Os Físicos na Caça aos Gambozinos

 

 

Bem hajas, Galileu!

“Terei algum medo à morte,

Mas do que não terei medo

É de clamar com transporte

A ideia, - a Luz a que acedo.”

 

 

PRIMEIRA CAÇADA

 

João Magueijo, em Mais Rápido Que a Luz, regista o desabafo dum colega: não entende como continuam a pagar aos astrónomos para andarem a teorizar modelos tão bizarros como andam.

 

Há duas gerações que, por exemplo, vivem perplexos com o que entendem como a expansão gradualmente acelerada do Universo. Hubble descobriu (e todos confirmaram a seguir) este facto: a luz que nos chega das galáxias tende tanto mais para o infra-vermelho quanto mais distantes elas se encontram. Ora, como a luz tende tanto mais para o infra-vermelho quanto mais acelerado é o afastamento da fonte relativamente ao observador, é óbvio então que, quanto mais distantes, mais aceleradas se afastam de nós as galáxias. Tal foi a conclusão de Hubble que todos aceitaram pacificamente, já lá vão duas gerações, incluindo as mais fundadamente reconhecidas inteligências da humanidade.

 

Ninguém reparou que há um sofisma nesta interpretação aparentemente evidente. É que as distâncias astronómicas são medidas em anos-luz: são tanto lonjura quanto tempo, o tempo que demora a luz a chegar da fonte até nós. Quando observamos a luz que nos chega duma galáxia situada a 12,5 biliões de anos-luz de nós, vemo-la como ela irradiava há 12,5 biliões de anos atrás, não como irradia agora. Dado que a observamos mais acelerada que todas as outras, desde ali até à mais próxima de nós, a mais lenta, temos então aqui o mapa da velocidade decrescente das galáxias através das eras. É tal qual como se víssemos a Via Láctea como ela se deslocaria, rápida, há 12,5 biliões de anos atrás, há dez biliões, mais lenta, até ao movimento residual que hoje tiver. É isto igualmente com qualquer uma das cem biliões outras, Universo além: quanto mais primitivas, mais aceleradas, quanto mais recentes, mais lentas, tal como o Big Bang pressupunha.

 

Como ninguém reparou na falácia da interpretação vigente, ninguém igualmente suspeitou que ela implicaria eventualmente um retorno ao geocentrismo, ultrapassado há meio milénio: a Terra seria o ponto de irradiação do Universo, em relação ao qual as galáxias fugiriam tanto mais rapidamente quanto mais de nós distavam. Ponto de irradiação porventura único, em lugar de ponto de observação idêntico a qualquer outro do Cosmos, como decorre da interpretação correcta dos dados observados.

 

Ora, uma vez que o fenómeno erroneamente interpretado não se podia explicar pelas duas forças básicas do Universo, a de expansão do Big Bang e a de atracção da gravidade (esta, por anulada pela aceleração galáctica; aquela, inútil por esgotada no evento da singularidade), os astrónomos avançaram com uma hipotética terceira: a energia negra, o mistério que ninguém conhece nem sabe onde está, mas que andaria a puxar galáxias... E que, evidentemente, não existe.

 

A crença no sofisma, porém, é tanta que acabaram por pôr em órbita um satélite que lá anda à procura da tal mágica energia negra. À caça dos gambozinos, portanto. Não era mais simples (e mais barato) corrigirem o lapso da interpretação dos dados?

 

Mas o argumento da autoridade pesa tanto, o medievo magister dixit, que torna impossível qualquer cientista suficientemente humilde atrever-se a duvidar de tantos Aristóteles contemporâneos, por mais óbvia que seja para a consciência dele a asneira cometida. Como os acusadores de Galileu, recusa olhar pela luneta, porque se ela disser o que desdiz os mestres, então é porque é obra do diabo.

 

Isto vai tão longe que acabam de galardoar-se três Prémios Nobel que estudaram a expansão acelerada das novas. Logo a comunicação concluiu e divulgou que eles observaram a expansão acelerada do Universo. Seria a confirmação da leitura (errónea) do desvio para o infra-vermelho das galáxias?

 

Não é, evidentemente, nada disto, por mais que eles próprios estejam também porventura convencidos de que o é: nada pode corrigir a falácia da interpretação que induziu toda a gente em erro, a não ser corrigi-la. O que estes cientistas analisaram foi a gradual e cada vez mais rápida destruição do encurvamento do espaço em redor de cada estrela nova explodida. Enquanto o encurvamento não for desfeito, a matéria em expansão acelera gradualmente mais, para estabilizar uma vez encontrada a planície da gravitação universal e, a partir daqui, fica sujeita ao impacto nela da desaceleração cósmica que o desvio para o infra-vermelho da luz galáctica implica. É só isto, mas já é muito porque destrói outra ilusão que se generalizou: a de que o espaço se formou instantaneamente nos primeiros segundos do Big Bang.

 

Para este erro de perspectiva terá contribuído inadvertidamente Stephen Hawking com a genial Breve História do Tempo, em que desmonta pouco mais praticamente que o primeiro segundo da criação, a partir do buraco negro original. Ora, tudo indica que a génese do espaço não foi nada assim. A esfera quase-nula do espaço refechado em redor do astro genesíaco ofereceu uma resistência incomensurável à sua destruição (que permitiu a expansão do Universo). Isto levou decerto séculos, milénios, milhões de anos, quem sabe? Durante este período há uma gradual aceleração da matéria em movimento. O modelo é simples. Quando o furacão Katrina destruiu Nova Orleães, não logrou rebentar instantaneamente os diques de retenção das águas que acabaram por arrasar toda a baixa da cidade. Primeiro provocou fissuras, ultrapassou gradualmente as cotas máximas da barragem, desfez depois os componentes menos resistentes. As águas principiaram a extravasar em pequenos pontos irrelevantes de começo, os técnicos lograram contrariar isto e estancaram quantos puderam. Foi tudo aumentando gradualmente até que as fugas atingiram um ponto crítico e deitaram abaixo um atrás doutro vários dos diques. As águas aumentaram passo a passo o volume de fuga e aceleraram mais e mais na descida (cada vez destroem mais obstáculos), arrastando tudo à passagem. Só pararam quando encontraram o mar. A partir daqui passaram a reger-se pelos ciclos das marés e pelo ritmo dos rios que as alimentavam. Ora, é isto o que ocorre na criação do espaço: um itinerário gradualmente em aumento até à quietude final da perturbação e a sujeição às leis da planura cósmica, o instável equilíbrio expansão-atracção. Não há mais nenhuma energia de base: a força duma singularidade versus a força duma constante e é tudo.

 

A dificuldade de encarar isto provém de continuarmos a olhar o espaço como vazio e inerte. Ora, ele é tudo menos isso. Dando de barato as poeiras cósmicas e demais corpúsculos que vagueiam pelo tal vácuo, mesmo o mais puro dos espaços contém uma partícula de hidrogénio, pelo menos, por cada cm3. Quer dizer, um fotão a deslocar-se a 300.000kms/s tem de cruzar, no mínimo, com 30.000.000.000 de partículas a cada segundo que passa (são mesmo trinta biliões, sem contar com o resto!). Alguém já pensou em quantas partículas novas de água (H2O) a proa dum barco toca por segundo quando no mar se desloca? Pois é, uma percentagem irrelevante daquilo. Para as velocidades astronómicas, o espaço é muito mais espesso e resistente do que o Oceano Glaciar o é para um qualquer quebra-gelos. Mais, com os encurvamentos que astros e galáxias lhe provocam, está cheio de montanhas, vales, escarpas e abismos em perene agitação, já que nada está parado: o espaço ondula como o mar, à passagem dos navios e do vento (são cem biliões de galáxias vezes cem biliões de astros, fora os acidentes, as explosões, as colisões, tudo disparado...). Os três Nobel das novas podem ser o primeiro passo para um dia se deslindar isto. Não será inócua a descoberta neste campo: pode ser que as ondas espaciais formem picos que possam ser perfurados, como fazem os nadadores. Isto é que permitiria alguma vez qualquer viagem inter-estelar. Por ora é ficção científica. Mas quem sabe, algum dia...

 

De qualquer modo, como a caça aos gambozinos continua, resta apenas esperar que não seja preciso que esta geração científica morra toda, para que apareça alguma criança desinibida, à margem do cortejo aristocrático dos físicos, gritando à gargalhada, o dedo apontado: “o rei vai nu!”

 

 

 

SEGUNDA CAÇADA

 

 

Desde há um século, após a divulgação da Teoria da Relatividade de Albert Einstein e da Teoria dos Quanta de Max Planck, o mundo científico ficou em estado de choque: as duas teorias contradizem-se uma à outra, o universo macrofísico é incompatível com o universo microfísico. Todas as descobertas posteriores confirmam e aprofundam cada dia mais o abismo entre ambos os campos de observação da realidade. Como é que isto é possível, se esta é a mesma e é única? Duas afirmações contraditórias não podem ser, ao mesmo tempo e no mesmo sentido, ambas verdadeiras. Contudo, é o que a experimentação e a observação todos os dias confirmam, desde há cem anos para cá. Não há erro em nenhum dos lados nos factos recolhidos, embora totalmente incompatíveis, aparentemente.

 

Ora, como isto repugna à razão, todos vêm tentando encontrar o modelo teórico que dê conta da unidade do real, desde Einstein aos nossos dias, sempre ingloriamente.

 

Um dos fenómenos mais desconcertantes da física de partículas é o padrão de dispersão destas, quando projectadas num alvo por um ou mais orifícios microscópicos: até um ponto determinado seguem um perfil de causalidade identificável, depois, não. Desenham um padrão de que não há causa perceptível no nosso mundo. Isto levou a uma formulação arrojada que escandalizou, no princípio, os físicos: a Teoria dos Universos Paralelos. Se a causa não está aqui, então estará num mundo paralelo que toca pontual e tangencialmente no nosso e altera o funcionamento da partícula em causa. Os decénios passaram e, como ninguém encontra melhor explicação para o facto, aumenta a adesão à teoria no meio científico, a ponto de Stephen Hawking referir que é o modelo em que todos acabarão, por fim, convergindo.

