PRIMEIRO  TROVÁRIO

 

 

 

              OS  CAMBIANTES  DA  VOZ  TODO  O  SER  ME  REGULA

 

 

 

 

 

Escolha ao acaso um número entre 1 e 134, inclusive.

Leia o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

                                    1 - Os cambiantes da voz

 

                                    Os cambiantes da voz todo o ser me regula,

                                    No amor identificando-me a matriz

                                    Donde o arvoredo da utopia pula,

                                    A regra respeitando do que a nunca anula,

                                    Para ao ser retornar, à raiz.

 

                                    Aqui vivificado, o amor

                                    De novo trepa ao sonho, à Infinidade,

                                    Da norma trilhando a via e o suor,

                                    Até que a ser amor de novo nos persuade.

 

                                    E a utopia à lei se funde

                                    E o amor mais ser devém

                                    E o dever com o sonho se confunde.

 

                                    Ser e amor, lei, utopia se unem além

                                    Na festa onde Tudo é o Infindo que nos foge e vem.

 

 

                                    2 - Os cambiantes da voz todo o ser me regula

                                   

                                    Os cambiantes da voz todo o ser me regula

                                    No verso regular de métrica acertada,

                                    Em poemas de rimas onde se rotula

                                    Cada pendor da vida que mais estimula

                                    A ver o que o ser for ao perpassar na estrada.

 

                                    Toco o ser com a ponta da palavra atenta,

                                    Desvendo-lhe a faceta mais inesperada,

                                    Tomando-lhe o sabor com que se condimenta,

                                    Ao ritmo duma incerta mas fiel passada.

 

                                    E aquilo que é de súbito se nos revela

                                    Em pendores estranhos a uma luz diversa

                                    Por trás de que entrevemos, por acaso, a estrela

 

                                    Que o viandante guia pela noite adversa,

                                    Cuja passada trôpega então torna tersa.

 


 


3 - Sai

 

Quando o filho sai de casa,

Ficam com mais tempo os pais,

Mais força que lhes apraza,

Laços criam com os mais

 

 

 

Familiares, amigos,

Atam novas relações…

O contacto oferta abrigos

De felizes comunhões,

 

Podem jogar para fora

Mil e uma irritações,

Vai o antigo stresse embora…

Tudo são ocasiões

 

De ser importante e ledo

Para os mais a que aproveite

Como, mais tarde ou mais cedo,

Para se sentir aceite.

 

 

4 - Murmura

 

Um ladrão, ante a caverna,

Murmura, convicto e rijo:

- Mas que belo esconderijo!

O artista, numa superna

 

Faísca de arroubos reais:

- Bom para pintar murais!

 

O avarento, a catar oiros:

- Cave de esconder tesoiros…

 

E só o sábio diz a eterna:

- Que bela, bela caverna!

 

 

5 - Silêncio

 

Importa mesmo anunciar

Que o silêncio uma ninhada

De feiuras vai criar:

A dúvida acumulada,

 

Qualquer desentendimento,

Auto-estima destruída,

Depois o ressentimento…

- E anoitece em toda a vida.

 

 

6 - Empírico

 

Se examino a natureza

Só com empírico olhar,

Descubro que na represa

Do corpo vem colocar

 

O imo do Homem tal num grande

Palácio onde raro ocupa,

Dos quartos por onde ele ande,

Os mais bonitos que agrupa.

 

 

7 - Sobrepõe

 

Se sobrepõe-se o interesse

A todo o tipo de afectos,

Honra e justiça se esquece,

Humanidade e projectos,

Para obter, a mal ou bem,

O que a quenquer lhe convém.

 

Na vida de engano, torto

Se finda o mundo assim morto.

 

 

8 - Caída

 

Quando a mulher desolada

Se encontra e sem conselheiro,

É uma bolsa de dinheiro,

Jóia caída na estrada,

Mesmo à mercê do primeiro

Que ali passe de jornada.

 

Se calha encontrá-la um homem

Virtuoso e de elevados

Princípios, estes achados

Manda apregoar que os tomem:

Talvez os bens encontrados

Busque alguém e ambos se somem.

 

Quantas vezes, ao contrário,

Sem escrúpulos alguém

É o adulador que advém

No caminho temerário.

Sempre este julga que tem

Direito à presa, sumário!

 

 

9 - Angústia

 

Os espíritos maiores,

Pela angústia avassalados,

Aos desânimos piores

Acabarão inclinados.

 

Serão os mais susceptíveis

De acaso desesperar

E das desgraças visíveis

Vencidos irão tombar.

 

E uma queda das alturas

É a pior que configuras.

 

 

10 - Chutada

 

Que é que eu tenho a ver com isto,

Com a vida que me atola?

Não fui tido em conta, existo,

Ao calhar chutada bola.

 

Por vezes duma pessoa

Se apodera a vida acaso,

Arrasta-a, jogando à toa,

Tece-a a história a que der azo.

 

E, contudo, não é real,

É a fantasia que a cria.

Mas deixa-nos, no final,

Espezinhados na via.

 

 

11 - Diferença

 

Não é estrato social

A diferença entre as gentes,

Mas o que foi cada qual,

São os corações e mentes.

 

De escalões médios ideias

Recolhemos dominantes;

Do povo comum, a meias,

A vida e calor constantes,

 

Sinto-lhe os ódios e amores.

Do que eu fizer de tais veios

É que talho meus pendores:

Cumes, vales e entremeios.

 

 

12 - Investigador

 

O investigador não basta

Aos factos se confinar,

Urge discernir a casta

Do que se repercutir,

Do que se ramificar

Dos dados com que bulir.

 

Mais se as ondas se estenderem

Pelos séculos além,

Se nos mitos se esconderem,

Em lendas com que encantar.

Distorce-os isto, porém,

Como eco a reverberar.

Não localizando a voz,

Qualquer eco, todavia,

Distorcido embora após,

Apontar-nos pode ainda

O rumo donde viria

Na direcção com que finda.

 

Qualquer facto é uma pedrinha

Lançada ao lago da história.

Mui rápida se adivinha

Que se afoga sem mais rasto:

Mas a ondulação memória,

Se na perspectiva a engasto,

 

Nos deixa que nos permite

O ponto localizar

Onde caiu que a desquite.

Guiados pela ondulação,

Ou mergulhar ou dragar

Poderemos sempre então.

 

O anel de ondas viabiliza

Descobrir o que podia

Doutro modo, a outra brisa,

De vez irrecuperável

Parecer à luz do dia

Ao mais persistente e fiável.

 

 

13 - Tratamos

 

A forma como entendemos,

Tratamos a informação

Depende de como a vemos,

Se nos diz sim ou diz não,

Positiva ou negativa:

Se ouves falar num pequeno

Rol de indivíduos que viva

Num terrível mal terreno,

 

Não ignores que maior

Será o número daqueles

Que, como tu, dão sabor

Ao bem-estar que interpeles.

 

Quase todas as terríveis

Histórias da informação

De algo de cruel visíveis

As escaras no-las dão,

 

Mas que apenas acontecem

A um pequeníssimo grupo.

Os demais, se desfalecem,

É da festa em que me ocupo.

 

 

14 - Falsa

 

A religião que é certa

É sempre a falsa questão

Que o coração nos aperta

Em vez da libertação.

 

O trigo, após a colheita,

Terá de ir para a moagem.

Poderá ser pela estreita

Via nortenha a viagem

 

Cujo piso está melhor,

Embora seja a mais longa.

Ou antes o sul propor

Que, mais curto, se prolonga

 

Por mil curvas e buracos.

Ou, se calhar, pelo leste,

Que custa mais uns patacos

Por trepar montanha agreste.

 

Ou, então, pelo ocidente,

Com perigo de atolar-nos,

Mas chega lá de repente,

Excepto quando afogar-nos.

 

Contudo, quando cheguemos

À moagem, quem atende

Não lhe importa donde viemos,

Pergunta a quem se lhe rende:

 

"Pois então, ó meu amigo,

É mesmo bom o teu trigo?"

 

 

15 - Caminho

 

O caminho da cidade

Com o do lar se confunde,

Tricotado idade a idade

Pelas gerações que funde.

 

Os artistas se esgueirando

Pelos bastidores, rumo

À noite escura, contando

Do palco o breve resumo,

 

Vão aos mais novos que virem

Pedir para os substituírem.

 

São séculos iludidos

Pedindo às urbes sentidos.

 

 

16 - Corpo

 

O meu corpo é um automóvel,

Pego nele para dar

A volta à volta do imóvel,

Para em forma o conservar.

 

Um coração rijo faz

Que os actos do dia-a-dia

Mais fácil e mais capaz

Logo os executaria.

 

A vida é boa, a saúde

Ainda a leva a ser melhor.

Das virtudes a virtude

É a de que eu não desafore.

 

 

17 - Cadeira

 

Na mesma cadeira nos sentemos dias

E dias a fio: logo ali veremos

Como nos sentimos proprietários, guias,

Como senhorios com o mais que temos.

 

Às vezes foi só no dia

Em que obrigam a mudarmos

Nossa vida onde se via

De tudo conta nos darmos.

 

Mudo de casa e relações humanas,

Mudo de emprego, muda a geografia:

Reparo então que enchi de mil praganas

Toda a gaveta do que em mim havia,

 

Tanto as de armários quanto as de alma,

Futilidades acabadas!

Mofo e bolor olho com calma:

- Como vi nisto asas de fadas?

Quando é preciso abandonar

Um território que fiz meu

É que em cigarra, se calhar,

Mais que em formiga, o camafeu

De minha vida cultivar

Vejo eu então que deveria:

Mais festa a vida ali vivia.

 

 

18 - Choro

 

Para o choro de mãos dadas

Entre as almas enlutadas

 

Importa encontrar com quem.

