SONETOS

 

 

 

Enganou-se

 

Sempre a vida é um desafio.

Se cuida que ela é perfeita,

Fácil de acender pavio,

Enganou-se na receita.

 

Obstáculos todo o dia:

De manhã ninguém acorda

Sem dum problema a fasquia

A se transpor pela borda.

 

Temos de aceitar o facto

De que haja dificuldades.

Todos vivem com tal pacto,

 

Hoje e em todas as idades.

“Eu porquê?” – pergunta a gente.

- Porque não? É diferente?

 

 

Ouvir

 

Para ouvir a solução,

Só de mente libertada

E sem preocupação,

De tudo limpa, sem nada.

 

Se pedir indicação

Quando na rua perdido

Mas, enquanto lha darão,

Fala e não apura o ouvido,

 

Não vai conseguir ouvir

O rumo que lhe indicarem.

Se a mente assim entupir

 

É tal como se calarem:

- Do Universo a solução

Jamais lhe semeia o chão.

 

 

Nunca

 

O Barba Azul que transporto

Em meu imo apalaçado

Nunca me leva a bom porto,

Mas a ser bombardeado,

 

Na baía encurralado,

Num bloqueio que suporto

Em meu canto amedrontado,

Sem nunca regar meu horto.

 

Terei de me rebelar,

A questionar os porquês,

Para ao fim me decifrar

 

E então corrê-lo de vez,

Revelados os segredos

No exorcismo, enfim, dos medos.

 

 

Somos

 

Todos somos amor. A maioria

Trancou-o num lugar muito profundo,

Tal que nem se revele neste mundo,

Mas o amor tem lá sempre a moradia.

 

Podemos afastá-lo todo o dia,

Reprimi-lo, tornando-o infecundo.

Não temos o poder perverso, imundo,

De o destruir na fonte onde nascia.

 

Ao invés, sempre temos ao dispor

A possibilidade de o repor,

Capacidade, enfim, de resgatá-lo.

 

É reaprender a amar-nos na fundura,

Que é o que a amar os mais em nós depura

E torna a amarga vida num regalo.

 

 

Nota

 

Uma nota negativa

É que os pais hão complicado

O laço da escola viva,

Contra o intuito que hão tentado.

 

E é que o sistema não tenta

Recuperar cada qual

Com planos que cada inventa,

Impõe-nos na vertical.

 

E é que é difícil ao mestre

Tornar claro, apelativo,

O saber com que ele adestre

 

Um aluno sempre esquivo...

- Com falha em tantos degraus

Só os alunos serão maus?

 

 

Admitir

 

Não admitir que algo exista

Fará que não exista mesmo?

Ora! Impõe-se-nos do real a lista

Mundo fora, a esmo.

 

Não admitir que algo mudou

Impede a mudança?

O mundo voou,

Eu é que lhe perdi a dança...

 

Não ter fé

Mata Deus?

Coitados dos crentes e ateus:

 

- Ninguém sabe onde apoiar seguro o pé!

Agrade-me ou não me agrade,

Finda sempre por impor-se a realidade.

 

 

Manter

 

Basta manter um pensamento

Dentro da cabeça

E, momento a momento,

Peça a peça,

 

Desatam-se a alterar

Os actos de todos e de tudo

O que cruzar

Nosso caminho, até mesmo quando é mudo.

 

Influi, subliminar,

No Cosmos e em mim

Até ao derradeiro limiar,

 

Do Tempo-Espaço até ao derradeiro confim.

- Num pensamento concito

A fronteira do Infinito.

 

 

Abandonar

 

Abandonar um lugar...

Não logramos fugir

Sem connosco o levar,

A seguir.

 

Homem e mulher que vivam juntos

Podem trocar de feitios,

Que as partes deles próprios formam conjuntos

Que no outro tecem novos fios:

 

No outro irão encontrar

O que em si se deslaçar.

Livramo-nos duma personalidade

 

Que, afinal, encontramos

Na identidade

De quem amamos.

 

 

Manobrar

 

Somos nós que nos fazemos,

A longo prazo,

Com os remos

De manobrar o acaso.

 

O destino, porém, é que manda.

Segues um trilho,

Planeias e trabalhas a quitanda,

Mas o destino ateia de rompante o rastilho

 

E, às gargalhadas,

Faz de nós parvos em todas as jornadas.

Por vezes logramos ludibriá-lo,

 

Fintá-lo

Mas no plano geral, em todo o lado,

Já foi sem nós traçado.

 

 

Recanto

 

Recanto de bem-estar,

Onde findo protegido

Da fera, antigo avatar,

Do frio que me há tolhido...

 

De corpos e almas calor

Em comum compartilhados,

Das feras de grande teor

De vez ali resguardados,

 

Enfim sinto segurança,

Vejo mundo para além,

Ameaça alguma me alcança,

 

Nada imprevisto me advém.

Recanto de bem-estar:

Coração meu em meu lar.

 

 

Acorda

 

Quando acorda de manhã

É a viragem de seu dia:

Vira a um lado e é malsã,

Ao outro e é só bonomia.

 

É, logo, quem determina

Como irá ser o seu dia:

Como se sente domina

Do que emitir a magia.

 

Aquilo, pois, que emitir

Irá receber de volta,

A luz ou sombra que vir

 

É a nuvem no dia envolta.

Para onde quer que vá

Tem a paga do que dá.

 

 

Brotam

 

Usa um pouco a gratidão

E a vida melhora um pouco.

Usa muito e até do chão

Brotam orelhas ao mouco.

 

A gratidão multiplica

Na vida as benesses vivas

E elimina onde se aplica

Dela as manchas negativas.

 

Poderás sempre encontrar

No que negativo for

Gratidão algo a inspirar:

 

Aí dominas o amor.

Se a força do amor te invade,

Adeus, negatividade!

 

 

Aquilo

 

Aquilo em que te concentras,

Querendo-o ou não,

É por onde entras

Mundo além com tua atracção.

 

Mudas aí as partículas físicas,

Polarizando-as em tua direcção,

Imagens narcísicas

De ti, à tua mão.

 

Não digas, pois, não a nada,

Que lhe abres uma estrada.

Diz sim ao contrário, ao que desejas

 

E pô-lo-ás a caminho:

É o que almejas

A vir chegando a ti, devagarinho.

 

 

Corpo

 

O corpo, ao morrer, não entra

Em qualquer não-existência,

Antes se integra e concentra

No mundo a que espreita a ciência.

 

Também o seu interior,

Nosso verdadeiro eu,

Em nada ninguém supor

Vai que se desvaneceu.

 

Vive temporariamente

No corpo humano que anima.

Subsiste em cósmica mente

 

Que ao mundo as arestas lima.

Eternamente ligado

Vive sempre aqui ao lado.

 

 

Verdadeiro

 

O verdadeiro amor é positivo,

A elevar-nos a nós e a permitir

A nosso par crescer, evoluir

Rumo ao melhor em si que houver festivo.

 

Um amor digno desabrocha altivo

O outro inteiro sem o destruir,

A ser capaz de tudo usufruir,

Lavrar o mundo, mesmo o mais esquivo.

 

Se ser feliz não vem só deste amor,

E se, ao invés, traz dúvida e descrédito,

Se apenas os conflitos são seu rédito,

 

De auto-confiança sou lá perdedor,

De mim próprio gradual abolição,

Então não é um amor, é aberração.