A  INCERTA  ALEGRIA  DO  AMOR

 

 

 

 

 

Viver

 

Viver de coração partido

É viver a meias.

Não é de meio vivo o sentido,

Que isto ainda tem medidas cheias

De conforto,

É mesmo de meio morto.

 

Coração que se parte

Não torna a colar-se,

Não é tecido que esgarce,

É o esboroar do baluarte,

Feitas em estilhas

As antigas maravilhas.

 

Quando metade morre,

O resto fica a doer,

O dobro da dor ocorre

Na metade que restar a quenquer.

 

Podemos tentar ir colando pedaços,

O efeito nem sequer imita os traços.

 

 

Segredo

 

O segredo mais guardado até agora

Sobre o casamento

É que o sexo, se descontraído em comum, só melhora,

Momento a momento.

 

Não há nada para provar,

É só partilha

De prazer, de atenção, de mutuamente se cuidar,

Se deveras se quer amar,

Das armas desmontada qualquer patilha.

 

Ao fim duns anos já não há chama,

Há um sereno vulcão

Que aquece tudo até à rama

Desde a fundura do mais íntimo chão.

 

 

Gosto

 

“Somos diferentes,

Mas eu gosto dela assim.

Faz-me rir, entrementes,

E temos muito em comum, por fim.”

 

“Por tais motivos, vais a um abrigo

De animais abandonados,

Escolhes um cão para teu amigo

E estamos conversados.”

 

“Que razões tens tu a me contrapor?”

“Ora! O amor.”

 

 

Transforma

 

Quantas vezes coincida

Que em minha vida o amor

Se transforma na maior

Desgraça de minha vida!

 

O amor é fagueiro,

É,

Até ao pontapé

Traiçoeiro...

 

E não vale a pena ter ilusões:

Seja qual for

O amor,

É sempre de ambos os pendores que dispões.

 

 

Comida

 

Comida pobre para gente pobre

Que vive em dificuldade

Mas que é rica que sobre

Em bondade,

Fantasia e engenho

No comum empenho,

 

Nas extravagâncias que tocam a loucura

Para fugir da miséria,

Eternamente à procura

Dum dia de féria.

 

A desgraça é que, uma vez este alcançado,

Se perde o outro lado:

 

Ora, era a bondade e fantasia

Que alimentava a magia.

 

Perdida esta

No dia-a-dia,

Findou a festa,

Morreu a alegria.

 

Seja lá qual for a riqueza

Que, a compensar aquela falta, então se preza.

 

 

Aproximação

 

O amor

Entre dois indivíduos imperfeitos,

Da família ao calor,

É a aproximação maior

Que temos, incréus

Mal afeitos,

Ao amor de Deus.

 

É-o na ternura fruída

E na intérmina modelação

Prosseguida,

Rumo à infinita

Comunhão

A que, na lonjura, nos concita.

 

É o inatingível

Aflorado,

Germinalmente vivível,

Jamais em pleno consumado.

 

 

Procura

 

A mulher infeliz

Que se quiser sentir pior

Procura as memórias do cariz

Que se quer propor.

 

A do dia de azar

Em que topou o namorado,

Num recanto isolado,

Outra a beijar.

 

A do colega

De escola

Que lhe roubou o pão numa refrega

E o professor nem ligou a quanto isto nos amola.

 

A do apalpão no metro,

Quando lhe roubaram a carteira

-E lá se foi de vez o ceptro

De que o sonho a abeira!...

 

Se uma caixa de bonbons

O namorado hoje lhe oferta,

De entusiasmo nunca serão os tons

Que nela desperta.

 

“Estou muito trite” – ela dirá –

“Por não esquecer aquela jornada

Em que me começaste a dizer, logo desde lá,

Que eu era uma rapariga amargurada.”

 

Se discutirem

E o namorado se for,

Tanto melhor,

É mais um dos motivos para a deprimirem.

 

Ora, bem podia ter aceitado os chocolates,

Agradecendo com um sentido beijo,

Fruindo o dia sem dislates,

No harpejo

De quem dela tanto gosta

Que dum amor tenta levar por diante a aposta.

 

Preferiu, porém, reviver a negridão

Do passado.

Ficou-lhe o porvir, então,

De vez negado.

 

 

Responsável

 

O responsável de crime, fraude, engano,

Abuso, violação, dano,

 

Tem de ser responsabilizado

E justiçado

 

Não, porém, por ódio, mas por amor

Ao que nele houver de melhor,

 

A ver se lhe desperta no imo

O apelo do cimo.

 

 

Pejado

 

Não poderei amar, viver de amor,

Que o mundo é pejado de ódio e dor?

 

Então eu que faço?

Aumento-lhe ainda mais aquele traço?

 

Todos, quenquer que seja,

São gente de amor, que o amor almeja.

 

Se eu não pudera melhorar o mundo,

Então, sim, afogar-me-ia no fundo.

 

Crer que outrem decide

É a desculpa ideal

Para que eu não lide

Com nenhuma melhoria no real.

 

Desculpa-me o alheamento

E absolve-me de responsável pelo momento.

 

É o ciclo vicioso em que o magoado

Responde com violência

Aguardando do outro lado

Igual correspondência.

 

E a espiral continua

Da Terra à Lua,

 

Aguardando que, pelo meio,

Alguém quebre nos dentes o freio,

 

Institua

Vida nova em nova rua.

 

- Porque não eu,

Se percorro a vida a sonhar o céu?

 

 

Desarmonia

 

Vivemos em desarmonia com a natureza

E com nossos pares.

