SEGUNDO TROVÁRIO
NO AMOR IDENTIFICA-ME A MATRIZ
Escolha ao acaso um número entre 135 e 275, inclusive.
Leia o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
135 - No amor identifica-me a matriz
No amor identifica-me a matriz
O verso regular no metro e forma,
Com rima que de amor sempre nos diz
O que entre dois amantes bem condiz
Na harmonia que os ata, ambos conforma.
No termo se une tudo e no real
Tudo a ver tem com tudo, indiferente
Ao que a palavra aprende, no final,
Dum real que espicaça eterno a mente.
Mas o conceito aponta aqui a dedo
Onde afinal se encontra o nosso ninho
Os ovos a chocar dum porvir ledo.
Por entre os desencontros que adivinho
Trio laços do verso com o ancinho.
136 - Trabalhei
Trabalhei a vida inteira
E o melhor que eu aprendi
É que a diária canseira
É dar-me bem por aqui,
Sem heróis nem adivinhos,
Com todos os meus vizinhos.
Juntos, quase sem nós vermos,
Continuamos a aliviar
As mazelas dos enfermos,
Qualquer dor de quem calhar,
O mal dos desamparados,
Indefesos, lesionados…
É que todos, bem no fundo,
Somos intrinsecamente
Bons, por todo o vasto mundo:
Aos milhões, diariamente,
Gente comum o comprova
Partilhando e pondo à prova
Sacrifício, compaixão,
Pelos mais amor de irmão.
137 - Relação
Não é nunca permanente
Nenhum relacionamento:
A relação que é virente
Evolui cada momento.
Permanente relação
Sempre é, pois, contradição.
138 - Casa
A casa não é só casa,
Vive cheia de memórias,
De momentos, duma brasa
Que incendeia antigas glórias,
Mil aventuras vividas.
Existe em mim a gaveta
Das lembranças bem queridas
Que torna deveras minha
A casa, numa secreta
Atadura de gavinha.
139 - Casamento
O casamento é viagem
Rumo a um destino ignorado,
Descoberta da coragem
De partilhar, denodado,
Tudo quanto não sabemos
Não só um doutro a respeito
Mas também o que não vemos
Em nós nos marcando o peito.
140 - Duvida
Se a jovem se crê bonita,
Nunca duvida dum homem
Que o amor por ela grita,
Pois se acredita que o domem
Dela os encantos, bastantes
Para enfeitiçar quenquer,
Não estranha, após nem antes,
Os efeitos que tiver
A acender qualquer chamiço
Dela o pretenso feitiço.
Não admira que a iluda
A mentira a que se gruda.
141 - Bolsa
Bolsa não satisfarei
Abandonando no chão,
Insatisfeito e sem lei,
O mísero coração.
Amo e então, ao me casar,
Pobre embora, tenho lar.
142 - Rapaz
Ao rapaz nunca ocorreu
Que ela fique mais ferida
Dele só com a partida
Do que a cura um cume seu.
Se a hora de ir se aproxima,
Dela uma angústia a apertar-se
Principia, sem disfarce,
É de desespero o clima.
Ama-o tanto, tanto, tanto,
Tem tanta esperança nele!
Quase vive, no que a impele,
Só para ele, de encanto.
Gosta de lhe fazer tudo:
Dar-lhe um café, um jantar,
A camisa lhe engomar,
Escovar-lhe o sobretudo…
E que alegria saber
Que ele adore ir, aprumado,
A seguir, por todo o lado
No fato que lhe escolher!
Ele agora já não volta
A fazê-lo: vai-se embora.
Sente-o sair em tal hora
Do peito a sangrar revolta.
Não continua a viver,
Parece, já dentro dela,
É o desgosto e a dor que a atrela
A um passado a fenecer.
Ele vai levar com ele
Dela tudo, a carne e a pele.
143 - Temeridade
Temeridade é vingança
Dum homem sobre a mulher:
No seu valor não a alcança
Nem conhecido é sequer,
Arrisca ser destruído,
- Dela a ser de vez perdido.
Reconhecimento parco
Leva à pedrada no charco.
E às vezes atrás da pedra
Se afoga o amor que não medra.