Os rituais que se tem

 

Religiosos ou não,

Mais quantos em frente vão

 

Para o que der e vier,

Ajudam-nos a fazer

 

A imprescindível viagem

Desde o estupor da paragem,

 

Da revolta inicial,

Até que ao fim cada qual

 

Reorganiza, fio a fio,

Nova teia do cotio.

 

Que tempo demora a rota,

Cada qual tem sua nota!

 

Sempre imperioso há-de ser

Respeitarmo-lo em quenquer.

 

 

19 - Dedo

 

Qualquer dedo acusador

De quem nos procura aponta,

Não o incompetente-mor,

Mas a falta que mais conta,

 

A indisponibilidade,

Quer de tempo, quer mental.

E, se a produtividade

Quer tempo, espaço e real

 

Estabilidade em ganhos,

Tem de privilegiar,

E com não menos tamanhos,

Como se relacionar

 

Com o público, clientes,

Todos e quaisquer utentes.

 

Saber e psicologia

É que colmatam a via.

 

 

20 - Instalou

 

O que é mais preocupante

É que subrepticiamente

Se instalou, como garante,

Que terei de ter em mente

 

As coisas, para aplacar

Angústias, necessidades

Básicas que eu enfrentar…

São dogmáticas verdades.

 

Isto é esforço de carteira

Mas de espírito, não, nunca.

Este pecado é a certeira

Machada que o chão me trunca.

 

À medida que os objectos

Perdem toda a novidade

E o primo prazer dejectos

Deixa da festividade,

 

Damos connosco obrigados

Por outros a substituí-los,

Sempre, sempre encadeados,

Cadeia donde, intranquilos,

 

Não escaparemos mais.

Sem preencher o vazio,

Dos alívios parciais

Nunca a sede mata o rio.

 

Um oco núcleo nos rói

Toda a vida aonde mói.

 

 

21 - Empurramos

 

Empurramos minorias

(Como seropositivos,

Idosos…) e maiorias

(Povos do sul tenebrosos…)

 

Para estatutos que são

Sociais mortes verdadeiras,

Que a todos reduzirão

A cavar da tumba as leiras,

 

Cadáveres ambulantes

Pela sombra envergonhados.

Pairarão longos instantes

Num limbo de tristes fados

 

Até que os corpos se fundam,

Com um alívio secreto,

Às almas que tanto abundam

Num mundo sem lar nem tecto,

 

Sangradas por solidões

Geradas por mãos alheias

Que negaram corações

Mantendo as carteiras cheias.

 

Mesmo ajuda monetária

É passaporte discreto

Para uma discricionária

Consciência não pôr veto,

 

Calma ficar sem rebate

Num egoísmo que se acate.

 

 

22 - Sonhámos

 

Sonhámos a Liberdade,

Até que um dia chegou,

Foi a festa na cidade,

Tudo cantou e dançou.

Ninguém, porém, se lembrou

Da responsabilidade

E ninguém nos ensinou

A guardá-la bem guardada,

À liberdade alcançada.

 

Soltam-se os recalcamentos:

Ignorámos o passado

E trancámos o futuro.

Liberdade de momentos,

Foi-se embora em todo o lado,

Já ninguém vive seguro.

 

Foi-se embora a liberdade,

Fica a liberdadezinha:

Vive o crime a impunidade,

Caluniam na cozinha,

Difamam na praça pública,

Prendem sem acusação

Em cada cela a República,

Sem provas acusarão

E a mentira ampliarão

Ao jornalista, ao leitor,

Ao juiz, seja a quem for…

 

- Seremos livre um país,

Não livre o povo que eu quis.

 

 

23 - Lado

 

O nosso lado criança

É aquele fundo de nós

Que viver permite. E alcança

Em intimidade, a sós,

 

Um genuíno entusiasmo,

Encantamento inocente

Pelo que a vida, com pasmo,

Nos proporciona em torrente.

 

É o que ajuda a não levar

A dificuldade a sério.

Aí vamos encontrar

Da criatividade o império,

 

Os nossos veros recursos.

Ninguém é mais limitado

De ser forte por discursos,

De vencer, sempre em cuidado,

 

De expectativas alheias

Ter de à força ir colmatando,

Prender-se nas mil correias

Dos papéis que à mão vão dando…

 

É ali que nos entregamos

Por inteiro ao que sentimos.

A criança estende os ramos,

Mergulha em quanto intuímos.

 

 

24 - Espírito

 

O sofrimento não pende

Só de eventos exteriores

Mas sempre em parte contende

Do espírito com humores.

 

A mesma doença pode

Ser vivida por tragédia

Por alguém a quem sacode

E ser bênção intermédia

 

Para outrem que, entretanto,

Vê nela uma mensageira.

E o mesmo dum outro manto

Irá recobri-la inteira

 

Se em momento diferente

Da vida a tiver presente.

 

É de espírito um estado

Que diz se sofro ou me evado.

 

 

25 - Completamente

 

Nem completamente mau,

Nem somente positivo,

Nem bom o convés da nau,

Nem tudo só negativo:

Amor e ódio são chegados:

Quando um deles forte versa

Por demais num só dos lados,

Muda no outro e vice-versa.

 

O extremo produz o inverso

Que, se extrema, dá o reverso.

 

E não há como fugir

À lei que tal infligir.

 

 

26 - Grão

 

Grão de areia é um microcosmo

Em relação a uma estrela

Que há-de ser um macrocosmo

Comparada à areia bela.

 

Mas então, por sua vez,

Um microcosmo será

Se o sistema solar vês

No tamanho que terá.

 

Este macro micro fica

Se à Galáxia o comparares.

Nesta o mesmo se pratica

Do total Cosmo se olhares.

 

Tudo é, pois, mui relativo.

O que importa na medida

É que a lei com que aqui vivo

Em tudo vive esculpida.

 

 

27 - Males

 

Muitos são os males grandes

De que as doenças injustas,

Inexplicáveis, com que andes

Nos afastam, quer nas custas,

 

Quer na prevenção, no alerta

De que algo importante a sério

Tem de alterar-se, em desperta

Vida de que tenho o império.

 

Ao de tal ser prevenido

Viro no rumo devido.

 

Se o mal me não prevenira

Como o abismo é que então vira?

 

 

28 - Surpresas

 

A doença é sempre um teste

Para quem nos rodear

E as surpresas que reveste

Acabam por revelar

O que é cada qual deveras

Além do papel que esperas,

 

Além do choro e da reza,

O que é que, de facto, preza.

 

 

29 - Somada

 

De estar doente a aflição

Somada à própria doença

Constitui a provação

Que, se amarga nos traz tença,

 

Revolta, também capaz

É de nos interiormente

Transmudar muito eficaz.

E aquilo que por ingente

 

Tomámos deixa de o ser,

Enquanto valorizamos

O que outrora nem sequer

Algo era em que reparámos.

 

Ao mergulharmos no fundo

De nós próprios cá por dentro,

Vamos entender que o mundo

De nosso imo onde me adentro

 

É ser transporte, na essência,

De algo que é superior.

E acatar esta evidência

É quanto basta propor

 

Para não me preocupar

Com qualquer situação

Que se vá desenrolar,

Seja qual for a questão.

 

 

30 - Rebentar

 

A doença é uma chamada

À nossa realidade

E à do mundo, uma morada

Em que vivo nesta idade.

 

Ao nos rebentar à frente

Recorda-nos que esta vida

Tem um fim e que é cogente.

Aproveitá-la convida,

 

Volta não volta, a alterar

Alguma coisa na forma

Como a andamos a levar.

Apanha-nos mesmo, em norma,

 

Em dia pouco oportuno,

A meio duma viagem

Onde ao sol e ao vento enfuno

Após anos de triagem,

 

Ou dum período a meio

De trabalho inadiável,

A todo o momento cheio,

Que ora se adia, inviável…

 

Irrompe na nossa vida,

Inoportuna visita

Que não vemos quem convida,

Mas que instalada nos fita

 

E, sem querer consultar-nos,

Dali passa a comandar-nos.

 

 

31 - Uno

 

Tudo é diferenciação

Dum Uno na Infinidade.

De Deus uns lhe chamarão,

Força Cósmica que invade

 

É o nome que outros lhe dão,

Energia Universal,

Poder Criador, senão

O Cosmos como total,

 

Ou até nem lhe irão dar

Qualquer nome, pouco importa.

E, num segundo lugar,

Tudo é sempre aberta porta

 

À constante mutação.

Depois, os antagonismos

Complementares serão.

Tudo, mesmo os cataclismos,

 

Tem um pólo positivo

E um negativo também:

Ante o branco, o preto arquivo,

Frente ao calor, frio vem,

 

Ao bom contrapõe-se o mau…

Encarar a realidade

É sempre transpor o vau

Para a oposta que a degrade.

 

Não há nada igual em si,

Tudo tem a frente e o dorso,

Quanto maior frente vi,

De dorso maior o escorço,

 

Tudo o que um princípio tem

Um fim terá fatalmente…

Tudo o que existe contém

Dois pólos num igual ente,

 

Nada existe sem o oposto.

Do contínuo movimento

Dos dois lados deste rosto,

Da energia vela o vento,

 

Ambos de igual importância,

É que ininterruptamente

Pode ir fluindo a elegância

Do Cosmos florindo em frente.

 

 

32 - Fechada

 

Nós morremos e depois

Somos a fotografia

Fechada numa moldura.

Deste lado os arrebóis

Nunca mostram a alegria

Do dia que Além perdura.

 

 

33 - Onda

 

Qual onda que chega à praia,

Choro no carro, na cama,

No trabalho ou onde à raia

Chega da memória a trama,

Da memória em que a dor fale

Que fundamente me abale.

 

A maré transporta os ecos,

Ensopa a praia varrida

Que absorve as águas e secos

Findam os leitos, volvida

Qualquer onda de memórias

Da nossa praia de histórias.