Ou corrigimos o rumo com presteza,

Com novos caminhos singulares,

Ou como espécie poderemos nem sequer

Sobreviver.

 

O coração é que o ritmo há-de marcar,

Palavra e pensamento a unir

Para repetir

O acto de criar.

 

Vem aí, terso,

Um novo Universo.

 

Os responsáveis pelo erro

Podem sarar,

O mal reparar

E reintegrar-se, no cume do cerro,

Na festa que invade

A nova comunidade.

 

Não haverá culpados,

Para vítimas não haver.

Enquanto restar uma sequer,

Há separados,

Lá fora, nalgum dos lados:

Não vai haver amor então

Como suprema força de união.

 

Ora, ninguém quer viver num mundo

Onde o ódio continue a ser fecundo.

 

 

Maior

 

A maior condenação

É negar a outrem a identidade,

Renegá-lo, raso ao chão,

Sub-humanidade.

 

O problema é que, depois disto,

Também eu já não existo.

 

A pena de olho por olho, dente por dente,

Tem isto de negativo:

Deixo de ser diferente,

Desço ao nível do cativo.

 

Negar a outrem o perdão

É rejeitar,

Rejeitando a compaixão,

Meu poder de amar.

 

Se outrem não amo,

Não amo a mim,

Por fim,

Galho do mesmo ramo.

 

Já não há mais tramo que nos una,

Horizonte a horizonte,

Nenhuma ponte

Pela qual toda a gente como um todo se reúna.

 

 

Retorna

 

Todo o ataque contra alguém

É contra mim também,

 

Como o amor que oferto

Me retorna, longe ou perto.

 

O amor não exclui, não separa nem distingue

E, para que vingue,

 

Nossos corpos atravessa

Unindo tudo e todos numa mesma peça.

 

Em tempo de reconciliação

Do lar ao país, ao planeta,

É o amor a função

Que a completa,

De procura infatigável de união

Repleta.

 

O amor ninguém o pode dar

Por decreto nem mandato.

Mas também é verdade

Que em nenhum lugar

Vem do amor um acto

 

De iniquidade,

De avareza, corrupção,

De impunidade,

Discriminação,

Assassinato,

Massacres, fomes, bombardeamentos,

Sequestros, tormentos...

 

A falta de amor

Do mundo em redor

 

Gera ressentimento, frustração,

Medo, aparência,

Dor,

Pejado o chão

De violência.

 

Então

Como arrumamos nossas brigas?

Atirando o amor às urtigas

E jogando o caldo quente,

Em vez de ser para alimentar,

A escaldar

Toda a gente?

 

 

Creio

 

Se creio amar

E acumulo indiscriminadamente,

Ando-me a enganar:

Não se ama selectivamente,

A fundura infinita em tudo ao vislumbrar.

 

Não basta amar nossos filhos

Mas por igual os filhos de todos.

Não basta amar de nossos avós os cadilhos,

Mas também os dos mais, com todos os engodos.

 

Nossos pais

Somente?!

E os dos demais,

E os de toda a gente?...

 

Não apenas o compatriota,

Mas todo o habitante do planeta.

Será uma derrota

Se não atingir esta meta.

 

O amor ou é universal

Ou é a ilusão final.

E, como ilusão,

Será, então,

Fatal.

 

 

Obriga

 

O amor não se obriga nem se impõe.

Pois não.

E o ódio, então?

Falta de amor, de afecto por outrem supõe

 

E há campanhas e organizações a fomentá-lo

Mundo fora,

Como o regalo

De última hora

 

Que a terra inteira arregimenta:

Massacres, terrorismo,

Sequestros, bombismo...

- É larga a ementa.

 

Tráfico de droga,

De armas tráfico,

Tráfico de pessoas...

- O ódio afoga,

No mapa geográfico

Sempre em crescendo do leque dele o gráfico,

Quantas iniciativas, quantas vivências boas!

 

Como justificar

Quanto obstáculo se coloca,

Quanta manipulação se evoca

Para o amor não vingar?

 

Se é viável o ódio semear

Porque não o amor, a par?

 

Campanhas de ódio orquestradas na perfeição...

- Então e de amor porque não?

 

Seja qual for

O nome que ao amor

Demos:

Fraternidade,

Solidariedade,

Equidade...

- O que importa é que o fomentemos

A toda a hora.

Ou, não demora,

Nem mundo teremos.

 

 

Abraço

 

O abraço que conforta,

A palavra de consolo,

A maçaroca de milho partilhada à porta,

A gadanha de sopa, o naco de bolo

A saciar o faminto,

A chuva no campo, o sol na eira,

A manta em que o bebé sinto

De meu peito à beira...

- É tudo amor em multímodos lemas

A tocar

Da vida a música em infinitos temas.

Como nela não procurar

A resposta aos problemas?

 

O amor inclui quanto integra,

O ódio exclui: desintegra.

 

O amor traz vida,

O desamor, a morte.

É o dilema que nos convida

A escolher a nossa sorte.

 

O mundo precisa de reparar

Os vínculos rompidos:

Com que é que iremos consertar

Os rasgados tecidos?

 

 

Habituados

 

Habituados a pôr o interesse pessoal

Acima de tudo,

Custa-nos entender o que real

Tem o amor na vida pública por conteúdo.

 

É serviço desinteressado,

Interesse pelo bem comum,

Consideração por outrem em todo o traslado,

Respeito pelas ideias de cada um,

 

Atento ao que lhes acontece,

A evitar todo o mal que ao dobrar da esquina aparece.

