TRILHO REGULAR
Energia
A energia que lançamos
Volta sempre para nós.
Semente que semeamos
Brota em planta logo após:
Se semear macieira,
Como esperar a pereira?
Se plantar uma acção boa
O mundo mau atordoa.
E, se forem muitas mais,
Não há mundo mau jamais.
Momento
É importante decidir
Se o que tem é suficiente
Para em frente então seguir.
Que, se permanentemente
Decide que algo lhe falta,
Pela hora certa espera.
Só que não há na ribalta
Tal hora, em nenhuma era.
Certa, certa, só a de agora,
Senão não terá futuro.
Se a chave à porta demora,
Meu porvir só encontra um muro.
Comprometes-te
Comprometes-te deveras?
Todo o corpo, toda a mente,
Consciente, inconsciente,
Mesmo a dormir nas esferas,
Desatam a trabalhar
Para o que tens de alcançar.
É o que da tua presença
Fará toda a diferença.
Corpo
Se for de dar corpo ao sonho,
Nada de plano em reserva!
É que, quando este proponho,
Nunca fica de conserva:
Foco-me ali por engano,
Vai ser ele, ao fim, meu plano.
Lá se foi, então, talvez,
O meu sonho ali de vez.
Caiu
Quando tentou caminhar,
Caiu centenas de vezes.
Comer sozinho ao tentar,
Sofreu mil e um reveses.
Ao aprender a falar,
Quanto erro então foi nas teses!
Não passou pela cabeça
Desistir quando tropeça.
Esta determinação
É de nossa natureza:
Nosso sonho é ter à mão,
É daqui que agarra a presa.
Amor
O amor dos jovens, que ilusão bonita!
O amor dos velhos que se não desquita,
Como os mais todos, como todos são
Dignos, enfim, duma celebração!
Por sonho vamos, em qualquer idade,
E o sonho um dia vai ser realidade.
Pode além ser, pois, num além da vida,
Mas a promessa será lá cumprida.
Bravura
A bravura sem prudência
E da sensatez perdida,
Que o perigo na pendência
Não mede nem já medida
Toma de o eliminar,
É de bem má consequência
Uma bravata sem par.
Quem nela cai, de excelência
Tomba em nada, singular.
Povo
O povo, enquanto ignorante,
Há-de ser sempre esbulhado
Do direito de adiante
Ir traçando o próprio fado:
Na ditadura imperante,
Como submetido gado;
Na liberdade fundante,
Sempre a ser manipulado.
Sem o povo se educar
A entender o deve e haver,
Nem direito nem dever
Acabarão por vingar.
Doutro modo, a consequência,
Constatada dia a dia,
É trocar a prepotência
Só pela demagogia.
Matar
Ameaçar matar alguém
Por ter escrito um escrito,
Inventado um inventado
Mundo que nunca se tem
No real real inscrito,
Um lado sem nenhum lado,
É, dentro dum mundo cúpido,
O que houver de mais estúpido.
O perigo das palavras,
Aquela ameaça ao poder
Com que arroteiam as lavras
Sem mesmo em nada mexer...
No país do ditador
Governado do polícia,
Todo e qualquer escritor
Deve aguardar a sevícia,
Correr perigo de morte,
Se livre escrever à sorte.
Aí qualquer escritor
É sempre um perigo-mor:
Dele o mundo não é o centro,
- Muda as pessoas por dentro.
Transformar
Transformar o chumbo em oiro
Não é nada comparado
Com agarrar num desdoiro,
Em algo de inanimado,
Instrumento de arco e corda,
E, do som que nele acorda,
Reproduzir, no que emana,
Toda e qualquer alma humana.
Estranho
Por estranho que pareça,
Nada é o que parece:
O que nas coisas começa
Faz às pessoas remessa,
Dúplice tudo acontece.
Um mero lado de fora
Que aponta o que dentro mora.
A esta duplicidade
Há muito quem se convença
A sobrepor-lhe a vontade:
Outra cara, mais intensa...
Quando alguém em alguém pensa
Em quem pensa de verdade?
Na máscara que ali veste,
Noutra qualquer que o conteste?...
Ou na primeira raiz
Com que nada ao fim condiz?
Dois
Ninguém serve a dois senhores:
A Deus e mais ao dinheiro,
A Deus e mais ao poder,
Deus e o sexo sem amores,
Deus e o costume ronceiro,
A Deus e a um dogma qualquer...
Nem sequer a tradição
Nos salva na ocasião,
Antes também nos condena,
Se a dose dela for plena.
Nem os ritos mais sagrados,
Que ídolos nos são doados.
O Deus abscôndito à frente
Mais que tudo isto é exigente:
Ou tudo se lhe submete
Ou tudo se compromete.
Tudo então é indefinido,
Busca eterna de sentido.
Tudo devém relativo
Na infinda rota ao que é Vivo.
Livre
Faço quarenta e um anos
De livre da solidão
(Forma de antiga prisão
De vida a ferros e enganos).
Fazes tu sessenta e dois
De vida à partida armada
Para engendrar arrebóis
Em qualquer noite cerrada.
Desde então que vivo ao sol
Onde houvera só luar
Mal prometido no rol
Duma vida a esgravatar.
E aqui vamos de jornada,
Eu com neve de velhice
Na cabeça prateada,
Tu travando-me a tontice.
E o melhor do que acontece
É que não contém ludíbrio
Em nossa vida o equilíbrio
Da jornada que alvorece.
Celebrar
Celebrar anos de vida,
Só quem nesta despertou
E nunca mais acabou
A romagem para a ermida.
Vamos então para a festa,
Que, embora trôpego, eu vou
Coroar a tua testa
Das asas de todo o voo.
Porque trazes da lonjura
A doçura que há no mel
E tudo o que nela apura
A ventura que me impele.
Não te dou meus parabéns,
Dou-te antes a gratidão
Por cobrires o meu chão
Deste jardim de cecéns.
Muda
Somos gente
E uma gente bem mutante,
Tal qual como, à nossa frente,
Tudo muda a todo o instante.
Ora, se formos espertos,
Faremos nós as mudanças,
Antes que os rombos abertos
Nos forcem delas às tranças.
