A INCERTA ALEGRIA DO AMOR
Viver
Viver de coração partido
É viver a meias.
Não é de meio vivo o sentido,
Que isto ainda tem medidas cheias
De conforto,
É mesmo de meio morto.
Coração que se parte
Não torna a colar-se,
Não é tecido que esgarce,
É o esboroar do baluarte,
Feitas em estilhas
As antigas maravilhas.
Quando metade morre,
O resto fica a doer,
O dobro da dor ocorre
Na metade que restar a quenquer.
Podemos tentar ir colando pedaços,
O efeito nem sequer imita os traços.
Segredo
O segredo mais guardado até agora
Sobre o casamento
É que o sexo, se descontraído em comum, só melhora,
Momento a momento.
Não há nada para provar,
É só partilha
De prazer, de atenção, de mutuamente se cuidar,
Se deveras se quer amar,
Das armas desmontada qualquer patilha.
Ao fim duns anos já não há chama,
Há um sereno vulcão
Que aquece tudo até à rama
Desde a fundura do mais íntimo chão.
Gosto
“Somos diferentes,
Mas eu gosto dela assim.
Faz-me rir, entrementes,
E temos muito em comum, por fim.”
“Por tais motivos, vais a um abrigo
De animais abandonados,
Escolhes um cão para teu amigo
E estamos conversados.”
“Que razões tens tu a me contrapor?”
“Ora! O amor.”
Transforma
Quantas vezes coincida
Que em minha vida o amor
Se transforma na maior
Desgraça de minha vida!
O amor é fagueiro,
É,
Até ao pontapé
Traiçoeiro...
E não vale a pena ter ilusões:
Seja qual for
O amor,
É sempre de ambos os pendores que dispões.
Comida
Comida pobre para gente pobre
Que vive em dificuldade
Mas que é rica que sobre
Em bondade,
Fantasia e engenho
No comum empenho,
Nas extravagâncias que tocam a loucura
Para fugir da miséria,
Eternamente à procura
Dum dia de féria.
A desgraça é que, uma vez este alcançado,
Se perde o outro lado:
Ora, era a bondade e fantasia
Que alimentava a magia.
Perdida esta
No dia-a-dia,
Findou a festa,
Morreu a alegria.
Seja lá qual for a riqueza
Que, a compensar aquela falta, então se preza.
Aproximação
O amor
Entre dois indivíduos imperfeitos,
Da família ao calor,
É a aproximação maior
Que temos, incréus
Mal afeitos,
Ao amor de Deus.
É-o na ternura fruída
E na intérmina modelação
Prosseguida,
Rumo à infinita
Comunhão
A que, na lonjura, nos concita.
É o inatingível
Aflorado,
Germinalmente vivível,
Jamais em pleno consumado.
Procura
A mulher infeliz
Que se quiser sentir pior
Procura as memórias do cariz
Que se quer propor.
A do dia de azar
Em que topou o namorado,
Num recanto isolado,
Outra a beijar.
A do colega
De escola
Que lhe roubou o pão numa refrega
E o professor nem ligou a quanto isto nos amola.
A do apalpão no metro,
Quando lhe roubaram a carteira
-E lá se foi de vez o ceptro
De que o sonho a abeira!...
Se uma caixa de bonbons
O namorado hoje lhe oferta,
De entusiasmo nunca serão os tons
Que nela desperta.
“Estou muito trite” – ela dirá –
“Por não esquecer aquela jornada
Em que me começaste a dizer, logo desde lá,
Que eu era uma rapariga amargurada.”
Se discutirem
E o namorado se for,
Tanto melhor,
É mais um dos motivos para a deprimirem.
Ora, bem podia ter aceitado os chocolates,
Agradecendo com um sentido beijo,
Fruindo o dia sem dislates,
No harpejo
De quem dela tanto gosta
Que dum amor tenta levar por diante a aposta.
Preferiu, porém, reviver a negridão
Do passado.
Ficou-lhe o porvir, então,
De vez negado.
Responsável
O responsável de crime, fraude, engano,
Abuso, violação, dano,
Tem de ser responsabilizado
E justiçado
Não, porém, por ódio, mas por amor
Ao que nele houver de melhor,
A ver se lhe desperta no imo
O apelo do cimo.
Pejado
Não poderei amar, viver de amor,
Que o mundo é pejado de ódio e dor?
Então eu que faço?
Aumento-lhe ainda mais aquele traço?
Todos, quenquer que seja,
São gente de amor, que o amor almeja.
Se eu não pudera melhorar o mundo,
Então, sim, afogar-me-ia no fundo.
Crer que outrem decide
É a desculpa ideal
Para que eu não lide
Com nenhuma melhoria no real.
Desculpa-me o alheamento
E absolve-me de responsável pelo momento.
É o ciclo vicioso em que o magoado
Responde com violência
Aguardando do outro lado
Igual correspondência.
E a espiral continua
Da Terra à Lua,
Aguardando que, pelo meio,
Alguém quebre nos dentes o freio,
Institua
Vida nova em nova rua.
- Porque não eu,
Se percorro a vida a sonhar o céu?
Desarmonia
Vivemos em desarmonia com a natureza
E com nossos pares.
