DA IRONIA AO BOM-HUMOR
Prova
Se eu tiver um grande sonho
E houver muito antagonista
É a prova de que disponho
Da viabilidade em vista.
Mesmo
Senso comum, bom humor
São o mesmo patamar:
Bom humor é como pôr
Senso comum a dançar.
Espaço
Dar espaço pode ser
Respeitar a solidão,
Não a desculpa acolher
De que os trabalhos de casa,
Nos prazos feitos que apraza,
Todos os comeu o cão.
Belo
Tudo o que é belo preza,
Anotando, porém,
Que não podes comer a beleza:
Ela não alimenta ninguém.
Encontrará
Se algo quiser fazer,
Encontrará uma maneira.
Se não quer,
Tem logo uma desculpa à beira.
Explodir
O sucesso dá-te gozo
Até te explodir de inchaço.
Sucesso é mais perigoso,
Muito mais do que fracasso.
Tipicamente
Tão tipicamente humano!
Elegem um psicopata,
Dão-lhe poder absoluto por engano
E depois choram a malapata
Que os levou, em conclusão,
À beira da destruição.
Ilusões
Ilusões nascem na mente
E ali são alimentadas.
Virtudes é diferente:
Morrem de fome, coitadas!
Sempre
Ao que sempre estiver certo
Ante os demais sempre errados,
Nada na vida decerto
Bem lhe corre nos telhados:
Se o lar dele é deplorável,
É de outrem ser intragável!
- Tudo embora o contradiga,
Nada do dogma o desliga.
Difícil
Fácil é fazer
A guerra.
Difícil, mesmo para o mais capaz,
É, na terra,
Manter
A paz.
É o desafio
Inteligente
De encontrar o fio
Do bem comum de toda a gente.
Quando há guerra, é que alguém
Não foi suficientemente
Inteligente
Para a alegria que de irmos juntos nos advém.
Até à taxa
De esperteza dum calhau
A guerra nos rebaixa.
- E há quem julgue que não é mau!...
Antes
Toda a criança é inteligente.
Se parece mais esperta,
É que, antes, nenhum parente
Lhe fechou a porta aberta.
Preguicite
Preguicite: a epidemia
Da criança até ao adulto
Que o aluno ataca,
Dia após dia,
E mantém estulto,
Com mais cascos que uma vaca
Mas sem úbere de leite
Que as refeições nos deleite.
Apenas um antídoto a cura:
Um projecto que entusiasme
O aluno que nele captura.
Desde que o produto final pasme,
Mais que qualquer prova singular,
Aqueles a quem o aluno amar.
Alvor
Para todos, na magia
Do alvor que a manhã dimana,
Façamos de cada dia
Um longo fim-de-semana.
Informação
Mais informação, contra o que seria de supor
Dos temporais ao vento,
Não é mais nem melhor
Conhecimento.
É apenas o engulho
De muito barulho
E entulho.
Fique
Há quem, de medo em medo,
Fique tão assustadiço
Que, credo,
Por isso
Finde a medo ter de ter medo...
Numa criança é o fim da linha:
Finda a campina maninha.
Ganhar
O medo de não ser capaz
Lembre
Que é parte do gosto que se traz
De ganhar sempre.
Tentação
Perante a tentação de desistir
Ao mais pequeno solavanco,
Após uma tarefa assumir
Até ao fim terá de persistir
Ou findará manco.
Não há estrada
Para quem quer tudo e não faz nada.
Apenas
Criança desmotivada
Na preguiceira?
É apenas assustada
E batoteira.
Transformar
Transformar um exame num papão
É como nos Descobrimentos
Gritar: “Há cada dragão
No mar dos tormentos!”
Então, se não fora a ida,
Teria sido uma oportunidade perdida.
Passear
Passear os livros
É meio caminho andado
Para passear nos livros
Com significado.
Quem nos livros não passeia
Não aprende, nem à boleia.
Criança
Criança que não pensa e só repete
Tem bom resultado escolar.
Não recria, como lhe compete.