Ao chorarmos, libertamos

A parcela negativa

Da memória que tenhamos,

Homenageamo-la viva.

E a parte triste é mondada,

Ao mar interior tirada!

 

 

34 - Abandonam

 

Dos que morreram as almas

Andam sempre a nos dizer

Que os problemas como as palmas

Abandonam de quenquer.

 

A dor física findou,

Preocupações mundanas

Se esvaíram com o voo,

Não se ralam com que ganas

 

Alguém fica com a casa,

Nem se importam por não termos

Lá estado na morte rasa,

Quando faleceram ermos.

 

Nada disto importa agora

Que deveras estão bem.

E assim tal qual, sem demora,

Me devo sentir também.

 

 

35 - Ritmo

 

Marcham ao ritmo da descrença,

Dizem que querem científicas

Provas das quais uma os convença.

Mas é difícil as magníficas

 

Provas alguém ver quando tem

As vendas postas e voltadas

Costas e mentes, com desdém,

A tudo menos a antiquadas

 

Crendices ocas, preconceitos,

Em que ele sempre acreditou.

Terei de rir-me de tais preitos:

Que posição mais se fundou

 

De fé na falta ou na adesão,

Quem se baseia mais em provas?

Eles não vão, eles não vão

A lado algum: como os inovas?

 

 

36 - Lagarta

 

Como a lagarta, caminhando

Para o casulo que a transmuda,

A velha pele vai largando

E em borboleta então se muda,

 

Assim nós somos, vida fora,

Metamorfose no casulo,

Até que um dia, à final hora,

A borboleta deu o pulo,

 

Quando este corpo em pele morre

E do outro lado libertada

A flébil alma voa e corre

De luz enchendo a madrugada.

 

 

37 - Resíduo

 

Há um resíduo emocional

Que fica das obras de arte.

Um romance especial

Que personagens acarte

Vivas em minha memória,

Meses, anos fará história.

 

Aquilo que as personagens

Operam vive em nosso imo

Contando em novas imagens

Quem somos, do fundo ao cimo.

Poemas guardamos em mente

Para o porvir ser presente,

 

Ofusca-me uma pintura,

Uma música dotada…

É um projector que me apura

Da vida a leiva ignorada,

Recanto mal entrevisto,

Nunca olhado enquanto existo.

 

E, quando o museu se encerra,

A capa do livro fecha,

Cala a música na terra,

Do projector fica a flecha

De luz, permitindo olhar

Tudo dum outro lugar.

 

 

38 - Perdido

 

Quando tudo se podia

Ter perdido num segundo,

É que damos a valia

A quanto temos no mundo.

 

Prestamos mais atenção

Aos nadas do dia-a-dia,

Pela vida gratidão

Maior temos que a que havia,

 

Por quem para nós for bom…

É que estar morto devia

Mas não estou: canto em tom

Que em tudo canta a magia.

 

 

39 - Leitura

 

A leitura engrandece o pensamento,

As articulações mentais alarga,

Os músculos esforça em cada evento

Dos neurónios que aguentam toda a carga.

 

As nossas opiniões deita por terra

Intolerantes, frágeis, limitadas,

Com factos convincentes, sem mais guerra,

Pelas novas ideias anotadas.

Estimula a leitura o crescimento

E retarda à velhice o vil momento.

 

É um elixir, portanto, que dá vida

E lhe conserva após toda a medida.

 

 

40 - Temer

 

Por que é que os homens se agarram

Tanto ao passado já morto?

É do medo com que esbarram

De pensar seu próprio horto,

Por temer ser rejeitados

E sofrer, de vez chagados.

 

Então é doutrem versão

Que tomarão como sua,

Acolhem alheio chão,

Não escolhem própria rua.

O mapa alheio decoram,

Mais e mais o seu ignoram.

 

 

41 - Exigente

 

Exigente arte é viver,

Com os mais relacionar-se

Por igual arte há-de ser,

Mas nenhuma comparar-se

Pode à de se conseguir

Fruir seu imo a seguir

 

Que é jamais se perder pé

Em ser deveras quem se é.

 

 

42 - Impotência

 

A impotência é descobrir

Que o ego, afinal, não pode.

E a doença que surgir

É o sintoma que o sacode,

A ver se ele aprende a ler

E não se engana ao nos ver.

 

 

43 - Nasce

 

Um homem nasce e a emoção ganha.

Como não sabe resolvê-la,

Esta emoção que ali o apanha

Transformar-se-á na negra estrela

Duma emoção mal resolvida,

A densidade duma vida.

 

A densidade ali se prende

Ao encadear das gerações.

Dentro do espírito se aprende

Esta armadilha a que se rende

A limpidez dos corações.

 

Retorna sempre, sempre igual

Esta emotiva densidade.

Se nós quebrarmos a fatal

Repetição idade a idade,

Finda a vivência em tal matéria,

Paga de vez a coima e a féria.

 

Sobrepor vidas e mais vidas

São emoções presas cá dentro

De pais a filhos repetidas,

São mil pegadas renascidas,

Sempre a brotar do peito ao centro.

 

Como fugir? De vez quebrar

Repetições: o imo limpar!

 

 

44 - Religação

 

Da interioridade a fuga,

Da religação com o eu,

Com o Cosmos que madruga,

Universo, a olhar o céu,

 

É a maior fuga que lembra

A história da humanidade,

Que de sempre nos desmembra,

Que sempre nos persuade.

 

A religação pedida

Irá ser vezes sem conta

Vida fora e vida a vida,

Mas o ego sempre a remonta,

 

Pelo sistema de crenças

Tenta desviar a atenção

Por nulidades imensas,

Materiais, sem coração.

 

Até mesmo um sol intenso

Pode às vezes ser tapado

Pela peneira que penso

Que não sou por nenhum lado.

 

 

45 - Nó

 

Teu ego é um nó de sentidos

Que te leva a acreditar

Nas ilusões que, a lograr,

Apesar dos desmentidos,

Juram feliz te fazer,

Em todo o tempo e qualquer.

 

Quando és criança teu ego

Vai requerer a magia

Que dos adultos é o pego:

"Meu bebé de fantasia

Como é tão inteligente,

Ao rir, que pérola o dente!"

 

Acreditámos então

Ser mesmo o melhor do mundo.

Artimanha do ego à mão

Para impedir de ir ao fundo

Contactar a nostalgia,

Sem fim o abismo que havia

 

Duma dor que nós cá temos,

Que é de alma ausência, vazio

Do eu sublime que ignoremos.

Dele nos rói tal desvio,

Que unir-me impõe de verdade

Por dentro à sublimidade.

 

 

46 - Cremos

 

Tudo em que cremos é fruto

De nossa teia de crenças,

Nada tem da fé conduto,

Que a fé cobra outras avenças.

 

Com três anos, no que cremos

Foi que éramos uns heróis,

Da fé cá nem sombra vemos,

Tudo é luz de falsos sóis.

 

Alguns jovens acreditam

Que são adultos e sabem

Mais que os outros no que fitam.

De fé visos onde cabem?

 

Acreditam os adultos

No melhor que há para a vida

E acabam ao fim sepultos

Num desengano à medida.

 

Envolvida não há fé:

No que a pessoa acredita

É num ego a pôr-lhe ao pé

O que a sobreviver dita.

 

Perde ao fim toda a jogada

Que vida fora fizer.

A morte é a vida frustrada

Destas crenças de quenquer.

 

 

47 - Cai

 

Onde o ego cai, se desmonta,

É numa desilusão:

A certeza perde tonta

Que antes o erguera do chão.

 

Desmonta-se a intolerância,

Manifestações arcaicas,

Envelhecidas na infância

De pretensões farisaicas.

 

Na desilusão um homem

Fica em vazio, é um zero.

Ou às alturas que o tomem

Se conecta, um pólo mero,

 

Ou resiste e se revolta:

A escolha é dele de vez.

A desilusão à solta

Como nos vem do entremez?

 

É sempre através da perda:

Do trabalho, de estatuto,

De dinheiro que não se herda,

Por alguém querido um luto…

 

É perda, enfim, da ilusão.

Se o homem logra aceitar

Que a perda atraiu ao chão

Para o ego desmontar,

 

Para se desiludir,

Para, enfim, se conectar

Com seu íntimo e subir,

Que bom foi jornadear!

 

 

48 - Revolucionários

 

Um ego nunca permite

Revolucionários termos

Que o imo superno incite,

Deste no sábio palpite

Para devirmos e sermos.

 

Este tem uma estratégia:

Falar forte ao coração.

Como à mente um ego rege-a

Mas não a uma afeição régia,

Não controla o furacão

 

De emoções que alguém sentir.

Vividas intensamente,

Um canal irão abrir

Por onde a luz a fremir

Há-de entrar convictamente.

 

O que é vivido ao limite

Virar-se-á dele ao contrário.

Aquele que tal concite

Vivencia e fica quite

Da vida com todo o erário.

 

Então vai evoluindo

Por todo o matiz da terra.

Contra-ataca o ego, vindo

A emoção que houver fluindo

Trancar no peito que cerra.

 

Envia à mente mensagem

Com teorias pretensiosas:

"De choramingas que imagem!

Forte sê como os que reagem!"

E mais idênticas glosas.

 

E os vasos comunicantes

Comunicando se vão.

Ganha a luz contra as constantes

Guerras do medo grassantes,

Ou o ego, lógica à mão,

 

Com tudo o que é previsível,

Confortável, controlado,

Mas doente irremissível

No que dele é inatingível?

Qual dos dois gere meu fado?

 

A doença é a derradeira

Arma da luz dentro em mim.

Quando se retira inteira

De alguém, nada mais se abeira

E o ser murcha, adoece ao fim.

 

O imo supremo, lá em cima,

Irá ficar expectante

De que eu veja que não rima

Comigo a doença e que acima

De tudo eu me mude adiante.