Ou corrigimos o rumo com presteza,
Com novos caminhos singulares,
Ou como espécie poderemos nem sequer
Sobreviver.
O coração é que o ritmo há-de marcar,
Palavra e pensamento a unir
Para repetir
O acto de criar.
Vem aí, terso,
Um novo Universo.
Os responsáveis pelo erro
Podem sarar,
O mal reparar
E reintegrar-se, no cume do cerro,
Na festa que invade
A nova comunidade.
Não haverá culpados,
Para vítimas não haver.
Enquanto restar uma sequer,
Há separados,
Lá fora, nalgum dos lados:
Não vai haver amor então
Como suprema força de união.
Ora, ninguém quer viver num mundo
Onde o ódio continue a ser fecundo.
Maior
A maior condenação
É negar a outrem a identidade,
Renegá-lo, raso ao chão,
Sub-humanidade.
O problema é que, depois disto,
Também eu já não existo.
A pena de olho por olho, dente por dente,
Tem isto de negativo:
Deixo de ser diferente,
Desço ao nível do cativo.
Negar a outrem o perdão
É rejeitar,
Rejeitando a compaixão,
Meu poder de amar.
Se outrem não amo,
Não amo a mim,
Por fim,
Galho do mesmo ramo.
Já não há mais tramo que nos una,
Horizonte a horizonte,
Nenhuma ponte
Pela qual toda a gente como um todo se reúna.
Retorna
Todo o ataque contra alguém
É contra mim também,
Como o amor que oferto
Me retorna, longe ou perto.
O amor não exclui, não separa nem distingue
E, para que vingue,
Nossos corpos atravessa
Unindo tudo e todos numa mesma peça.
Em tempo de reconciliação
Do lar ao país, ao planeta,
É o amor a função
Que a completa,
De procura infatigável de união
Repleta.
O amor ninguém o pode dar
Por decreto nem mandato.
Mas também é verdade
Que em nenhum lugar
Vem do amor um acto
De iniquidade,
De avareza, corrupção,
De impunidade,
Discriminação,
Assassinato,
Massacres, fomes, bombardeamentos,
Sequestros, tormentos...
A falta de amor
Do mundo em redor
Gera ressentimento, frustração,
Medo, aparência,
Dor,
Pejado o chão
De violência.
Então
Como arrumamos nossas brigas?
Atirando o amor às urtigas
E jogando o caldo quente,
Em vez de ser para alimentar,
A escaldar
Toda a gente?
Creio
Se creio amar
E acumulo indiscriminadamente,
Ando-me a enganar:
Não se ama selectivamente,
A fundura infinita em tudo ao vislumbrar.
Não basta amar nossos filhos
Mas por igual os filhos de todos.
Não basta amar de nossos avós os cadilhos,
Mas também os dos mais, com todos os engodos.
Nossos pais
Somente?!
E os dos demais,
E os de toda a gente?...
Não apenas o compatriota,
Mas todo o habitante do planeta.
Será uma derrota
Se não atingir esta meta.
O amor ou é universal
Ou é a ilusão final.
E, como ilusão,
Será, então,
Fatal.
Obriga
O amor não se obriga nem se impõe.
Pois não.
E o ódio, então?
Falta de amor, de afecto por outrem supõe
E há campanhas e organizações a fomentá-lo
Mundo fora,
Como o regalo
De última hora
Que a terra inteira arregimenta:
Massacres, terrorismo,
Sequestros, bombismo...
- É larga a ementa.
Tráfico de droga,
De armas tráfico,
Tráfico de pessoas...
- O ódio afoga,
No mapa geográfico
Sempre em crescendo do leque dele o gráfico,
Quantas iniciativas, quantas vivências boas!
Como justificar
Quanto obstáculo se coloca,
Quanta manipulação se evoca
Para o amor não vingar?
Se é viável o ódio semear
Porque não o amor, a par?
Campanhas de ódio orquestradas na perfeição...
- Então e de amor porque não?
Seja qual for
O nome que ao amor
Demos:
Fraternidade,
Solidariedade,
Equidade...
- O que importa é que o fomentemos
A toda a hora.
Ou, não demora,
Nem mundo teremos.
Abraço
O abraço que conforta,
A palavra de consolo,
A maçaroca de milho partilhada à porta,
A gadanha de sopa, o naco de bolo
A saciar o faminto,
A chuva no campo, o sol na eira,
A manta em que o bebé sinto
De meu peito à beira...
- É tudo amor em multímodos lemas
A tocar
Da vida a música em infinitos temas.
Como nela não procurar
A resposta aos problemas?
O amor inclui quanto integra,
O ódio exclui: desintegra.
O amor traz vida,
O desamor, a morte.
É o dilema que nos convida
A escolher a nossa sorte.
O mundo precisa de reparar
Os vínculos rompidos:
Com que é que iremos consertar
Os rasgados tecidos?
Habituados
Habituados a pôr o interesse pessoal
Acima de tudo,
Custa-nos entender o que real
Tem o amor na vida pública por conteúdo.
É serviço desinteressado,
Interesse pelo bem comum,
Consideração por outrem em todo o traslado,
Respeito pelas ideias de cada um,
Atento ao que lhes acontece,
A evitar todo o mal que ao dobrar da esquina aparece.