Disto em lugar,
O que a atitude rende
É que, no fundo, a criança não aprende.
Porvir
O porvir continuará feito
Do homem imperfeito.
Mas aceita, acarinha e é grato
Aos que trazem singularidade
Amor pelo saber, paixão pela vida,
Ao pacato
Cidadão cuja individualidade
Anda por aí distraída.
É que, das funduras do fundo,
São aqueles que mudam o mundo.
Adora
Criança não gosta de trabalhar
Mas adora aprender.
Diverte-se ao se fincar
Em vencer.
Embora dê uma trabalheira,
Tudo é gozo em tal canseira.
Família
A família tem pais e filhos,
Falta-lhe, em geral, o espírito santo,
Para viver no encanto
Dos brilhos
Que hauriria
Se fora o lugar onde se estaria
Em deus,
Cá na terra, não nos céus.
Um lugar de comunhão
Tamanha
Que paz, bondade,
Beleza e verdade
Que ali se ganha
Gerarão
O entusiasmo:
Aí, cheio de Deus, pasmo.
Até onde algo disto houver gerado
A família é o lugar do sagrado.
Todos
A família ideal
Onde todos são amigos
Não é real,
Não existem tais abrigos.
A rasoira todos a igualar
A todos retira o respectivo lugar:
Não há pais, avós, tios nem primos,
Tudo confundido nos imaginários cimos.
Sem cada um na respectiva lista,
Talvez a família já nem exista.
Espírito
O espírito de família,
Por entre descuido, desmazelo ou desconsideração
Entre todos em quezília,
Geração a geração,
Não passa dum chá de tília
De ficção.
Avós
Os avós têm direito a ser avós,
Apenas,
Tornando as regras mais amenas,
Açucaradas de brandura com uns pós.
Com jeitos tais
Amadureceram
Que findam sendo melhores pais
Do que como pais eram.
Sereno
Um avô justo e sereno tropeça,
Firme embora e bondoso até mais não,
Se ao neto não desarruma a cabeça
E despenteia o coração.
Doem
Aos avós doem artelhos
Mas têm mágicos pós.
Os sábios nunca são velhos,
Simplesmente são avós.
Reformas
Quem pedir reformas estruturais
Sem lograr definir quais
É uma boca desbocada,
Sem estrutura, atoleimada.
Pardais
A voar por toda a estrada,
Sem discernirem sinais
De jornada.
Do poder na bancada,
Aos gritos,
Não passam de espantalhos aflitos
Que não entendem nada de nada.
Cada ideia,
Em vez de cheia,
É mera ideia amolgada
Duma cabeça com pancada.
Prisão
A prisão domiciliária
A um bebé, por mais jucundo,
Servida em dose diária,
Não sabe ao melhor do mundo.
Sempre
A mãe anda sempre ausente
E o pai, sempre atrapalhado?
Há um bebé presente
Nalgum lado.
Saudável
Toda a mãe saudável tem o direito
Milenar
Ao defeito
De se esganiçar!
Gira
“Um dia vou-me embora” – diz a mãe –
“E vão ver a falta que faço!”
E a gente a pensar: “Que gira fica também
Do mau génio com o traço!”
Aconchega
Passa da fúria de leoa
À maior das ternuras
No beijo em que ecoa:
“Ah! Coisinha boa!”
- E aconchega no berço as pequeninas criaturas.
Quem
Quem é que faz o jantar,
Tem a mania de achar
Que a sopa é mesmo importante,
Que o peixe, vida adiante,
Torna o filho inteligente,
Que o vegetal o acrescente,
Que de cenoura uns palitos
Tornam os olhos bonitos,
Que a batata frita resta
Como aquilo que não presta,
Que o sumo, de açucarado,
Põe-lhe o filho abatatado,
Que a doçura, de repente,
Faz cair da boca o dente,
Que a bolacha é proibida
Antes de qualquer comida?...
- Quem há-de ser então, quem?
Doutora disto, só a mãe!
Tretas
São tantas tretas e lérias
Que a mãe levam a dizer:
“Qualquer dia tiro férias
De mãe e vocês vão ver!”