 

Deixemos de acreditar

No lema da luta, força,

Culpa e medo que me atar,

Comecemos a deixar

E energia em mim que torça

 

Por aquilo que precisa,

Para em troca o céu nos dar

Um diamante tal que alisa

O peito onde se divisa

Mais que o sol a luz brilhar.

 

 

49 - Caminho

 

Viver o caminho dói,

Passar por todas as bermas,

Fruir todos os afectos.

Se não entendo o que foi,

Porque trilho trilhas ermas,

Porque tombam os meus tectos,

Terei de aceitar tudo isto

Com o coração aberto,

Pejado de acolhimento.

Quão mais de aceitar existo

Menos violento desperto

Quanto me vier do evento.

 

Quando receber sinais

Para agir, então actuo

Tal qual se me está a pedir.

Porém, o homem não quer mais

Tal papel, prefere o amuo

A inactivo se sentir.

 

Quer para si o papel

De mais que um eu superior,

Quer poder controlar tudo,

Delinear a granel

O caminho a se propor,

Ser piloto e o mapa mudo,

 

Cérebro da operação,

Deveras quer é ser Deus,

Sobre tudo com poder.

Preocupado fica então

Na gesta com marcos seus,

Em demarcar o que houver,

 

A tal ponto que a função

Que é dele não realiza,

A vivência de passar

Apenas pelo seu chão,

Pelo caminho que visa

Enquanto peregrinar.

 

Não desiste, quer comando

Em tudo o que é operação,

Dos céus o que é mais secreto.

Nunca comunica quando

O alto detém o timão,

Jamais se entrega em concreto.

 

Bloqueia ali. Se atraído

Falso alarme de doença

Houvera para entregar-se

E se recusa o pedido,

Já de balanço a sentença

Foi feita sem mais disfarce:

 

Sem entrega, é candidato

A susto novo, ora a sério.

A maior entrega vai

Ser da morte o final acto.

Se ante este supremo império

Por fim o homem em si cai,

 

Vislumbra o céu e se entrega,

Mesmo que entregue jamais

Tenha nada em toda a vida,

É um privilégio que adrega,

Só por si, nestes sinais

Que lhe mostram a subida.

 

Entrega de hora final

Vai poder por fim limpar

Séculos de afastamento,

De desconexão real

Da terra ao que ao céu ligar,

Da razão ao sentimento.

 

 

50 - Poderás

 

Poderás sempre aprender

Antes que algo prejudique.

Mesmo após o mal fazer,

A aprender há quem se aplique.

E há quem, nunca a aprender dado,

Sempre ande prejudicado.

 

Há quem lance para a frente

Pedra a um elástico presa

Que atrás volta de repente,

Deixa a mão que a lançou lesa.

Se segunda vez a lança,

A pedra de novo a alcança.

 

Vai ficando magoada

Mas não entende que não

Pode lançar a pedrada

Porque só magoa então.

E continua a atirá-la

E ela sempre a magoá-la.

 

É castigo ela magoar-se?

Não, porque é o efeito de ela

A pedra atirar que esgarce

Quem a atirou, na sequela.

E se pára de a atirar?

Pára a pedra de voltar.

De magoar pára também,

Mas o corpo já magoado

Vai doer um tempo além,

De ter sido apedrejado.

Mas a dor vai aplacar

E, com o tempo, findar.

 

Só que, entretanto, o ferido,

Ao não ter o fim à vista

À dor que o tem consumido,

Talvez na pedrada insista:

E a pedra, sempre a voltar,

Não mais deixa de o magoar.

 

Mas há uma terceira via:

Não chegar nunca a lançar

A pedrada em nenhum dia.

Assim nunca magoar

Há-de o corpo alguma vez,

Fica são todo o entremez.

 

 

51 - Crês

 

Se crês em definitivo,

Não o porás nunca em causa,

Não duvidas, morto-vivo.

Crença tal que não tem pausa

Por teu ego claramente

Foi plantada em tua mente.

 

Ele quer que nada mude,

Detesta o desconhecido.

Se duvidas que te ajude

A crença, tomas sentido,

Irás ter de repensá-la

E a teu ego o medo abala,

 

Que pode perder controlo

Sobre o que tens na cabeça.

Teu ego ofertou-te o bolo

De amares só peça a peça,

Porque amar perdidamente

Fará sofrer toda a gente.

 

Após anos a portar-te

Sempre amando a meio gás,

Tudo em causa nesta parte

Pões um dia para trás,

Duvidando de tais crenças

Por já ver a quem pertenças.

Só podes manter aquilo

Em que a mente te acredita

Se autêntico em forma e estilo

A dúvida o verifica:

Provas a autenticidade

Quando intuis tua verdade.

 

Verificas a intuição,

A mais profunda, de essência,

A que vem do coração

Que é só de tua vivência,

Vês se ela acolhe essa ideia

Que crês que é de que se creia.

 

Se sim, é uma fé deveras,

Uma crença verdadeira.

Se a dúvida mantiveras,

Um peso, um temor, que arteira,

Leve e livre alma proibira,

Então é fé de mentira.

 

É alimentada pelo ego,

Através da educação,

À sociedade no apego,

De evitar com a intenção

O ignoto ou o descontrolo,

De tua vida contrapólo.

 

Por não deixar-te enrolar

Mais de armadilhas de dor

Nem ocasião vai dar

De viver um grande amor.

E às vezes, à tua frente,

Te aguarda à espera, presente.

 

 

52 - Conflituas

 

Sendo o que esperam de ti,

Não desiludes ninguém

Nem conflituas dali

Com quenquer que a ti te vem:

Muito mais fácil viver

Com outrem será qualquer.

 

O problema é que se torna

Difícil cada vez mais

Contigo viver à jorna,

Que a ti não te ouves jamais:

Tentando ser o que esperam,

Não vês que forças te geram,

Não contas com o teu eu,

O teu ser, a tua essência,

O vector que se perdeu.

Abandonado em latência,

Engendra-te um furacão

A te chamar a atenção.

 

Começa a te arder o peito

De insatisfação tremenda.

Foge a maior parte ao feito,

Compensa na compra e venda,

Roupas, telemóvel, carro,

E o muro não prende o barro.

 

Vêm após as doenças,

Novo apelo de atenção.

E delas fazem pertenças,

Habituam-se à lesão,

Parte ora do quotidiano,

Integrada de ano em ano.

 

As perdas vão vir então,

Uma e outra e a derradeira,

A deserta solidão.

Esta não é verdadeira,

É o Universo a retirar

Todos do que é o teu lugar,

 

A limar o teu caminho

Para de vez te encontrares

Com teu íntimo, em teu ninho,

Sem com nada te alheares.

Continua a maioria

A fugir, fugindo à via.

 

Não gostam da solidão

E a questão não é gostar:

Ausência de multidão

Ao redor a partilhar

É o convite à experiência

Mais radical da vivência.

 

É o retorno ao ambiente

Mágico do interior

Em que teu imo se sente.

Quanto mais vivido for

Mais mágico ele se torna,

Mais mel em teu dia entorna.

 

Porém, o maior problema

É que todos têm medo

Deles próprios, por lema,

Medo de ouvir o segredo,

Do que vão ver, vão sentir,

Medo de sofrer ao ir.

 

Cuidam que ir dentro do peito,

Ao seu mais profundo eu,

Os colará, deste feito,

A um sentimento sandeu

Onde é tudo negativo,

Muito mais morto que vivo.

 

Ora, ao invés, todo o humano

Encontrar-se sempre adora

Com o ambiente sem engano,

Mágico, que no imo aflora,

Onde muda, de alma solta,

- E então muda tudo em volta.

 

 

53 - Cão

 

O cão que a bola te traz

Fica à espera que lha atires

Para correr dela atrás.

Só uma espera, se bem vires:

Não lha atiras e ele espera,

É uma expectativa mera.

 

Numa atitude passiva,

Ele não julga nem pensa

Ou que não gostas, na esquiva,

Ou que és mau, antes dispensa

Ver-se acolá rejeitado,

Oprimido aqui, de lado.

 

Ao entender que não vais

Jogar a bola, se afasta

Tal se nada houvera mais:

Não julga, aceita, isto basta.

Não tendo ressentimento,

Volta após ao mesmo evento.

 

Não tem medo de se expor,

Arrisca, talvez consiga.

Se não se consegue impor,

Repisa, em paz e sem briga.

Devíamos ver bem todos

Dos animais estes modos.

Os homens não são assim,

Antes de tentar já vão

Temer não chegar ao fim.

A arriscar isto é um senão,

É de se expor ser temente

E já não seguir em frente.

 

Quando sofres a derrota,

De novo ao partir à luta,

Fechas o peito na cota,

A desfeita na disputa

A temer que se repita,

E sofres já de desdita.

 

Animais e homens, correctos,

Estão ambos, afinal.

Daqueles, só uns aspectos

Devem estes em real

Aprendizagem colher,

Na harmonia que há-de haver.

 

 

54 - Controlar

 

Controlar será querer

Que tudo saia previsto,

O futuro que vier

Dominar, só então benquisto,

Domar o desconhecido

Não aceite, antes temido.

 

Tudo querer à maneira,

Se o não for, não é de todo.

Não abrirá sua leira

A receber nenhum bodo,

Delimita como quer

Sem desvios a sofrer.

 

Quem controla, na cabeça

Decide como há-de ser

E tal tem de ser a peça.

Não aceita se outra quer

A vida, a impor o seu rumo,

Que ele é que manda, em resumo.

 

Quem controla as circunstâncias

É ele, o ego escondido,

Disfarçado de ganâncias,

Que teme o desconhecido.

E aquele que lhe obedece

Garante que ele acontece,

Faz sempre o que o dono quer

E não faz nada por si

Nem a seu modo sequer,

Não há nada deste ali,

E então não vai empenhar-se,

A tarefa é só disfarce.