144 - Sós
Com a mãe, a sós, os filhos
Contam-lhe eventos do dia:
Nada ocorre nem tem brilhos
Para eles realmente
Antes daquela alegria
De à mãe o dar de presente.
145 - Noite
Depois da noite de amor
Ambos ficam mui calados,
Que acenderam o fulgor
Que inova todos os dados,
Conhecem a imensidão
Que vigora na paixão.
Sentem-se muito pequenos,
Temerosos, infantis
E de interrogações plenos,
Eva e Adão pueris
Quando a inocência perderam
E de vez compreenderam
O tamanho do poder
Que do Paraíso os fez
Sair para percorrer
A grande noite de pez
E também o grande dia
Do Homem que aí viria.
Foi mesmo uma iniciação
Para cada um dos dois,
Bem como satisfação,
E renasceram depois:
Ficaram a conhecer
O nada que é o de quenquer.
A vaga enorme de vida
Que sempre os propulsionava
Proporcionou, de seguida,
A paz que cada buscava.
Se a um poder tão grandioso,
Magnificente, me entroso
Que me pode dominar,
Me identifica comigo,
De modo que vislumbrar
Que sou grão de pó consigo
Naquela tremenda força
Que tudo torça e destorça,
Que levanta a folha de erva,
Árvore e tudo o que é vivo,
Então por que ter reserva,
Me preocupar, esquivo,
Comigo mesmo algum dia
Se sou nada em tal fasquia?
Podem deixar-se arrastar
Pela vida que vier,
Cada qual sentir, a par,
Paz no outro a que bem quer.
Viveram, de mão na mão,
Uma vivificação.
Nada mais pode apagá-la,
Nada lha pode tirar,
À verdade que os abala
E os finda a pacificar.
É a confiança na vida
Com que aqui cada qual lida.
146 - Começa
Começa o amor erótico,
A emoção fica tão forte
Que arrastará num caótico
Turbilhão tudo - alma, porte,
Razão, sangue - é uma voragem,
Um rio que, sem ruído,
Redemoinha na cofragem
Dos muros que houver aluído.
Vão-se as críticas miúdas,
As pequenas sensações,
Sofre o raciocínio mudas,
Arrastado nos baldões.
Não são homem e mulher
Com uma mente desperta,
Transformam-se num qualquer
Instinto que os acoberta.
As mãos, criaturas vivas,
Os membros, o corpo inteiro,
Adquirem vidas furtivas,
De consciência um luzeiro,
Absolutamente alheios
A qualquer vontade deles,
Vivendo por próprios meios
Deles por dentro das peles.
Pulsam ambos de igual fogo
E de igual prazer na força
Que mantém com desafogo
Tudo a que o Universo orça.
É como se eles, as ervas,
As estrelas, a folhagem
Se amalgamem sem reservas
Num fogaréu com vantagem
De puxá-los para diante,
De puxá-los para cima.
Tudo jorra doravante
E tudo queda num clima
Nele perfeito como eles.
A paz tranquila à chegada
Das coisas todas imbeles,
No êxtase vivo arrastada,
O ponto máximo alcança
Do que é bem-aventurança.
147 - Início
No início da relação
Há o melhor comportamento.
Às vezes, na ocasião,
Uma frescura de vento,
A pequena extravagância,
Vem a revelar-se após
O inferno atrás da fragrância
De já nunca andarmos sós.
Vale-nos a intuição:
Se incomoda, não devemos
Deixá-lo passar em vão;
Mas também não estraguemos
O que ao fim pode ser bom.
A intuição é o raro lume
Que pode elevar-me ao cume.
148 - Subestimo
Subestimo a repressão:
Que saudades de meu filho
Que voou numa ilusão
E da filha que um atilho
Deslaça a cada Verão!
Bato à porta ainda do quarto
Que os viu nascer e florir
A só recordar-me o parto
Neles da vida a fluir
E de que jamais me farto.
Nunca explicam nada disto
Quando eles nos nascem, não.
Que emprestados, está visto,
Afinal, é o que nos são,
Ou algo idêntico a isto.
Nunca ninguém no-lo diz
Para nem pestanejarmos.
Ainda bem, que ser feliz
Custa a dor de nós gostarmos:
Mais paga quem mais bem quis.
149 - Jantar
O jantar de nossa infância!