Perde
Até pode ser bom pai
Sem ser mais um rezingão,
Mas de alma um pouco se esvai,
Falta um pouco de paixão.
Seis
Aquele que tem seis filhos
Será sempre mais feliz
Que o que tiver seis milhões.
Não é por mundanos brilhos:
É que o dos milhões só quis
E quer mais e mais dobrões...
Ao dos filhos já lhe basta
Cada um de sua casta.
Importa
Tem um filho adolescente?
Importa então ter um cão,
Para em casa alguém contente
Ter sempre de o ver então.
Visionário
Visionário não é, não,
O que só vive de enganos,
É aquele que tem razão
Passadas dezenas de anos.
Muda
Muito há quem queira mudar,
Mas, quando a muda se apura,
Afinal não tem
lugar:
Muda só o que é sem ruptura.
Tempos
Os tempos mudaram
Mas eles não viram...
Se com sebo untaram
Mentes que deliram,
Talvez menos turvas
Não rujam nas curvas.
- Para atingir siso
Que será preciso?
Topo
Os do topo da nação
Andam de peito emproado,
Os homens simples serão
Para eles mero gado.
Beberem
Podem ser bons os itinerários,
Mas quer a sina
Que os carros (mais que antes os cavalos e os dromedários)
Não andem sem beberem gasolina.
Boas condições de vida?...
- Como vivê-las se de todo quase
Falta a base
Da comida?
Tecer
Tecer uma capa à volta da vida,
A livrar-me de responsabilidades...
Raptado por extraterrestres, que subida
Promoção perante as dificuldades!
Ser vítima dum culto satânico,
Que maravilha!
Nenhum pânico
Invadirá doravante a minha ilha.
Refugiado dentro da capa
Todo o mundo escapa.
- Que importa a realidade?
Nela nada vêem que lhes agrade...
Poder
Poder...
O poder garante respeito,
Quem o detiver
Fala e é ouvido,
Prestam-lhe preito,
Manda e é obedecido,
Não teme e é temido.
Dinheiro, educação, altos cargos,
Nada disto confere,
Automático, o poder.
Pode mesmo opor-lhe embargos.
O poder radica na convicção
Que outrem tem
De que ele mora, é um condão
Em alguém.
Verga toda a gente
À vontade, de repente,
De quem é, por sinal,
A todos os mais igual.
Ir
O lugar
De ir mais além...
Nisto ao menos podemos confiar:
- Não podemos confiar em ninguém.
Somos tão fracos
Que o mundo ficaria em cacos.
Verdadeira
Verdadeira solidão
É a que se atinja
Vivendo entre os simpáticos cuja questão
É que só querem que se finja.
A verdade?!
Mas a quem é que ali persuade?
Arrancá-los
Há os que nasceram num trilho
E ninguém conseguirá,
Por maior que seja o sarilho
Ou a atracção dum novo brilho,
Arrancá-los de lá.
Querelas
As guerras, as contendas, os conflitos,
São tudo querelas medievais
De sábios que se interpelam aos gritos
Acerca de sexos angelicais.
Ninguém os entende...
Todavia,
O que todo o mundo compreende
É que, enquanto disputam,
Constantinopla (que ignoram e apupam)
Nas mãos do inimigo, dia a dia,
Mais caía.
- É sempre outra a verdadeira guerra
Que ocorre na terra.
Debaixo
Debaixo da estupidez
Há coisas tão delicadas,
De tão luminosa tez,
Que o mais, quando comparadas,
Pouco importa a relevância,
É mesmo sem importância.
Mentiroso
Mentiroso inteligente
Pormenoriza a questão.
Mais inteligente? Mente
Mas sem pormenor então.
Estranho
É o amor um entremez
Dum estranho rosto e tez:
Sempre que o vejo de viés,
É sempre a primeira vez!...
- Quantos rostos, é esquisito,
É que terá o Infinito?
Mísseis
Se hoje é com mísseis a guerra,
Que importa me fatigar
Se ao que a minha mão se aferra
É só a pedras lhe atirar?