 

O dono do mando manda,

O outro obedece e esquece,

Sem empenho algures anda,

Sem dedicar-se, arrefece.

O dono não deixa espaço

De ninguém ao próprio passo.

 

Ninguém logra dedicar-se

Àquilo que for-lhe hostil:

Não poder no labor dar-se

É hostilidade servil.

O controlador se irrita,

Que a tarefa o sonho evita.

 

Pois, quando ele a idealizou,

Era perfeita, perfeita.

O acto tudo esbarrondou,

O outro fez-lhe a desfeita,

Não é mesmo dedicado,

O que mortal é um pecado.

 

É que o dono do controlo

Não percebe que, ao matar

Criatividade no bolo

Dum labor de partilhar,

O empenhamento aniquila

Do que ante ele se perfila.

 

O céu responsabiliza

De controlo assim o dono,

Pois não disponibiliza

A ninguém nenhum abono

De esforço, e ao fim espera

Converter quem não tolera.

 

 

55 - Deuses

 

Os deuses são sempre aquilo

Que os homens fizerem deles.

Os judeus marcam o estilo

De seu Deus em suas peles

 

E meio mundo marcaram

Com os dedos que o traçaram.

 

O outro meio igualmente

Por outro trilho igual sente.

 

Quem de ambos nunca fez parte

Tem num terceiro igual arte.

E não há como fugir

À marca que eu perseguir:

 

Ou não sou e nada é nada

Ou sou eu e abro uma estrada.

 

 

56 - Jamais

 

Deus jamais escolheria

Um homem de preferência

A outro, em nenhuma via,

Nem um povo em prevalência

Ante outro que preteria.

 

Ante o céu, nossa vigília

É toda uma só família.

 

 

57 - Fardo

 

O fardo do corpo os pés

Suportam inteiramente.

A cabeça, sem revés,

Suporta o fardo da mente.

E o coração por onde ardo

Do espírito aguenta o fardo.

 

 

58 - Separarem

 

Há indivíduos como etnias

Que serão sempre odiados

Por segregarem seus dias

Dos demais homens e fados:

Chamam-se a si como aos seus

Os escolhidos de Deus.

 

Quando na família grande

Um filho a si se declara

Favorito de quem mande,

Em volta o ódio espalhara

Tanto mais quão mais se gaba

E os outros mais menoscaba.

 

Os irmãos vão odiá-lo,

Vêem-no à vontade morto.

Se o não matam, um abalo

Não vem, se zarpar do porto

Da vida, que, ao virar costas,

Dos mais liberta as apostas.

 

 

59 - Vivida

 

Tem a tristeza de ser

Vivida antes de a alegria

A lavra ocupar que houver.

A infelicidade um dia

Termina ao fim por passar,

Fica a festa em seu lugar.

 

 

60 - Acaso

 

Tudo acaso há começado

Só numas quantas palavras.

Depois ter-se-á transformado

Em insultos sem cuidado,

Ameaças pelas lavras,

E depois morreu um homem,

Guerras houve que os consomem…

 

Tudo por mor das palavras.

Num mundo de belas rosas

Tão cheirosas, tu que lavras

Palavras, são só palavras?

- Palavras são poderosas!

 

 

61 - Compreender

 

Compreender não é procura,

Entre o que me for estranho,

Do que meu se configura,

Nem projectar, a meu ganho,

O que for de meu desejo,

Nem quadro em que me revejo.

 

É acolher o que se opõe,

Valorar o sem-valor

Que doravante se impõe,

Do inesperado o estupor,

O antagónico, o diverso

Em que enfim eu me converso.

 

É a minha pedra de toque:

Cresço sem usar reboque.

 

 

62 - Errância

 

Ninguém volta por inteiro

Duma errância prolongada,

Descobridor pioneiro

Ou militância exilada,

Que a lonjura é sem remédio,

Quebrada à estreiteza o tédio.

 

Uma parte de nós fica

E jamais chega a partir,

Outra longe pontifica,

Não volta em nenhum porvir:

Quem volta não volta igual,

Quem fica muda o real.

 

O encontro, ao fim, verifica

Que é um desencontro o que fica.

 

 

63 - Tentativa

 

A tentativa de impor

Por única língua a língua

Do dinheiro e força-mor

É violência, deixa à míngua

Da barbárie o vitimado,

Na cidade enclausurado,

 

Dentro até da própria casa,

Dentro do televisor,

Da rádio que mais lhe apraza,

Dentro do computador…

Corrói a nossa cultura

E o nome nos desfigura.

 

Matando a diversidade,

O atentado configura

Contra a vera identidade,

Destrói a literatura,

Atenta, ao pintar o dia,

Contra tudo o que é poesia.

 

Onde é que estou, afinal,

Onde estarei amanhã?

Perdi a raiz vital,

Estou solto, palha vã,

Ao acaso em todo o lado,

Pé não tomo no meu fado.

 

Não há pior solidão

Que a dum homem mutilado

De alma dele e coração,

Dele próprio um ausentado,

Que de si se vai despindo,

Na praça se diluindo

 

Do grande mercado-mundo:

Quanto maior, mais sozinho,

Já não cidadão fecundo.

Consumindo em desalinho,

Gastar é a meta superna,

- Eis a barbárie moderna.

 

 

64 - Estrelas

 

De pó de estrelas somo feitos

E não é apenas sentimento

Poético, é um facto, pois que atreitos

Astros primevos, num momento,

 

A explodirem foram antes

Em supernovas que forjaram

Os elementos importantes

Que pelo espaço semearam.

 

Deles forjaram mais estrelas,

Sistemas novos, novos sóis,

Por fim a vida, nas sequelas

De intermináveis arrebóis.

 

As nossas ânsias de entender

Quaisquer estrelas farão parte

De honrar de avós aquele ser

Que em nós enfim se ainda reparte.

 

 

65 - Milagre

 

Um milagre verdadeiro

É que os meios de instrução

Degolado por inteiro

Não tenham no coração

 

O espírito curioso,

Científico inquiridor.

Este delicado gozo

De planta rara a dar flor,

 

De estímulos para além,

Requer bem mais liberdade.

Sem dela o que lhe convém,

Definha e morre em verdade.

 

 

66 - Resulta

 

Eis o novo pensamento:

Se resulta, deve ter

Algo especial este intento;

 

Mais tarde descobriremos

Porque resulta o que quer

Que seja que aqui nós temos.

 

Isto implica enorme avanço

Ante o que antes vigorava:

É impossível o que alcanço

 

Daqui vislumbrar, pois não

Vejo como se operava.

Muitas ideias, em vão

 

Qualificadas de tontas

Por nossa cultura outrora,

Do saber são hoje as pontas

 

Pelos mesmos reforçadas

Que, em aziaga dantes hora,

Maltrataram por danadas.

 

 

67 - Egoísta

 

Por mais egoísta que seja,

Há na humana natureza

Algo que o destino preza

Doutrem que feliz se almeja

Por a nós ser necessário,

Vantagem embora alguma

Se não tire do fadário,

Excepto o prazer, em suma,

 

De o ver prosseguir inteiro,

Tal o meu se a mim me abeiro.

 

 

68 - Injúria

 

A maior injúria, ofensa,

Mesmo agressão criminosa

Ao pobre, cuja doença

Ou cuja fome ominosa

 

São elidíveis, curáveis

Quase a simbólicos custos,

É ignorar os miseráveis

Ou, em termos mais injustos,

 

Nem sequer querer saber

Que eles existem e morrem

Aos milhões, sem ninguém ver,

No mundo vil a que acorrem.

 

Tudo fica clandestino,

Ninguém quer saber da morte.

Iguais a nós no destino,

São bem desiguais na sorte.

 

 

69 - Pagar

 

Neste mundo em que a distância

Já não determina quem

É meu vizinho, a ganância,

Não pagar o preço a bem

 

Pela igualdade, não é

Só questão de coração,

Na razão é não ter fé:

Os destinos sempre vão

 

Intimamente ligados,

O que tem ao que não tem.

Os que os olham separados

Tão mais se enganam também.

 

 

70 - Principal

 

Tem sido a tecnologia

A principal energia

 

Por detrás de cada aumento,

A prazo, no rendimento

 

Do mundo rico e jamais

Os pobres explorar mais.

Implica que o mundo inteiro,

Mesmo regiões no atoleiro,

 

Atrasadas hoje em dia,

A esperança alumiaria

 

De virem a aproveitar

Da tecnologia a par.

 

É que o desenvolvimento

Económico é um aumento,

 

Não jogo de soma zero

Em que dum o ganho mero

 

É doutrem perda fatal,

Antes somam ganho igual.

 

Neste jogo singular

Todos poderão ganhar.

 

 

71 - Repetidas

 

A beleza das ideias

É que podem ser usadas,

Repetidas às mancheias,

Sem se esgotar, acabadas.

 

Nunca em uso são rivais:

Pode um sempre utilizá-las,

Que não diminui aos mais

Poder algum de empunhá-las.

 

Um mundo antever podemos

Em que toda a gente alcança

Prosperidade. E aqui vemos

Ao mundo o que dá confiança.

 

 

72 - Fábula

 

Sempre é uma fábula a história

Muitas vezes repetida:

Nem de Colombo há memória,

Nem Cabral foi do índio vida…

 

E o mesmo é do pensamento

Sobre desenvolvimento.

 

Quando visto em pormenor,

Sempre é fingido o teor

 

Do que quer que se empreenda,

Só atento ao que o caso renda:

 

- A verdade sobre os pobres,

Afinal, é o que lhes cobres!

 

E a pobreza mundial

Assim nos cava o coval.

 

Mas oficialmente, não,

Não há tal judiação…

 

 

73 - Vergar

 

Poucos terão a grandeza

De vergar a própria história,

Mas cada um, com certeza,

Pode trabalhar a escória

Para mudar, por momentos,

Alguns acontecimentos.

