais inclui a beleza

Que haja em nossa poesia,

Nem robustez nem presteza

Que ter qualquer lar devia,

Nem que inteligência tem

Um político também...

 

Mede tudo, tudo, tudo,

Menos o que faz que a vida,

Do pequeno ao mais graúdo,

Valha a pena ser vivida.

 

O produto interno bruto

É bruto em todo o produto.

 

 

Cama

 

Ias para a cama com inúmeras mulheres,

A comprovar a evidência

De com todas teres

A mesma experiência.

 

Vais para a cama só com tua mulher,

O que prova

Que juntos se calhar irão ter

Uma experiência nova.

 

 

Ajuda

 

Qualquer ajuda é um prestimoso

Dolo

Quando é sobre outrem um escudo luminoso

Do controlo.

 

 

Cheios

 

Todos cheios de horror,

Se nos casarmos para lhe fugir,

Casaremos horror com horror

De qualquer outro sofredor,

Sem mais nada conseguir.

 

Ficarão os horrores com o casamento

E nós, com o sofrimento.

 

E no fim, para mais horror,

Chamaremos a isto amor.

 

 

Minuto

 

Uma criança pequena

Num minuto sem vigia

Fará mais que a maioria

Dos adultos que haja em cena

Logrará fazer num dia.

 

 

Mais

 

Não sei se mais preocupado

Fico com aquele filho

Que aqui fora me há deixado,

Se com o outro que, com brilho,

Me mostrou ter, sem sarilho,

A fechadura arrombado...

 

 

Loucura

 

Pela loucura que encerra,

Ninguém pode aconselhar

Ninguém a ir para a guerra

Nem a casar.

 

 

Cada

 

Cada falhanço

É um meu e só meu mau bocado,

Cada triunfo que alcanço

É por meio mundo partilhado.

 

 

Génio

 

O génio tem um conjunto limitado

De ferramentas:

Tens um martelo a teu lado,

Génio são os pregos que encontrar tentas.

 

 

Contamo-nos

 

Contamo-nos histórias

Para vivermos,

Até da vida as glórias

Que ter não pudermos.

 

 

Acredita

 

Acredita em quem procura

A verdade em qualquer montra,

Mas duvida da postura

De quem pretende que a encontra.

 

 

Opera

 

A gratidão é vacina,

Do mal-estar um emético,

Uma anti-toxina

E um anti-séptico.

- Opera de tal maneira

Que não há mal que nos queira.

 

 

Dinheiro

 

Se o dinheiro é mau,

Matéria sem nada de espiritual,

Da míngua dele apanho com o varapau

Em meu costado real:

Assim o sonhei,

Assim o terei.

Aquilo em que acredito

É o que em minha vida concito.

 

 

Ganhou

 

Quem ganhou a lotaria

Perde o dinheiro a seguir,

Mais dívida a contrair

Do que a que outrora teria.

Soube atrair o dinheiro.

Prendê-lo, não. Tem mau cheiro...

 

 

Pensar

 

Ao pensar no que fazer

Com o dinheiro,

A alegria que tiver

Trepa a um píncaro altaneiro.

 

Imagino-me com aquilo de que gosto,

A fazer o que adoro,

Tendo tudo em que aposto...

 

- E logo moro

Num palácio de amor

Cujo cheiro

É bem melhor

Que o do dinheiro.

 

 

Imagine

 

Imagine que está com o que ama,

O que ama a fazer,

A ter o que ama.

Mais amor daqui vai decorrer,

Certeiro,

Do que ao pensar apenas em dinheiro.

 

 

Factos

 

Os factos da ligação

De tudo e todos no mundo

Tanto surpreenderão

Que parece que, jucundo,

 

Desenhou Deus o planeta

A traços de fita métrica,

Ligando todos à meta

Duma qualquer rede eléctrica.

 

 

Repara

 

O que manipula afasta

Os que lhe são mais chegados.

Depois repara e se agasta:

- Por si não há interessados!

 

 

Nenhum

 

Nenhum manipulador

Ouve outro ponto de vista,

Manda até doutrem no amor,

É um deus de ignorada lista.