Uivar
Um cão a uivar na noite,
Focinho apontado ao céu,
A saudade de não ter quem inteiro o acoite...
- Aquele cão sou eu!
Visar
Ao visar tudo o que almejas,
Repara-lhe bem no selo:
Cuidado com o que desejas,
Podes obtê-lo.
Bater
Talvez de bater no fundo
Tenhamos desta imundície
Para abrir trilho fecundo
A irromper à superfície.
Ligar
Toda a pessoa acredita
No que quer acreditar,
Sem ligar nada ao que dita
O que tem perante o olhar.
Homens
Homens há que não têm pénis, não:
Pelo uso que lhe dão,
É uma varinha de condão.
E transformam todas as princesas
Em pobres camponesas
Derrubadas no chão.
Apenas são bravos
Num mundo de escravos:
Que pena ter acabado a servidão!
Nunca descobrem que existem as almas:
Pois se até todo o mundo lhes bate palmas!...
Apenas
Ser um pouco louco,
A sério e não por engano,
Não é muito nem é pouco,
É apenas humano.
Entende
Qualquer um quer ser ouvido,
Mas entende a distinção
Entre falar com sentido
E só chamar a atenção?
Biliões
A via Láctea terá
Aí cem biliões de estrelas,
Um trilião de planetas...
E para além haverá
Outros cem biliões de belas
Galáxias de mil facetas!
E é um conhecido pequeno
Naco do infindo terreno...
Então que importância tem
A roupa inda por lavar
Ou aquela parvoíce
Que outrem acaso te disse,
Se dum qualquer fungo nem
Tem o peso que pesar?
Floresta
Como a floresta é saúde,
É de a saúde tratar,
Antes que em deserto mude
O passeio a passear.
Após
Após a tumultuosa romaria,
Do retorno nas decepcionadas calmas,
Vimos cheios, ao fim do dia,
De poeira nas almas.
Edulcora
Da vida edulcora a espelunca
O sonho que a junca
E, ao sonharmos,
É infinitamente mais belo se nunca
O realizarmos.
Assenta-lhe
Qualquer coroa
Que alguém enobreça,
Por muito boa
Que pareça,
Assenta-lhe também à toa
Como uma dor de cabeça.
Fruto
O fruto proibido
É o mais desejado.
Porém, de árvore caído,
Já não é tão procurado.
É culpa?
É de ficar ao alcance?
É de se não merecer?
Que é que desculpa
O lance
De tal inesperado ocorrer?
- Que assustador
O desejado ali à frente a se nos propor!
Vista
Do ponto de vista do chão,
As pessoas são calçado:
Sandálias, no Verão;
Botas, no Inverno molhado...
- Eis como os terráqueos verão
Todo um Universo desfraldado.
Verdadeiro
O verdadeiro presente
Duma época de festas
É chegar lá, é evidente.
Mas, limadas as arestas
Das novidades, enfim,
O melhor presente - é o fim!
Espera
À espera de que ele mude
À espera de que mude ela,
Toda a gente eis que se ilude,
Finda o amor numa balela.
Fina
Têm todos os direitos,
Consideração nenhuma
Por ninguém.
São a fina flor: só preitos
Na espuma
Dos dias que vêm.
Não há o perigo sequer
De algum dia, de tal atitude
Em virtude,
O mundo vir a se entender...
Então tudo se esbarronda
Dos desprezados na ronda.
E aqueles, caídos na estrada,
Nunca terão dado por nada...
Varia
Varia a felicidade
Com um estranho fermento:
Das relações humanas depende da qualidade,
Não do monetário rendimento.
Corpo
Nosso corpo recompensa
O que é benéfico à vida:
Do que é doce eis a sentença,
Do chocolate à bebida.
O problema é de parar,
Que ele mal sabe travar.
Quando muito, se ele briga,
Dá-nos a dor de barriga.
É neste desequilíbrio
Que ao fim caio no ludíbrio.