E não mudar por mudar,
Mas mudar para melhor.
A tradição tem lugar
Mas não preserva da dor.
É melhor do que a anarquia
Ou que o combate letal,
Mas não é perfeita via
Se for só tradicional.
Importa sempre visar
O fito que a tradição
Afinal quis preservar
Com o que erigiu do chão.
Se o já não logra atingir,
Que, entretanto, algo mudou,
Só se a tradição ferir
Sou fiel ao que intentou.
Entre ser fiel a ela
E sê-lo àquilo que visa
É que distingue a sequela
Do inferno ao que diviniza.
E depois
Somos gente tão mutante,
Sempre a sonhar arrebóis
Que alvorecem adiante!
Salto
Quando outra via é inviável
E só o salto se concebe,
Que encontres tudo agradável
Do outro lado da sebe!
Quando a rotina te entala
Os olhos que o longe miram
Entre as paredes da sala,
Teus pés o salto conspiram.
Quando a tradição te murcha
Sentidos ébrios de vida,
Tal que flor nenhuma surja,
O salto além te convida.
Quando a prepotência amarra
Teus actos de pés e mãos,
Teu sonho, preso em tal garra,
Salta em busca doutros chãos.
Quando o dogmatismo cego
Duma fé ou dum partido
Do amor matam todo o apego,
Saltar fora faz sentido.
Quando outra via é inviável
E só o salto se concebe,
Que encontres tudo agradável
Do outro lado da sebe.
Luar
Um amor sonhado,
Que luar de Agosto!
O amor consumado,
Aurora ou sol posto?
E que trabalheira
A Lua a nascer
Por trás da cimeira
Serra a mal se ver!
Mas a quem se deu
Ao trabalho todo,
Céu fora nasceu
Do luar o engodo.
E a noite é de estrelas
Sempre a luzir belas.
Do amor a magia
Mesmo à noite é dia.
Dor
A dor esmorece,
Não desaparece.
O tempo dilui,
Nunca substitui.
Fica a cicatriz
Do que foi que fiz,
Cada vez mais ágil,
Sempre um pouco frágil,
Mais a aprendizagem
Da vindoira viagem.
Sabemos
Todos nós sabemos bem
Aquilo que não queremos,
Que detestamos também,
Que impede quanto seremos,
Todo o desenvolvimento
E o bem-estar de momento.
Aquilo que causa dor,
Que nos causa sofrimento,
Seja aquela lá qual for
E deste qual o tormento,
- Tudo isto nós rejeitamos
E nunca nos enganamos.
O difícil é saber
O que, ao fim, cada qual quer.
Mesmo sabendo, porém,
Podemos perder a vida
A tentá-lo, de seguida,
Sem o atingirmos também.
O maior motivo disto
É aguardar doutrem o visto.
Aguardo a transformação
Dos outros e não de mim.
A vítima quer assim
Que o carrasco perca a mão.
Se noutrem ponho a esperança
Nunca alcanço o que se alcança.
Decisões
Decisões da grande empresa,
De cúpulas de poder,
Das religiões que houver,
Dos órgãos mundiais a presa,
- Por muito que a tal me lance,
Ficam-me fora de alcance.
Posso mostrar-me inconforme,
Com tais rumos me indignar,
Até mesmo organizar
Luta que outro mundo forme
Atento a uma maioria
Que aquilo espezinharia.
A vitória garantida
Nunca terei, entretanto.
O poderoso no pranto
Afoga qualquer medida
Que vir atacá-lo entenda,
Por muito bem que aos mais renda.
E o pior é que a mudança,
Para devir verdadeira,
Só se sustentada inteira
Por todos a quem alcança:
Quem conforma todo o ente
A tal mundo diferente?
Não me basta desejar
Para vir a acontecer
O mundo que, enfim, quiser,
Pois quando ao poder chegar
Vou repetir com horror
Os erros do antecessor.
Em toda a revolução
Isto foi que aconteceu:
Depois de entrever o céu,
Só esbirros gerar o chão
E às vezes piores estes
Que os de outrora que detestes.
Sem da conversão o esteio
Que mundo fora fermente
O renovo em toda a gente
Não há disto remedeio.
Pelo Ano Novo demora
O ano velho a ir-se embora.
Momento
No momento em que detecte
O que em mim é acção errada,
É mais fácil que projecte
Mudar de estrada.
É mais fácil evitar
Repeti-la no presente
E com isto assegurar
Porvir em frente.
Aniquilo o mau efeito
Se a causa evito, seguro,
A que antes andei sujeito...
- Terei futuro!
Desaparece
O mundo que conhecemos
Desaparece entre nós
E surgem os novos remos
Doutras soluções após.
Num efeito dominó,
Caem velhas estruturas
Ante as novas, tudo em pó,
E um novo mundo inauguras.
Tudo será diferente
Se difere toda a gente.
Gera
Uns deterem mais dinheiro
E mais bens do que os demais
Gera de inveja um lameiro,
De ressentimentos reais.
Se alto se desnivelar,
Dele a consciência for alta,
Então o que é de esperar
É uma explosão na ribalta.
Tal vai ser entre vizinhos,
Entre classes dum país,
Entre povos que maninhos
Ignorem os aguazis.
É assim que o planeta inteiro
Se afoga neste ribeiro.
Como evitar este abismo?
É só distribuir justiça:
Será o fim do cataclismo
Com a morte da cobiça.
Cinza
Um amor de velho,
Cinza no borralho,
Falha-me o artelho
Mas inda não falho.
É já uma saudade,
Já uma despedida,
Mas o abraço invade
Derradeiro a vida.
Assoma a alegria
Última e de vez
Na lareira, um dia,
Que o mundo nos fez.
Tempo
Tudo nasce e morre.
Com boa ou má sorte,
No tempo que corre
Tudo leva à morte.
Entretanto, há vida:
- Dou-a em que medida?
Se a morte se empreita,
Que vida se ajeita?
Toda a escolha é tua:
Como é tua rua?
Vítima
Vítima deixar de ser
Pode ser acidentado:
Poderei já não querer
Deixar de ser vitimado,
Afeiçoei-me ao personagem
Da vida durante a viagem.