É viver numa comunidade
Em que cada um os mais reconhece,
Aceita,
Respeita,
E por isso se ama de verdade
E ama toda a gente
No que for igual e no que for diferente.
Em vez de abusar
Prefere proteger,
Em vez de roubar
Cuida e partilha os bens que houver.
Em vez de violentar o ecossistema,
Cuida do ambiente,
Lar comum de toda a gente,
Por lema.
O amor é respeito,
Apreço e entrega gratuita
A nós e aos mais, a todos a eito.
No dédalo da vida, a guia fortuita
Que nos pode levar, fiel parceira,
A uma ordem certeira,
Com muita liberdade, muita,
Finalmente verdadeira.
Espera
Amor que não é entrega
Desinteressada,
Não é amor, é uma refrega
Disfarçada.
Em quanto casal,
Quando um deles “amo-te!” diz,
É na espera do sinal
“Também te amo”, de igual matiz!
Mesmo sem tal intuito,
Não é o amor gratuito
De raiz.
Quando o político divide
Bens pelos carenciados
E lhes pede o voto em troca,
Eis como colide
Com os ajudados,
Tornando o amor uma baldroca.
Na compra e venda,
Quem renunciou livre a escolher,
Trato equitativo jamais irá ter,
Pois aquela renda
Reafirma-lhe a dependência
E a necessidade,
Nunca a igualdade
Nem a um grupo pertinência.
Quando permito que os actos de alguém
Me separem dele
É que ignorei quem ele é por trás da pele,
Que laço, na fundura, unido a ele me mantém.
Num Universo unificado
Totalmente partilhado
Nada se pode perder.
Perder é estar separado,
Desconectado,
Desligado,
Fora do alcance de quenquer.
É o que, na realidade,
É impossível:
O Universo é uno, uma totalidade
Indivisível.
Se ignoro isto,
Cada vez mais não existo.
Sou pó levantado.
Se por mim traído,
Tombarei de lado,
Pó caído.
Participamos
Todos participamos activamente
Numa Humanidade inclemente
Onde é muito escasso
Para o amor o espaço.
Andamos a procurá-lo enganados
Sempre nos lugares errados.
O lugar certo
É o que está mais perto:
O centro
É de nós mesmos cá dentro.
Nosso medo do amor é tanto
Que há culpados em cada canto.
Se o culpado desaparecer,
Recuperamos a unidade? Sem ninguém a merecer?
Poderemos aceitar realmente
Que somos valiosos como valiosa é toda a gente?
Que estamos todos interligados
Para o bem e para o mal de todos os fados?
Ou sentimo-nos mais seguros
Ao entrincheirar-nos por trás dos muros,
Automóveis a blindar,
Casas a retrancar,
Coletes à prova de bala,
A viver com o medo a trepar na escala?
Força
A força do medo há-de manter
A vontade sem se mover.
A força do amor impele a vontade
A saltar para além de qualquer grade:
É a que leva a história em frente
A resolver-se favoravelmente.
A força do medo leva-nos a ancorar
Eternamente no mesmo lugar.
Dos obstáculos a vencer, o maior
É o medo do amor.
Para o ultrapassar
Terei de perdoar.
O perdão não muda o passado,
Mas abre o futuro almejado.
Perdoar a outrem é perdoar-me a mim,
No que nele descubro que ele é-me igual, por fim.
Reintegrados no todo,
Ninguém é rejeitado, deste modo.
Aqui todos se amam
E em comum o mundo conclamam.
Alguém fora de alcance
É um pedaço de mim que no inferno lance.
Falta de perdão
Quando é a mim que também vai faltar o chão?!
Recuperar
A mulher traída
Deve perdoar ao traidor
(Seja qual for
O castigo a lhe impor),
Para recuperar a identidade perdida,
Porque do que ser traída é bem mais e maior.
Doutro modo fica ao traidor agrilhoada,
Da vida no meio da jornada.
Vire a folha,
Que o amanhã lhe oferta da campina outra recolha.
Deseje ao perverso
O melhor da vida, uma vez ele converso.
Caminho
O caminho a percorrer
É o do retorno ao amor:
À união, à luz que em ti houver,
Que com o Todo te funde em teu redor.
Somente a luz é real,
Viaja, dança,
Aparece,
Desaparece,
É um fanal
Que nenhum mal
Alcança
E sempre deixa rasto,
Na poesia que de luz
É pasto,
Num olhar que de amor reluz...
- Fecha os olhos e procura aí
A luz que tens dentro de ti.
Impõe
O amor não impõe limites,
A mente é que o faz,
Repara nas diferenças,
Avalia os palpites,
Julga para diante e para trás,
Define a preferência nas sentenças...
Antes dela, porém,
Já o Universo corria
Pelos espaços além
E a vida em todo o lado estrugia.
É energia de inclusão
A criação.
Em minhas células habitam,
Em procelas
Que palpitam,
Milhões de estrelas.
A energia cósmica desde sempre existiu.
Quando um corpo morreu,
É apenas o modo,
Com o exterior
E o interior,
De integrar-se no Todo.
Ferida
O dinheiro
É a ferida do lado
Do poderoso:
Se lhe for retirado
Por inteiro,
Que colapso mais fragoroso!