 

Isto teve o condão de espicaçar o imaginário dos artistas e sucedem-se as séries de ficção científica na TV e BD onde indivíduos vários saltam dum mundo para o outro, os filmes de que, por exemplo, Regresso ao Futuro foi um sucesso mundial, os romances, entre os quais Resgate no Passado, de Michael Crichton, é um dos mais significativos, até por explicitar e se fundamentar nesta teoria. O autor, ao menos, pede perdão aos cientistas de tal área, pois objectar-lhe-iam que não é nada assim. Desculpa-se porque constitui apenas literatura de ficção. Já Carl Sagan, investigador e genial divulgador da ciência, se queixava de que os autores destes temas se atreviam, sem estudo nenhum nem formação científica séria, a produzir obras em cadeia que não passam de dislates, do ponto de vista dos peritos e de alguém minimamente informado. Ele próprio, porém, foi tão atraído pela Teoria dos Universos Paralelos que no único romance que escreveu, Contacto, lhe cedeu, embora numa versão paradoxal para quem se manteve até à morte convictamente ateu, como afirma em Biliões e Biliões, o seu testamento científico e pessoal (aliás, finalizado pela viúva, a cientista Ann Druyan). A versão de Sagan, retomada no filme póstumo homónimo, é a duma nave que vai desta para outra dimensão cósmica, o domínio do Além (seria o Céu, na designação tradicional): é o sobrenatural, portanto, onde se encontra e dialoga com os nossos antepassados.

 

Como cientista, a ideia de Universos Paralelos, para ele, não era decerto suficientemente convincente. A haver outro mundo, então seria porventura algo a que se reportaria o sobrenatural em que sempre a Humanidade creu, mas em termos diferentes: teria de ser atingido por via física, embora penetrando numa dimensão por ora desconhecida no nosso Universo. Continuaríamos, porém, sempre no domínio cósmico, tudo seria, portanto, não sobrenatural, mas natural.

 

A hipótese de Sagan foi claramente condicionada pelo vício epistemológico do cientismo: a crença de que a única realidade existente é a percepcionável (captável através dos sentidos) que pode ser cientificável; ou, pelo menos, é a única digna de ser tida em conta, uma vez que sobre ela se pode elaborar ciência a todo o momento. Fica excluida ou é desprezada a realidade da vivência pessoal, toda a vida interior de cada um, uma vez que só o próprio é que lhe tem acesso através da sensibilidade interna, ninguém consegue viver o eu do outro. Isto impede de raiz qualquer ciência de tal objecto, uma vez que o dado não é partilhável e verificável por terceiros. É, porém, o campo específico da filosofia. E é o domínio das crenças e dos valores, objecto também da análise crítica da teologia.

 

Para entrar neste mundo não é preciso nenhuma nave espacial: estamos sempre nele, uma vez que ele é o que nós somos a todo o momento, é a nossa vivência íntima. Nem a viagem até aos antepassados opera daquele modo: cada vez mais estão nascendo crianças com a visão alterada e depurada a tal ponto que lhes permite vê-los directamente e intercomunicar com eles, sem qualquer dificuldade. Muitos foram comprovados laboratorialmente em provas de rigor extremo (Gary Shwarz e William Simon, A Verdade sobre Medium): Allison Dubois, John Edward, Doreen Molloy, Susy Smith, Laurie Campbell, Susanne Northrop, George Anderson, Anne Gehmen, George Dalzell, Catherine Yunt...

 

Quer dizer, a humanidade está a evoluir nesta geração, entre outras faculdades novas, ao adquirir a possibilidade inesperada de percepcionar pessoas (e animais) depois de falecidos. Isto devém doravante do domínio dos sentidos, como outro qualquer dado perceptível do Universo que nos rodeia. Poder-se-á desde já ir fazendo ciência neste campo de experiência como em qualquer outro. Quenquer que o não aceite ficará na posição de ter de provar que isto não existe, tal qual um cego, se recusar que alguém vê, terá de provar que andamos todos a alucinar ao ver imagens do Universo; ou um surdo que entenda que não há sons é que teria de provar que o silêncio dele é que é real contra todo o mundo que ouve, e assim por diante. A mutação evolucionária da Humanidade actual promete conduzir a maioria aqui, a mui breve trecho.

 

Isto leva o sábio Deepak Chopra, uma das cem individualidades mais influentes do mundo, em A Vida Depois da Morte, a defender que doravante se inverteu o ónus da prova no que respeita ao mundo da fé (qualquer que ela seja): desde as experiências ocorridas nas situações de morte aparente e dos ressuscitados clínicos que a investigação principiou e não pára mais, doravante com a partilha também do que vivencia um número cada vez mais incontável de meditadores pelo mundo fora e, finalmente, com as crianças, jovens e adultos que se encontram regularmente com a dimensão do Além na sua experiência perceptiva diária vulgar: percepcionam-no como percepcionam a sua casa, a rua, um familiar, um pinheiro, um pôr-do-sol... Aliás, não se limitam a vê-los, ouvem-nos e conversam com eles como com qualquer indivíduo vivo. Ainda sendo minoria por ora, no todo da Humanidade, tudo indica que dentro duma ou duas gerações serão quase toda a gente. Aliás, isto já tinha sido previsto há uns decénios atrás pelo cientista de partículas Fritjof Kapra, n'O Ponto de Mutação, a partir duma série de indicadores do mundo físico, psíquico e social, à escala planetária, por ele coligidos e criticamente analisados, através de critérios científicos de história comparada: estava eminente um salto qualitativo na evolução da nossa espécie.
Ei-lo, pois, a ocorrer diante de nossos olhos, ainda tão cépticos e transviados.

 

Aliás, é verificável em múltiplas faculdades e não apenas nesta: premonição, telepatia, dom de curar, clarividência, telequinese e assim por diante, em geral todo o conjunto que os psicólogos designam por fenómenos psi, outrora tão raros que era de desconfiar (charlatanice, ilusionismo...), doravante a multiplicar-se a um ritmo avassalador em simultâneo no planeta inteiro, na casa já das centenas de milhões de indivíduos que com eles nascem.

 

Não há, pois, aqui, nenhum Universo Paralelo. Ao invés, ele é bem concomitante e comummente partilhado. E também não há qualquer outro Universo Paralelo em lado nenhum.

 

O que a estranheza das experiências na física de partículas implica é outra coisa: existe, a este nível dos alicerces do Universo, um número vasto de gérmenes de universos paralelos que se não chegaram a concretizar, mas as sementes deles mantêm-se em tudo, vivas e activas. Tanto que conseguem ocasionalmente interferir e alterar pontualmente o que ocorre na lógica do nosso Universo, o único efectivado, tornado concreto. São insignificâncias irrelevantes. Contudo, se algum dia se tornassem dominantes, destruiriam o instável equilíbrio do nosso mundo e ele seria aniquilado, dando eventualmente origem a outro, com outras bases e lógicas. Não há Universos Paralelos, pode é haver Universos Sucessivos, hipoteticamente com estruturas e leis que nada tenham de comum: tudo depende de quais as infra-estruturas germinais, as partículas e respectivas propriedades, sobre que se elevarem, construírem e evoluírem. Quais as que predominarão, quais as que ficarão de reserva, mas disponíveis e prontas para qualquer génese cósmica vindoira.

 

É apenas isto e é tudo. Não vale a pena alucinarmo-nos com hipóteses delirantes, não há nenhum suporte factual para tanta fantasia poética.

 

Contudo, como é muito apelativa e gratificante e as obras de arte que vem gerando logram fortes vivências estéticas a que nem os cientistas são (felizmente) imunes, continua a engrossar a fileira dos crentes, dum lado e do outro, artistas e investigadores, a incensar e vasculhar os mundos paralelos que não existem. À caça dos gambozinos, portanto.

 

Que a alegria da brincadeira que eles tomam a sério, como convém no jogo, sirva ao menos para nos divertir a todos!

 

 

 

TERCEIRA CAÇADA

 

 

A mais recente tentativa duma teoria unificadora do Universo é a Teoria das Cordas, seguida e propugnada por múltiplos cientistas do micro e do macrocosmos. O físico Frank Tipler refere-se-lhe humoristicamente n'A Física do Cristianismo anotando que aqueles investigadores afirmam com ela qualquer coisa como: “há duendes na Cornualha!” Quando se lhes pergunta pelos factos que o demonstrem, eles defendem que já têm metade, só falta encontrar o resto. Todavia, é isto: já têm a Cornualha, só falta encontrar os duendes. Mas a caçada continua, por mais hilariante que isto seja, com milhares de cientistas-caçadores convictamente empenhados na captura-fantasma.

 

Nem esta nem nenhuma outra tentativa resultará, por uma razão simples, mas que, por ora, nenhum investigador parece disposto a encarar: o alvo está errado. Para onde eles apontam a mira não existe nada: querem um modelo físico global do Universo, mas acontece que o Universo, como um todo, em derradeira instância... não é físico! É tão simples como isto.

 

É como se andassem a tentar um modelo-síntese da pessoa humana, encarando-a apenas como corpo e este como mera anatomia e esta reduzida aos elementos físico-químicos que dela constam. O reducionismo em cadeia seria tão disparatado que ninguém lograria reconhecer-se no final esqueleto ambulante. O deveras relevante ficaria sempre de fora.

 

O enviesamento da perspectiva radica na clássica, multissecular e nunca questionada tripartição dos reinos da natureza: animal, vegetal e mineral, sendo os dois primeiros vivos e o derradeiro, morto. Será que este, onde integro os astros do Cosmos, é mesmo morto? Quando afirmamos da Terra, mormente com os ecologistas, que é um planeta vivo, queremos apenas apontar que tem dois reinos vivos ou, mais longe, que é um astro vivo nele próprio, mesmo que se extingam aqui, algum dia, animais e vegetais por inteiro?