 

É viver numa comunidade

Em que cada um os mais reconhece,

Aceita,

Respeita,

E por isso se ama de verdade

E ama toda a gente

No que for igual e no que for diferente.

 

Em vez de abusar

Prefere proteger,

Em vez de roubar

Cuida e partilha os bens que houver.

 

Em vez de violentar o ecossistema,

Cuida do ambiente,

Lar comum de toda a gente,

Por lema.

 

O amor é respeito,

Apreço e entrega gratuita

A nós e aos mais, a todos a eito.

No dédalo da vida, a guia fortuita

Que nos pode levar, fiel parceira,

A uma ordem certeira,

Com muita liberdade, muita,

Finalmente verdadeira.

 

 

Espera

 

Amor que não é entrega

Desinteressada,

Não é amor, é uma refrega

Disfarçada.

 

Em quanto casal,

Quando um deles “amo-te!” diz,

É na espera do sinal

“Também te amo”, de igual matiz!

Mesmo sem tal intuito,

Não é o amor gratuito

De raiz.

 

Quando o político divide

Bens pelos carenciados

E lhes pede o voto em troca,

Eis como colide

Com os ajudados,

Tornando o amor uma baldroca.

 

Na compra e venda,

Quem renunciou livre a escolher,

Trato equitativo jamais irá ter,

Pois aquela renda

Reafirma-lhe a dependência

E a necessidade,

Nunca a igualdade

Nem a um grupo pertinência.

 

Quando permito que os actos de alguém

Me separem dele

É que ignorei quem ele é por trás da pele,

Que laço, na fundura, unido a ele me mantém.

 

Num Universo unificado

Totalmente partilhado

Nada se pode perder.

Perder é estar separado,

Desconectado,

Desligado,

Fora do alcance de quenquer.

 

É o que, na realidade,

É impossível:

O Universo é uno, uma totalidade

Indivisível.

Se ignoro isto,

Cada vez mais não existo.

 

Sou pó levantado.

Se por mim traído,

Tombarei de lado,

Pó caído.

 

 

Participamos

 

Todos participamos activamente

Numa Humanidade inclemente

 

Onde é muito escasso

Para o amor o espaço.

 

Andamos a procurá-lo enganados

Sempre nos lugares errados.

 

O lugar certo

É o que está mais perto:

 

O centro

É de nós mesmos cá dentro.

 

Nosso medo do amor é tanto

Que há culpados em cada canto.

 

Se o culpado desaparecer,

Recuperamos a unidade? Sem ninguém a merecer?

 

Poderemos aceitar realmente

Que somos valiosos como valiosa é toda a gente?

 

Que estamos todos interligados

Para o bem e para o mal de todos os fados?

 

Ou sentimo-nos mais seguros

Ao entrincheirar-nos por trás dos muros,

 

Automóveis a blindar,

Casas a retrancar,

 

Coletes à prova de bala,

A viver com o medo a trepar na escala?

 

 

Força

 

A força do medo há-de manter

A vontade sem se mover.

 

A força do amor impele a vontade

A saltar para além de qualquer grade:

 

É a que leva a história em frente

A resolver-se favoravelmente.

 

A força do medo leva-nos a ancorar

Eternamente no mesmo lugar.

 

Dos obstáculos a vencer, o maior

É o medo do amor.

 

Para o ultrapassar

Terei de perdoar.

 

O perdão não muda o passado,

Mas abre o futuro almejado.

 

Perdoar a outrem é perdoar-me a mim,

No que nele descubro que ele é-me igual, por fim.

 

Reintegrados no todo,

Ninguém é rejeitado, deste modo.

 

Aqui todos se amam

E em comum o mundo conclamam.

 

Alguém fora de alcance

É um pedaço de mim que no inferno lance.

 

Falta de perdão

Quando é a mim que também vai faltar o chão?!

 

 

Recuperar

 

A mulher traída

Deve perdoar ao traidor

(Seja qual for

O castigo a lhe impor),

Para recuperar a identidade perdida,

Porque do que ser traída é bem mais e maior.

 

Doutro modo fica ao traidor agrilhoada,

Da vida no meio da jornada.

 

Vire a folha,

Que o amanhã lhe oferta da campina outra recolha.

 

Deseje ao perverso

O melhor da vida, uma vez ele converso.

 

 

Caminho

 

O caminho a percorrer

É o do retorno ao amor:

À união, à luz que em ti houver,

Que com o Todo te funde em teu redor.

 

Somente a luz é real,

Viaja, dança,

Aparece,

Desaparece,

É um fanal

Que nenhum mal

Alcança

E sempre deixa rasto,

Na poesia que de luz

É pasto,

Num olhar que de amor reluz...

- Fecha os olhos e procura aí

A luz que tens dentro de ti.

 

 

Impõe

 

O amor não impõe limites,

A mente é que o faz,

Repara nas diferenças,

Avalia os palpites,

Julga para diante e para trás,

Define a preferência nas sentenças...

 

Antes dela, porém,

Já o Universo corria

Pelos espaços além

E a vida em todo o lado estrugia.

 

É energia de inclusão

A criação.

 

Em minhas células habitam,

Em procelas

Que palpitam,

Milhões de estrelas.

 

A energia cósmica desde sempre existiu.

Quando um corpo morreu,

 

É apenas o modo,

Com o exterior

E o interior,

De integrar-se no Todo.

 

 

Ferida

 

O dinheiro

É a ferida do lado

Do poderoso:

Se lhe for retirado

Por inteiro,

Que colapso mais fragoroso!

Porque é que ao poderoso o havemos de continuar

A aguentar?