Porque é que ao poderoso o havemos de continuar
A aguentar?
Gratuitamente
Não sabe trabalhar
E a postura de serviço é dele ausente...
A comunidade organizada
Bem podia rasgar uma outra estrada.
Podemos imaginar que a competição
Não seja critério de vida mas de lesão
E desagregação.
E que o dinheiro
Não seja o que nos regula os traços,
Feito de nossos passos
Carcereiro.
Recuperaremos o nosso papel de criadores
De comunidades felizes:
O amor é que é pauta de valores,
Força aglutinadora,
Geradora
De vida desde a fundura das matrizes.
Motivo
Podes não ter motivo para amar
Nem pretos, nem brancos, nem amarelos,
Nem índios, nem os mestiços a que dão lugar.
Mas não era preferível considerar
Alguém pelo que ele for
Em vez dos elos
Que tiver ou não tiver
A uma qualquer
Cor?
Mel
Uma mulher deve sorrir
Quando nos homens pensa.
O sobrolho a franzir
Espanta-os da despensa
Mas o sorriso atrai-os,
Torna-os aios,
Como o mel nas celhas
Atrai as abelhas,
Doma-os, serviçais,
Como pouco mais.
É uma aberta porta:
- “Entre!” – quase exorta.
A partir daí
A vida inteira também sorri.
Acima
As vacas e as ovelhas acasalam,
Não têm de gostar
Do próprio par.
Que estejamos, quando os olhos se arregalam,
Um pouco acima do gado
Estremunhado!
Algo num par nos desperta
As emoções mais primitivas.
Teremos de ser capazes de trancar a porta aberta,
De reprimir as fogueiras vivas
Em toda e qualquer circunstância
Inapta e desconforme com tal ânsia.
É o nosso degrau acima
Que nos morigera o clima,
Com o respeito
Do que incendeia
Cada peito
Que se ateia.
Toma em mãos a rédea
Da vida:
Mede-a
E rejeita ou convida.
E mantém-se fiel
À escolha do vinagre ou do mel,
Mesmo mantendo sempre aberto
O roteiro para o que se revelar mais certo,
Em cada dia, a cada hora
Que a descoberta demora.
Amor
O amor toma de ponta
As sentenças
E não tem em conta
As diferenças.
O amor, quando surge,
Por norma é certo
Que, em tudo quanto urge,
Uma vez desperto,
Quase nunca, desabrido,
Faz sentido.
Quem prefere estar sozinho
Em vez de suspirar por alguém
Que, de certeza, um baldio maninho
Infeliz o tornaria vida além,
Olha ao que a cabeça lhe diz,
O temperamento faz.
Todavia, apaixonar-se é a raiz
Do medo que vem atrás.
E tanto maior é o abalo
Quanto mais tenta evitá-lo.
Não há nada a fazer,
O amor é assim: empurra-nos a ser.
Não é fácil gerir
O que nos não liga nada, ao surgir.
Momento
O dia em que te conheci,
O momento da magia...
Ultrapassada do Universo qualquer era,
Quando for velhinho e chegar a Primavera,
Pensarei nesse dia
E em ti.
É que a partir daí,
Só houve tal dia.
- E até aqui
Não sei por que magia,
De tuas mãos e dele em si,
Só houve Dia!
Guerra
Um homem a sério
Não vai para a guerra de ânimo leve:
Da vida a sorte e o império
É breve.
Fá-lo-á mais sossegado
Se souber,
Mais que ter um bem qualquer
Resguardado,
Que tem, como em selada guarida,
A mulher dele e a família protegida.
Caminho
O caminho do desejo é bem claro.
O caminho do amor é tortuoso
E raro.
E, quando dele te abeiras,
Esperançoso,
Cravejado de inúmeras curvas traiçoeiras.
Cobra
O amor que tudo cura
É um veneno, quando cobra a sinecura.
Uma vez alguém apaixonado,
Finda o controlo da própria vida,
O coração ficou empenhado
E o juízo, em seguida.
Finda a existência própria, na empreitada,
Assim ameaçada.
Tudo se opera para manter quem se ama,
Finda a noção do perigo.
Da face da terra o amor varre tudo, como lama
Que é, e, no pascigo,
Deixa apenas o que o ente amado deseja
Que seja.
Então, o amor que nos cria, mata-nos, de repente,
Sem marca nenhuma do crime evidente.
Abandonado
O abandonado por quem amava
Centra-se na própria dor.
Ninguém pergunta que luta trava
O outro perdedor.
Se abandonou o que era uma aventura
Por fidelidade à família,
Que coração nele perdura
Em vigília?
Deita-se à noite
Confuso e perdido,
Sem discernir que escolha acoite,
Ou se não errou no que há escolhido.
Ou então crê que lhe cabia o dever,
Da vida entre os inúmeros atilhos,
De proteger
Família e filhos.
Mas o tempo traidor
E traído
Mostra-lhe cada vez mais o fulgor
Do paraíso perdido.
Torna-se distante,
Artificialmente ocupado,
Enquanto a família estiola perante
O tíbio fado.
Não há vento que mude
O rumo à navegação.
Todos sofrem numa vida que ilude
O pulsar do coração.
Fechada a porta,
Não há brisa nem orvalho que fecunde a horta.