 

Na sequência do afinamento científico dos modelos biológicos, há decénios já que o cientista James Lovelock, na Teoria de Gaia, analisou os dados que demonstram que o planeta Terra é um ser vivo, com as mesmas características de cultivo da autonomia individual, auto-preservação, reconstituição e adaptabilidade de qualquer outro. O nosso erro milenar foi que a fixação nas árvores singulares, a nossa miopia físico-química, nos impediu a visão da floresta. Vai daí, tudo ali se reduziria a reacções em cadeia, mecânica sem vida. Pois bem, o espectáculo global não é este: como em quaisquer outros domínios da realidade, o todo é mais e é outra coisa que o mero somatório das partes. Nenhum modelo que se fique por acolá chega alguma vez a dar conta disto. Contudo, é o que os físicos e os astrónomos andam a fazer desde há cem anos, não admira que não cheguem a lado nenhum.

 

Lovelock foi muito humilde e timorato, propôs o modelo apenas para a Terra. Mesmo assim, a generalidade do mundo científico ficou céptica, como de costume, e recusou acolhê-lo. Apenas agora, que os especialistas mais velhos já morreram, que o esgotamento de recursos e as decorrências derivadas em cadeia assustam o planeta cada dia mais, que os movimentos ecologistas e as intervenções culturais enxameiam alertando por todo o lado, - apenas agora vai principiando alguma permeabilidade ao modelo na tribo dos cientistas.

 

Foi por aplicação do clássico e mui fecundo princípio “no grande como no pequeno” que Lovelock chegou à verificação da Terra como ser vivo. É unânime a aceitação de que, como afirma Carl Sagan, as leis físicas que aqui se verificam, verificam-se até à última fronteira do Universo. Dito doutra forma e atendendo a que o nosso planeta, à escala do Cosmos, é ainda mais pequeno que uma partícula subatómica, aplicando uma vez mais o princípio “no grande como no pequeno”, todos os astros, sistemas estelares e galáxias são, afinal, seres vivos e como tal se comportam, cada um por si e nas relações duns com os outros. Finalmente, o Cosmos inteiro é um único ser vivo cujos órgãos, mutatis mutandis, são os astros de todos os tipos que operam no seu imenso corpo fluído-espesso do espaço sideral. E também o Universo, como todo, é mais e é outra coisa que o mero somatório de todas estas partes componentes, como o nosso corpo é bem mais e outra realidade que o mero conjunto dos órgãos que nos mantêm vivos.

 

Tudo é, portanto, vivo e, com tal modelo, unifica-se o micro com o macrocosmos. Os físicos de partículas andam a listar o genoma do Universo e a desvendar-lhe as propriedades, são os geneticistas cósmicos. É por isso que ali encontram genes-partículas, como Mendel descobriu para a nossa espécie, que são dominantes e se manifestam em fenótipos, as leis do nosso Universo, ao lado doutros que são recessivos e são genótipos que se mantêm escondidos, inertes mas vivos, podendo acaso perturbar a sequência hereditária cosmogónica presente, nalgum ponto ocasional, como com qualquer ser vivo. É o que ocorre em determinadas situações-limite, tanto experimentais como da vida comum: a bilocação, por exemplo (uma partícula em dois locais simultaneamente sem se desdobrar, mantendo-se uma única apenas), tem no macrocosmos o contrapolo por que o italiano Padre Pio foi recentemente canonizado pela Igreja Católica – é que, pelo menos uma vez, esteve simultaneamente a celebrar perante uma multidão enquanto, ao mesmo tempo, atendia uma enferma a dezenas de quilómetros de distância, também perante um numeroso grupo de familiares e amigos que a acompanhavam; o fenómeno da levitação natural, desde há séculos testemunhado ocasionalmente em monges de mosteiros tibetanos, foi a razão de ser canonizado S. José Capristano, um monge (por sinal mentalmente débil), a quem tal ocorreu a vida inteira durante as orações no convento, atraindo multidões, e que foi chamado por isso à cúria romana onde, perante o papa e demais cépticos, voltou a manifestar o mesmo.

 

Podem ser restos de genomas de Universos que antecederam (e contradiriam) o nosso, na série eterna de Big Bang – Big Crash, agora inactivos, na actual versão cósmica, mas presentes, e poderão ser as sementes de vindoiros Universos depois de extinto o nosso, no sidéreo colapso seguinte. No grande como no pequeno, “arrastamos” - diz Carl Gustav Jung - “atrás de nós a cauda do dinossáurio”. E transmitimos à geração futura as características básicas da nossa espécie. É o que decerto o Cosmos fará também, em cada era genesíaca astronómica.

 

 

 

QUARTA CAÇADA

 

 

É tão renitente a contemporânea versão da teoria do éter (já por si reformulação do aristotélico ”horror ao vácuo”) que nada explica mas deixa as consciências acalmadas e a preguiça justificada, que continua remetida para a energia e matéria negra de algumas cabeças científicas a resolução do problema de entender porque é que o movimento de translação das galáxias é perfeitamente sincronizado, com os astros todos rigorosamente alinhados, ao contrário da traslação dos planetas do sistema solar: rodam mais rápidos os mais próximos do Sol e tanto mais lentos quanto mais dele distantes, nada alinhados uns com os outros, portanto. Decénios de observação de dezenas de galáxias demonstram que em nenhuma tal se verifica: é uma perfeita ordem unida, ninguém sai do alinhamento das fileiras, seja qual for o corropio com que rodopiam.

 

Há uma energia e matéria negra nas nossas cabeças que explica este estado de perplexidade. E é de tal ordem que nem nos deixa ver o que temos diante dos olhos. Ninguém preveniu nunca os físicos nem os astrónomos para a grilheta que sempre nas ciências humanas ameaça e destrói toda a objectividade: o etnocentrismo (o vício de tomar como padrão e como normativo o que ocorre connosco, com a nossa comunidade, país, cultura, meio ambiente...). Contudo, os estragos que provoca nas ciências da natureza não são menores que os das ciências humanas. Foi por culpa destas algemas que o geocentrismo dominou desde a cultura clássica, quando o heliocentrismo tinha sido nela proposto praticamente ao mesmo tempo. Demorou dois milénios a corrigir a asneira e mesmo assim à custa de queimar vivo Giordano Bruno, marginalizar suspeitosamente o padre Nicolau Copérnico e condenar à morte Galileu! A força de tal preconceito!... E é o que aqui nos mantém cegos.

 

A explicação para o alinhamento da translação galáctica é simples. A gravidade opera nela como uma vara de varrimento, levando à frente, perfeitamente alinhados, os biliões de estrelas em redor do prato do espaço, seja lá qual for a distância-tempo a que estejam do núcleo (do buraco negro). São eixos de alinhamento a toda a volta de que nenhum astro logra escapar, nem para trás nem para diante, se nenhuma outra força se contrapuser.

 

Mas então não diminui a gravidade com a lonjura? Claro que diminui. O que os factos observados demonstram, porém, é que diminui na proporção directa do distanciamento, não mais nem menos: os astros da coroa exterior da galáxia, para continuarem alinhados com os do centro, têm de correr uma distância muito maior (rodam a anos-luz mais longe) no mesmo período de tempo, como os patinadores do gelo quando fazem a estrela de várias filas alinhadas ao centro: os das pontas correm muito mais depressa que os do meio, quase parados. Correndo mais, têm mais força centrífuga, revelando assim a menor força centrípeta da gravidade do núcleo galáctico sobre eles exercida. Contudo, se não são atirados para o espaço exterior, é que a força da gravidade é tal que os mantém presos no respectivo eixo de varrimento, ao contrário do que temos acreditado, a partir de nossos cálculos baseados em pressupostos inexistentes.

 

O erro deriva da interpretação contraditória do que ocorre com as translações planetárias em redor do Sol. Porque é que aqui não anda tudo alinhado como nas galáxias? Foi-nos dito e todos aceitámos (ninguém corrigiu a asneira) que os planetas, quão mais próximos do Sol, mais acelerados, em virtude da maior força da gravidade exercida sobre eles. Ora, é o contrário: se aceleram, aumentam a força centrífuga, menor gravidade sobre eles se exerce. A comparação de referência também está interpretada erroneamente: quando uma bola é lançada a girar à volta dum eixo, onde a corda que a prende se vai enrolando, as últimas voltas não são mais aceleradas por aumentar a força centrípeta, mas porque se mantém tendencialmente igual a força centrífuga. Sendo igual, a bola tende a percorrer um percurso igual no mesmo tempo. Ora, se, por exemplo, percorria um quarto de volta exterior num segundo e esse é o percurso da volta inteira que agora dá no interior, então ela completará esta num segundo quando acolá, no mesmo tempo, só percorria um quarto. Parece uma aceleração, mas é uma ilusão de óptica. Porque ninguém a denunciou, andamos há decénios a calcular tudo mal.

 

Que ocorre então no sistema solar? A vara de varrimento da gravidade transforma-se numa corda elástica que se enrola tanto mais quanto mais próxima do Sol. Ora, isto quer dizer que aumenta a força centrífuga dos planetas tanto mais quanto mais perto da fornalha. Que é que pode ter tal efeito? O vento solar. A vara da gravidade, metida na forja permanente da combustão da estrela, encurva, por efeito da contradição das duas forças presentes: a matéria do Sol a puxar tudo para si, a explosão do seu mini-bang permanente a empurrar tudo pelos espaços fora. É um engano considerar que a gravidade é uma força diminuta: à superfície da estrela ela é negativa até, senão contrariaria a saída da matéria das explosões e nem o sol veríamos; mais distante, equilibra a energia de fuga; daí para a frente, sobrepõe-se. Só nesta base é que se poderão refazer os cálculos acerca da força da gravidade, nunca partindo do pressuposto errado de que ela diminui rapidamente com a lonjura: o que rapidamente diminui é o empurrão do vento solar. Se formos seguir o itinerário de Plutão e dos asteróides posteriores, muito provavelmente assistiremos ao reaparecimento da vara de varrimento, tão diminuto será já neles o efeito do empurrão da explosiva fornalha estelar, eventualmente. 