Problema
O problema do mau tempo
É do agasalho que poupa:
Se ao mau tempo as vinhas empo,
Não há mau tempo, há má roupa.
Adoras
Quando adoras viajar
E viajar é que te abrasa,
Se não vais ao tal lugar,
Traz o lugar até casa.
Menos
Quanto mais fanfarronice
E ostentação,
Menos bem-estar que se visse
À mão.
Jogos
Jogos de computador...
Dou-me com tecnologia
Em vez de dar-me ao calor
Com os mais, no dia-a-dia.
Produto
O produto interno bruto
Não nos traduz a saúde,
Da educação o usufruto,
Nem a alegria que grude
A criança à brincadeira
Quando lança uma joeira.
Jamais inclui a beleza
Que haja em nossa poesia,
Nem robustez nem presteza
Que ter qualquer lar devia,
Nem que inteligência tem
Um político também...
Mede tudo, tudo, tudo,
Menos o que faz que a vida,
Do pequeno ao mais graúdo,
Valha a pena ser vivida.
O produto interno bruto
É bruto em todo o produto.
Cama
Ias para a cama com inúmeras mulheres,
A comprovar a evidência
De com todas teres
A mesma experiência.
Vais para a cama só com tua mulher,
O que prova
Que juntos se calhar irão ter
Uma experiência nova.
Ajuda
Qualquer ajuda é um prestimoso
Dolo
Quando é sobre outrem um escudo luminoso
Do controlo.
Cheios
Todos cheios de horror,
Se nos casarmos para lhe fugir,
Casaremos horror com horror
De qualquer outro sofredor,
Sem mais nada conseguir.
Ficarão os horrores com o casamento
E nós, com o sofrimento.
E no fim, para mais horror,
Chamaremos a isto amor.
Minuto
Uma criança pequena
Num minuto sem vigia
Fará mais que a maioria
Dos adultos que haja em cena
Logrará fazer num dia.
Mais
Não sei se mais preocupado
Fico com aquele filho
Que aqui fora me há deixado,
Se com o outro que, com brilho,
Me mostrou ter, sem sarilho,
A fechadura arrombado...
Loucura
Pela loucura que encerra,
Ninguém pode aconselhar
Ninguém a ir para a guerra
Nem a casar.
Cada
Cada falhanço
É um meu e só meu mau bocado,
Cada triunfo que alcanço
É por meio mundo partilhado.
Génio
O génio tem um conjunto limitado
De ferramentas:
Tens um martelo a teu lado,
Génio são os pregos que encontrar tentas.
Contamo-nos
Contamo-nos histórias
Para vivermos,
Até da vida as glórias
Que ter não pudermos.
Acredita
Acredita em quem procura
A verdade em qualquer montra,
Mas duvida da postura
De quem pretende que a encontra.
Opera
A gratidão é vacina,
Do mal-estar um emético,
Uma anti-toxina
E um anti-séptico.
- Opera de tal maneira
Que não há mal que nos queira.
Dinheiro
Se o dinheiro é mau,
Matéria sem nada de espiritual,
Da míngua dele apanho com o varapau
Em meu costado real:
Assim o sonhei,
Assim o terei.
Aquilo em que acredito
É o que em minha vida concito.
Ganhou
Quem ganhou a lotaria
Perde o dinheiro a seguir,
Mais dívida a contrair
Do que a que outrora teria.
Soube atrair o dinheiro.
Prendê-lo, não. Tem mau cheiro...
Pensar
Ao pensar no que fazer
Com o dinheiro,
A alegria que tiver
Trepa a um píncaro altaneiro.
Imagino-me com aquilo de que gosto,
A fazer o que adoro,
Tendo tudo em que aposto...
- E logo moro
Num palácio de amor
Cujo cheiro
É bem melhor
Que o do dinheiro.
Imagine
Imagine que está com o que ama,
O que ama a fazer,
A ter o que ama.
Mais amor daqui vai decorrer,
Certeiro,
Do que ao pensar apenas em dinheiro.