E não há nada a fazer
Numa vida toda feito do que menos perder.
O outro lado
Findou velado
Sem o lograr discernir
Nas pegadas do trilho que seguir.
Ver
Nunca nos é permitido
Ver do amor a vera cara.
O amor é um acto vivido
De fé noutrem que em si pára.
Tão singular
É dele o império
Que perenemente deve andar
Coberto pelo mistério.
Cada momento
É de emoção e sentimento.
No dia
Em que o tento decifrar
E entender, tiro-lhe o ar,
Morre a magia.
Seguimos-lhe os caminhos
Tortuosos,
Luminosos,
Adivinhos,
Trepamos aos pináculos da serra,
Afundamos no abismo a que o mar se aferra,
Mas confiamos na mão
Que nos conduz por toda aquela vastidão.
Se não me assusto,
Acordo num palácio como um justo.
Se temer a pegada
Exigida pelo amor
E quiser que me revele a caminhada,
Tombarei no torpor,
Não atingirei mais nada.
O amor não obedece a ninguém,
Sidéreo,
E trai sempre quem
Decifrar tenta sempre mais além
O seu mistério.
Forte
Pode o pensamento ser o mesmo, porém,
Algo mais forte do que ele intervém:
É o amor que permanentemente
Todo o mundo sente.
Emoção mole em mente dura,
Acaba furando o portão
Que nos impede o chão
Da procura.
Troca-me o passo,
Faz uma revolução,
Põe o mundo inteiro em convulsão...
Mata de cansaço
O que não larga o peso do passado
E do trilho da vida abandona-o de lado.
Paga
Na raiz,
Porque é que um homem paga para ter
Uma mulher?
Porque quer ser feliz.
Compra um orgasmo
E sempre, no evento,
Falha, com pasmo,
Aqueloutro intento.
E nunca aprende,
Sempre iludido do que promete e não rende.
Morrem
Os homens não têm outro credo
Qualquer:
Morrem de medo
Da mulher!
Podem bater,
Ameaçar,
Gritar,
Mas estão a morrer
De medo da mulher.
Pode não ser daquela com que casaram,
Mas há uma que os assusta e submete
E nela todas se alinharam
Na mente dele, como lhes compete.
Nem que seja a própria mãe.
É o terror do Além:
É que na mão dele pega
Mas Lá ele nunca chega.
Pior
O pior mal da civilização
Não é a deflorestação,
A camada de ozono,
A morte dos pandas por falta de abono,
O tabaco com a morte em aumento,
O cancerígeno alimento,
O crime em flecha
Numa ateada mecha...
- O pior é o sexo
Do amor desconexo.
Morta a raiz,
Mais tarde ou mais cedo
As árvores acinzentam o matiz
E o mundo nunca mais é um mundo ledo.
Indivíduo
Um indivíduo tolera
Meia semana à sede,
Seis à fome,
A vida numa caverna mera
Que até lhe impede
O pouco que come
- E nada disto um homem some,
Muito embora
Confirmemos, hora a hora,
Quanto o consome.
O que ninguém aguenta é a solidão,
O tormento
Na forma mais pura,
Cachão
De tortura
E sofrimento,
A insuportável sensação
De que ninguém, nem dentro de sua porta,
Consigo se importa.
Aqui a vida,
Por mais que exteriormente conseguida,
Já vive morta.
Escravidão
O amor,
Enquanto escravidão consentida
For,
É mera figura travestida.
É mentira:
A liberdade só se revela
Onde ele tocar a lira
Da vida por toda a tela.
Quem se entregar
Totalmente
É que livre se sente,
Ao amar
Plenamente.
E quem plenamente amar
É que livre se sente,
Por cima de toda a folha a voar.
No amor, ninguém magoa ninguém,
Porque ninguém ninguém possui.
É o que a liberdade intui
Que no fundo dele retém:
Ter do mundo o mais importante
Sem o possuir nunca adiante.
Luz
Como entra a luz numa casa?
Pela janela aberta.
E num indivíduo que brasa
A desperta?
Só se a porta do amor
Aberta for.
Aí, mesmo de momento sem partilha,
Até a cara brilha.
Paixão
A paixão deixa de comer,
Dormir,
Trabalhar no que se fizer,
De estar em paz, a seguir.
Assusta quando aparece
Por derrubar a velharia que nos esquece.
Ninguém quer desorganizar
O mundo seu.
Então vá de controlar
A ameaça de escarcéu,
Mantendo de pé qualquer odre
Já furado e podre.
Somos todos engenheiros de estradas
Transviadas.
Ou então é o contrário.
Uma entrega sem cuidar,
Esperando encontrar
Na paixão
A solução
Do problema mais atrabiliário.
Joga noutrem a responsabilidade
Da própria felicidade
E a culpa
Sem desculpa
Da infelicidade.
Ora euforia
Pelo maravilhoso,
Ora depressão
Pela destruição.
Uma ou outra via,
De renúncia ou de gozo,
Configura, afinal, sempre uma alternativa
Fatalmente destrutiva.
Contigo
Quem contigo estiver
Tem de existir para ti.
Pergunta-lhe o que quer,
Oferta-lhe o que quiser.