 

Informações, aliás, recentemente divulgadas confirmam a perplexidade de alguns astrónomos que têm andado justamente a observar planetóides e corpos celestes exteriores a Plutão: verificam que todos rodam perfeitamente alinhados com este astro, sem avanços nem recuos, qualquer que seja a distância a que se encontrem. É o contrário do que eles esperavam, em função da interpretação reinante, daí confessarem não entender o fenómeno. O facto, portanto, invalida a teoria até hoje prevalecente e comprova a que acabamos de expor.

 

           

O efeito imediato disto é a urgência de refazer todos os cálculos relativos à força da gravidade, uma vez que os pressupostos em que assentam são falsos. Afirmar que ela é fraca quando um quadrilião de estrelas (no mínimo...) espalhadas por todo o Universo, miniaturais réplicas em contínuo do Big Bang, não logram conter a travagem cósmica verificável desde a galáxia mais distante até à mais próxima e o mais que tão inimaginável número de Mini Bangs logra é acelerar os planetas mais perto do astro em explosão, perdendo este toda a eficácia tanto mais quanto mais distantes, afirmar aquilo é, no mínimo, constrangedor. E retira-nos a credibilidade perante a comunidade científica e a sociedade em geral.

 

 

Em resumo, o aumento da aceleração dos planetas à medida que nos aproximamos do Sol nada tem a ver com o aumento da força da gravidade, pelo contrário: ou é da manutenção da força centrífuga que, sendo igual, quanto menor for a elíptica mais rápida o astro a percorre, ou, como no caso vertente, é fruto dum reforço centrífugo, o do vento solar. Ao invés, o aumento da força centrípeta da gravidade trava a velocidade da translação na proporção inversa da distância até, no limite, parar o astro, o que o levaria a precipitar-se no pólo de atracção, como ocorre com as nuvens de gases fotografadas em galáxias distantes, literalmente sugadas pelo buraco negro. E aqui, sim, (mas só aqui, a partir do astro parado) a uma velocidade uniformemente acelerada, como já sabemos desde Galileu.

 

 

Eis os domínios a que deveriam dedicar-se urgentemente todos os projectos que andam em busca da matéria negra inexistente (e inútil para entendermos os dois tipos de translação). Aliás, à medida que outros sistemas planetários forem sendo descobertos, poder-se-á confirmar neles a réplica do nosso com a respectiva translação em corda elástica em redor da estrela deles, fruto da contraposição das duas forças em presença, a da expansão e a da gravidade. E, claro, também neles em contradição com a translação em vara de varrimento da galáxia, proveniente da gravidade do buraco negro que a mantém coesa sem alternativa (o buraco negro não dá empurrões de sinal contrário como o do vento solar). E sem necessidade de nenhum alucinogéneo científico, tipo energia negra, que nos drogue indefinidamente e nos ande a desviar e tolher o caminho. São biliões e biliões os recursos desperdiçados em tais delírios e que nestoutras alternativas se revelariam úteis e clarificadores.

 

Informações, aliás, recentemente divulgadas confirmam a perplexidade de alguns astrónomos que têm andado justamente a observar planetóides e corpos celestes exteriores a Plutão: verificam que todos rodam perfeitamente alinhados com este astro, sem avanços nem recuos, qualquer que seja a distância a que se encontrem. É o contrário do que eles esperavam, em função da interpretação reinante, daí confessarem não entender o fenómeno. O facto, portanto, invalida a teoria até hoje prevalecente e comprova a que acabamos de expor.

 

 

O efeito imediato disto é a urgência de refazer todos os cálculos relativos à força da gravidade, uma vez que os pressupostos em que assentam são falsos. Afirmar que ela é fraca quando um quadrilião de estrelas (no mínimo...) espalhadas por todo o Universo, miniaturais réplicas em contínuo do Big Bang, não logram conter a travagem cósmica verificável desde a galáxia mais distante até à mais próxima e o mais que tão inimaginável número de Mini Bangs logra é acelerar os planetas mais perto do astro em explosão, perdendo este toda a eficácia tanto mais quanto mais distantes, afirmar aquilo é, no mínimo, constrangedor. E retira-nos a credibilidade perante a comunidade científica e a sociedade em geral.

 

 

O que nos anda a tolher é o “anão ao ombro de gigantes”, como humildemente se caracterizou Newton, ao definir a lei da gravitação universal. Este anão aparece-nos tão gigantesco que ninguém se atreve a tocar-lhe. Ora, isto é a maior forma de o trair. Por muito anões que sejamos, temos de nos colocar aos ombros deste gigantesco anão e olhar para mais longe, como ele faria, se aqui estivesse. E, obviamente, apesar de anõezinhos estúpidos, reformular a lei por ele definida. A lei da gravitação universal é a das galáxias, de que a definida por Newton é um caso particular, a da gravitação dos sistemas planetários. A fórmula cósmica é muito simples: os astros atraem-se na proporção directa das respectivas massas e na inversa das distâncias dos respectivos centros de gravidade. A diminuição pelo quadrado das distâncias (da equação newtoniana) não opera nas galáxias, a travar a gravitação, porventura a tolhê-la por inteiro: o que é anulado com a lonjura (e é reflectido na gravidade) é o vento solar nos sistemas planetários,  de que deriva aquela proporção. Quando ele pára, deixa de funcionar a aceleração centrífuga e opera a lei universal sem rebuços, como verificamos em tudo o que ocorre para além de Plutão. A fórmula cósmica será, portanto: F=G.m.m:d, sem mais nada (F – força; G – constante da gravidade; m – massa de cada astro; d – distância). Não é precisa nenhuma energia negra para segurar coesas as galáxias: a diminuição da força da gravidade ocorre nelas numa progressão aritmética (o que a prolonga tendencialmente ao infinito), enquanto nos sistemas planetários ocorre em progressão geométrica, o quadrado da distância, o que anula o efeito do vento solar a muito breve trecho (e a gravidade continua para além disto, agora em conformidade com a fórmula geral).

                                                                    

Mas se os caçadores continuarem muito infelizes porque acabou a caçada, pois continuem: há por aí gambozinos que cheguem para todos os gostos e desperdícios!                                                                                                                                    

 

 

 

 

QUINTA CAÇADA       

 

                                                                                            

 

A melhoria das medições astronómicas permite-nos hoje ter os primeiros cálculos relativos à expansão do Universo. As galáxias (em geral) afastam-se à velocidade de 74 Km/s, valor que duplica nas que se situam a 3,7 milhões de anos-luz (cálculo mais recente).

 

O mais divertido é que a mentalidade ilógica generalizada afirma teimosamente que estas últimas correm hoje com aquela rapidez dobrada, ignorando olimpicamente que, sendo verdade que as estamos a observar agora, não é menos verdade que a luz (que cá chega) delas saiu há 3,7 milhões de anos e, portanto, revela-nos como elas corriam nesse remoto passado, não no momento actual da observação, inteiramente incapaz de no-las apresentar como hoje andarão. É caso para dizermos: daqui a 3,7 milhões de anos então falaremos, seus casmurros impenitentes, aí vos diremos como elas estão a correr hoje em dia... E claro que fazemos votos por que lá cheguem de perfeita saúde e (pelo menos) com a mesma falta de discernimento que ainda vêm manifestando, para que nada piore.

 

Esta cegueira não é inócua: impede de ver o que ali está, naqueles primeiros cálculos - nada menos que a desaceleração cósmica neste momento e o ponto final da expansão do Universo, marcando o ponto de partida para a contracção rumo ao Big Crash.

 

É óbvio que, se as galáxias reduziram a metade, em 3,7 milhões de anos, a velocidade a que se vinham expandindo, a manter-se idêntica taxa de redução, tenderão a anular a outra metade no mesmo período de tempo: o Cosmos deixará de expandir-se, em geral, daqui a 3,7 milhões de anos. É a lógica infantil da Escola Primária. Claro que os sábios serão infinitamente superiores a ela, por isso não descerão até lá... Evidentemente que não negamos que há ainda muitos ses e que é uma primeira aproximação. Não neguemos, todavia, que é isto, porque o é. Não continuemos a recusar espreitar pela luneta de Galileu, a pretexto de que só pode ser o diabo que lá põe tudo (desculpem, a “energia negra”; engraçado como os antigos também diziam que o mafarrico era isso e o inferno era o manancial da “matéria negra”...).

 

É curioso como chegamos a números iguais se partirmos da hipótese de tudo ser luz há 15.000 milhões de anos e de que, qualquer que tenha sido a velocidade da luz primogénita (João Magueijo propõe que terá sido praticamente infinita), ela reduziu-se rapidamente para dar origem à primeira galáxia (que logramos observar há 12.500 milhões de anos/luz), mantendo-se na média dos 300.000 Km/s de então para cá, continuando a matéria daquela formada a desacelerar gradualmente, configurando mais galáxias e mais astros, o Universo inteiro. Ora, se dividirmos a velocidade da luz pelos 15.000 milhões de anos em que, tornada matéria, vem travando, o resultado é de 20 km/s em cada milhão de anos, o que dará, em 3,7 milhões, exactamente a velocidade de 74 km/s reduzida a nada, a paragem da expansão.