 

Gratuitamente

Não sabe trabalhar

E a postura de serviço é dele ausente...

 

A comunidade organizada

Bem podia rasgar uma outra estrada.

 

Podemos imaginar que a competição

Não seja critério de vida mas de lesão

E desagregação.

 

E que o dinheiro

Não seja o que nos regula os traços,

Feito de nossos passos

Carcereiro.

 

Recuperaremos o nosso papel de criadores

De comunidades felizes:

O amor é que é pauta de valores,

Força aglutinadora,

Geradora

De vida desde a fundura das matrizes.

 

 

Motivo

 

Podes não ter motivo para amar

Nem pretos, nem brancos, nem amarelos,

Nem índios, nem os mestiços a que dão lugar.

Mas não era preferível considerar

Alguém pelo que ele for

Em vez dos elos

Que tiver ou não tiver

A uma qualquer

Cor?

 

 

Mel

 

Uma mulher deve sorrir

Quando nos homens pensa.

O sobrolho a franzir

Espanta-os da despensa

Mas o sorriso atrai-os,

Torna-os aios,

 

Como o mel nas celhas

Atrai as abelhas,

 

Doma-os, serviçais,

Como pouco mais.

 

É uma aberta porta:

- “Entre!” – quase exorta.

 

A partir daí

A vida inteira também sorri.

 

 

Acima

 

As vacas e as ovelhas acasalam,

Não têm de gostar

Do próprio par.

Que estejamos, quando os olhos se arregalam,

Um pouco acima do gado

Estremunhado!

 

Algo num par nos desperta

As emoções mais primitivas.

Teremos de ser capazes de trancar a porta aberta,

De reprimir as fogueiras vivas

Em toda e qualquer circunstância

Inapta e desconforme com tal ânsia.

 

É o nosso degrau acima

Que nos morigera o clima,

Com o respeito

Do que incendeia

Cada peito

Que se ateia.

 

Toma em mãos a rédea

Da vida:

Mede-a

E rejeita ou convida.

 

E mantém-se fiel

À escolha do vinagre ou do mel,

 

Mesmo mantendo sempre aberto

O roteiro para o que se revelar mais certo,

 

Em cada dia, a cada hora

Que a descoberta demora.

 

 

Amor

 

O amor toma de ponta

As sentenças

E não tem em conta

As diferenças.

 

O amor, quando surge,

Por norma é certo

Que, em tudo quanto urge,

Uma vez desperto,

Quase nunca, desabrido,

Faz sentido.

 

Quem prefere estar sozinho

Em vez de suspirar por alguém

Que, de certeza, um baldio maninho

Infeliz o tornaria vida além,

 

Olha ao que a cabeça lhe diz,

O temperamento faz.

Todavia, apaixonar-se é a raiz

Do medo que vem atrás.

 

E tanto maior é o abalo

Quanto mais tenta evitá-lo.

 

Não há nada a fazer,

O amor é assim: empurra-nos a ser.

 

Não é fácil gerir

O que nos não liga nada, ao surgir.

 

 

Momento

 

O dia em que te conheci,

O momento da magia...

Ultrapassada do Universo qualquer era,

Quando for velhinho e chegar a Primavera,

Pensarei nesse dia

E em ti.

 

É que a partir daí,

Só houve tal dia.

- E até aqui

Não sei por que magia,

De tuas mãos e dele em si,

Só houve Dia!

 

 

Guerra

 

Um homem a sério

Não vai para a guerra de ânimo leve:

Da vida a sorte e o império

É breve.

 

Fá-lo-á mais sossegado

Se souber,

Mais que ter um bem qualquer

Resguardado,

Que tem, como em selada guarida,

A mulher dele e a família protegida.

 

 

Caminho

 

O caminho do desejo é bem claro.

O caminho do amor é tortuoso

E raro.

E, quando dele te abeiras,

Esperançoso,

Cravejado de inúmeras curvas traiçoeiras.

 

 

Cobra

 

O amor que tudo cura

É um veneno, quando cobra a sinecura.

 

Uma vez alguém apaixonado,

Finda o controlo da própria vida,

O coração ficou empenhado

E o juízo, em seguida.

 

Finda a existência própria, na empreitada,

Assim ameaçada.

 

Tudo se opera para manter quem se ama,

Finda a noção do perigo.

Da face da terra o amor varre tudo, como lama

Que é, e, no pascigo,

Deixa apenas o que o ente amado deseja

Que seja.

 

Então, o amor que nos cria, mata-nos, de repente,

Sem marca nenhuma do crime evidente.

 

 

Abandonado

 

O abandonado por quem amava

Centra-se na própria dor.

Ninguém pergunta que luta trava

O outro perdedor.

 

Se abandonou o que era uma aventura

Por fidelidade à família,

Que coração nele perdura

Em vigília?

 

Deita-se à noite

Confuso e perdido,

Sem discernir que escolha acoite,

Ou se não errou no que há escolhido.

 

Ou então crê que lhe cabia o dever,

Da vida entre os inúmeros atilhos,

De proteger

Família e filhos.

 

Mas o tempo traidor

E traído

Mostra-lhe cada vez mais o fulgor

Do paraíso perdido.

 

Torna-se distante,

Artificialmente ocupado,

Enquanto a família estiola perante

O tíbio fado.

 

Não há vento que mude

O rumo à navegação.

Todos sofrem numa vida que ilude

O pulsar do coração.

 

Fechada a porta,

Não há brisa nem orvalho que fecunde a horta.