 

Ora, é na totalidade

De todos estes eventos

Que escritos são de verdade

Duma geração os ventos.

É a partir destas migalhas

De coragem contra as falhas,

 

De assumida convicção,

Que a história humana é formada.

Cada vez que um homem chão

Lutar por ideal jornada,

Ou agir por melhorar

Destinos de quem calhar,

 

Ou combater a injustiça,

Produz onda bem pequena

Mas é esperança na liça.

Se as ondas cruzar, serena,

Produzidas aos milhões,

De energia vagalhões

 

Serão já, focos de audácia.

Constrói-se então a corrente

Que pode, com contumácia,

Derrubar muros em frente

Da opressão mais poderosa

E violência criminosa.

 

 

74 - Medo

 

Aquele que recear

Assalto, doença, perda,

Um caso em particular,

- É quanto em vida ao fim herda.

Medo é um íman poderoso:

Ao que temo é a que me entroso.

 

 

75 - Fluem

 

Todas as expectativas

E atitudes das pessoas

Duma cultura, se vivas,

Fluem juntas, em coroas,

Um único são geral

Vale em messe cultural.

 

 

76 - Campos

 

Nossos campos de intenção

Agirão muito depressa,

Exactamente trarão

O que espero que aconteça:

 

Se eu tiver medo, me trazem

Aquilo que eu recear,

Se eu odeio, se comprazem

Então com o que odiar…

 

Felizmente, o negativo

Depressa decai, furtivo:

 

A ligação ao divino

Quebra se a ele me inclino,

 

Já não irradio amor,

Seca a fonte do vigor.

 

 

77 - Agir

 

Sempre que nós esperamos

Qualquer coisa negativa

De quenquer com quem lidamos,

Esta nossa expectativa

 

É uma oração formulada

Que vai agir a criar

Tal realidade esboçada

No indivíduo que visar.

 

As mentes vivem ligadas:

Então nosso pensamento,

As esperanças geradas

Vão influir, no momento,

 

Os outros a repensarem

Do mesmo modo que nós.

Mal ou bem que por mim arem

São germes que colho após.

 

 

78 - Anseios

 

Se as nossas expectativas,

Anseios de nossa fé,

Fazem a oração obrar,

Então de nós, sem esquivas,

Irradia, finca pé,

Uma força a energizar

O mundo, quer entendamos

Ou não tudo o que operamos.

 

Se toda a oração afirma

As nossas expectativas,

Nossa fé, qualquer que seja,

Logo em todas se confirma

Que serão orações vivas,

Nem que a crença nunca o veja.

Sempre a rezar, pois, estamos

Pelo porvir por que ansiamos.

 

Mas não nos apercebemos,

Por junto, do que fazemos.

 

 

79 - Real

 

Tudo aquilo que esperamos,

Consciente, inconscientemente,

Bom ou mau, é o que ajudamos

A real tornar presente.

 

É um poder nossa oração

Que de nós vai promanar

Sempre em toda a direcção,

Por todo e qualquer lugar.

 

Na maioria, porém,

Que pensa em forma vulgar,

O poder fraco devém,

Contraditório, de azar.

 

Mas noutros que muito alcançam,

Criativos, bem movidos,

Forte é o campo por que avançam

Incônscios de tais sentidos.

 

De qualquer modo, o modelo,

Forte ou fraco, é igual em todos:

Sempre aquilo por que apelo

Devém real por quaisquer modos.

 

 

80 - Átomos

 

Quando os átomos olhamos,

Partículas são primeiro.

Se mais fundo vasculhamos,

Delas se esvai o areeiro,

Só padrões, pura energia

Vibra a um nível todo o dia.

 

O que como, em tal vector,

Afecta-me a vibração

Do corpo meu portador.

Uns alimentos serão

O que me aumenta a energia,

Outros são o que a entibia.

 

As doenças são a queda

Desta energia vital.

E abaixo dum ponto, a moeda

Compra lenta um estendal

De forças para actuar

A me desincorporar.

 

 

81 - Trilhos

 

Nossos campos de energia

Entre todos se misturam

E só os mais fortes resistem

E marcam de cada dia

Os trilhos que se inauguram

E no futuro persistem.

 

É a dinâmica inconsciente

Que desenha o mundo humano.

De nossa energia o estado,

A esperança mais premente,

Têm contágio programado.

 

Eis porque, na multidão,

Gente deveras decente,

Impelida por zangados,

Dum linchamento é peão,

Dum motim mui repelente,

Dos crimes mais condenados.

 

Um filme, a televisão,

Um livro, um computador,

Eis porque tanta influência

Sobre um espírito chão

Acabam a lhe antepor,

Para boa ou má tendência.

 

O campo de cada um

Na terra funde-se aos mais

Criando todas as normas,

Filiações em comum,

Tribalismos regionais,

Hostis e amigáveis formas.

 

A cultura é contagiosa:

Viajar põe-me estrangeiro.

É ver que lá não só pensam

Noutro verso e noutra prosa,

Como outro é o sentir inteiro

Que na atitude condensam.

 

 

82 - Dúvida

 

Tudo em dúvida só pomos

Se é proibido duvidar.

Se uma autoridade somos,

Sejamos, não há lugar

Ao respeito sem tal lança,

Mas antes à insegurança.

 

Mas segurança total

É tirania, afinal:

 

Quando se amordaça o povo,

Da revolta choca o ovo.

 

 

83 - Liga

 

Escola é tudo o que liga,

Liga às crianças em si,

A fantasia interliga

Aos métodos que haja ali,

Liga o sonho com a acção,

Riso e sério em união.

 

Mas se o adulto comprova

Que, à medida que cresceu,

A vida desliga a trova

De toda a fé que viveu,

Mais uns dos outros desliga

Tal se tudo fora briga,

 

Como é que pais, professores,

Cada vez mais desligados,

Se transformam nos fulgores

Da luz que une, bem colados,

Como se fora magia,

Estudo e sabedoria?

 

 

84 - Aprende

 

Ninguém nada nos ensina

Senão se aprende connosco,

Nem direito tem de cima

Para baixo de olhar, fosco,

Senão para dar a mão

Ao encontro de seu chão.

 

Aprender é uma experiência

De encontro de duas rotas

A conjugar na vivência

Dum só sentido, iguais cotas.

Corre em múltiplas carteiras,

A escola é das derradeiras.

 

 

85 - Linguagem

 

A linguagem verdadeira

É a música que nos vem

Do coração, pura, inteira.

A outra, a outra que tem

 

Palavras e mais palavras,

É exercício malabar

Em que mondamos as lavras,

Andando sempre a tentar

 

Iludir num cantochão

O bailar do coração.

 

 

86 - Rouba

 

Na verdade, o Pai Natal

Rouba sempre um bocadinho

Ao que sonho, bem ou mal.

Do sonho tendo o cadinho,

Porém, nas mãos fraternais,

Dá-me sempre muito mais.

 

E eu, tão pronto a meu apego,

Que nem vejo que estou cego!

 

 

87 - Primeiros

 

As crianças não serão

Os segundos pais dos pais:

É que muitas vezes são

Os primeiros, tais e quais,

 

E para sempre, de vez.

E por nunca descansarem

De educar os pais a três,

Na hora de se deitarem

 

Fique-lhes isto em abono:

- Já merecem bem o sono!

 

 

88 - Principezinho

 

Transformam uma criança

Num principezinho bufo.

Lamentam quando isto entrança

Um tirano no tartufo

Que lhes mói a paciência,

- E não vêem a evidência!

 

 

89 - Atributo

 

Ignoram que autoridade

É efeito de inteligência

Combinada com bondade.

É atributo, competência

Que se vê que não iniba,

- Nunca proa que se exiba.

 

 

90 - Entendem

 

Entendem o que lhes falta,

Mas, porque se reconhecem

Incapazes da ribalta,

Dado que nunca a merecem

Por não fazerem jamais

O que outros farão, rivais,

 

Só lhes resta ter desdém

Como a raposa, refém

 

Pelas uvas do apetite,

E mais quer quem mais o evite.

 

 

91 - Tradicionais

 

Quem sabe que seus exemplos

Nunca são recomendáveis

Do lar repete que os templos

Tradicionais e fiáveis

Estão perigosamente

Sempre em perigo eminente.

 

É doença e não saúde

Com que isto sempre se ilude.

 

 

92 - Bebem

 

Aquilo em que nós tocamos

Dá verdade ao que sentimos

Ou são inversos os ramos

Que bebem de nossos limos,

 

São os nossos sentimentos

Que real tornam tudo aquilo

Em que tocam os momentos

Da vida em rio tranquilo?

 

Ou ambos, às escondidas,

É que nos pautam as vidas?

 

 

93 - Afasta

 

Sempre mentir para dentro

É remediar remorsos.

Não mente, que é fingimento,

Afasta de nós esforços

 

Para os outros encontrar

E acaba a nos afastar

 

Deles e nós, chão maninho,

Sem notar, devagarinho.

 

 

94 - Verdade

 

A verdade não é bem

Aquilo que nos parece.

As emoções que alguém tem

Tornam, delas por benesse,

 

Tão irrepetível tudo

O que vivemos que, após,

Os eventos, por miúdo,

Se perdem no tempo, a sós.

 

Por mais que os tente dizer,

Já não são exactamente

Como os vivera quenquer,

Serão mentira somente.

 

 

95 - Desencontro

 

Por que é que quando crescemos

Há o desencontro do riso?

É sérios que envelhecemos,

Mais uma falta de siso.

 

Quem é incapaz de chorar

Conseguir nunca vai rir:

Se chorar não motivar,

Rir menos vai conseguir.

 

Múmias frias nos tornamos

Bem antes de que morramos.

 

 

96 - Riso

 

O riso democratiza

Os sentimentos de todos,

Torna as pessoas que visa

Descontraídas nos modos.