Não, não é o que lá comíamos
Que tem do encanto a pregnância,
Nos entretém a vigília:
- O pitéu que ali fruíamos
Foi jantarmos em família.
150 - Festins
Não são festins culinários
Que a memória nos povoam:
Comer juntos nos conforta
Os corações solitários.
As mesas que em nós ecoam
Dão-nos o que mais importa:
Laços fortes derivados
Da refeição previsível.
Findamos a acarinhar
Os alegres nós atados
Mesmo à mesa indigerível,
Imperfeita, de jantar.
151 - Pára
Pára de te preocupar
Em atingir o equilíbrio
Na vida a te balançar.
Se tens filhos, é um ludíbrio,
Levam-nos o tempo todo.
Tempo livre? Que saudade!
É a lei básica e o modo
De toda a paternidade.
O tempo que lhes dedicas,
Mesmo sendo o dia inteiro,
Sentes sempre que o aplicas
Escasso, vago e rasteiro.
152 - Gosta
Quem fizer parte de tua vida,
Quem para ti for importante,
Gosta de ti como és em lida,
Pelo que és tu, não pelo instante
Duma aparência que é ilusória
E que se perde na memória.
Nisto é que podes repousar,
O mais é perda de lugar.
153 - Nego
Não nego que o egoísmo
É uma busca de abundância
Nas asperezas do abismo
Dos corações da ganância.
E, todavia, o amor
Está muito mais presente
Do que imagino: é o pendor
Que da imprensa andar ausente.
Sempre o assassino aparece
No jornal, televisão,
Enquanto o amor emurchece,
Invisível no porão.
Se uma mãe massacra um filho,
Teremos conhecimento.
Se aos milhões cada sarilho
Deles solvem em tormento,
Sacrificadas demais,
Ninguém ouve falar delas.
Cuidamos, pelos jornais,
Não haver estas sequelas.
Se eu pudera contrapor
Actos egoístas num prato
Duma balança maior
Contra os de amor que constato,
A apostar me atreveria
Que ia ser para o segundo
Que sempre se inclinaria
Toda a balança do mundo.
Em qualquer caso, sensato
É pôr teu peso em tal prato.
154 - Incensar
Um perfume sempre igual
Pode ser bem diferente,
Incensar por todo o vale
Ou num recanto somente,
Vir num vaso de beleza
Ou no saltitar do vento,
A arregalar de surpresa
Ou sem deixar tomar tento…
O que eu estranho, mulher,
É que ao mesmo tempo sejas
Isto tudo, sem sequer
Eu ver mesmo que o almejas.
É tudo tão natural,
Um amor tão espontâneo!
Em mim pergunto o que vale
Que pise o teu supedâneo.
És minha gota de Deus
A orvalhar cada manhã,
Onde me espraias os céus
À minha soleira chã.
155 - Privado
Privado do outro igual,
Já que o feminino é visto
Como inferior, lateral,
Fica frustrado o que alisto
Do macho predominante
E acaba ao fim esgotado.
Onde o sol brilha constante
Há o deserto em todo o lado,
Secam florestas e rios,
O solo estala sedento,
Morre a terra nos pousios:
- É o mundo como hoje o invento.
E é o machismo em morte lenta:
Mata tudo onde ele assenta.
156 - Nasce
Quando nasce uma amizade,
Registo de nascimento
Ninguém lhe faz, em verdade,
Tangível não há elemento.
Apenas esta intuição
De que a vida é diferente,
Que o poder do coração
Foi miraculosamente
Expandido sem esforço
Algum cá de minha parte.
É ter duma casa o escorço
Minúsculo onde, com arte,
Alguém vem viver connosco.
E em vez de mais apertado,
Mais cheio ficar o tosco
Canto onde hei-me acomodado.
Logo se expande o lugar,
Quartos então descobrimos
De que nós nunca lograr
Pudemos até que haurimos
Do novo amigo presente,
Entre nós de vez assente.
157 - Terreno
É terreno movediço
Qualquer relação humana,
Mesmo na franqueza e viço.
Se me distraio, o que emana
É que fere e vai magoar
Aqueles a quem amar.
158 - Ajuda
Se a ajuda efectiva importa,
Basta que alguém disponível
A sinta, que logo a porta
De resistir, infalível,
Se abre contra a adversidade,
Miúdo a que olhar de soslaio
Os pais basta: a escuridade
Logo enfrenta sem desmaio.