 

E não há nada a fazer

Numa vida toda feito do que menos perder.

 

O outro lado

Findou velado

 

Sem o lograr discernir

Nas pegadas do trilho que seguir.

 

 

Ver

 

Nunca nos é permitido

Ver do amor a vera cara.

O amor é um acto vivido

De fé noutrem que em si pára.

 

Tão singular

É dele o império

Que perenemente deve andar

Coberto pelo mistério.

 

Cada momento

É de emoção e sentimento.

 

No dia

Em que o tento decifrar

E entender, tiro-lhe o ar,

Morre a magia.

 

Seguimos-lhe os caminhos

Tortuosos,

Luminosos,

 Adivinhos,

 

Trepamos aos pináculos da serra,

Afundamos no abismo a que o mar se aferra,

 

Mas confiamos na mão

Que nos conduz por toda aquela vastidão.

 

Se não me assusto,

Acordo num palácio como um justo.

 

Se temer a pegada

Exigida pelo amor

E quiser que me revele a caminhada,

Tombarei no torpor,

Não atingirei mais nada.

 

O amor não obedece a ninguém,

Sidéreo,

E trai sempre quem

Decifrar tenta sempre mais além

O seu mistério.

 

 

Forte

 

Pode o pensamento ser o mesmo, porém,

Algo mais forte do que ele intervém:

 

É o amor que permanentemente

Todo o mundo sente.

 

Emoção mole em mente dura,

Acaba furando o portão

Que nos impede o chão

Da procura.

 

Troca-me o passo,

Faz uma revolução,

Põe o mundo inteiro em convulsão...

Mata de cansaço

O que não larga o peso do passado

E do trilho da vida abandona-o de lado.

 

 

Paga

 

Na raiz,

Porque é que um homem paga para ter

Uma mulher?

Porque quer ser feliz.

 

Compra um orgasmo

E sempre, no evento,

Falha, com pasmo,

Aqueloutro intento.

 

E nunca aprende,

Sempre iludido do que promete e não rende.

 

 

Morrem

 

Os homens não têm outro credo

Qualquer:

Morrem de medo

Da mulher!

 

Podem bater,

Ameaçar,

Gritar,

Mas estão a morrer

De medo da mulher.

 

Pode não ser daquela com que casaram,

Mas há uma que os assusta e submete

E nela todas se alinharam

Na mente dele, como lhes compete.

 

Nem que seja a própria mãe.

É o terror do Além:

 

É que na mão dele pega

Mas Lá ele nunca chega.

 

 

Pior

 

O pior mal da civilização

Não é a deflorestação,

 

A camada de ozono,

A morte dos pandas por falta de abono,

 

O tabaco com a morte em aumento,

O cancerígeno alimento,

 

O crime em flecha

Numa ateada mecha...

 

- O pior é o sexo

Do amor desconexo.

 

Morta a raiz,

Mais tarde ou mais cedo

As árvores acinzentam o matiz

E o mundo nunca mais é um mundo ledo.

 

 

Indivíduo

 

Um indivíduo tolera

Meia semana à sede,

Seis à fome,

A vida numa caverna mera

Que até lhe impede

O pouco que come

- E nada disto um homem some,

Muito embora

Confirmemos, hora a hora,

Quanto o consome.

 

O que ninguém aguenta é a solidão,

O tormento

Na forma mais pura,

Cachão

De tortura

E sofrimento,

A insuportável sensação

De que ninguém, nem dentro de sua porta,

Consigo se importa.

 

Aqui a vida,

Por mais que exteriormente conseguida,

Já vive morta.

 

 

Escravidão

 

O amor,

Enquanto escravidão consentida

For,

É mera figura travestida.

 

É mentira:

A liberdade só se revela

Onde ele tocar a lira

Da vida por toda a tela.

 

Quem se entregar

Totalmente

É que livre se sente,

Ao amar

Plenamente.

 

E quem plenamente amar

É que livre se sente,

Por cima de toda a folha a voar.

 

No amor, ninguém magoa ninguém,

Porque ninguém ninguém possui.

É o que a liberdade intui

Que no fundo dele retém:

 

Ter do mundo o mais importante

Sem o possuir nunca adiante.

 

 

Luz

 

Como entra a luz numa casa?

Pela janela aberta.

E num indivíduo que brasa

A desperta?

 

Só se a porta do amor

Aberta for.

 

Aí, mesmo de momento sem partilha,

Até a cara brilha.

 

 

Paixão

 

A paixão deixa de comer,

Dormir,

Trabalhar no que se fizer,

De estar em paz, a seguir.

 

Assusta quando aparece

Por derrubar a velharia que nos esquece.

 

Ninguém quer desorganizar

O mundo seu.

Então vá de controlar

A ameaça de escarcéu,

Mantendo de pé qualquer odre

Já furado e podre.

 

Somos todos engenheiros de estradas

Transviadas.

 

Ou então é o contrário.

Uma entrega sem cuidar,

Esperando encontrar

Na paixão

A solução

Do problema mais atrabiliário.

 

Joga noutrem a responsabilidade

Da própria felicidade

E a culpa

Sem desculpa

Da infelicidade.

 

Ora euforia

Pelo maravilhoso,

Ora depressão

Pela destruição.

Uma ou outra via,

De renúncia ou de gozo,

Configura, afinal, sempre uma alternativa

Fatalmente destrutiva.

 

 

Contigo

 

Quem contigo estiver

Tem de existir para ti.

Pergunta-lhe o que quer,

Oferta-lhe o que quiser.

- O outro mundo principia aí,

 

Nisto de o outro reconhecer,

Saber

Que ele anda ali...