 

Mas educar continua

A ser sempre contrariar,

Contrair tudo o que estua

E tudo domesticar.

 

Depois, do mundo que é belo

Resta a lua peregrina

Escondida no escabelo

Duma noite clandestina.

 

 

97 - Tempo

 

Tempo são prioridades

Ao tempo impostas perdido:

Se as não defino, as vontades

Meu tempo não hão podido

 

Travar. Ao desleixo então

O tempo engolido as deixa,

Do sonho é mata-borrão,

De o ir cegando fateixa.

 

 

98 - Límpidas

 

Ser feliz, lugar de férias

De águas límpidas e azuis,

Olho-o à frente e são sidéreas

Paisagens que nem intuis,

Olho-o atrás e são miragens,

Só folhetos de viagens.

 

Mas, se a desgraça me atinge,

Outra vez o céu se tinge.

 

 

99 - Crescimento

 

De crescimento hormona, eis a ambição,

A forma de falarmos do desejo.

Vezes demais é sexual tensão:

Locomotiva atrás do coração

É o desejo que ignoro que é o que vejo.

Do desejo à boleia, anda a ambição,

À procura incansável dum ensejo.

 

Debaixo desta máscara de Entrudo

Me iludo a mim e ao mundo, ao fim, iludo.

 

 

100 - Morte

 

Talvez deixe de ser tarde

Quando, pela vida fora,

Da morte a fala que tarde

Já nunca mais nos devora

Um horizonte que havia

Mas o alarga cada dia.

 

Logo que reabilitarmos

O direito de estar tristes

Ante quem até chorarmos

Já lhe imporá mil despistes,

Que nem sabe, de vergonha,

Onde é que a tristeza ponha.

 

Sempre que o medo mereça

O elogio de pendor

Que, olhando por nós, não peça

Custo nenhum por penhor

E o crédito nos não roube

À esperança que nos coube.

 

 

101 - Assustadiça

 

Desamparada ante a vida

Que de surpresa a tomou,

Assustadiça revida

Qualquer pessoa envolvida

No turbilhão que a assolou.

 

É que o coração arranha

Sempre que palpita mais,

Como se tudo o que apanha

Do afecto em teia de aranha

Desmanche pessoas tais.

 

Sentir sua pequenez,

Ora agora as enternece,

Ao ver que se irão de vez,

Ora as assusta, talvez,

Quando a prendê-las parece

 

Que o sentem delas aos medos

Que, de pequeninas, querem

Espantar cruzando os dedos.

Os pés então ficam quedos

Sem para os mais se moverem.

 

Do turbilhão o atropelo

Manda então sem mais apelo.

 

 

102 - Humor

 

Humor é linguagem séria,

Ao mesmo tempo do corpo,

Fantasia e relação.

Da vida em meio à miséria,

Forma lúdica que encorpo

De brincar toda a função,

É jogar às escondidas

Uns com os outros nas vidas.

 

E, se o humor nos diverte

Ao sentir-nos descobertos,

Sermos sisudos os mais

Põe à lonjura que acerte,

Torna-nos frios desertos

E apetecíveis jamais.

Talvez por isso, evitáveis,

Somos mais elogiáveis…

 

 

103 - Mundo

 

Num mundo normalizado

Vivemos, todo objectivo.

É mais justo em muito lado,

Mais livre, melhor, mais vivo.

 

Mas por vezes quantifica

Tão exageradamente

Que nada então qualifica.

No frenesim, há quem tente

 

Materializar aquilo

Que vivemos, a tal ponto

Que desvalora, tranquilo,

O que sentimos, de pronto.

 

Então opõe o visível

Ao que é mesmo vivencial,

Como se sentir, credível,

Afastasse o material,

 

Como se nunca objectivo

Fora quanto fora vivo.

 

 

104 - Silêncio

 

À custa de imaginarem

Que o silêncio é decifrável,

A linguagem que entalharem

 

Os adultos, sem magia,

Devém logo irrespirável,

Equívoca e fugidia.

 

É que na boca não dizem

O que sentem e discutem.

Odeiam que não se visem

No que são e repercutem

E, porque não se conhecem,

A palavra em arma tecem.

 

Ainda não aprenderam

A contornar os conceitos

Com a boca onde os prenderam.

 

E, sendo tão competentes

Da linguagem nos preceitos,

Somos pouco em nós agentes.

 

Talvez a linguagem seja

O primeiro muro erguido

Ao saber que mal viceja

Dentro de nós com sentido.

 

 

105 - Música

 

A música comunica.

Sem trilho intelectual,

Vai directa ao coração.

Uma canção não explica,

Pode alegrar, radical,

As almas que se lhe dão.

 

Se musicar com alguém,

Quem requer palavras, quem?

 

Ao vislumbrar o inefável

Tudo o mais é dispensável.

 

 

106 - Medo

 

O medo é droga potente

Usada para o combate

Ao morbo que nos atente:

Purifica mas abate,

 

O temperamento muda,

Desgasta os órgãos que atinge.

Quem com o medo se ilude

É mais fraco, não o finge.

 

 

107 - Rodas

 

Numa terra que é pequena,

Às vezes, uma pessoa,

- Professor, o padre em cena,

A rica dona com proa… -

Dita da comunidade

Toda a lei que tudo invade.

 

É quem em particular

Mexe na maquinaria

Que as vidas fará girar,

Eixo de relojoaria

Que ordena às rodas que façam

Girar rodas que as enlaçam,

 

Ao motor que bata certo,

Que o ponteiro indique as horas…

Se ao eixo o traga um aperto,

Pára o relógio a desoras.

E ante o mostrador em branco

Fica todo o povo manco.

 

 

108 - Nascemos

 

Todos nascemos selvagens.

O que se pode esperar

É um pouco, pelas paragens,

De ternura a nos moldar,

Docilidade aparente.

Por trás mora, renitente,

 

O estado selvagem, forte,

Enfuriado, forasteiro,

Em busca eterna de norte,

Peregrino viageiro.

Podemos amordaçá-lo,

Não há como aniquilá-lo.

 

 

109 - Feliz

 

Ser feliz é que é importante,

A felicidade apenas.

Copo em brinde que levante,

São simples coisas pequenas,

Mas tão tortuosas são

Como o é sempre o coração.

 

Ser feliz é amargo, esquivo,

Mas é tão doce, tão vivo!

 

 

110 - Irrespondível

 

Tenho em mim o homem de preto,

Vejo-o nos meus olhos, fundo,

Tem o som grave, discreto,

De autoridade em que abundo,

Irrespondível, dogmática,

Sem errar nunca a gramática.

 

Uma lógica capciosa

Que nos manterá gelados

De obediência temerosa.

Ah! Do medo libertados,

A fugir em desespero,

À espera dum retempero,

 

Para em fuga descobrirmos

Que nós sempre o transportámos

Dentro de nós sem sentirmos,

Ao maligno que gerámos,

Filho espúrio, nunca aborto,

Que em mim vive estando morto.

 

Se desatar a fugir,

O resto passo da vida

A fugir, sem conseguir

Ter-lhe a garra desprendida.

-Vou ficar aqui comigo,

Lutando, a ver se consigo!

 

 

111 - Sombra

 

O homem de preto é ficção,

Corporização dos medos

De Carnaval em feição,

Lenda em noite de degredos,

Sombra má num quarto estranho

Quando em mim meu outro apanho.

 

 

112 - Simples

 

Simples alma, ora serena,

Com o mundo eterna em paz.

E eu cada vez mais com pena,

Cada vez menos capaz

De assim ser, simples e chão,

Sendo antes contradição.

 

Mas invejo-a, todavia,

Tão pouco foi requerido

Para atingir a acalmia:

Um aconchego sumido,

Umas roupas ajustadas,

Um recanto de mãos dadas…!

 

Tal e qual como uma flor

Cresce em direcção à luz,

Sem juízos antepor,

Questionar o que a seduz.

- Quem me dera, aqui a esmo,

Lograr atingir o mesmo!

 

 

113 - Partir

 

Gostava de partir numa aventura,

De perseguir o sol com minha mala

Magrinha a tiracolo, numa pura

Ventura desta ideia que regala

De ideia nem fazer onde amanhã

Vou estar ao romper nova manhã.

 

Mas creio que acabava por cansar.

Um tempo decorrido, tudo igual

Acaba a parecer, todo o lugar.

É certo que um lugar tem luz pessoal

E o retorno à cidade já vivida

Ao lar dum velho amigo é sempre a ida.

 

As pessoas, porém, a parecer

Começam muito iguais: as mesmas caras

Noutro país irão brotar qualquer,

É com gémeas feições que te deparas,

Olhar inexpressivo em funcionário,

O camponês curioso e bem precário…

 

Depois já paranóicos nos sentimos,

Tal se nos perseguiram, mui secretas,

A trocarem de roupas e de limos,

Mas iguaizinhas fontes nas discretas

Ribeiras de gentios, de soslaio

Mirando como intruso meu balaio.

 

É superioridade que primeiro

Sentimos, raça aparte, itinerante:

Já vimos, já vivemos, sol pioneiro,

Bem mais que eles em nossa vida errante.

Eles são vidas tristes de labor,

O sono a repisar até o sol-pôr.

 

Depois, corridos tempos, vem a inveja:

Uma mulher num parque olha o bebé,

Rostos a refulgir, sem que o sol veja,

Um par à beira-mar abraça a fé,

No intervalo empregados, riso moço,

Mil anedotas comem por almoço…

Não demora e a dor devém constante.

Um lugar não perdeu a identidade,

Por muito que eu viaje para diante:

É o coração que rói, rói de verdade.

De hotel no espelho a cara fica turva

De tanto olhar casual que ali me curva.

 

No registo hoteleiro os nomes mudam

À medida que passo, terra em terra.

Não deixamos um traço dos que grudam

Da vida às leiras e que ali se aferra.