Fiz de mulher abnegada
Ou de filho obediente,
De homem duro na jornada,
De avó fingindo um presente...
- E tudo é simulação
Nesta representação.
Até o líder reeleito
Que sempre traiu a base
Vem de actores cujo preito
É o suicídio comum quase.
E ei-lo no cargo, talvez,
Uma e outra e outra vez...
Até mesmo o salvador
Não quererá que melhore
A vida a que ande a se impor,
Não vá findar quem lhe implore.
Se ninguém precisar dele,
A que vida então se impele?
Positivo ou negativo,
Ao personagem diário
Demos carinho tão vivo
Que dói pormos-lhe o sudário.
- Quando fora dele vou,
Se não sou ele, quem sou?
Atando
Os sonhos são meus desejos
E não só meus pesadelos,
Tudo depende dos elos
Que atando for pelos brejos.
Vontade de cada um
E toda a comunidade
É o que é mesmo o bem comum,
A vera prosperidade,
A via mais realista
E autêntica, nos matizes,
De sermos, por esta pista,
Todos deveras felizes.
Passado
Se algo me traumatizou
Não me logro aperceber
Do que no mundo mudou,
O passado sempre a ver.
A visão culpabiliza
Este hoje que nem divisa.
E mantém-me prisioneiro
Do que atrás sofri primeiro.
Parte
Vejo-me parte do todo:
Se alguém não merece amor,
Eu também não, de algum modo,
Sofro nele a minha dor.
É meu seu projecto inteiro,
Se falhar, falho primeiro.
Como em jogo desportivo,
Se minha equipa perdeu,
Quando é por ela que vivo,
Se perde ela, perco eu.
Se o fito nos é comum,
Tudo e todos somos um.
Exclusão
Se de exclusão a energia
Impera em mente que cria
E que dá forma à matéria,
Então a união sidérea
Que do Todo era repleta,
Finda rompida, incompleta.
Findamos todos frustrados,
Com nossa sina aos bocados.
O mundo inteiro aos retalhos
Será o cabo dos trabalhos.
Não se pode a uma mentira
Do Homem apontar a mira.
Findaremos todos mortos
Mesmo em vida, de tão tortos.
Dois
A mulher na dor de parto,
O homem numa batalha...
Quando aos dois vida reparto,
Qual é que a cada qual calha?
A linha assim dividida,
Eis o que lhes cabe em sorte:
A mulher luta por vida,
O homem luta por morte.
De ambas as linhas memória
É aquilo que tece a história.
Qualquer árvore precisa
Tanto do botão brotando
Como da rama que visa
O vento que a vai podando.
Nenhum
Nenhum homem mesmo macho
É só por ter erecção
Ou ter orgasmos em cacho.
Macho deveras então
É se é capaz de prazer
Dar de vez a uma mulher.
Por isso é que ela se ocupa
Em simular cada upa:
Pode tanto dar prazer
Tal de macho o convencer.
E quantas vezes de fora
Fica o prazer dela agora!
Usado
Sexo é usado muitas vezes
Tal e qual como uma droga:
A realidades soezes
Para fugir quem se afoga,
Para ignorar os problemas,
Para relaxar dos lemas...
E, tal como as drogas todas,
É nocivo, destruidor.
Destas músicas as codas,
De efeito melhor, pior,
Devem levar a entender
Que o bom não é o melhor ser.
O sexo inteiro assumido
Não é sexo a qualquer hora,
Tem relógio embutido
E os dois acertar demora:
Os dois ponteiros a par
Têm o mesmo de apontar.
Não é de todos os dias
E quem ama sente bem,
Mesmo sem do sexo as vias,
O par com que se mantém.
Paciência, perseverança
É que um corpo em dois alcança.
Amar que um encontro é mais:
São abraços genitais.
Viver
Quem viver intensamente
Não sente do sexo a falta,
Tem prazer todo o presente.
Se o sexo vem à ribalta,
É por superabundância,
Vinho a espumar de elegância
Que transborda, natural,
Porque então é inevitável.
O apelo à vida total
Acolhido, de inefável,
Com a vida então me enrolo,
Perdido todo o controlo.
Criança
Ante o poder colossal
Do Cosmos perante mim,
Sou a criança, afinal,
De aldeia lá do confim,
Do acaso joguete real,
Ignorada: um nada, enfim!
Quando olho dentro, contudo,
Tudo em meu imo: sou tudo!
Habitues
Não te habitues à dor,
(Que é fácil viver com ela)
Por poderosa que for.
É do cotio sequela,
No sofrimento escondido,
Na renúncia ao que me apela.
Culpamos o amor ferido
Pela derrota do sonho.
A dor assusta, sentido
O rosto dela medonho,
Mas é sedutora quando,
Em sacrifício bisonho,
Mil renúncias vai pintando.
Por mais que a gente a rejeite,
Um meio vai encontrando
De a cortejar, bem aceite,
Da própria vida a ser parte,
Para que se nos respeite:
Somos os justos, aparte,
Puros e merecedores
De todos, disto por arte.
Movem o mundo os cultores,
Não da busca do prazer,
Mas da renúncia aos favores.
Soldado, guerra ao fazer,
Não vai matar o inimigo:
Seu país vai defender.
Esposa, não é o pascigo
Que mostra de estar contente:
Mas quão sofre, que castigo,
Para que o marido tente
Ver feliz a vida inteira.
E o marido é competente
Por de realizar-se à beira?
Não: pelo bem da família!
E o filho é renúncia à feira
Da vida, pela vigília
Que respeita, atento aos pais.
Pais que vivem em quezília
Por filhos não ter tais quais...
- Tudo dor e sofrimento
A justificar reais
Perdas a todo o momento
Do que apenas deveria
Dar, com puro sentimento,
A vida inteira alegria:
O amor, a emoção do vento,
A vontade da magia.
Beber
Deseja beber sem par
Lentamente, a saborear...
De vez esquece o mau vinho,
Gole a gole, no caminho.
Faz sentir a embriaguez,
Dói a cabeça talvez...
E, depois que tudo acalma,
Fica-lhe um buraco de alma.