 

Deus não é diferente:

É o totalmente Outro infinitamente.

 

 

Prefiro

 

Não te irei comprar

Algo de que gostes,

Prefiro te ofertar

Algo de meu,

Embora apostes

Noutro eventual céu.

 

Este mente,

Aquilo é um presente:

 

Algo de mim em ti...

- Porque te quero, eis-me aí!

 

 

Dádiva

 

A dádiva, a entrega

De algo teu, dum pouco de ti

Que de ti se despega,

Gratuito, por si.

 

Dar em vez de exigir

Nada de importante,

Sem medir,

Sem nada em troca requerer adiante.

 

O outro guarda de ti um pedaço

E, se te corresponder,

Guardas dele um idêntico traço

Qualquer.

 

Que bom!

Ele guarda o teu passado

No coração

E tu guardas o dele, por teu lado.

 

Que chão mais puro

Para inaugurar o futuro!

 

 

Visitas

 

Quando visitas alguém pela primeira vez,

Não podes abrir a porta de saída,

Que, se o fizeres, talvez

Nunca mais tornes a tal guarida.

 

Ora, se queres voltar,

É que, sem se terem despido

Nem eroticamente possuído,

Sem um ao outro sequer se tocar,

 

Afinal, do convívio ao calor,

Cultivaram amor.

 

E quantos,

Fazendo, ao invés, tudo aquilo,

Arfando acaso de prazer pelos cantos,

Quanto a amor, nem sequer puderam pressenti-lo!

 

 

Desejo

 

O desejo mais profundo

É o de aproximar-se de alguém.

A partir daí principia o novo mundo,

As reacções advêm,

Homem e mulher entram em jogo,

Incendeiam o fogo,

Tudo, a prazo, se transmuda,

Do amor na forja,

Mesmo a sorte mais bicuda

Que nos aperte a gorja.

 

Apaixonamo-nos pela vida,

Cada vivência

Vivida

Com reverência,

Sempre à espera de celebrar

No próximo altar.

 

Não há pressa,

Nada se precipita,

O inevitável à frente atravessa

E o verdadeiro encontro nos concita.

 

Chegado o momento,

Ninguém hesita,

Cada segundo é um fermento

Da magia que de além nos fita.

 

 

Preocupam

 

Todos se preocupam com sexo,

Não há romance que não tenha dele uma cena,

Ensaio que não tenha um anexo,

Se a venda querem plena.

Parece um enguiço,

Os indivíduos só matutam nisso.

 

Porém, cada qual

Em tal

Só matuta

Porque cuida que o mundo inteiro

Só de sexo disputa,

Ligeiro

Ou brejeiro.

 

É um engano esta luta.

Fazem dietas,

Usam peruca,

Perdem horas no cabeleireiro e nos estetas,

Vestem roupa de pôr a sensatez maluca,

Tudo o que aconselha

A desencadear a centelha...

 

Chegada a altura

Vão para a cama,

Dez minutos, um jogo de cintura,

E apagou-se de vez a chama...

 

Nem criatividade,

Nem nada de trepar ao paraíso...

No instante em que a centelha se degrade

Nem força tem de manter o fogo aceso,

Nem, surpreso,

Nenhum alerta de aviso.

 

 

Ocorre

 

No amor não é questão

De posição.

Afinal,

Qualquer variação

Ocorre de modo natural,

 

Como, sem pensar,

Alguém alcança

Iluminar

Um passo de dança.

 

 

Encontros

 

Os encontros mais importantes

De nossa vida

Já foram combinados por nossas almas muito antes

De nossos corpos se verem, em seguida.

É o mais estranho mistério

Do memorando sidéreo:

 

De repente olhei, vi

E por dentro todo inteiro me acendi.

 

 

Atingi

 

O vero encontro acontece

Quando atingi meu limite.

Quando o desespero me arrefece

Ou quando o entusiasmo me aquece,

Aí, então, vem meu desquite:

 

O ignoto manifesta-se, em resumo,

E o mundo inteiro, dentro em mim, muda de rumo.

 

 

Pago

 

O amor não é um itinerário

Pré-fabricado

Pago com o erário

Dum obediente soldado.

 

É a luz que, do centro,

Pode iluminar-nos por dentro.

 

E que, nem sequer,

Em virtude da rotina,

Se chega a acender

Em quase nenhuma sina.

 

Então o rosário de passos

São os passos da paixão

Em que em cinzas e carvão

O amor foi queimando os traços.

 

 

Prazer

 

O maior prazer do sexo

Não é sexo nenhum,

É a paixão com que é praticado.

Quando a paixão, num amplexo,

Os dois funde num,

Vem o sexo, num bailado,

Consumar a dança

Para além de qualquer fronteira que se alcança.

 

 

Sempre

 

Quem estiver apaixonado

Está sempre a realizar amor,

Mesmo quando não o estiver a realizar.

Quando os corpos se houverem encontrado,

É apenas o fervor

Da taça a transbordar.

 

Podem ficar juntos

Horas, dias, anos...

E os assuntos

São os secretos escanos

De ser

Pontuados por inesgotável prazer.

 

Nada tem a ver com o que os que se crêem astutos

Contam por uns poucos de minutos.

 

 

Abriste

 

Quando me olhaste,

Abriste uma porta,

Como se foras um traste

A pisar-me a horta.

 

Mas, quando te foste embora,

Não levaste nada de mim.

Ao invés, a toda a hora,

Deixaste um perfume de jasmim.

 

Não eras um ladrão,

Eras um noivado em visitação.