159 - Aguardo
Que aguardo da relação?
Um naco de transcendência,
De sair a sensação
De mim e de minha ausência
Do quotidiano, rumo
Às nuvens onde me aprumo.
Alguns crêem que o amor
É religiosa vivência,
Num mundo laico o pendor
Que ela tem por excelência.
Só quando é repetição,
Mais do mesmo uma vez mais,
Do céu não nos cai ao chão
O novo em nenhuns sinais.
Mas na relação o sonho,
Crente ou ateu, sempre ponho.
160 - Paixão
A paixão é violenta,
Pedimos-lhe o céu na terra,
Não que, ao rés-do-chão atenta,
Solidária finde a guerra.
Os apaixonados são
Prontos a fugir do mundo,
A bater com o portão.
Só os amigos são, no fundo,
Capazes de transformar,
Armados de intimidade
Entre gente do lugar,
De sólida realidade,
Todos de defeitos cheios
Como de virtudes frágeis.
Ora, o amante aprende os meios
De nos devolver, mui ágeis,
Más imagens do que somos
Aos olhos dele: enganados,
Mentira em todos os gomos.
Mas o amigo facetados
Mistura espelhos compostos:
Uma limpidez cruel,
Grilos falantes a postos,
E cúmplice sempre fiel.
Na melhor e pior sorte
Companheiro até à morte.
161 - Caleidoscópios
Dos caleidoscópios através que a infância
Em nós construiu pelo passado fora
É que em toda a parte o teu povoado, em ânsia,
Lento abraçará qualquer aldeia agora,
É o metro-padrão doutras cidades, vilas,
A partir do qual as medirás, seguro.
Umas terão isto, aquilo a mais, senti-las
É que as tu não sentes, não lhes vês apuro,
Não serão a tua, o coração não tocam.
Quando retornado, vindo ao lar primevo,
Sentirás carinhos que a doçura evocam,
Que te invadirão: do tempo antigo és coevo.
Tua prole abraça e os locais aponta
Por onde em menino te passearam, ternos,
Os teus pais e avós, aos memoriais remonta
Que ali te trocaram, de azuis céus, infernos.
As crianças nunca agrilhoadas vivem
Ao concreto pobre, de bom grado trocam
O real razoável com o qual convivem
Por maravilhoso, a fantasia evocam.
Binóculos de alma para os filhos, netos,
Compra-lhes então e, pela aurora fria,
Quando a bruma lenta do chão trepa aos tectos,
Fá-los reparar no que ali já se via.
É o primeiro olhar. Fá-los depois quererem
Os olhos fechar, a finalmente verem.
162 - Apaixonados
A paixão esmoreceu,
Eles, porém, continuam
Apaixonados, de véu
E grinalda de que fruam,
Como água que, após fervida,
Não perde então o calor
Só porque, logo em seguida,
Da chama findo o fulgor,
Acabou de borbulhar.
Os anos cumplicidade
Vieram acarretar,
Carinho em serenidade,
Com tempo, não apressado,
Partilha de sonhos, fitos,
De preocupações um grado
Braçado além dos conflitos,
Sentimento de pertença
À história comum de vida.
É um laço que tudo vença:
Se nova paixão convida
Mesmo à margem da jornada,
Finda ignorada em caminho.
Eles esperam, de entrada,
Ficar juntos no igual ninho,
Aceitam inevitáveis
As mudas que o tempo traz
E não julgam, intratáveis,
À paixão que vem de trás
De num álbum relegar
De fotos amareladas,
Antes a vão embalar
Do empenho são nas jogadas.
163 - Porta-vozes
Sempre os pais transitarão
De porta-vozes dos deuses
A porto de salvação,
Cais eventual de adeuses,
De intrépidos marinheiros
Eventualmente ignorado.
Estes, sempre pioneiros,
Uma exigência arvorado
Terão sempre, inconsciente:
Que os pais se tenham por perto,
Já que a fortuna indecente
Não prega sempre em deserto.
Vamos então educá-los
Recuando aos bastidores,
Em cena então a deixá-los,
De seus caminhos autores,
Mas prontos sempre a pisar
O palco outra vez se as deixas
A tal nos vão obrigar,
Conforme o teor das queixas.