Por muito que tu queiras, já não pasmas:

Não projectamos sombra, quais fantasmas.

 

 

114 - Psicológica

 

Psicológica violência

Não é só dum par de estalos,

É de arrasar a imanência

De alguém: tolhem-no os abalos

Para conduzir, de vez,

A vida com lucidez.

 

 

115 - Parar

 

Parar para reflectir

Ocorre se duvidamos

Do que andamos a sentir,

Nunca se certos estamos

Mas não queremos, acaso,

Enfrentá-lo em nenhum prazo.

 

Nesta via, tal medida

Apenas adia vida.

 

 

116 - Criam

 

Os outros são arquitectos

De toda a nossa emoção.

Luz criam, espaço, tectos

Onde olhos se expandirão:

No que sentimos e vemos

É por onde nós crescemos.

 

Como transformam recantos,

Antes lindos, luminosos,

Em esconsos, negros cantos

Onde às vezes, temerosos,

Abandonados nos vemos,

Tanto que mal nos mexemos.

 

Para o bem e para o mal

Deles vem de ida o sinal.

 

 

117 - Sede

 

A emoção é natural

Como a sede de água pura,

Fala em corpo, material.

Não é o que a vontade apura:

Que fazer, tendo esta traça,

Muitas vezes embaraça.

 

Da sabedoria efeito

É o que a vivência guardado

Vai deixando em cada peito.

E um passo aquém há ficado

Do poder de a compreender,

É pensar sem ver sequer.

 

São semáforos da vida.

Verde é paixão a avançar,

Brota sempre inatendida

No inatendido lugar,

Onde havia uma paragem

Ou proibida era a viagem.

 

Amarelo é intuir sonho,

Pressiona de esperança,

Apressa vida onde a ponho,

Mas o medo em nós entrança

Quando nada nem sequer

O faria então prever.

 

O vermelho será medo

A requerer a prudência,

Leva a parar desde cedo,

A reflectir na pendência.

Até que outra cor nos leve

A avançar como se deve.

 

 

118 - Artista

 

Um artista é um pobre humano

Mas imagens em que invista

Tão vivas saltam à vista

Que de modo algum o fano:

Elas, por contraste, a ele

É que emurchecem a pele.

 

Com as mães também é assim:

Após dar à luz os filhos,

Dão o leite, a força, enfim,

Mas vão-lhes murchando os brilhos,

Tornam-se pouco vistosas

E ninguém lhes canta glosas.

 

É triste mas é mui belo,

É uma lei de bem servir:

Quem quiser viver singelo

Muito tempo, terá de ir

Por aqui, que quem quiser

Dominar só vai perder.

 

Os que anseiam por domínio

É porque jamais o sabem:

Poucos mandam com fascínio.

Aos mais vai fazer que acabem

Em nada o tal dominar

Que ao servir rouba o lugar.

 

 

119 - Dor

 

Tanta dor começa aqui,

Do estômago aqui na boca,

Espalha-se em frenesi,

Por todo o corpo se entoca,

Esmaga-te os pensamentos

E não é o fim dos tormentos.

 

Depois vai chegar o medo

Que ao lado sempre andará

Do sofrimento bem cedo.

Mas, daqui ou dacolá

E quando menos esperas,

Eis que há luz por que nem deras.

 

Abre-se uma frincha estreita,

Não sabes como nem donde,

Mas é luz de quem a aceita

E, múrmura, te responde…

- As estrelas consultar

Experimenta ao luar!

 

 

120 - Importam

 

A qualquer hierarquia

Importam as distinções:

As igrejas são a via,

Não de Deus, mas dos brasões.

 

Ora, o que importa mais ver

É o que a todas é comum:

Um sacramento qualquer

É, noutra roupa, só um.

 

Deus aprova a boa droga,

A oração onde viceja,

Quer venham da sinagoga,

Mesquita, quer duma igreja.

 

 

121 - Pior

 

Não perdoar envelhece,

Torna-me doente e feio.

Nada pior me acontece,

Me rebaixa em meu anseio,

Que não perdoar e sentir-me

Logo após a destruir-me.

 

Bomerangue, volta a mira

Ao rosto de quem o atira.

 

 

122 - Palco

 

Qualquer palco é povoado

Por brilhantes jovens cultos,

Belas damas de toucado,

Cujos tormentos inultos,

Cujas paixões exaltantes

São muito mais fulgurantes

Que a cor parda da prosaica

Existência, sacra ou laica.

 

A vida de cada dia

Comparada às aventuras

Da gente fina e sadia

Que no palco sofre agruras

É como o anónimo rosto

Famélico e descomposto

 

Dum actor sem maquilhagem

Onde murcha ao sonho a imagem.

 

A plenitude, algum dia,

É o sonho da fantasia.

 

Do lado de cá da vida

É só mão pobre estendida.

 

 

123 - Excitação

 

Parte de qualquer viagem

Há-de ser expectativa,

De excitação a triagem

Na partida apreensiva,

Lugarejos para ver,

Gentes a se conhecer…

 

Tudo faz parte do gozo

E nele é que tudo entroso.

 

Parte importante da vida

Há-de ser o entusiasmo.

O trabalho, de seguida,

A família, em dor e pasmo…

Sem o que ele lhes transporta

Nada são, aberta a porta.

 

Quando a antever te recusas

O gozo, de ti te escusas.

 

 

124 - Caminha

 

Deus caminha pela praia

Na companhia dum homem.

Da vida as cenas na raia

Dos céus projectam-se e somem.

 

Nos transes mais dolorosos

Da vida do homem, porém,

Este só vê, tortuosos

Lá sendeiros que contêm

Um conjunto de pegadas.

Não por Deus o abandonado

Ter, quando mais precisadas

Eram mãos num encadeado,

 

Mas por Deus a carregar,

Nas mais difíceis apostas,

Todo o homem sempre estar

Com seu peso inteiro às costas.

 

 

125 - Fogo

 

Ou temos a chama ou não,

O fogo ou arde ou não arde,

Quase ter fogo é ilusão,

Senso não tem tal alarde.

 

E tal é a felicidade:

Ou se é feliz ou não é,

Ser feliz pela metade

É inviável ter de pé.

 

E, quando o fogo se ateia,

Que é felicidade meia?

 

 

126 - Disponível

 

Ser feliz vem do interior,

Não do que alguém faz ou for.

 

Tenho de me aperceber

E tenho de acreditar

Que feliz poderei ser

Com fama a me enaltecer

Ou sem ninguém me falar.

 

Há felicidade a rodos

Disponível para todos,

 

Tanto importa o enaltecido

Como o mais desconhecido.

 

Mesmo em selvagem caverna

Pode a festa ser eterna.

 

Ser feliz vem do interior,

Não do que alguém faz ou for.

 

 

127 - Metas

 

Sou feliz, que não me obceco

Com metas de perfeição.

Se a perfeição tento, peco:

É inviável tal função.

 

Nenhum homem é perfeito:

Ninguém perpassa na vida

Sem problemas ter a peito,

Sem uma dor consumida…

 

E perfeito não é nada

Neste mundo em que vivemos.

- Ser feliz é ver, de entrada,

Que é disto que nos tecemos.

 

 

128 - Irradia

 

É de si compreensão,

Generoso acolhimento,

Um amor interior

Que irradia coração,

A todo e qualquer momento,

Por todo o mundo em redor,

- É tal a realidade

Da vera felicidade.

 

Nem sequer importa nada

Se a vida correrá bem,

Nem depende da maneira

Como a pessoa é tratada

Por qualquer outro também:

É como se nada à beira

Houvera, em nenhum lugar,

Capaz de o desanimar.

 

- É tal a realidade

Da vera felicidade.

 

 

129 - Luz

 

Enquanto a luz for externa

É só vazio que traz,

De dentro se for lanterna

Então é que gera paz.

 

A felicidade acode

Do íntimo num ponto tal

Que controlar-se então pode,

Corra a vida bem ou mal.

 

A felicidade tem

A todos aberta a porta

E a cada vida convém

Que a queira e dentro a transporta.

 

 

130 - Partem

 

Do princípio partem tantos

De que têm de algo ter

Antes de serem felizes!

Como se evitar os prantos,

Ser feliz, tivera a ver

De mérito com matizes.

 

E é bem longe da verdade,

Que de perceber bem temos

Que ser felizes podemos

Sem exterioridade

 

De amigos, dinheiro ou fama,

Pois toda a felicidade

Só dentro de nós se trama,

Ante qualquer conjuntura

Que fora de nós se apura.

 

Quer seja a má, quer a boa,

Nisto são todas à toa.

 

 

131 - Bonita

 

Se fora mais bonita, era feliz,

Quando se encontra só, tudo são choros.

E como convencê-la que o que diz

Não vale o afável que é mais os decoros?

 

Triste é não aceitar aquilo que é,

Pior é crer que a muda é requerida

Para se ser feliz de boa-fé.

A beleza não logra, desprovida,

 

Tornar ninguém feliz, que quem for belo

Também tem de aprendê-lo de raiz.

Se alguém quer ser feliz, poderá sê-lo,

O aspecto que tiver nunca o desdiz.

 

 

132 - Apaga

 

Do coração a memória

Apaga as recordações

Que más são em nossa história.

 

Então mais bem suportado,

Diluídos os furacões,

Pode ser nosso passado.

 

 

133 - Nasce

 

Jamais para sempre um homem

Nasce quando é dado à luz,

Antes as freimas que o tomem

Na vida que o reproduz

Obrigam-no a prosseguir

A si mesmo a se parir.

 

 

134 - Técnica

 

Há quem a tecnologia

Use em fins humanitários

E outros cuja felonia

Persegue alvos mil contrários.

Nunca uma técnica tem

Nela própria mal nem bem,

 

Tudo vem de usos que houver

De fazer dela quenquer.

 

Vem o mal ou bem dum homem,

Não das coisas que o consomem.