 

Foras lá tu quem foras

Em tuas demoras,

 

Ergueste um pouco meu coração

Do árido chão.

 

Desconhecido,

Fico-te muito agradecido.

 

 

Ciúme

 

O ciúme é normal,

Mas ninguém é dono de ninguém.

Quem acreditar em tal,

A si próprio se engana também.

 

Como emoção

Fugidia,

Escapa-nos da mão

Todo o dia,

 

É a nossa fragilidade

Que traidoramente nos invade.

 

 

Mostrar

 

O amor mais forte

É o que se persuade,

Como seu norte,

A mostrar a própria fragilidade.

 

Se o amor for verdadeiro,

A liberdade vence o ciúme

E a dor que, a vida em atoleiro,

O resume.

 

Como o atleta

Que em dor treina,

A grilheta dos limites cada vez mais aleina,

E após, um dia,

Verga a meta

E é a euforia.

 

 

Capaz

 

Como era o recanto

Onde sofreste a dor

E o pranto

Do amor

Sonhado?

 

Um encanto,

Capaz de amar e ser amado.

 

 

Culpa

 

Somos seres humanos,

De culpa nascemos cheios.

Temos medo dos enganos,

De que a felicidade, apesar dos enleios,

 

Seja viável, por fim.

Morremos a querer castigar

Outrem porque me sinto, por mim,

Impotente, injustiçado, infeliz,

Perdido o meu lugar

Sempre por um triz.

 

Pagar pelos meus pecados,

Castigar os pecadores...

Que delícia os remorsos apagados

E a justiça aos prevaricadores!

 

Nunca descubro o amor

No desvario de tal fervor.

 

 

Espalhastes

 

Prostituta, mãe, esposa, deusa,

Sou, mulher, o que espalhastes pelos espaços.

Da vida

Rompida

O que deveria ser a natural represa,

Recolhei agora meus pedaços!

 

Tratai de construir

Um mundo

Fecundo

A seguir!

 

 

Cliente

 

Ninguém é feliz em redor.

O cliente do bordel

Paga o que deveria ser de graça.

É um horror

Este papel

Que imita mas não congraça.

 

As meninas têm de vender

O que gostariam de entregar

Por carinho e prazer,

O que as vai destruindo devagar.

 

E todos têm de lutar

Para aceitar

 

Que se sentem infelizes

De tanto esmagarem as raízes.

 

Todos só precisam de amar, afinal.

A vida é curta, porque vivê-la tão mal?

 

 

Espreita

 

Ela, sempre ela...

O meu amor perseguido

Espreita à janela:

Escondido

Nela!

 

E eu que dei a volta à terra inteira

E nem vislumbres da minha parceira...

 

 

Pecado

 

O pecado original,

Mera potencialidade,

Em todos é igual.

Poderia nunca devir factual,

Mas deveio,

Quando, de tanto receio

Da própria individualidade,

Eva quis Adão a viver

O trilho dela de vir a ser,

Em vez do dele.

 

Aí a todos nos rasgou a pele.

 

Agora temos a possibilidade

E o efeito acumulado

De milhões de anos daquele acto desmultiplicado

Em milhões e milhões doutros de inverdade.

 

Nem tudo se partilha,

Muito menos as pegadas próprias da própria trilha.

 

O amor autêntico preserva e ajuda a solidão

De cada um ao caminhar o próprio chão.

 

 

Acreditam

 

Acreditam que o homem deseja

Apenas dez minutos por dia

E paga muito pelo que lhe almeja

A fantasia:

Da vida inteira

A trabalhar

Para o lar

Às notas pagas na humana feira

Dum lupanar...

 

Não é assim, porém.

Ele também

Quer encontrar

Alguém,

Descobrir, à própria medida,

Um sentido para a vida.

 

 

Deixaras

 

Se quem amas deixaras partir

Para poder voltar sempre, a seguir,

Amá-lo-ias

De seus rumos nos sinais

E admirá-lo-ias

Ainda mais.

 

Ao invés, se o aprisionas,

Com sorte,

No reencontro só te emocionas

Da morte.

 

É uma tristeza

Perder vida além

Afinal quem

Mais a gente preza...

 

 

Repente

 

De repente, uma paisagem

Que o fôlego me tira,

A memória da viagem

Dum amor que me revira

E eis o pasmo

Dum íntimo orgasmo!

 

Ninguém reparou, de olhos desviados:

Andam todos muito, muito ocupados...

 

 

Depende

 

Quando nenhum depende do outro, então

“Quero depender de ti”

É uma livre opção

Que inaugura ali,

Sem sustos nem confusão,

Uma nova pista de corrida

Nos carris da vida.

 

 

Descubro

 

Não tens amigos,

Ninguém com quem conversar

Através dos postigos

Por onde andas a espreitar?

 

Deus do Céu!

De repente

Descubro que és como eu,

- És como toda a gente!

 

 

Amo-te

 

Amo-te como nunca amei ninguém.

Portanto, vou-me embora,

Senão o sonho transmigra para a realidade

E devém,

Na hora,

Mera vontade

De possuir,

De desejar que tua vida, a seguir,

Seja minha,

Vindimada de vez a tua vinha.

 

Tudo aquilo que acaba por transformar,

Com a ilusão,

Qualquer arte de amar

Em escravidão.

 

 

Soubeste

 

Soubeste apoiar-me e ajudar-me,

Acolheste o meu apoio e minha ajuda,

Sem ser preciso que nenhum de nós se arme

Nem desarme,

Pois o outro é sempre quem me acuda

E nunca significa, então,

Qualquer humilhação.