Se em tudo actuarmos bem
Os melhores secundários
Actores somos também,
Sem festas nem lampadários,
Mas com reconhecimento
De lhes ser reconfortante
Saber-nos, a cada evento,
Perto em gesto vigilante.
E depois nunca devemos
O espectáculo esquecer
Das vidas próprias que temos
Sempre em cartaz com quenquer.
Nunca se irão resumir
A acompanhamento deles.
Quem como tal se assumir,
Deles colando-se às peles,
De querido companheiro
De palco, passa a empresário
Egoísta e trapaceiro
Ou falhado mostruário
Duma estrela decadente
Perseguindo tarde a glória
Através deles jacente,
Fancaria de vanglória.
A nós não se abraçarão
Quando entre actos retomar
Vêm a respiração
Ao camarim que restar.
Cada qual é um condenado
O resto de sua vida
Na plateia a olhar de lado
Ou a escapar de fugida.
164 - Preço
Em vez de andar agarrado
A todo e qualquer poder,
Qualquer que seja o focado,
E de o procurar manter
Seja lá o preço qual for,
É de procurar ter antes
Disponível o valor
Do coração com que encantes
Diante de tudo e todos.
De amor ter uma atitude
E não do poder os modos
É conquistar a virtude
De respeitar os sinais
Que a vida nos vier dando,
Os vindos do imo, fulcrais,
E os que fora vão soando.
165 - Dor
A dor não é nunca má,
É uma forma de explorar
A profundidade que há
No sentimento a aflorar,
Na emoção por quem não volta
Nesta vida a andar à solta…
Cuida que a dor é um sinal
De amor, forma de lembrar
A todos que cada qual
É capaz, pedra angular,
De sentir uma emoção
Tão forte no coração.
Em última instância, a dor
É o outro lado do amor.
166 - Peso
Um amigo verdadeiro
É o que der a meu problema
O peso que lhe requeiro,
A importância que lhe tema,
E que a meu lado e com siso
Fica sempre que é preciso.
167 - Tanto
Do que nós mais precisamos
É de amor e de atenção.
E é tanto dos que nós damos
Como dos que vêm à mão:
Um cão que for cão fiel,
Que não embirre connosco,
É um bálsamo para a pele
Do solitário mais tosco.
Todo o amor nos toca fundo:
Nele assentamos o mundo.
168 - Brigar
Brigar com os irmãos será normal,
Problema é como os pais lidam com tal.
É nunca dar razão a nenhum deles,
Na discussão jamais, por mais que apeles,
Entrar para saber quem começou
O quê ou que mais justo se antolhou.
As brigas findem cerce, decididos,
Que o tempo se findou para ofendidos.
169 - Comprará
Jamais comprará o dinheiro
A felicidade, não.
Muitos engana o carreiro
De ter rico mealheiro
E que amealhando vão
Apenas para mais tarde
Andar às voltas num poço
De desejo que os albarde,
Frustrado da dor no alarde,
E que os afunda no fosso.
Qualquer infelicidade
Como a alegria, afinal,
Uma à outra sempre invade
Se é dinheiro em quantidade
Que em conta tem cada qual.
Felicidade o que a traz
São os que gostam de nós,
De quem gostar nos apraz,
São os afectos e a paz
Que partilhamos após.
Se houver dinheiro bastante
Para comprar um iate
E amigos não, adiante,
Que vão com o navegante
Tudo se afunda em dislate.
170 - Caminha
Do tempo através
Caminha o amor,
É, de lés a lés,
Terno povoador,
Gera companheiras
Almas pioneiras.
É tarefa tua
Dele amar a rua.
171 - Sofre
Não sofre quem não amar,
Contudo, em contrapartida,
Quem não sofrer, se calhar,
Também não ama em seguida.
Depois, não há garantia
De não sofrer quem não ama:
Sem amor, que vida fria,
Quanta dor sobre ela acama!
172 - Teia
Se o coração nos detecta
Que algo não estará certo
Em nossa vida concreta
E a teia de crenças, perto,
Acredita que não pode
Algum crédito decerto
Ao coração que me engode
Atribuir, como acordar?
- É a perda então que me acode!