Extra
Por mais dinheiro que tenhas,
Se vais ao banco comprar
Horas extra, a acrescentar
À vida a que tu te atenhas,
Não encontras quem te atenda:
Não há tais horas à venda.
Dure a vida o que durar,
Não faz com riqueza par.
- Porquê tal prioridade
À riqueza em toda a idade?
Pouco
Um pouco mais esperar
Pode o sonho, nunca é de hoje,
Que preciso de ganhar
O dinheiro que me foge.
Meu tempo vender, premente,
Como, aliás, faz toda a gente.
Aturar insuportáveis
Como as gentes mais fiáveis,
Entregar meu corpo e alma
Sempre em nome dum futuro
Que nunca vem nem me acalma,
- Tal toda a gente que apuro.
Ver que inda não é bastante,
Como a gente que há diante...
- Quem é lúcido aproveita
E fora tudo isto deita.
Vai dar prioridade ao sonho:
Vive do ar de que disponho
E das migalhas do dia
Que algum suor granjearia.
E nunca inverte na escala
O primado ao que é uma gala.
Procuro
Quanto mais longe, mais perto
Do coração os afectos
Que ignorar, matar decerto
Procuro sob meus tectos.
É sempre quando no exílio
Que vou queimar o meu cílio
A escrever cada lembrança,
Não vá morrer quanto alcança.
É assim com nossas raízes,
Com qualquer nosso ente amado...
De ir em frente são matrizes
Por onde sou retratado.
Não queremos nem podemos
Deixar de ser quem seremos.
Perde
Amor, amor sem humor
Perde logo toda a graça.
Que chatice de pendor
Às costas de quem congraça!
Mesmo a Terra é divertida:
Redonda como os rebolos,
Não é bola bem medida,
Duma chatice nos pólos.
Porque havemos de ser chatos
Do amor fruindo dos tratos?
No amor feito obrigação
Aonde a jubilação?
Lírios
Os lírios do campo olhai,
As avezinhas do céu...
- Reforma agrária não sai
Dum poema que alguém nos leu.
Em qualquer religião,
Pretender tirar medidas
Que nos lavrem nosso chão
Só trará pernas partidas...
O Estado confessional
É da fé traição total:
Pretende ter neste mundo
Do Outro a forma e o fundo.
Outro o Outro então não era,
Mas terrena farsa mera.
Tal foi no Estado cristão,
É no islâmico de agora
E em qualquer religião
Sempre a mesma perda mora.
Quem os dois mundos confunde
Nunca o Outro neste infunde,
Transforma numa irrisão
Toda a espera, agora em vão.
São tudo ídolos humanos
Adorados: tudo enganos.
Verdade
A verdade é inatingível,
Jamais, pois, definitiva,
Horizonte perseguível,
Eterno além do que viva.
Não há dogma que convença
Se por verdade é sentença.
A verdade é aproximável,
(Nunca posse de ninguém)
A negacear, desejável,
Sempre um pouco mais além.
É eternidade no tempo
A aflorar nas vinhas que empo.
É fazer acontecer
O que nunca aconteceu
Que é norma de bem viver,
Não atar-me ao que morreu.
Quem na infalibilidade
Apostar, mata a verdade.
Raiz
Temos a raiz comum
E sortes bem diferentes.
Logo, em vez de sermos Um,
Somos muitos divergentes.
Do centro à periferia
Como aumenta a tropelia!
Sem negar a divergência,
Busquemos a convergência,
A ver mesmo se algum dia
Aumentamos a harmonia:
- De tantos mundos talvez
Um só faremos de vez.
Parêntesis
É o diálogo grande arte
De conviver entre humanos,
Não astúcia de quem parte
A impor-se à custa de enganos.
Entre parêntesis pôr-se
Para operar a colheita
De a quanto é que o outro orce
Em quanto a mim me aproveita.
É de vez abrir a porta
Para em meu lar acolher
Tudo o que a todos importa,
Toda a fome a amortecer.
Pese
Todos somos muito ateus,
Com Deus pese embora o encontro.
Nos outros vislumbro céus
Que dum não são nem são doutro.
Meu credo é nunca sem Deus
Como nunca sem o outro:
Um vector horizontal
A cruzar o vertical.
Este a puxar sempre aquele,
Céus fora por onde o impele.
Mas sou sempre um estrangeiro
Nestes céus de que me abeiro.
E como sou, sem querer,
Afinal tão traiçoeiro
Ao vector que me faz ser!
Imo
Não destrói a natureza
Deus no imo dela presente.
Corpo dele que Ele preza,
Jamais é dela absorvente,
Nela as leis dele não lesa,
Menos inda é dissolvente.
Mostra-se-nos na beleza,
Mistério que encanta a gente:
Fluída luz que aqui perpassa
E em nosso imo deixa a traça.
Ri-se
Israel quis prender Deus
Como a Igreja o quis prender.
Deus ri-se destes ateus,
Sempre o diabo a refazer,
Embora em nome dos Céus.
Age o Espírito onde quer
E tal como bem quiser.
Sem pedir licença, aliás,
A ninguém, ninguém por trás.
Quando uma religião
Cuida que o pode reter,
Eis a sacralização
Da violência a aparecer.
Sempre o Espírito traiu
Quem assim já procedeu.
E não há quem não conviva
Com mais outra recidiva.
Num
Não é só no matrimónio
Que dois num se erguem do pó.
Busca a vida um som de harmónio
Do real ao sonho a dar nó.
Isto em tudo é o requisito
De ir daqui ao Infinito.
A vida viver idóneo
É fazer de dois um só.
Assim é que um lar edita
O Infindo que ao fim concita.
Assim é que ele é um espelho:
Novo a germinar do velho.
Assim é que incarna a estrada:
O Todo a brotar do nada.
Centro
A religião tira o homem
Do meio do narcisismo:
Do centro do mundo o comem
As ânsias do Infindo abismo.
Salva o homem de afogar-se
Em só temporalidade,
Embora os membros lhe esgarce
Esticando-o à Infinidade.
Descobre como é vazia
Toda a minha vacuidade.
Fica o egoísmo sem via
E a dor sem realidade.