 

És uma pessoa em corpo inteiro,

Primícias de Primavera de Janeiro a Janeiro.

 

 

Sexo

 

O sexo, para o homem, é sexo e pronto.

Mete-lhe medo, torna-o vulnerável.

Corre vida fora tonto,

Trôpego, a tropeçar pelos terrenos da lida,

Quando o sexo, na conta devida,

Bem poderia ser um vergel cultivável.

 

Ninguém sabe do que fala:

Livros, jornais, televisão...

- É como se nos dissessem então:

“Toma lá sexo e cala!”

 

Que parvoíce!

Como se o sonho o permitisse...

 

A ternura dum amplexo

Chega a ser tanta que chega a anular o sexo:

 

Trepa tão acima

Que nela tudo sublima.

 

Então como é?

Ficamo-nos pelo sopé,

Onde a lonjura é um começo,

Quando podemos voar até

Ao cocuruto do cabeço?

 

 

Princípio

 

No princípio dos tempos, quando tudo era animal,

O amor era entrega,

Afinal.

Depois veio a serpente da refrega

De distinguir o bem do mal.

 

E Eva diz:

“O que entregas perderás.”

 

Por mais que viver seja a raiz

Que guardar lá para trás,

Para mim,

Aquilo está certo:

O que der, no amor desperto,

Gratuito,

É de vez perdido, pouco ou muito.

 

O que eu receber, de amor correspondido,

Gratuito também,

É de igual modo de vez perdido

Por alguém.

 

Não há nunca nenhum pagamento

Quando amor invento.

 

Tudo perdido

É que é um ganho garantido.

 

 

Consegue

 

No sexo com sentimento

Ele consegue ser mulher,

Ela consegue ser homem,

Num momento

De ser

Em que um no outro se consumam

E consomem,

Duas almas perdidas que àquilo se resumam,

Dois fragmentos do mundo disperso

Que faltavam para completar o Universo.

 

 

Basta

 

Toda a vontade do mundo

Não basta para impedir

Que o amor mude, fecundo,

A regra do jogo

Em que me afogo e desafogo,

Chegada a hora de amor fora partir.

 

Sempre sem aviso,

Às vezes mal o diviso...

 

Chega a dar cabo de mim,

Até que me encontro, no fim,

 

Senão do lado de cá,

Do lado de Lá.

 

Que, perante o amor, a morte que me mande

Pouco importa:

É a porta

Da sorte grande!

 

 

Tudo

 

O amor verdadeiro

É gratuito:

Dá tudo por inteiro

Por quem ama.

De lucrar sem intuito,

Nada reclama

Nem proclama.

 

Por isso é que o mundo traiçoeiro

Tanto o aclama:

 

Sente que vive esvaziado

De todo aquele lado...

 

 

Dá-nos

 

Pior que ser

Um sem-tecto

É vir a ser

Um sem-afecto.

 

O amor não dá de comer,

Não,

Mas dá-nos o chão.

E, através das janelas

Que nos põe à mão,

Vislumbramos as estrelas.

 

 

Criou

 

Deus criou o homem

E criou-o sozinho.

Então criou a mulher

Com que todos se consomem,

Para cada qual entender

Até onde queima da solidão o cadinho.

 

E vice-versa:

Para a mulher é a mesma conversa.

 

O caminho

É o de sempre dar a mão

À solidão

De cada um, para o ajudar

A caminhar

Sozinho.

A vida cada vez mais, então,

Rescende a campestre rosmaninho.

 

 

Casar

 

Casar é fácil.

Estar casado, o casamento

Requer empenho e o empenhamento

Tende a corroer tudo o que é grácil.

Inclui o compromisso.

Ora, isso

O mais das vezes é um tormento.

 

Embora seja o preço de crescer:

Quando se descobre um caminho melhor,

Da alegria o fulgor

É por um mundo novo nascer.

 

Quando é apenas o mal menor,

Um pouco tudo entristece

E a vida arrefece.

 

Ser criativo

É o que mais mantém o fogo vivo.

 

 

Escutar

 

Ao escutar atento

O que alguém me quer contar

Ocorre um portento

Singular:

A vida dele daí por diante

Tornou-se importante.

 

Um mero acto de compaixão

 (Um beijo num membro em ferida,

Uma carícia com a mão...)

- Pode mudar uma vida.

 

Encolhemo-nos por trás das muralhas

Do coração,

Da cortina raramente afastando as malhas

Para espreitar então

Com alguma demora

Cá para fora.

 

Perdemos decénios lado a lado

Sem uns aos outros nos vermos.

Eis como no quintal hão murchado

As fruteiras que tivermos.

 

 

Visitar

 

Queres visitar, pelas terras adiante,

O mundo sem fim.

Eu também adoro visitar o mundo distante

Dentro de mim.

Como com toda a gente,

Afinal,

É tudo tão diferente

E tão igual!

 

Portanto, nunca é fácil, não,

A mútua conjunção.

 

Todavia, quando ocorre,

Que frémito de Infinito nos percorre!

 

É que dele materializámos no presente

Uma mágica semente.

 

 

Encontro

 

Iremos ao encontro de nossos inimigos

De braços abertos

Desarmados.

Quando erguerem armas contra nós, os perigos

Descobertos

Transmudamo-los em cajados

Para caminharmos juntos

Rumo ao sol que não se extingue.

E neste morrerão todos os assuntos,

Neste, o único que vingue.

 

É só encontrar a íntima luz definitiva

Por quem cada um viva.