A perda atraio ao lugar,
Dentro e fora me sacode
Até que eu aprenda a olhar.
173 - Simples
Amar é simples: sem códigos
Nem extremos sem porvir.
É existir, em gestos pródigos,
Do outro ao lado que surgir.
Doar-se, enfim, pelo que se é
E pelo que tem de ser-se:
Ao rever-se, fica em pé,
Inteiro no ser que exerce,
Existindo do outro ao lado.
Amar não é prescindir
Nem perder nenhum bocado,
É um dar que é dar-se a seguir.
Não dar só bens materiais,
Que muito mais fácil era.
É dar-se a si aos demais,
Sem temor de alguma espera.
E sem angústia, receio,
Sofrer quanto houver no meio.
174 - Querer
Há pais a querer que os filhos
Ou sejam isto ou aquilo
E filhos a atar atilhos
Dos pais ao ancestral silo,
A afinar por igual trilo,
Todos a sofrer sarilhos.
Como há filhos a tentar
Fugir ao que os pais quiserem,
A todo o custo a buscar
O que chamados a serem
Por eles próprios conferem
Que o coração quer gerar.
Às vezes enfrentam, duros,
Bem cruéis dificuldades.
Maridos tentam, impuros,
Domar personalidades
De esposas atrás das grades
Dum lar de quartos escuros.
Há tantos que tentam ser,
Afinal, o que não são!
Por mimetismo, quenquer
Não é quem é no desvão
De seu mais fundo porão
E a missão deixa de ver
Que veio cumprir à Terra.
E morrer irá, por fim,
Sem saber a que se aferra
O apelo de seu confim,
A chamada que é-lhe afim
E que, ao ignorá-la, enterra.
175 - Autonomia
Toda e qualquer separação
É uma proposta de evoluir:
Autonomia em formação.
O outro terá, rumo ao porvir,
A própria escolha que o chamar
E tu só tens que a respeitar.
Só respeitando sem limites
A escolha que ele quer fazer
Respeitarás (ficareis quites)
A ele inteiro, em todo o ser:
Não há respeito por alguém
Sem pela escolha haver também.
Na realidade nós seremos
Aquilo apenas que escolhemos.
Ser-escolher estão ligados
Intimamente: um ser, dois lados.
A escolha é forma de mostrares
Quem és deveras entre pares.
176 - Misturam
Não se amando loucamente,
Não se misturam nem colam.
Ao não colar-se, evidente,
É que o eu que tanto empolam
Não reduzem nem anulam.
Ao não reduzir o eu,
Logo ali não acumulam
Expectativas de seu
De um do outro receber
O que um eu já reduzido
Dar não consegue a quenquer:
Ninguém ser desiludido.
Como não se desiludem,
Já não ficarão carentes.
Como à carência não grudem,
Não esperam, entrementes.
Sem espera, não exigem
Receber nada que esperam.
Não exigindo, corrigem,
Não discutem, cooperam.
Ora, como não discutem,
Nunca então se distanciam.
Não distantes, eis que incutem:
- Nunca se separariam.
Eis como pode um casal
Unir-se vida adiante
Sem ter um laço ideal
Mas sendo gratificante.
177 - Atrair
O maior de nossos erros
Que vai atrair doença
É a falta de cume e cerros
De amor-próprio que convença,
Daquele amor verdadeiro
Que me acolhe tal qual sou,
No monte e desfiladeiro
Que me listo e donde vou
No topo das prioridades
Pôr-me, a levar-me a escolher
O que reflicta as verdades
Do que sou ao querer ser.
Não é isto o que acontece,
Nós agimos pelo medo,
É escolha do que apetece
A outrem que o quer de cedo,
Ou que as religiões mandam.
Andamos sempre a pensar
Nos outros, em como é que andam,
A viver em seu lugar,
Não as vidas que são nossas.
Focalizamo-nos fora,
A imitar sempre outras bossas,
Exemplar onde outrem mora.
Ora, imitar não é ser,
Ser dá muito mais trabalho,
À lógica a obedecer
Do que sou neste meu galho,
Do que sinto e ser intuo.
Ser é mais desconfortável
Que corresponder em duo
Ao que espere outrem, afável.
E que os outros correspondam
Esperar mais fácil é
Que compreender o que mondam,
O que a escolha põe de pé.