Elevar
O papel da religião,
Quando a seu germe fiel,
É elevar o homem do chão
Para além do que o impele,
É proporcionar-lhe o ganho
De ir além de seu tamanho.
É o germe de cada fito
Projectá-lo ao Infinito.
E, da romaria à testa,
Abrir o caminho à Festa.
Se o não fazem é uma pena:
É a vida, ao fim, tão pequena!
Pilar
O justo é o pilar do mundo:
Bem para além de equidade,
Paga o mal com a bondade.
Nisto semeia, fecundo,
Mundo além, a novidade,
Erradica o mundo imundo
Dos talhões por onde grade.
Depois de sua passagem
Fica do Outro Mundo a imagem.
Todos nos tornando irmãos,
Dá-nos Deus por suas mãos.
Quer
O justo quer a razão
E a ética que descobre:
A ninguém faças, então,
Se não queres que igual cobre,
Antes, em primeira mão,
Faz-lhe o melhor que em ti obre.
Só que isto não leva a amar
Nem, portanto, a executar.
Extasia-se do Belo
E do esplendor da verdade.
Só que só fruir deste elo
Não nos salva a humanidade
E do mal o camartelo
Como a morte nos invade.
Sobrevive arte ao autor,
Dela até o crime é senhor...
Só o amor concreto, activo,
À vítima do abandono,
Do sofrimento mais vivo,
Da crueldade sem sono,
Faz do justo o olho furtivo,
Sentinela contra o dono
Dos roteiros que nos urda
Na vida uma vida absurda.
Só
Mística e religião
Só por união com Deus
Tornam-se é mesmo evasão:
Não buscam, fogem dos céus.
Se procuram a unidade
Unicamente interior,
Narcísicas de verdade
São, sem fogo nem calor.
Se aos demais são ligação
E ficam por esta via,
O que deveras serão
É apenas filantropia.
Se somente à natureza
Se unirem, inda que bem,
Transformaram-se na presa
Dum culto da terra-mãe.
- Para ao homem ser fiel,
O místico é todo o mel.
E nenhuma dimensão
Lhe escapa: é o Todo em fusão.
Provam-se
Mística e religião
Provam-se pelo exercício
Do direito a todo o pão,
Da justiça em benefício,
Misericórdia a que não
Acede qualquer resquício
Das margens da humanidade
Que algum dia ser gente há-de.
Fórmula
A fórmula redentora
Com alcance universal
É o coração que em nós mora,
No fundo de cada qual:
É de amor um apetite
Tão largo que abarca tudo,
A si, aos mais, num desquite
Tal que o mundo até lhe grudo.
Às vezes tão fundo mora
Que demora a vida inteira
A saltar cá para fora,
A cultivar cada jeira.
A faísca deste amor
É que eu amo em cada qual:
É só ver-lhe o resplendor
Na fundura, a dar sinal.
Mesmo no pior criminoso,
No regime mais violento,
No ódio mais tenebroso,
Há o morrão do fogo lento.
Isto é que é de amar em todos,
Para lá do crime atroz,
Soprá-lo de mil e um modos,
A chama a soltar após.
Isto é que permite amar,
Num amor de mil vertentes,
Mesmo até quem me matar,
Na dor a cerrar os dentes.
Amo-o naquela fundura
Onde ele acaso nem chega,
Mas que é dele a forma pura,
Fogo de Deus que carrega.
Amo-o no sonho Infinito
Que é meu fascínio, que é dele,
E por trás de qualquer grito
Nos une na mesma pele.
Amo-o no germe que for
Este Deus atrofiado
Que ele é já do infindo amor
De raiz atraiçoado.
Sempre o espírito está pronto,
Todavia a carne é fraca.
Mas só de marcar o ponto
Já o Mundo Novo enche a saca,
Que o Mundo Novo é um pedinte
Através das eras todas,
Daqui à era seguinte,
A apontar do Infindo as bodas.
Roubar-nos
Podem roubar-nos os bens,
A aparente liberdade...
O roubo maior que tens
Pelas tuas mãos te invade:
É a mentalidade errada.
Sentindo-te perseguido,
A vida inteira humilhada,
Ofendido e oprimido,
És ódio só, de repente.
E com a fanfarronice
Medo escondes que te mente,
Trancas-te onde ninguém visse.
Sentes-te triste, abatido,
Por mor do que te fizerem.
Será humano, tem sentido,
Não males com mal crescerem.
Não apagues tua luz
Nem a que noutrem se esconde:
O amor é que em nós traduz
O Infindo, ninguém sabe onde.
Terá de mais força ter
Que qualquer ódio que houver.
Doutrem vai mesmo às funduras,
Que aí sempre é amor que apuras.
Nisto é que amar o inimigo
Me põe do mal ao abrigo:
Odeio o mal em mim, nele,
Que amo o amor que nos impele.
É neste que somos nós,
Cada um e os dois após.
Paz
Uma paz só pode ser
Mais tarde a paz verdadeira,
Depois de em cada crescer
Como semente primeira.
Criar a paz dentro em mim,
Meu ódio banir aos mais,
Sejam quem forem, assim,
Raças, povos, fés que tais...
Vencer o ódio, mudá-lo
No inverso do que ele for:
Tentar em mim ser o abalo
Do incondicional amor.
Ajudar
Meu Deus, se tu não puderes
Ajudar o mundo louco,
Vou tentar, do que me deres,
Ajudar-te com meu pouco.
Se tu não podes soprar
Da cinza do amor a brasa,
Temos nós de te ajudar
A ajudar-nos, casa a casa.
Assim é que de ti, Deus,
Há um pouco em mim, de teus céus.
Talvez nisto a descoberto
Te ajude a pôr, no deserto
Dos corações que, em tormento,
Nem sequer sentem teu vento.
Impotente nos sinais
Com que me inundar dos céus,
Se Deus não me ajudar mais,
Hei-de eu ajudar a Deus.
Faca
Toda a faca tem dois gumes:
Se a der a um cirurgião,
Salva a vida até aos cumes
Mesmo da maior lesão;
Mas, se a der a um assassino,
Acaba por matar tanto
Quanto além salva ao destino
Quenquer que retira ao pranto.