 

Seria miraculoso que os dados confirmassem isto. De facto, o maior acerto do cálculo do Big Bang situa-o nos 13.700 milhões de anos/luz. Se calcularmos a partir daqui, restar-nos-iam 77,7 km/s para anular e não 74. Não anda longe, num cômputo tão vasto no tempo e nas velocidades. Contudo, porquê a discrepância? Muitas hipóteses se poderão aventar que serão outros campos de investigação para resolver o enigma e acertarmos cada vez mais os factos.

 

Primeiro, o cálculo da idade do Big Bang tem vindo a recuar cada vez mais no tempo, pode ser que acabe por atingir os 15.000 milhões de anos/luz com as precisões vindoiras que logremos operar.

 

Ou então o Big Bang não foi um momento mas um processo prolongado por biliões de anos, como mais provavelmente ocorrerá no colapso final desta era cósmica, uma vez que, antes de tudo ser engolido pelo buraco negro universal, dar-se-ão imensas colisões e explosões a retardar e contrariar aquele itinerário e, porventura, a fasear até mesmo a explosão cósmica, partindo dum nível primeiro sectorial, depois global e finalmente remanescente, prolongando o fenómeno por biliões de anos.

 

Depois, futuras medições mais rigorosas poderão ir levando os 74 km/s da velocidade actual da expansão cósmica rumo aos 77,7.

 

Até pode acontecer que mais acertos nos determinem outro cômputo para a duplicação da velocidade, em vez dos 3,7 milhões de anos.

 

Numa palavra, tudo está em aberto, como não pode deixar de ser em ciência viva e saudável. O que não pode ocorrer é voltarmos a defender que é o Sol que gira em torno da Terra ou que esta é plana e não redonda (até existe ainda uma “Sociedade Mundial da Terra Plana” – estou à espera de que os defensores da energia e matéria negra se inscrevam nela: é que os confrades entendem que é o demónio, a energia negra, que para nos iludir nos mete pelos olhos dentro as imagens que nos levam a pensar o contrário; ora, é o que estes cientistas fazem – toca a fechar os olhos aos factos, não vá o diabo tecê-las!).

 

Uma convergência curiosa e inesperada é que o tempo que nos falta até à paragem da expansão universal é sensivelmente o mesmo que decorreu desde que fomos deixando de ser australopithecus e passámos lentamente a ser humanidade: na casa também dos três milhões de anos. Como a evolução continua com a lentidão de quem tem todo o tempo do mundo, não podemos fazer ideia de como seremos quando lá chegarmos (se tivermos juízo bastante para não nos extinguirmos antes disso, à semelhança de quantos filões humanos foram ficando pelo caminho: homem de Cro-Magnon, de Neanderthal, gigante e anão de Java...). Hilariante é esta outra coincidência: também muitos cientistas deste domínio da paleontologia se recusam a ver as actuais modificações da espécie, verificáveis nas crianças designadas pelos investigadores de crianças índigo (da cor da aura com que nascem, visível para algumas pessoas dotadas duma visão particularmente apurada, a ponto de a verem). Não andam, portanto, sozinhos, os astrónomos da negridão: hoje como sempre terão imensa companhia por todo o lado, a história que o diga...

 

Engraçado é que isto tem a ver com a astronomia, na vertente da corrida ao espaço. É que, entre as faculdades novas com que nascem dotados os miúdos índigo, aparece, nalguns casos, a telepatia natural. Ora, mesmo numa das viagens à Lua foi testada, à margem dos programas oficiais, e funcionou: na transmissão de sinais Terra-Lua e Lua-Terra os acertos entre os dois comunicadores foram mais de 95%, quando sabemos que a adivinhação aleatória é pouco acima do zero. Os físicos de partículas andam, entretanto, a entrelaçar estas e a medir se é ou não instantânea a mútua alteração (o “efeito fantasmagórico à distância”, como lhe chamava Einstein): aquilo a que chegaram é que, no mínimo, é 10.000 vezes a velocidade da luz (3.000 milhões de km/s), o que leva outros cientistas da área a considerar que é mesmo instantânea, nem vale a pena tentar medir nada.

 

Pois bem, uma infinidade de especialistas anda empenhada nas próximas viagens à Lua e a Marte. O problema insolúvel pelas vias tradicionais é o da comunicação em tempo real: este planeta é já tão distante que só lograremos falar de quarto em quarto de hora aproximadamente. Numa emergência, é a morte da expedição, quando eventualmente a intercomunicação telepática imediata poderia permitir superar a catástrofe. Ora, o caso é que, no meio dos milhares de engenheiros e afins, públicos e privados, que correm esbaforidos a aprimorar as tecnologias requeridas, não consta que haja alguém ocupado em detectar pares emissores-receptores com 100% de eficiência telepática natural e muito menos a treiná-los para não haver quebras em circunstância nenhuma. Eles existem, nem sequer são tão raros assim: nós próprios tivemos oportunidade de encontrar (e testar) um, entre nossos alunos de Psicologia Experimental. E nós não somos nada nem ninguém. Que fará se abrirmos a porta!...

 

Porquê tal alheamento? Ora, porque a telepatia natural (e outras faculdades novas que andam a emergir na espécie um pouco por todo o lado) é um tabu: nenhum cientista digno de respeito se atreve a admitir sequer que tal coisa exista! Os que por aí vão são levados por superstições obscuras, levados por encantamentos do diabo, o tal da energia negra... Fenómenos paranormais?! Cruzes! T’arrenego!

 

Nem sequer reparam que o que andam a testar em partículas de laboratório pode estar perfeitamente antecipado na natureza, organizado entre indivíduos diferentes, e anda aí ao nosso dispor, é só pormos de lado os nossos preconceitos e tratar de utilizá-lo a contento.

 

E eis como jogamos pela janela fora as nossas oportunidades, por não haver maneira de varrermos de vez a matéria negra que tão atarefadamente cultivamos dentro da cabeça. Em todos os domínios. Até quando?...

 

 

 

 

SEXTA  CAÇADA

 

 

 

Os astrónomos adeptos do Universo Paralelo ou dos Multiversos têm vindo a evoluir no modelo: ultimamente há já quem considere inútil vasculhar sinais (sempre inexistentes) de qualquer interferência mútua de algum deles com o nosso. A curiosidade da postura consiste no seguinte: não há nem pode haver qualquer dado discernível daquilo; portanto, não é viável nem será nunca qualquer prova perceptível de tal realidade; todavia, apesar disto, continuam a crer nela e a afirmá-la.

 

Esta atitude implica uma cadeia inesperada de efeitos. O primeiro e mais gritante é que é igual à de qualquer crente na realidade da dimensão metafísica, seja ela de que domínio for, uma vez que se abre ao que estiver para além da física factualidade (como o campo da fé religiosa, da intimidade subjectiva, da vivência interior do domínio de qualquer ciência humana...). Recusa, conseguintemente, que o objecto cientificável seja o único existente e, mais, o único que o cientista, enquanto tal, pode abordar e identificar. Este mito do cientismo reinante há meio milénio é aqui calcado aos pés, como, aliás, deveria ter ocorrido desde o princípio (não que demonstre a sensatez ou não de qualquer tese, no que em concreto subscrever, como, aliás, ocorre em todas as posturas metafísicas; esta é apenas mais uma...). E é mais do que filosofia da ciência, o que mesmo o mais fanatizado no cientismo, apesar de tudo, subscreveria (análise do objecto, método e função da actividade científica).

 

Continuando no domínio da ciência, não se inibem de apontar para além e para fora dela, a partir dos indícios que encontram e cuja explicação mais plausível se lhes antolha requerer tal itinerário. Nisto convergem com correntes doutros cientistas das áreas das ciências humanas (por exemplo, da Psicologia, da História...) que recusam parar no facto perceptível, remetendo, na fronteira, para a interioridade do sujeito com que lidam (e que deverá ser investigada por outro campo que não o da ciência, já que esta tem de ser experimental e, portanto, limitada a objectos percepcionáveis). Nisto destroem e ultrapassam a dogmática do cientismo também na pretensão, não só da inexistência de qualquer outro objecto além do da ciência, mas também, caso persista, de que é desprezível, não interessa nem vale nada (ser inválido para fazer ciência não é ser inválido para a Humanidade, para o que nos importa, bem pelo contrário). O cientismo, como todos os ismos, é uma asneira e ainda bem que há quem da escravatura dele se liberte, também entre os astrónomos.

 

Isto evoca o que ocorreu após a II Guerra Mundial com a euforia dos OVNIs que levou Carl G. Jung a escrever acerca deles e do arquétipo da circunferência (o formato que revestiam) presente no inconsciente colectivo da humanidade, independentemente da realidade ou não dos extra-terrestres entre nós. Aquela figura geométrica acompanha-nos há milénios, desde o grupo primitivo à roda da fogueira, quando o lume foi dominado, até à reunião familiar em redor da mesa hoje em dia, ao círculo como símbolo da perfeição na cultura grega, aos Cavaleiros da Távola Redonda do ciclo de romances de cavalaria de Carlos Magno, retomado no do Rei Artur, durante a Idade Média... A carência do aconchego, da afectividade fiável, exacerbada pelas desgraças da guerra, tendia a despoletar em todos e cada um o apetite inconsciente dela que se manifestaria daquele modo pelo mundo além.

 

O que nos leva a questionar o que andará por trás da atitude destes astrónomos, qual é o vazio que este rompimento deles visa colmatar, embora incônscio porventura dele próprio (e não tem de ser outra coisa, aliás, pois ninguém é obrigado a ser perito doutra área qualquer que não a sua, como é óbvio). O curioso da questão provém disto: o arquétipo junguiano remetia para uma estrutura inconsciente presente em cada um de nós, com múltiplas manifestações espalhadas pelos séculos além em todos os povos; o Universo Paralelo e os Multiversos remetem, ao invés, não para dentro de mim mas para o Cosmos. Que é que há nele e em nós que pode atirar-nos para uma atitude como a destes astrónomos? Que vazio, que carência os suga para tal postura, a de saltar muros preconceituosos, transpor fronteiras idiossincráticas?