E custa mais defender
O que tua escolha enliça,
Consonante com teu ser,
Que ser na maré cortiça.
178 - Espelho
Quando alguém quer o melhor,
Se a outrem o melhor der,
O melhor que de si for
Vai-lhe o outro devolver.
Espelho da vida à solta,
O que além vai sempre volta.
Se uma pessoa quiser
Bem sucedida no afecto
Por uma vez lograr ser,
Cruzará neste trajecto
Com a leira sexual,
Ser arroteia e moral.
Um orgasmo é eternidade
Na matéria a semear-se,
Lá em cima capacidade
De estar e, sem que se esgarce,
Cá em baixo andar radicado,
Simultâneo, deste lado.
Desbloqueio da energia
A embeber-nos divinal,
É romper uma outra via,
Abertura do canal
Do lado de cá da vida
Para o que de além convida.
Êxtase em meditação,
Pode também ocorrer
Num orgasmo em comunhão,
Comportas a se romper.
Há quem vislumbre ali luzes,
O céu a que te conduzes
A acontecer, já liberto,
A conexão dos dois mundos.
É o princípio, o mapa aberto,
Da viagem com pés fecundos.
Aberto o canal, que fácil
Volitar em voo grácil!
179 - Conscientes
Do amor e do ódio o dual,
Quando não for superado,
Não é nunca o ideal.
O ideal é que o casal,
Conscientes ambos do fado,
De quem são, de seus limites,
Se apaixonem loucamente,
A produzir, nos palpites,
Pura energia, ambos quites
Ao cruzar todo o presente.
Quando juntos, tudo é intenso,
Porém, quando separados,
Cada qual, com todo o senso,
Reserva um tempo que é denso,
Para aos sonhos dar cuidados.
Quando juntos a estar voltam
Trazem todo um universo
Individual que então soltam,
Com que acrescentam e escoltam
A relação num reverso.
Estar com o outro sem
Comigo deixar de estar
É harmonização também
Dos opostos que convém
No amor assim consagrar.
Se julgas que não és nada
Sem um ente outro qualquer,
Quer seja uma namorada,
Quer cônjuge ou pai, de entrada
Fecha os olhos para ver
Como é mau um tal apego,
Despeja-o num vácuo astral.
Não à pessoa em que pego
Para amá-la com sossego,
Sem deste apego sinal.
Livra-te assim várias vezes
Até perceber que dói,
Mas que só contigo peses
O que eriges e o que leses,
Pois és só tu quem constrói.
180 - Casal
Casal que nunca se larga,
Sempre junto, mas respeita
Um doutro o espaço que alarga
De maneira que se ajeita
Um do outro à opinião,
Como um do outro aos anseios,
Terá vida sem lesão,
Feliz, de equilíbrios cheios.
Companheiro que dá espaço
Ao outro de ser quem é,
Que o pratica traço a traço,
É do céu dádiva até.
Tudo está no seu lugar,
A harmonia dos opostos
Que o céu sempre anda a impetrar,
Harmonia aqui dos gostos
De com outrem e consigo
Estar na mesma medida,
Do que se quer ao abrigo,
Do que outrem quer em seguida.
Tudo o que anda harmonizado
No Cosmos vence a distância,
Vai levar em todo o lado
A uma superabundância.
Mas se o casal não se larga,
Extremado, se exagera,
Se um não vive sem a carga
Do outro, acorrentada hera,
Para o eu não há lugar,
Alma nenhuma se expande.
Reduzido, colocar
Uma expectativa grande
Vai um noutro, no sentido
De ele então lhe devolver
Todo o próprio eu perdido
Ou parte, ao menos, sequer.
Doutrem começa a exigir
Uma recompensa então
Para em vão vir a elidir
A própria insatisfação.
São duas alternativas
Entre as quais escolher deves:
Trilhas mortas, trilhas vivas,
Em qual das duas te atreves?
181 - Procura
No casal que se não larga
Não há lugar para o Eu,
Antes um ao outro embarga,
Cada qual emurcheceu.
O Eu então procura fora
Recompensa que demora.
Procura o que o volte a encher,
Mas de fora para dentro
É inútil quanto fizer,
Que só eu em mim mesmo entro.
Em relação ao parceiro
Joga o que aguardar inteiro.