Ora, tudo o que fazemos,
Criamos ou inventamos,
Instituímos e temos
Entre mãos, em quaisquer ramos,
Será sempre aquela faca,
Mesmo a do maior progresso:
Sempre o mal o bem ataca
Com armas de igual processo.
O nosso livre alvedrio
Tem isto de singular:
Com quanto entre mãos se viu
Bem ou mal escolhe a par.
E não é viável nunca
Algo criar que isto anule:
Quem no invés creu, de mal junca
O mundo, de norte a sul.
Vivenciar
A mais bela experiência
É vivenciar o mistério,
Profundeza em turbulência
De incontornável império.
Fonte da religião,
Das artes e da ciência,
Três rios em comum chão,
Em concorrente escorrência.
Quem nunca passou por lá,
Se inda não estiver morto,
Cego é que então estará
Com cada olho bem torto.
Inovação
A inovação descoberta
De nova tecnologia,
Científica teoria,
É apenas a porta aberta
Para quem as descobriu:
É que ele nunca previu
O final significado
A que tudo houver chegado.
Se a roda for só brinquedo,
A tudo o mais como acedo?...
Jamais ele descobriu
O porvir do gesto seu.
Abre uma fresta de nada,
De repente é uma enxurrada.
Avanço
Um avanço tecnológico
Será revolucionário?
Um novo conceito, é lógico,
É um efeito secundário...
Porém, na revolução,
Este pesa, outro, não.
É que, ao olhar-me ao espelho,
Sou novo aqui, no outro, velho:
Por mais que inovação traga,
Não me atinge nem me afaga.
Números
Os números não são coisas
Nem coisas números são,
Mas apontados nas loisas,
Parece que até serão:
Nos dois os comportamentos
Tendem a iguais, por momentos.
Assim é que ler o mundo
É no número entrar fundo.
Até descobrir depois
Que cada um não são dois:
De ambos a aproximação
É trilho infindo no chão,
Jamais há coincidência.
Até no ponto é evidência:
Já que dimensões não tem,
Nenhuma coisa é também.
Mas é coisa matemática:
Teoria longe da prática.
Inimigo
O inimigo natural
Da ideia preconcebida,
Do poder enquanto tal,
Autoridade erigida,
É a ciência, de maneira
Que a si própria se escaqueira.
É de ser tão provisória
Que tanto goza de glória.
É, no inseguro, o seguro
Mais firme que em vida apuro.
Na transitoriedade
É, fiel, minha fatuidade.
Mas, alpondras na corrente
Enquanto estão, salta a gente.
Consiga
Há quem consiga fazer
O que a todos é impossível,
Degraus a tentar qualquer
Busca do compreensível.
Cuidado, pois, é o conselho,
Com quem nunca vê mistério
Quando se olhar ao espelho,
Da dúvida além do império.
Ou é um parvo tirano
Ou então se crerá deus...
Nunca vê, por trás do pano,
Que se escapam traços seus.
Ora, ao não ser permanente,
Não posso ter a certeza
De quem sou, mutável ente,
Nem do que Deus em mim preza.
Revelar
Quem tem um filho capaz
De revelar o escondido,
Do medo anda sempre atrás
De que ele, descomedido,
Mostre aquilo que o poder
Preferiria esconder.
É que o poder sempre abusa
Duma iniquidade oclusa.
E o Cristo crucificado
Enche o mundo em todo o lado.
Esforços
Não há nenhuma heresia,
Que todos somos heréticos
Nestes esforços patéticos
De entender a luz do dia.
Resta das nossas sentenças
O direito de escolher,
Pela parte de quenquer,
Quais são suas próprias crenças.
Por isto é que o inefável
Se mantém sempre intocável.
Só quem não aceite o Além,
Condena julgando alguém.
Firmes
Pais, família, educadores...
Quanto mais indesejados
Só por serem bons mentores,
Tão mais firmes nos estrados.
Quando já não são precisos,
É que então são adorados...
Vão-se embora sem avisos,
Eternamente lembrados.
- Andamos sempre às avessas,
A vida a enterrar nas essas.
Manhã
Se de manhã deparar
Com amor e compaixão,
Cantarei o dia inteiro.
Ao invés, se eu esbarrar
Com o roubo dum ladrão,
No abismo caio rasteiro.
É de fora o que me incita
Para a dita ou a desdita.
Tenho margem de manobra
Mas muita baia me dobra.
Circunstâncias
As circunstâncias do início
Não determinam o fim.
Tenho sempre dentro em mim
De qualidade um resquício
Que me permite fazer,
Contra a probabilidade,
Para o sonho ser verdade
Tudo aquilo que eu quiser.
Jamais
Jamais é o mundo exterior
Que diz se o sonho é ou não,
Não é o dinheiro que for,
Nem da cultura o estadão.
São mesmo as capacidades
Que tiver dentro de si
E usá-las contra do hades
O diabo que houver ali.
O que for bem-sucedido
Isto fez do guião vivido.
Desejo
Se tens um desejo ardente
De ter ou de fazer algo,
Tens a força em ti presente
Com que os impossíveis galgo.
Grandeza não é nascer
Num berço de oiro qualquer.
É seguir o próprio sonho
E perceber o herói
Que em nós há, de que disponho
A ser o que nunca foi.
Trará
Quem nasce ou irá nascer
Trará consigo um talento
Único de vir a ser.
Muitos este chamamento
Viverão sem descobrir
Nem o viver, a seguir.
É o que estimula e atrai
Como nada mais na vida,
É o que de alegria vai
Encher o peito à medida.
É aquilo que a gente adora
E onde o melhor tempo mora.
Circunstância
A circunstância de vida
Cem por cento negativa,
Ao invés também convida
A que positiva a viva.
Há um pendor bom escondido
Numa conjuntura má.
A vida este oiro perdido
Quer que eu use desde já.
O bom ou mau da sequela
Pende do oiro que use nela.
Recusar
Recusar o chamamento
Do sonho, eis o terminal:
Finda o enriquecimento,
A realização pessoal,
Vida sem contentamento,
Sem alegria real.