Colocada a questão nestes termos, afloram logo dois paralelos: o politeísmo é uma constante da humanidade primitiva e ainda hoje se mantém genericamente no hinduísmo indiano, são multiversos divinos; por outro lado, o monoteísmo é dominante no mundo há uns poucos milénios, mas sobrenatural, é um universo paralelo divino, para além do nosso mundo perceptível. Curiosamente, também ambos são tidos por inatingíveis – faz parte do estatuto universal do que é dos deuses: estão para além do que nos é dado captar.

 

Esta realidade, todavia, remete para outra: é que a nossa interioridade contém aquelas duas dimensões em cada um de nós. Por um lado, o nosso íntimo é duma enorme complexidade, com um pendor emotivo pejado de afectos positivos e negativos (amor, ódio, fúria, compaixão, amizade, repulsa...), com outro intelectual ainda mais variado (conceitos, juízos, raciocínios, teorias, sistemas, certezas, dúvidas, acertos, hipóteses, erros...), com outro virado para a actividade nada menos complicado (valorações, ponderações, escolhas, ideais, projectos, deliberações, decisões...) – tudo configurando a nossa vida íntima como um enorme conjunto de universos: são os multiversos subjectivos que nos constituem a todos nós. Por outro lado, o eu de cada um é que unifica (melhor, tenta unificar harmonizando) aquela variegada teia de dinamismos que intimamente vivenciamos, construindo assim o perfil de nossa personalidade, em perene evolução a vida inteira, sempre em contraponto com o que manifestamos mundo além pelos anos fora – eis, pois, o universo paralelo subjectivo. E ambos igualmente inatingíveis por qualquer dado dos sentidos, sempre exteriores, tanto em terceiros (nunca poderei vivenciar directamente o eu dum tu nem nenhuma vivência íntima dele), como em mim próprio (tenho consciência de mim através da sensibilidade interna, não por qualquer dado dos sentidos, todos externos, por isso percepcionáveis por outrem). Também aqui, portanto, nunca terei notícia nem de mim nem doutrem pela via do objecto cientificável, o dado observável que a experimentação pode comprovar.

 

Neste plano, porém, como também nos outros atrás referidos, o dado exterior perceptível remete sempre para o outro lado, a interioridade do sujeito, seja a minha, seja a doutrem. Por mor disto, toda uma tendência da Psicologia entende que a abordagem científica de tal área só termina quando tal referência é explicitamente feita, é a última fronteira que os dados experimentais suportam; a partir daqui já não é com a ciência, é com a metafísica.

 

É um paralelismo curioso que de nós se estende às crenças mais ancestrais até à visão do Cosmos. Será, todavia, mais que mera curiosidade? Como pode tudo ter uma estrutura idêntica? Mero acaso? Pouco credível...

 

Quando verificamos na microfísica que a nossa presença é que determina se o gato na caixa de Schrödinger é vivo ou morto e que é pela consciência que o operamos, quando no campo zero de temperatura negativa verificamos que as partículas vêm do nada ao ser e ao nada retornam a um ritmo inimaginável, é normal questionarmo-nos como é. Se a minha atitude altera as partículas e eu sou tão insignificante, tão irrelevante, que é que as fará ser e não ser de raiz? É credível que seja uma presença infinitamente mais poderosa que a minha mera corrente de consciência. É o que se poderá deduzir do efeito. Mais: que, sendo uma, será múltipla, dada a extrema complexidade e variedade do que verificamos (Universo Paralelo, Multiversos).

 

E mais não vemos. É o que poderemos inferir, que os dados não nos permitem ir mais longe. Aqui, pois, o suporte físico destes astrónomos. Será único?

 

Há outro, de ordem interior. Já Sº. Agostinho, no séc. V, referia que vimos de Deus e o nosso coração não descansa enquanto a ele não retorna. Crentes e descrentes, todos temos em nosso íntimo o aguilhão do Infinito: o apetite de plenitude, de felicidade completa e interminável, de sabedoria plena, do bem sem sombras, do maravilhamento absoluto... É por isso que corremos sem parar em todas as campinas da vida.

 

Quando estes cientistas dão aquele salto e se reportam àqueles Universos continuam prisioneiros da dimensão física, embora confessamente inatingível. Ignoram, porventura, que estão a fazer uma projecção da respectiva interioridade para o mundo exterior, exactamente como ocorre com todas as crenças religiosas, das mais ingénuas às mais teologicamente depuradas: materializam fora o que é íntimo, assim tornando apreensível o que doutro modo correria o risco de findar de todo inabordável. Materializado, todavia, corre o risco paralelo: ser tomado pela realidade a que aponta e que nunca é nenhuma materialização dela – o nosso íntimo nunca se esgota nem reduz às respectivas concretizações, nenhum indivíduo é apenas as realizações dele, nem sequer no somatório de toda a vida. Dito doutro modo: Universo Paralelo e Multiversos não são realidades materiais, mas são inteiramente reais, só que do teor das realidades vivenciais que nos estruturam o íntimo, doravante reportadas a uma escala e um domínio até hoje nunca visto por tal prisma: o Universo.

 

Esta é a novidade por estes astrónomos inaugurada, porventura sem se darem conta de até onde, afinal, os levaria: um novo modelo do Cosmos, inteiramente diverso de tudo quanto até hoje dele vislumbrámos.

 

 

 

 

SÉTIMA  CAÇADA

 

            Alguns astrónomos aventam a hipótese duma quinta dimensão no Universo com características singulares. Teríamos, pois, para além das três dimensões clássicas do espaço (comprimento, largura e altura), a quarta introduzida pela Teoria da Relatividade, o tempo, o que nos tem levado à designação da realidade cósmica como espácio-temporal de há um século para cá. Agora eis uma nova dimensão ainda sem nome próprio: ela é requerida para dar conta da existência do Universo, uma vez que, logo que presumida, tudo no Cosmos se harmoniza, afirmando-o e confirmando-o, o que, sem ela, é definitivamente inviável.

 

             Esta dimensão, porém, ao contrário das outras, não é abordável por via experimental, escapa por natureza a qualquer percepção, situa-se fora do campo por nós captável. Não a logramos apreender, apenas a podemos presumir. Todavia, presumida ela, então toda a tessitura do Universo faz sentido. Sem ela, todo o Universo é absurdo porque é impossível. Não pode sequer existir. Todavia, existe. O que, em concreto, não deveria ser, logo, tem de haver uma quinta dimensão responsável por isto.

 

            Seria uma hipótese idêntica à que foi a dos buracos negros, décadas antes da descoberta do primeiro, ou à do bosão de Higgs até à verificação dele no acelerador de partículas - não fora a inviabilidade de experimentação. É mais uma a juntar às da energia e matéria negras, estas com todas as experimentações falhadas sistematicamente, uma vez que são hipóteses inúteis, pois derivam de modelos inadequados ou de interpretações erróneas dos fenómenos a que se reportam. Corrigidos uns e reajustadas outras, tudo finda claro e negras são apenas as nossas inabilidades e miopias.

 

            A hipótese da quinta dimensão deverá ter o mesmo destino? A mundividência dominante no escol cultural do mundo, vítima de cientismo, e todos os cientistas acríticos que pela mesma mentalidade se pautam nem sequer terão em conta tal despautério (no entender deles). O que for imperceptível ou não existe ou, se existe, é irrelevante, ou, se não, não é da conta de gente que pretenda ser culta – ao que crêem. É do domínio de ignaros crendeiros ou de obscurantistas de boa ou de má fé. O ponto final deles já lá foi colocado a priori. Nem sequer se irão dar ao trabalho de olhar para tal avantesma científica.

 

            O mais divertido de tudo isto é uma experimentação que os laboratórios de Física Quântica verificam todos os dias, em todo o mundo: no campo zero, perto da temperatura negativa absoluta, as partículas manifestam uma estranha vibração residual permanente. Consiste em quê? Nisto: em cada segundo, todas elas desaparecem, deixam de existir para voltarem a existir logo depois, largos milhares de vezes naquela fracção de tempo. Todas voltam ao nada e, curiosamente, do nada voltam ao ser. Isto é o que é observável por quenquer que seja. Estranhamente, nenhum físico pergunta como é que o nada cria o ser. Todavia, vêem-no ali a acontecer diante dos olhos. Assistem à criação, mais, verificam experimentalmente que, longe de ser constante, como enganosamente nos parece ao observar, é intermitente, velocíssima embora, e que esta intermitência é perene – tudo percepcionável e comprovado. E param por aqui. Para quem é tão curioso e dubitativo, como justificar que não questionem aquilo? Como do nada nada se tira, como evitar a pergunta: que ou quem é que cria a partícula a partir do nada, cria tudo, o Cosmos inteiro, uma vez que tudo é feito de partículas? O acto é observável, o actor, não. Então viram costas, amuados com esta desfaçatez que a realidade lhes impõe. Mas desde quando ignorar o problema é uma atitude científica? A que propósito? Como não querem ficar sem resposta, ignoram a pergunta, meninos mal-educados a pôr a língua de fora ao Universo. Estes cientistas de trazer por casa demonstram ao vivo a radical estupidez do cientismo que nos domina, qualquer que seja o ângulo por que o questionemos. Não passam, por mais laureados que sejam, de adoradores de quanto é visceralmente estúpido na cultura, ao incensarem o experimentalismo sem lhe reconhecerem o abismo letal em todas as fronteiras que o limitam.