Factos
Os factos da ligação
De tudo e todos no mundo
Tanto surpreenderão
Que parece que, jucundo,
Desenhou Deus o planeta
A traços de fita métrica,
Ligando todos à meta
Duma qualquer rede eléctrica.
Repara
O que manipula afasta
Os que lhe são mais chegados.
Depois repara e se agasta:
- Por si não há interessados!
Nenhum
Nenhum manipulador
Ouve outro ponto de vista,
Manda até doutrem no amor,
É um deus de ignorada lista.
Ante
Ante o divórcio ou separação
Que a lei nos põe à mão,
O manipulador deve
Gritar de surpresa:
- Como é que a lei se atreve
A roubar-me a minha presa?!
Inventor
O inventor que recordamos
Não inventa em norma nada.
Agarra inventos, na estrada,
Doutrem que nem suspeitamos
E transforma-os, de impensáveis,
Em comercialmente viáveis.
Enquanto
Se a vida é quanto acontece
Enquanto ando noutra onda,
Ser progenitor merece
Que o mundo inteiro se esconda,
Ou de pernas para o ar
Vá todo se derramar,
Que não lhe encontro nas faldas
Onde se escondem as fraldas,
Nem sequer, quando tal calha,
Mesmo uma simples toalha,
Ou então, o que é pior,
A minha voz interior.
Beleza
A beleza, quando advém,
Não é nunca jóia rara:
Toda a gente a cheirar bem
Com um sorriso na cara.
Esperteza
Se algum dia extraterrestres
Houvermos nós encontrado,
Que a esperteza em que são mestres
Não tenham cá procurado!
É que, enfim, para tal meta,
Erraram mesmo o planeta...
Segue
No mundo, a consideração
Segue, cedo ou tarde, a opulência.
A indecência
Toma o lugar da razão.
Ora, vivendo todos no mundo,
Que futuro mais jucundo!
E que senão
Mancha então
Quanto nele for fecundo!
Erguida
A mulher mora
Muito erguida em teu coração?
Então
Agora,
Inatingível senhora,
É um ponto de exclamação!
Ar
Não sei se é dos tabefes,
Se do vozeirão cheio de poeira,
Sempre sofrem os chefes
De correntes de ar na mioleira.
Voz
Diz a voz cordata
Do herói peito a encher:
- Nada a mim me mata...
Antes de eu morrer!
Suporta
Quem de frente,
Com os pés no enxuto,
Não suporta corajosamente
Doutrem o luto?
Quem doutrem a traça,
Refastelado comodamente,
Não suporta da desgraça?
Grandes
Os grandes e ricos
São por norma tolos.
Dos pobres os bicos
Bicam-lhes os bolos.
Doutro modo aqueles
Nem lhes poupariam
Sequer mesmo as peles,
Todos os comiam.
É a tolice rica
Que o pobre debica.
Forte
O amor será mais forte que a fartura,
Mais forte que as riquezas e os tesoiros,
Mas precisa do auxílio de tais oiros,
Que nada desespera a afeição pura
Senão contra vontade ser levado
O amor de esterco a ser alimentado.
Discórdia
Amor, eleições,
À discórdia humana
Não faltam razões
Por onde ela emana.
E é sempre matéria
Digna de pilhéria:
Quem, ao fim, engana
A fazer de séria?
Tornar
Não há nada como o amor
A tornar original
O que é comum, sem valor,
E a tornar novo, afinal,
O que, ante qualquer conselho,
Há muito morreu de velho.
Mortos
Os mortos vão-se depressa
E os velhos depressa vão
Mais que os mortos para a essa...
- Viva a juventude em vão!
Pontual
Pontual no cumprimento
Do dever religioso?
- Interiormente o momento
É do incrédulo orgulhoso.
Incómodo
O incómodo preferível
Jamais é a um bem gozado.
Mas o incómodo é aprazível
Se culminar num legado.
ÍNDICE
Votos
Quadras regulares
Quadras irregulares
Quintilhas
Sextilhas regulares
Sextilhas irregulares
Sonetos
Poemas regulares
Poemas irregulares
Da ironia ao bom-humor