- O outro mundo principia aí,
Nisto de o outro reconhecer,
Saber
Que ele anda ali...
Deus não é diferente:
É o totalmente Outro infinitamente.
Prefiro
Não te irei comprar
Algo de que gostes,
Prefiro te ofertar
Algo de meu,
Embora apostes
Noutro eventual céu.
Este mente,
Aquilo é um presente:
Algo de mim em ti...
- Porque te quero, eis-me aí!
Dádiva
A dádiva, a entrega
De algo teu, dum pouco de ti
Que de ti se despega,
Gratuito, por si.
Dar em vez de exigir
Nada de importante,
Sem medir,
Sem nada em troca requerer adiante.
O outro guarda de ti um pedaço
E, se te corresponder,
Guardas dele um idêntico traço
Qualquer.
Que bom!
Ele guarda o teu passado
No coração
E tu guardas o dele, por teu lado.
Que chão mais puro
Para inaugurar o futuro!
Visitas
Quando visitas alguém pela primeira vez,
Não podes abrir a porta de saída,
Que, se o fizeres, talvez
Nunca mais tornes a tal guarida.
Ora, se queres voltar,
É que, sem se terem despido
Nem eroticamente possuído,
Sem um ao outro sequer se tocar,
Afinal, do convívio ao calor,
Cultivaram amor.
E quantos,
Fazendo, ao invés, tudo aquilo,
Arfando acaso de prazer pelos cantos,
Quanto a amor, nem sequer puderam pressenti-lo!
Desejo
O desejo mais profundo
É o de aproximar-se de alguém.
A partir daí principia o novo mundo,
As reacções advêm,
Homem e mulher entram em jogo,
Incendeiam o fogo,
Tudo, a prazo, se transmuda,
Do amor na forja,
Mesmo a sorte mais bicuda
Que nos aperte a gorja.
Apaixonamo-nos pela vida,
Cada vivência
Vivida
Com reverência,
Sempre à espera de celebrar
No próximo altar.
Não há pressa,
Nada se precipita,
O inevitável à frente atravessa
E o verdadeiro encontro nos concita.
Chegado o momento,
Ninguém hesita,
Cada segundo é um fermento
Da magia que de além nos fita.
Preocupam
Todos se preocupam com sexo,
Não há romance que não tenha dele uma cena,
Ensaio que não tenha um anexo,
Se a venda querem plena.
Parece um enguiço,
Os indivíduos só matutam nisso.
Porém, cada qual
Em tal
Só matuta
Porque cuida que o mundo inteiro
Só de sexo disputa,
Ligeiro
Ou brejeiro.
É um engano esta luta.
Fazem dietas,
Usam peruca,
Perdem horas no cabeleireiro e nos estetas,
Vestem roupa de pôr a sensatez maluca,
Tudo o que aconselha
A desencadear a centelha...
Chegada a altura
Vão para a cama,
Dez minutos, um jogo de cintura,
E apagou-se de vez a chama...
Nem criatividade,
Nem nada de trepar ao paraíso...
No instante em que a centelha se degrade
Nem força tem de manter o fogo aceso,
Nem, surpreso,
Nenhum alerta de aviso.
Ocorre
No amor não é questão
De posição.
Afinal,
Qualquer variação
Ocorre de modo natural,
Como, sem pensar,
Alguém alcança
Iluminar
Um passo de dança.
Encontros
Os encontros mais importantes
De nossa vida
Já foram combinados por nossas almas muito antes
De nossos corpos se verem, em seguida.
É o mais estranho mistério
Do memorando sidéreo:
De repente olhei, vi
E por dentro todo inteiro me acendi.
Atingi
O vero encontro acontece
Quando atingi meu limite.
Quando o desespero me arrefece
Ou quando o entusiasmo me aquece,
Aí, então, vem meu desquite:
O ignoto manifesta-se, em resumo,
E o mundo inteiro, dentro em mim, muda de rumo.
Pago
O amor não é um itinerário
Pré-fabricado
Pago com o erário
Dum obediente soldado.
É a luz que, do centro,
Pode iluminar-nos por dentro.
E que, nem sequer,
Em virtude da rotina,
Se chega a acender
Em quase nenhuma sina.
Então o rosário de passos
São os passos da paixão
Em que em cinzas e carvão
O amor foi queimando os traços.
Prazer
O maior prazer do sexo
Não é sexo nenhum,
É a paixão com que é praticado.
Quando a paixão, num amplexo,
Os dois funde num,
Vem o sexo, num bailado,
Consumar a dança
Para além de qualquer fronteira que se alcança.
Sempre
Quem estiver apaixonado
Está sempre a realizar amor,
Mesmo quando não o estiver a realizar.
Quando os corpos se houverem encontrado,
É apenas o fervor
Da taça a transbordar.
Podem ficar juntos
Horas, dias, anos...
E os assuntos
São os secretos escanos
De ser
Pontuados por inesgotável prazer.
Nada tem a ver com o que os que se crêem astutos
Contam por uns poucos de minutos.
Abriste
Quando me olhaste,
Abriste uma porta,
Como se foras um traste
A pisar-me a horta.
Mas, quando te foste embora,
Não levaste nada de mim.
Ao invés, a toda a hora,
Deixaste um perfume de jasmim.