 

            Ficarmos, todavia, com a pergunta, sem qualquer possibilidade de resposta por natureza, é angustiante, por mais honesto que seja. A angústia, contudo, espicaça-nos, obriga-nos à procura. No limite, é a expectativa duma revelação. E toda esta, por mais secular e empírica que seja, é sempre a vivência da revelação dum deus: tem a conotação emotiva do levantamento da ponta do véu, num vislumbre do Infinito. Ora, é isto que a hipótese da quinta dimensão incarna. Não é, porém, como afirmar que há ali um mistério insolúvel? É e não é. Por um lado, afirma-o para o campo da ciência, uma vez que não há mais dados percepcionáveis que no domínio dela sejam abordáveis para ir mais longe. Por outro, abre a porta a qualquer investigação que não tenha os limites que à ciência se impõem. Mas é inteiramente legítima no âmbito científico, uma vez que é uma inferência que os dados observáveis requerem, só não permite é ir além disto.

 

            Como ultrapassá-lo então? Há um paralelo implícito no campo de todas as ciências humanas. É que em todos nós se verificam aquelas dimensões: temos um corpo com as três espaciais, comprimento, largura e altura, mais a quarta, o tempo do nascimento à morte. Além destas, temos uma quinta dimensão, a da vida, que nos permite distinguir um corpo vivendo dum cadáver. É o mesmo corpo, só que, num caso, vivo, no outro, morto; num, animado, no outro, inerte; num, sempre a unificar-se, no outro, a desintegrar-se. A quinta dimensão cósmica apenas é mais radical: faz o Universo ser, dinamiza-o e harmoniza-o de modo a não desintegrar-se no nada. Faz, pois, todo o sentido e até aqui nós apenas somos um pequeno reflexo dela (e ainda no domínio observável, portanto da ciência). Como não podia deixar de ser, uma vez que fazemos parte do mesmo todo.

 

            Há mais, porém. À semelhança da quinta dimensão cósmica, também nós não conseguimos com a ciência experimentar a vivência íntima da vida de ninguém, nem sequer em nós próprios, quanto mais nos outros. Ela não tem dimensões espaciais, uma ideia não tem comprimento, largura nem altura, um sentimento também não, nem um valor, nem uma escolha – só os atingimos sensorialmente quando espacializados, exprimidos, concretizados (aqui a ciência já pode entrar). Só que isto é sempre diferente daquilo, daí a possibilidade da mentira, do embuste, da duplicidade, em que o materializado é divergente do vivenciado. São dois mundos entrelaçados mas radicalmente diversos, mutuamente irredutíveis. É a eterna tragédia do poeta: o poema sonhado é sempre infinitamente outro e melhor que o escrito – a tradução material é irremediavelmente uma traição. Isto legitima, todavia, a característica não cientificável da quinta dimensão cósmica. E confirma-lhe a realidade, uma vez que dela dispomos em nós próprios e mais não somos que uma infinitesimal partícula daquele imenso todo.

 

            Finalmente, a distinção mais radical, aparentemente: cada um de nós tem acesso à sua própria intimidade através da sensibilidade interna, embora a não tenha à de ninguém mais. Como presumimos que somos iguais, todavia, generalizo ao outro o que ocorre comigo, imagino o que ele vivencia a partir da minha própria vivência, confiro-lhe as expressões pelas minhas, os sentidos pelos meus, a ponto de me esquecer de que o seu íntimo é um jardim selado, a todos os mais vedado que não a ele próprio. Ora, parece que nada de paralelo existe na minha relação com o Universo. Esta conclusão deriva apenas da minha miopia, sou pequeno demais, de vistas infinitamente curtas para abarcar a continuidade. É que a quinta dimensão, seja lá qual for a respectiva vivência nela própria que me ultrapassa por inteiro, manifesta-se através do Universo que cria, dinamiza e perpetua, à semelhança de qualquer atitude e actividade humana doutrem que por igual mo revela a mim como eu a ele. A realidade cósmica, ao me extasiar, ao me questionar e desafiar, ao revelar-se-me aqui ou além (novos dados, novas leis e teorias...), ao tratar de mim mantendo-me a ser ou ao mudar-me, até na morte – é a quinta dimensão a exprimir-se-me e a comunicar comigo. Não é por uma linguagem, é por factos e actos, como, aliás, a maior parte da intercomunicação humana também o é (a fala entre nós é sempre uma diminuta parcela, mera ponta de icebergue, por mais que prioritária). Neste sentido, a astronomia, a aventura espacial, as emoções entusiásticas ligadas a toda esta área – são respostas nossas neste diálogo de dimensões incomensuráveis. Tudo isto, entretanto, centrado no domínio perceptível, no reino das expressões materiais, o campo cientificável, dum lado e do outro, do Universo e da Humanidade.

 

            Então a intimidade em si, independentemente das expressões que lhe dermos, finda de fora? Não necessariamente. É que nada se cria a si próprio, não sou eu que me tiro do nada, a Humanidade como toda a realidade é a quinta dimensão que a sustém no ser e a propulsiona. Logo, a minha interioridade também. Ignoramos como, apenas o constatamos. Sendo assim, todavia, o que ali em mim ocorre manifesta a fonte donde provém. Ora, há propensões íntimas, inclinações, emoções e sonhos, utopias, faculdades inatas que em mim constato e que não dependem de mim para serem e se manifestarem nem sobre isto tenho qualquer mão para o arredar ou aniquilar. O meu poder limita-se a ir gerindo o melhor que lograr todo este mundo estranho, alheio ao meu eu e que me advém da mesma origem donde eu derivo. Isto exprime em mim o que a quinta dimensão de mim também faz e onde me desafia. Tenho, portanto, um diálogo com ela dentro de mim próprio. Este, sim, escapa por inteiro ao domínio cientificável. É tudo vivência íntima, apenas por mim abordável pela reflexão crítica. Poderei não partilhá-lo nunca e então o jardim secreto permanecerá selado a terceiros. O contrário, todavia, também é viável. Mas só partilharei manifestações daquilo, nunca aquilo em si mesmo, em vivência, uma vez que é impossível (ninguém me vive a mim mesmo, só eu me vivo a mim).

 

A Psicologia Analítica (ou Psicologia das Profundidades), na esteira de Carl Gustav Jung, constata-o num diálogo filosofia-ciência em muitos domínios e chama-lhe o “deus-em-nós”, por contraste com o deus em si, por natureza inabordável (até para os crentes religiosos). Para além desta área de fronteira científico-filosófica, a tentativa de saltar a raia inabordável da quinta dimensão é permanente na história da Humanidade: é o que originou e continua a originar todas as religiões, bem como todas as teologias a elas ligadas, com as derivadas mundividências e práticas litúrgicas e rituais. Por mais que o tentem, nenhuma logra desselar a inviolabilidade da quinta dimensão: é inatingível em absoluto, tanto pela ciência (no domínio físico) como pela filosofia e teologia (no vivencial).

 

Daí que as mais autênticas manifestações de fé assentem e partam justamente da constatação explícita disto: no judaísmo o Deus é inominável por princípio, desde o início (portanto, mudam regularmente a designação que o aponta: iavé, jeová, eloim, emanuel... – mal tenda a cristalizar-se numa conotação qualquer) e incompatível com qualquer representação física (o bezerro de oiro é a repudiada aberração da idolatria); o cristianismo herda esta tradição bíblica e então explora a manifestação divina através da incarnação histórica de Jesus Cristo, isto é, sempre a partir do lado de cá da quinta dimensão, não do lado de lá, do que ela for em si; o muçulmanismo nem tolera qualquer figuração nas mesquitas, o que obrigou os arquitectos a imaginar criativamente as geometrias decorativas que as caracterizam; o budismo e afins leva isto a uma radicalidade tal que acaba por abolir o próprio conceito de Deus, mantendo a espiritualidade, enraizada na interioridade individual, compartilhada com os outros, o mundo e o Universo. Em todas, portanto, há a intuição de que a realidade comporta uma dimensão qualquer que nos ultrapassa em absoluto, não apenas historicamente (o que o progresso iria desvendando, eras além). Há o inabordável e inatingível por natureza, característica constitutiva da sua própria essência, a que não temos nem teremos acesso nunca de modo nenhum.

 

A quinta dimensão astronómica converge e confirma, a partir da ciência, o que a intuição multimilenar da melhor mística religiosa aponta desde sempre, empiricamente, de modo eventualmente confuso, instável e inseguro.

 

Sendo assim, então, tal hipótese científica não adianta nada de novo? Ao contrário, adianta e em dois domínios. Primeiro, no âmbito da ciência, rebenta com a pretensão exclusivista e totalitária do cientismo, o cancro que mina a mentalidade do escol cultural planetário. Obriga os investigadores a irem até à fronteira dos dados observáveis, único domínio susceptível de experimentação, e constatarem que a realidade não termina aí, prolonga-se para além, aonde já não logram atingir experimentalmente nada do que lá houver. Aqui principia a cura: respeitam-se os próprios limites e respeitam-se outras abordagens. Depois, no âmbito da filosofia e teologia (a multissecular aristotélica metafísica), impõe-lhes a exigência de acolherem escrupulosamente a inefabilidade da quinta dimensão, a respectiva intangibilidade absoluta. Ora, isto não é de somenos importância: todas as religiões a violam sistematicamente, todas definem dogmas intocáveis, todas têm a pretensão de deterem a Verdade acerca do Absoluto (pouco lhes importa a contradição nos termos que isto é), todas impõem ritos sacralizados (quer dizer, infrangíveis, sob pena de condenações mais ou menos violentas, desde a pena de morte à preterição comunitária). Também aqui filósofos e teólogos terão de ser humildes, reconhecerem a própria fronteira, a relatividade pobre de tudo o que de substancial forem atingindo. E mais: a exigência do rigor científico reduplica-se aqui nos critérios de rigor viáveis nesta área de areias movediças – para ser aceitável tem de obter consensos mais e mais alargados, potencialmente universais, o que implica que tem de atingir razoabilidade (argumentos racionais que alcancem credibilidade, que devenham convincentes), por um lado, e, por outro, que os frutos sejam bons (efeitos construtivos e benéficos, a curto e a longo prazo, a carrearem felicidade e plenitude para cada um e para todos, no presente e no porvir). Doutro modo, não, é tudo falso, é tudo mentira, é tudo de jogar ao lixo (como os do cientismo pretendem e nisto - e só nisto - têm razão).