E tudo o que nos invade
É sempre infelicidade.
Seguir
Seguir o meu chamamento
E perseguir o meu sonho
É meu fácil ir no vento.
Se, difícil, contraponho,
É o risco de infeliz ser,
É a vida sem alegria,
Sem paixão a florescer,
Sem sentido murcha via.
- Onde do sonho o recurso
Ignorei no meu percurso?
Cintila
A vida não é ficar
A televisão a ver,
Todo o dia a se queixar
Do que a vida deve ser.
É de encará-la de frente,
É de ao máximo vivê-la,
Descobrir em toda a gente
Onde cintila uma estrela.
Controlando
Que é para ti o dinheiro?
Se ele for um objectivo
Em ti vai mandar inteiro
Controlando quanto é vivo.
Dá o bem material prazer
Mas não é meta de vida,
Passa depressa o que der,
Buscamos outro em seguida.
Felicidade fugaz,
De durar não é capaz.
Se da vida fora a meta
Levávamo-lo connosco
Ao fim, na viagem secreta
Quando na campa me enrosco.
Não é, porém, quem eu sou
E, pese embora a alegria,
Não vai nunca aonde eu vou,
Não é meta, é fantasia.
Procurar
Procurar bens materiais
Por prazer de possuir
Liberdade tira mais
De a vida encher a seguir.
Se decido ir pelo sonho
Em lugar da segurança,
De riqueza ao fim disponho
E a vida é música e dança.
Maioria
A maioria não dá
O salto porque não sente
Uma dor que o fira já
Como dor suficiente.
Só reagem quando estão
Muito fartos, muito doentes,
Exaustos, rentes ao chão,
E um “não aguento!” entre dentes.
Então é que saltam fora
Da carruagem que os demora.
Ignora
Ignora as opiniões,
Convicções e conclusões
Que de ti próprio tu tens:
É o que impede teus aléns.
Tens em ti potencial
Que ninguém tem por igual.
Abre à possibilidade
O fardo que te persuade
A pensar limitador
Do que em ti teu melhor for.
Acorda de manhã cedo
Completo, novo e sem medo,
Do zero a gerar o incrível
Que em tua vida é possível.
Quero
Sei lá bem o que é que quero!
O que não quero é que sei.
Se o não quero, não farei
E em nem pensá-lo me esmero.
Trato então de evoluir.
Desta minha má viagem
Terei mas é de sair
Ou só dela tenho a imagem.
Quando sair, ficarei
Receptivo a um mundo novo
Que o presente tem por lei
Ir chocando desde o ovo.
Dia
Dia de ver-me feliz,
Momento em que o tempo voa,
Iluminada a raiz,
A inspirar minha canoa...
- Muito embora passageiro,
É a porta de que disponho
A mostrar, no véu ligeiro,
Qual é deveras meu sonho.
Ouve-te
Ouve-te a ti próprio no imo,
Entra em ti, fica ali quieto.
Vai para o bosque, no cimo,
Vai ver o mar, céu por tecto...
- Procura ir ao lugar
De ouvir-te a ti a chegar.
Algo em ti te irá dizer
Que o sonho dentro de ti
Sempre esteve a te ocorrer,
Mas ignoraste-o ali:
Para ir olhar o mundo
Enterraste-o muito fundo.
Teu fundo abre ao Universo,
Que ele a ti vem, no reverso.
Resolvo-o
De que é que o mundo precisa,
Que é que quer neste momento?
O problema que ele visa
Resolvo-o com meu intento?
Descobrir onde responde
Ao que eu adoro, eis a chave
Para a vitória sempre onde
Nada quero que me entrave.
É o cume a atingir ideal,
A atrair-me ali, cimeiro,
No roteiro emocional,
A envolver-me a mim inteiro.
Demore
Demore o que demorar,
A tempo de ter certeza
Do que quiser com clareza,
Depois vá-o realizar!
Se não souber o que quer,
Vai deixar que a vida dite
A condição e o palpite
Do que for de se fazer.
Quem vence nunca de fora
Admite o que é seu agora.
Conduz-te
Se estiveres concentrado
Em teu objectivo, a mente
Conduz-te para tal lado,
Alcançando-o gradualmente.
Quanto mais tempo estiver
O teu ideal em frente,
Mais vai ele acontecer,
Que atinge quanto fermente.
E há-de ser algo alcançar
Como outro em ti te tornar.
Jeira
Pode o sonho ser pequeno,
Que não tem nada de mal.
Ara a jeira do terreno
Onde só pia um pardal.
Mas importa o sonho grande
Que torna empolgante a vida,
Senão não há quem comande
A realidade erigida.
Porque há-de doutrem ser feita
A realidade empolgante?
Tenho é de ver se se ajeita
Ao meu pé sempre hesitante.
Que é que estou disposto a dar
Para receber em troca?
Se pouco der, vou tirar
Pouco para a minha boca.
Abre
O sonho, quando é pequeno,
Bloco dum quebra-cabeças,
Abre ao maior, num aceno,
A encaixar-se-lhe entre as peças.
Quando um se realiza,
Logo outros arrasta atrás
E, quão maior fito visa,
Maior cortejo ele traz.
Todos vão interligados,
Colar de sonhos doirados.
Descontrai-te
É sentar-te num parque, num jardim,
Será descontrair-te, os pés no ar,
Beber calmo o café, sem frenesim,
Ou observar o mundo a respirar...
Por insignificante que pareça,
Farás o teu caminho já sem pressa.
E logo encontrarás o condutor
Fio de sonho e vida bem melhor.
Trabalho
Tal qual amigos, família,
O trabalho enreda a vida,
Do dia-a-dia mobília
Que a me enquadrar me convida.
Tem, pois, de ser agradável,
Algo com que me entusiasmo,
De que gosto, onde sou fiável,
Acaso, às vezes, com pasmo.
É dinheiro, segurança,
Mas é mais satisfação,
Que, quando o sonho ele alcança,
O que mais vale é a paixão.
Empolgado
Terei de me divertir
Com aquilo que farei,
Empolgado me sentir,
De Natal mágico rei.