Não eras um ladrão,
Eras um noivado em visitação.
Foras lá tu quem foras
Em tuas demoras,
Ergueste um pouco meu coração
Do árido chão.
Desconhecido,
Fico-te muito agradecido.
Ciúme
O ciúme é normal,
Mas ninguém é dono de ninguém.
Quem acreditar em tal,
A si próprio se engana também.
Como emoção
Fugidia,
Escapa-nos da mão
Todo o dia,
É a nossa fragilidade
Que traidoramente nos invade.
Mostrar
O amor mais forte
É o que se persuade,
Como seu norte,
A mostrar a própria fragilidade.
Se o amor for verdadeiro,
A liberdade vence o ciúme
E a dor que, a vida em atoleiro,
O resume.
Como o atleta
Que em dor treina,
A grilheta dos limites cada vez mais aleina,
E após, um dia,
Verga a meta
E é a euforia.
Capaz
Como era o recanto
Onde sofreste a dor
E o pranto
Do amor
Sonhado?
Um encanto,
Capaz de amar e ser amado.
Culpa
Somos seres humanos,
De culpa nascemos cheios.
Temos medo dos enganos,
De que a felicidade, apesar dos enleios,
Seja viável, por fim.
Morremos a querer castigar
Outrem porque me sinto, por mim,
Impotente, injustiçado, infeliz,
Perdido o meu lugar
Sempre por um triz.
Pagar pelos meus pecados,
Castigar os pecadores...
Que delícia os remorsos apagados
E a justiça aos prevaricadores!
Nunca descubro o amor
No desvario de tal fervor.
Espalhastes
Prostituta, mãe, esposa, deusa,
Sou, mulher, o que espalhastes pelos espaços.
Da vida
Rompida
O que deveria ser a natural represa,
Recolhei agora meus pedaços!
Tratai de construir
Um mundo
Fecundo
A seguir!
Cliente
Ninguém é feliz em redor.
O cliente do bordel
Paga o que deveria ser de graça.
É um horror
Este papel
Que imita mas não congraça.
As meninas têm de vender
O que gostariam de entregar
Por carinho e prazer,
O que as vai destruindo devagar.
E todos têm de lutar
Para aceitar
Que se sentem infelizes
De tanto esmagarem as raízes.
Todos só precisam de amar, afinal.
A vida é curta, porque vivê-la tão mal?
Espreita
Ela, sempre ela...
O meu amor perseguido
Espreita à janela:
Escondido
Nela!
E eu que dei a volta à terra inteira
E nem vislumbres da minha parceira...
Pecado
O pecado original,
Mera potencialidade,
Em todos é igual.
Poderia nunca devir factual,
Mas deveio,
Quando, de tanto receio
Da própria individualidade,
Eva quis Adão a viver
O trilho dela de vir a ser,
Em vez do dele.
Aí a todos nos rasgou a pele.
Agora temos a possibilidade
E o efeito acumulado
De milhões de anos daquele acto desmultiplicado
Em milhões e milhões doutros de inverdade.
Nem tudo se partilha,
Muito menos as pegadas próprias da própria trilha.
O amor autêntico preserva e ajuda a solidão
De cada um ao caminhar o próprio chão.
Acreditam
Acreditam que o homem deseja
Apenas dez minutos por dia
E paga muito pelo que lhe almeja
A fantasia:
Da vida inteira
A trabalhar
Para o lar
Às notas pagas na humana feira
Dum lupanar...
Não é assim, porém.
Ele também
Quer encontrar
Alguém,
Descobrir, à própria medida,
Um sentido para a vida.
Deixaras
Se quem amas deixaras partir
Para poder voltar sempre, a seguir,
Amá-lo-ias
De seus rumos nos sinais
E admirá-lo-ias
Ainda mais.
Ao invés, se o aprisionas,
Com sorte,
No reencontro só te emocionas
Da morte.
É uma tristeza
Perder vida além
Afinal quem
Mais a gente preza...
Repente
De repente, uma paisagem
Que o fôlego me tira,
A memória da viagem
Dum amor que me revira
E eis o pasmo
Dum íntimo orgasmo!
Ninguém reparou, de olhos desviados:
Andam todos muito, muito ocupados...
Depende
Quando nenhum depende do outro, então
“Quero depender de ti”
É uma livre opção
Que inaugura ali,
Sem sustos nem confusão,
Uma nova pista de corrida
Nos carris da vida.
Descubro
Não tens amigos,
Ninguém com quem conversar
Através dos postigos
Por onde andas a espreitar?
Deus do Céu!
De repente
Descubro que és como eu,
- És como toda a gente!
Amo-te
Amo-te como nunca amei ninguém.
Portanto, vou-me embora,
Senão o sonho transmigra para a realidade
E devém,
Na hora,
Mera vontade
De possuir,
De desejar que tua vida, a seguir,
Seja minha,
Vindimada de vez a tua vinha.
Tudo aquilo que acaba por transformar,
Com a ilusão,
Qualquer arte de amar
Em escravidão.
Soubeste
Soubeste apoiar-me e ajudar-me,
Acolheste o meu apoio e minha ajuda,
Sem ser preciso que nenhum de nós se arme
Nem desarme,
Pois o outro é sempre quem me acuda
E nunca significa, então,
Qualquer humilhação.