 

 

Ante

 

Ante o divórcio ou separação

Que a lei nos põe à mão,

O manipulador deve

Gritar de surpresa:

- Como é que a lei se atreve

A roubar-me a minha presa?!

 

 

Inventor

 

O inventor que recordamos

Não inventa em norma nada.

Agarra inventos, na estrada,

Doutrem que nem suspeitamos

E transforma-os, de impensáveis,

Em comercialmente viáveis.

 

 

Enquanto

 

Se a vida é quanto acontece

Enquanto ando noutra onda,

Ser progenitor merece

Que o mundo inteiro se esconda,

 

Ou de pernas para o ar

Vá todo se derramar,

 

Que não lhe encontro nas faldas

Onde se escondem as fraldas,

 

Nem sequer, quando tal calha,

Mesmo uma simples toalha,

 

Ou então, o que é pior,

A minha voz interior.

 

 

Beleza

 

A beleza, quando advém,

Não é nunca jóia rara:

Toda a gente a cheirar bem

Com um sorriso na cara.

 

 

Esperteza

 

Se algum dia extraterrestres

Houvermos nós encontrado,

Que a esperteza em que são mestres

Não tenham cá procurado!

É que, enfim, para tal meta,

Erraram mesmo o planeta...

 

 

Segue

 

No mundo, a consideração

Segue, cedo ou tarde, a opulência.

A indecência

Toma o lugar da razão.

 

Ora, vivendo todos no mundo,

Que futuro mais jucundo!

 

E que senão

Mancha então

Quanto nele for fecundo!

 

 

Erguida

 

A mulher mora

Muito erguida em teu coração?

Então

Agora,

Inatingível senhora,

É um ponto de exclamação!

 

 

Ar

 

Não sei se é dos tabefes,

Se do vozeirão cheio de poeira,

Sempre sofrem os chefes

De correntes de ar na mioleira.

 

 

Voz

 

Diz a voz cordata

Do herói peito a encher:

- Nada a mim me mata...

Antes de eu morrer!

 

 

Suporta

 

Quem de frente,

Com os pés no enxuto,

Não suporta corajosamente

Doutrem o luto?

Quem doutrem a traça,

Refastelado comodamente,

Não suporta da desgraça?

 

 

Grandes

 

Os grandes e ricos

São por norma tolos.

Dos pobres os bicos

Bicam-lhes os bolos.

 

Doutro modo aqueles

Nem lhes poupariam

Sequer mesmo as peles,

Todos os comiam.

 

É a tolice rica

Que o pobre debica.

 

 

Forte

 

O amor será mais forte que a fartura,

Mais forte que as riquezas e os tesoiros,

Mas precisa do auxílio de tais oiros,

Que nada desespera a afeição pura

Senão contra vontade ser levado

O amor de esterco a ser alimentado.

 

 

Discórdia

 

Amor, eleições,

À discórdia humana

Não faltam razões

Por onde ela emana.

 

E é sempre matéria

Digna de pilhéria:

Quem, ao fim, engana

A fazer de séria?

 

 

Tornar

 

Não há nada como o amor

A tornar original

O que é comum, sem valor,

E a tornar novo, afinal,

O que, ante qualquer conselho,

Há muito morreu de velho.

 

 

Mortos

 

Os mortos vão-se depressa

E os velhos depressa vão

Mais que os mortos para a essa...

- Viva a juventude em vão!

 

 

Pontual

 

Pontual no cumprimento

Do dever religioso?

- Interiormente o momento

É do incrédulo orgulhoso.

 

 

Incómodo

 

O incómodo preferível

Jamais é a um bem gozado.

Mas o incómodo é aprazível

Se culminar num legado.

 

 

 

 

 

 

 

ÍNDICE

 

 

Votos

 

Quadras regulares

 

Quadras irregulares

 

Quintilhas

 

Sextilhas regulares

 

Sextilhas irregulares

 

Sonetos

 

Poemas regulares

 

Poemas irregulares

 

Da ironia ao bom-humor