Que, se eu sentir aversão,
A querer que tudo acabe,
Algo vai mudar então,
Mesmo se inda ninguém sabe.
Quem se diverte ao labor
Dele aproveita o melhor.
Aqui há mesmo futuro:
Nele entro e lá me inauguro.
Labor
A ti próprio sê fiel.
Se o labor felicidade
Te trouxer, então tu nele
És feliz quanto te agrade.
Fazer por ter de fazer
E jamais porque se adora
É vida falsa manter,
A ti mesmo impor demora.
Rumo bem-intencionado
Em vida que não acerta,
É escolher infeliz fado
Ao trancar a porta aberta.
Preciso
É preciso ter coragem
De fazer o que se adora,
Contra embora a maioria.
É uma tentação a imagem
De vir toda a gente agora
Querer o que eu quereria.
Sê verdadeiro contigo:
Ninguém tem obrigação
De agradar a mais ninguém.
Cada um tem por pascigo
O que agrada em próprio chão:
É feliz por si além.
Segue, pois, teu coração,
É tua vida especial,
Com uma capacidade,
Um talento sem irmão.
De usá-los tens: é o fanal
Que guia à tua verdade.
Alcançar
A mente do homem pode
Alcançar tudo o que fita
E, se dela o não sacode,
Tudo aquilo em que acredita.
Alinha a mente o Universo
Com seu fito, verso a verso.
E o homem vai percorrendo
Trilhos que até nem vai vendo.
Dúvida
Da dúvida no momento,
Avança o passo seguinte:
É mais fácil crer no intento
Dando a passada que a finte.
Um passo de cada vez
Não atordoa ninguém
Com a viagem que vês
À frente Infinito além.
Passo a passo sempre foi
Feita a viagem do herói.
Manhã
De manhã tua atitude
Positiva ou negativa
É que te trará virtude
Ou inferno em chaga viva.
Ou bloqueias tua sorte
Sendo infeliz e doente
Ou morte darás à morte
A rir optimista em frente.
Tudo pode começar
De como a vida encarar.
Tens em ti tua ruína
Ou ferramenta potente:
Que trarás à tua sina,
A festa ou fogo inclemente?
Pegadas
Tinha o sonho e a solidão,
Que nos passos de meu trilho
Pegadas doutrem no chão
Ninguém lhes vislumbra o brilho.
Mas tu trouxeste o teu sol
Mais os risos da alegria,
Mais teu jeito de arrebol
Fazer nascer cada dia.
Cruzámos nossos carreiros
E, desse dia em diante,
Mesmo os cumes mais cimeiros
Cantam festa lá adiante.
Tu és sol, eu sou luar:
Aqueces, enquanto eu ponho
Um pó mágico a voar
Do escaninho de meu sonho.
São caminhos paralelos,
Solidões em companhia,
Mas o amor é destes elos
Que sempre se fantasia.
Entrecruzam
Em todas as conjunturas
Positivo e negativo
Se entrecruzam nas costuras.
Na tua escolha, que apuras
Para mais e mais ser vivo?
Assenta no positivo,
Transforma as tristes figuras
De antanho que tens no arquivo,
Muda a roupa das tristuras
Que em teu corpo configuras,
Jamais à folia esquivo.
Dum feliz dia o feitiço
É tão simples como isso.
Fazenda
Há gente bem-educada
Que não é bem sucedida.
É de fazenda abastada,
Classe social elevada?
- Na atitude nega a vida.
Negatividade encaixo?
- Logo ela me deita abaixo.
Culpam
Todos culpam, se ressentem,
Lamuriam e se queixam.
Mas tais atitudes mentem,
À berma da estrada deixam.
As emoções negativas
São desesperos em cacho
E em lugar das horas vivas
Só nos puxam para baixo.
Quando só delas disponho,
Então perdi-me do sonho.
Aposta
Positivo aposta em tons
Que te alegram teu viver.
Nunca seremos tão bons
Como poderia ser.
Carregar no negativo
Só mata o que é positivo.
Portanto, vamos em frente
A cantar com toda a gente.
Arrisca
Arrisca, é muito importante,
Embora a desconhecer
O efeito, se estás confiante
De que efeito bom vai ter.
Quem o risco não correr
Não descobre quanto é forte
Nem jamais irá crescer,
A murchar na praça-forte.
Coração
Coração agradecido,
Que a gratidão é uma chave
Do sonho a ser atingido
E voa como uma ave
Pelo Infindo pressentido.
Gratidão pelo que tem,
Pelo que há-de vir a ter,
É um primeiro passo além
Para positivo ser.
Sentir que tudo vai bem
Com o mundo e seu reverso
Vai-nos permitir reter
Toda a bênção do Universo.
Manhã
De manhã, ao acordar,
Agradece por saudável
Ser e por poder andar,
Por poder ver, confiável,
E por poder respirar...
Todo o muro que haja em frente
Tomba-te aos pés, de repente.
Encontraste a solução:
- Caminha, caminha então!
Mantém
Se mantém a gratidão
Toda ao longo do percurso,
Mais fácil é tudo, então,
E o difícil tem recurso.
Sem gratidão, o Universo
Perde que anda a conspirar
Para lhe proporcionar
Quem é o perito mais terso
Para o sonho em realidade
Mudar na totalidade.
Viagem atribulada
Vai ter sem a sensação
Venturosa que na estrada
Tem quem vem com coração.
Ânimo
Quando tenho um dia mau,
Então penso, ao fim do dia,
Em tudo por que estou grato:
Na saúde que auferia,
Nos amigos que eu acato,
Na família em cuja nau
Cruzo furacões a vau...
De repente fico à solta
E o meu ânimo então volta.
Escuta
Se tens uma sensação
Relativamente a alguém
Ou a uma situação,
Escuta com atenção,
É o que então mais te convém.
É que o nosso inconsciente
Sabe mais que a nossa mente
E vai conjugar-se, amigo,
Em tudo sempre contigo.
Cordão
A intuição é umbilical
Cordão com o Universo:
Dali dá-me ele sinal
Do meu caminho mais terso.
Por mais provas em contrário
Que houver, sabe ele o caminho.
Tudo o mais é rumo vário
Perdido algures do ninho.