És uma pessoa em corpo inteiro,
Primícias de Primavera de Janeiro a Janeiro.
Sexo
O sexo, para o homem, é sexo e pronto.
Mete-lhe medo, torna-o vulnerável.
Corre vida fora tonto,
Trôpego, a tropeçar pelos terrenos da lida,
Quando o sexo, na conta devida,
Bem poderia ser um vergel cultivável.
Ninguém sabe do que fala:
Livros, jornais, televisão...
- É como se nos dissessem então:
“Toma lá sexo e cala!”
Que parvoíce!
Como se o sonho o permitisse...
A ternura dum amplexo
Chega a ser tanta que chega a anular o sexo:
Trepa tão acima
Que nela tudo sublima.
Então como é?
Ficamo-nos pelo sopé,
Onde a lonjura é um começo,
Quando podemos voar até
Ao cocuruto do cabeço?
Princípio
No princípio dos tempos, quando tudo era animal,
O amor era entrega,
Afinal.
Depois veio a serpente da refrega
De distinguir o bem do mal.
E Eva diz:
“O que entregas perderás.”
Por mais que viver seja a raiz
Que guardar lá para trás,
Para mim,
Aquilo está certo:
O que der, no amor desperto,
Gratuito,
É de vez perdido, pouco ou muito.
O que eu receber, de amor correspondido,
Gratuito também,
É de igual modo de vez perdido
Por alguém.
Não há nunca nenhum pagamento
Quando amor invento.
Tudo perdido
É que é um ganho garantido.
Consegue
No sexo com sentimento
Ele consegue ser mulher,
Ela consegue ser homem,
Num momento
De ser
Em que um no outro se consumam
E consomem,
Duas almas perdidas que àquilo se resumam,
Dois fragmentos do mundo disperso
Que faltavam para completar o Universo.
Basta
Toda a vontade do mundo
Não basta para impedir
Que o amor mude, fecundo,
A regra do jogo
Em que me afogo e desafogo,
Chegada a hora de amor fora partir.
Sempre sem aviso,
Às vezes mal o diviso...
Chega a dar cabo de mim,
Até que me encontro, no fim,
Senão do lado de cá,
Do lado de Lá.
Que, perante o amor, a morte que me mande
Pouco importa:
É a porta
Da sorte grande!
Tudo
O amor verdadeiro
É gratuito:
Dá tudo por inteiro
Por quem ama.
De lucrar sem intuito,
Nada reclama
Nem proclama.
Por isso é que o mundo traiçoeiro
Tanto o aclama:
Sente que vive esvaziado
De todo aquele lado...
Dá-nos
Pior que ser
Um sem-tecto
É vir a ser
Um sem-afecto.
O amor não dá de comer,
Não,
Mas dá-nos o chão.
E, através das janelas
Que nos põe à mão,
Vislumbramos as estrelas.
Criou
Deus criou o homem
E criou-o sozinho.
Então criou a mulher
Com que todos se consomem,
Para cada qual entender
Até onde queima da solidão o cadinho.
E vice-versa:
Para a mulher é a mesma conversa.
O caminho
É o de sempre dar a mão
À solidão
De cada um, para o ajudar
A caminhar
Sozinho.
A vida cada vez mais, então,
Rescende a campestre rosmaninho.
Casar
Casar é fácil.
Estar casado, o casamento
Requer empenho e o empenhamento
Tende a corroer tudo o que é grácil.
Inclui o compromisso.
Ora, isso
O mais das vezes é um tormento.
Embora seja o preço de crescer:
Quando se descobre um caminho melhor,
Da alegria o fulgor
É por um mundo novo nascer.
Quando é apenas o mal menor,
Um pouco tudo entristece
E a vida arrefece.
Ser criativo
É o que mais mantém o fogo vivo.
Escutar
Ao escutar atento
O que alguém me quer contar
Ocorre um portento
Singular:
A vida dele daí por diante
Tornou-se importante.
Um mero acto de compaixão
(Um beijo num membro em ferida,
Uma carícia com a mão...)
- Pode mudar uma vida.
Encolhemo-nos por trás das muralhas
Do coração,
Da cortina raramente afastando as malhas
Para espreitar então
Com alguma demora
Cá para fora.
Perdemos decénios lado a lado
Sem uns aos outros nos vermos.
Eis como no quintal hão murchado
As fruteiras que tivermos.
Visitar
Queres visitar, pelas terras adiante,
O mundo sem fim.
Eu também adoro visitar o mundo distante
Dentro de mim.
Como com toda a gente,
Afinal,
É tudo tão diferente
E tão igual!
Portanto, nunca é fácil, não,
A mútua conjunção.
Todavia, quando ocorre,
Que frémito de Infinito nos percorre!
É que dele materializámos no presente
Uma mágica semente.
Encontro
Iremos ao encontro de nossos inimigos
De braços abertos
Desarmados.
Quando erguerem armas contra nós, os perigos
Descobertos
Transmudamo-los em cajados
Para caminharmos juntos
Rumo ao sol que não se extingue.
E neste morrerão todos os assuntos,
Neste, o único que vingue.
É só encontrar a íntima luz definitiva
Por quem cada um viva.