 

A hipótese da quinta dimensão científica do Universo traz no bojo, potencialmente, uma enorme revolução cultural, portanto. Assim de todos os lados lhe prestem ouvidos, em vez de a ignorarem ou a jogarem fora, como os doentes emproados do cientismo farão, fatalmente, a tentarem contagiar-nos colectivamente com a mesma traiçoeira pandemia que os vitima de estupidez crónica, desde há séculos.

 

 

 

 

QUE CAÇADA ENTÃO?

 

Um dos aspectos mais intrigantes do Cosmos é saber como é que ele se pode ter formado com a configuração que tem a partir do Big Bang, quando a probabilidade de tal acontecer era uma entre triliões, quadriliões, quintiliões, quem sabe, doutras. E o mais provável seria desvanecer-se numa nuvem imensa de poeira amorfa, a esvair-se em gélido nada. Mas não, logo havia de ordenar-se nesta versão. Isto é tão estranho que bastaria não ter ocorrido a ligeiríssima diferença na explosão primordial, como postulou Stephen Hawking, que originou a actual variação de comprimentos de onda no ruído de fundo da expansão cósmica, para inviabilizar este Universo. Resultamos dum inacreditável equilíbrio num fio de navalha. Parece um milagre. É o que regista, no romance de excelente divulgação científica A Fórmula de Deus, José Rodrigues dos Santos, fazendo eco da perplexidade de todo o ambiente dos investigadores.

 

Não é tão estranho assim, todavia, se encararmos o Cosmos como um ser vivo: a característica mais universal da vida é a de auto-preservar-se a todos os níveis: no plano individual (alimentando-se, robustecendo-se, reequilibrando-se e curando-se); no plano da espécie (reproduzindo-se e cuidando da progénie); no plano da vida em geral (adaptando-se e evoluindo para novas espécies mais aptas no contexto de sobrevivência). Ora, o Universo também é assim: a Terra tenta permanentemente refazer o seu equilíbrio ecológico (nos modos a cada momento viáveis); curar-se após cada lesão (a queda do meteorito que extinguiu os dinossáurios levou à recomposição da cratera feita e à reconstrução da cadeia evolutiva, senão nem nós hoje existiríamos); cooperar no projecto cósmico de vida (assimilando e integrando em si todos os meteoritos, poeiras, estrelas cadentes que vai encontrando pelo caminho, à razão dumas cem toneladas de crescimento do seu tamanho por ano). Ora, “no grande como no pequeno”, o que ocorre na Terra ocorre com cada astro, cada galáxia, com o Universo inteiro, nas partes e no todo (que é outro e muito mais que a soma das partes).

 

Posto isto, o que todos andamos a fazer, desde cada ser vivo terrestre, cada indivíduo, até cada astro, até o orbe sidéreo inteiro, é a reforçar dia a dia mais, geração a geração, era a era, até cada idade cósmica entre Big Bangs, a ordenação da matéria física que mais nos for conveniente a todos, que mais promova a vida e a qualidade dela a todos os níveis, do animal à planta, da terra às galáxias e ao Universo. Neste sentido, andamos seleccionando e reforçando perenemente as partículas subatómicas (o genoma cósmico) cujas características mais nos convêm, preterindo, secundarizando ou obliterando as outras, das indiferentes às adversas. Fazemo-lo todos, do nascimento até à morte, do primeiro momento do Big Bang ao derradeiro antes do Big Crash.

 

Assim como nós transmitimos à nossa progénie o código genético que herdámos, assim o Cosmos impõe o seu ao buraco negro genesíaco, de modo que o ligeiro desequilíbrio que abriu a estreita fenda que viabilizou este Universo resulta, não do mais que improvável acaso, mas da linha de rumo dos Universos anteriores que implantaram no astro primitivo a ordem de prioridades subatómicas, a diferença subtil mais apropriada para redundar no nosso. Somos tanto herdeiros genéticos de nossos ancestrais como dos ordenamentos cósmicos de eras siderais anteriores que desde sempre vieram desenhando o código genético das partículas que mais convinha ao ser vivo do Cosmos, bem como a cada uma das suas respectivas partes, os órgãos vivos de seu imensurável corpo, terminando em nós, o mais minúsculo de tudo. Agora, invertendo o clássico princípio, no pequeno como no grande.

 

O modelo biológico, para além de harmonizar micro e macrocosmos, permite finalmente levantar o véu sobre o pano de fundo da resposta às duas grandes questões que se colocam a cada pessoa: quem sou eu e que ando aqui a fazer? Pois bem, cada um de nós é a concretização duma síntese ínfima da infinita vida cósmica, de que partilha e cuja aposta é convidado a perfilhar, através da tendência universal, em nosso imo também implantada, de preservar, promover, multiplicar vida, mais vida, vida melhor. Somos todos, de mãos dadas, convidados a dar a nossa achega humilde ao empurrão cósmico: ele é que conduz o Universo à ordem de prioridades, ao subtil desequilíbrio implantado no código genético das partículas subatómicas, os alicerces siderais, que no Big Bang gerou, contra toda a probabilidade, este Cosmos e, na próxima idade sidérea, gerará outro, decerto um passo ainda mais adiante em igual rumo. Como ocorre com toda a forma de vida, no pequeno como no grande, no grande como no pequeno.

 

Finalmente, o modelo biológico reconstrói a ponte entre todas as áreas da realidade, quer as abordemos a nível empírico, quer do pensamento crítico. Em todo o ser vivo há uma vida interior. Constatamo-la facilmente em nós próprios, cada um em si mesmo, inferimo-la nos outros (embora nunca podendo viver o eu do tu em meu imo). Dotada de mais simplicidade, deduzimo-la nos animais, mormente os de estimação com quem comunicamos. Mais rudimentar em geral é a que verificamos nas plantas, mas a forma como lidamos com elas, como eventualmente lhes falamos, leva-as a responder de modo diferente, como os bons jardineiros e agricultores reconhecem e a investigação confirma. E assim sucessivamente, em cadeia viva extensiva a todos os níveis da realidade, até ao extremo do Universo, até ao Cosmos como um todo.

 

Se as manifestações disto, porque percepcionáveis, permitem sempre a abordagem científica, as vivências, enquanto íntimas, apenas o são, no plano da reflexão crítica, pela filosofia e teologia (sempre compartilháveis, mas remetendo inelutavelmente para a interioridade dos sujeitos, tanto do que as comunica como do que as acolhe em si). Não falamos neste domínio na terceira pessoa, como ocorre com o objecto sensível da ciência, mas na primeira, é o sujeito a analisar-se criticamente a ele próprio, em todos os ecos que em si tudo desperta, desde o que é e quem o rodeia, desde o mundo até ao Universo inteiro. Aqui falamos sempre, inelutavelmente, da egoidade, como refere o filósofo Paul Ricoeur, na Filosofia da Vontade, é o “discurso do eu”, contraposto ao discurso do ele, próprio da ciência.

 

Como, porém, na nossa interioridade tudo perpassa, para além de me encontrar a mim, eu reencontro em meu íntimo todos os outros e tudo (inclusive o campo inteiro da ciência) e intercomunico-me com cada um e com todos, mormente com a interioridade dos mais, com a dos outros reinos vivos tradicionais da natureza, com a misteriosa vivência íntima da Terra, dos astros, do Universo. É o que ocorre, por exemplo, no mundialmente famoso O Filósofo e o Lobo, de Mark Rowlands, particularmente significativo por ser uma reflexão filosófica dum perito de carreira neste campo que, sendo autobiográfica, cruza todos os planos: o relacionamento consigo, com os outros, com o lobo domesticado dele, com a natureza ambiente, até ao dramático desafio final ao Universo inteiro, ante o vazio da morte de seu companheiro de estimação, e a que o Cosmos responde, contrariando o silêncio da indiferença sideral, de forma inequívoca inexplicável, provocando no autor, renitente ateu confesso, uma autêntica experiência religiosa de raiz (mas que o não liga a qualquer credo ou confissão, antes o deixando ali completamente perplexo). É idêntico ao que ocorre com Albert Einstein quando ele confessa que, para ele, religião, não, basta-lhe levantar um pouco a ponta do véu misterioso do Universo e ficar, ante a fulgurante revelação, extasiado de maravilhamento. E é o que vivencia Carl Sagan, também ele ateu, nos meses que lhe precedem a morte (e que ele relata sabiamente), quando se lhe torna evidente que o fim que lhe está chegando afinal se lhe revela como a fusão dele com a incomensurável vitalidade cósmica com que finalmente comungará por inteiro e em que se perderá-encontrará num êxtase interminável. Isto, ao invés de terrífico, afinal é fascinante.

 

É o encontro íntimo com o que muitos designam como o universo do espírito ou o Espírito do Universo, a Alma do Mundo e muitos outros referem com as designações tradicionais de Deus, Javé, Alá, ou então causa incausada, primeiro motor ou Grande Arquitecto e assim por diante, cada qual com diversas conotações, por vezes acaso contraditórias, mas todas constituindo os dedos apontados, a partir de horizontes diferentes, para o mesmo cume inefável e inatingível da montanha do mistério que, por todo o lado e a todos os níveis, eternamente nos desafia.

 

O modelo biológico do Universo abre, portanto, as portas ao mais fecundo diálogo exequível entre todos os vectores da cultura, entre todos os horizontes de referência humanos. É um programa demasiado atraente e prometedor para continuarmos a perder tempo, energias e recursos com mais caçadas aos gambozinos. Tenhamos nós a coragem do ponto final a isto, para podermos vir a retomar tudo, a partir destoutro bem mais fascinante parágrafo vivo.

 

 

Bartolomeu Valente

 

Mestre em Ciências da Educação

Licenciado em Direito

Licenciado em Filosofia

Diplomado em Teologia