O outro, naturalmente,
Não dá resposta ao excesso
De expectativas presente
Sobre ele neste processo.
Desilude-se a pessoa,
Começa a exigência à toa.
É a lógica inconsciente:
Se deixei de me exercer
A ser contigo um só ente,
Por um só contigo ser,
É natural que precise
De algo em ti que a mim me vise
Completando o que me falta.
Quando o vou buscar a ti,
Não acho lá o que me exalta
E de que preciso aqui.
Fico zangado, portanto,
Que incorrecto é o desencanto,
Pois, se a ti te dou, também
Tinhas de me dar a mim.
O curioso, porém,
Do casal fundido assim
É que já não vive junto
Na união que é dele o assunto.
182 - Desenganos
Os desenganos do amor,
Que é que uns aos outros vão dando?
Amor? Andam-se enganando,
Bens materiais vão trocando
Como ofertas de valor.
Que pretendem: agradar
E fazer-se conhecer?
Que é que ao fim vão receber?
Não quanto esperavam ter,
Pois quem ama, ao enviar
Amor, em troca o que espera
Será receber amor,
Não bens, mesmo de valor,
Nem de material teor.
Quem ama deu-se em que esfera?
Às vezes deu-se, também,
Através da concessão.
Ao conceder, deixa então
De fazer ou ter à mão
O que pretende também.
O que após vai receber
Não é tanto quanto espera:
Quem ama quer paixão vera.
A concessão que pondera
Feliz não o irá fazer.
E quem ama, que é que dá?
Às vezes cobra, ao invés,
Pretende o que quer, de vez,
Mas que o par, neste entremez,
Para dar já não terá.
E no fim recebe o quê?
Quem amar é amor que quer,
Nunca incompreensão qualquer
Nem a cobrança sequer:
Era, atento, o outro ao pé.
Quem ama então dá o amor
Das mais variadas formas,
Mas só o que tem (não das normas),
O que constrói, que conformas
Dentro de ti ao calor.
Este amor sempre é divino,
Anda, eterno, preparado
A multiplicar-se, dado
Do infindo ao tempo instilado,
Torna cada gesto um hino.
183 - Semelhantes
Os semelhantes se atraem.
Pois então procure alguém
Em que as semelhanças traem
Que é parecido consigo,
Pois é provável também
Que ele em si busque um abrigo.
Se prefiro companheiros
Com iguais antecedentes,
Com interesses cimeiros
E a par crenças e valores
Comigo coincidentes,
É a validar meus amores.
Por isto é que gravitamos
Sempre em redor de parceiros
Que fisicamente achamos
Que connosco se parecem.
Eles somos nós inteiros,
Já os traços nos não esquecem.
184 - Romance
Um romance na lonjura
Gratuitamente fenece.
A proximidade o apura,
Manda nele e o robustece.
Viver junto ao potencial
Ente que desperta amor,
Seja ao balcão laboral,
Seja à rua do fervor,
Garante uma exposição
Repetida que faz bem:
Quão mais vir minha paixão
Mais do que é gosto também.
185 - Atracção
O maior factor
Da atracção do amor
É a compreensão
De que um coração
De alguém há que, a sós,
Já gosta de nós.
Faz-nos sentir bem
Na pele pelém
E transborda então
Numa sensação
De correspondermos
Nós em iguais termos.
De quem me elogia
Enluaro o dia.
186 - Primeira
O amor à primeira vista
Pode existir, é de regra:
Se o par futuro se avista
Olhos nos olhos, integra
A fogueira a que se atêm
E mais gostam do que vêem.
Ter pupilas dilatadas
Ajuda, que o atributo
Físico são as dedadas
Dum atractivo produto:
É o revelador sinal
De apetite sexual.
Ambos os sinais escapam
Da mente ao feroz controlo.
Assim o intento lhe tapam
De me entrapar em seu rolo
De mentiras que não bastam
De além aos sons que me engastam.
187 - Disse
Já disse as coisas de nada?
A linguagem corporal
É uma fala não-verbal
De ambos entendida à entrada.
Basta o potencial parceiro
Olhar e depois sorrir.
Também o gesto leveiro
No cabelo, como a urdir.
E a feminil submissão:
Expor pulsos e pescoço,
Enroscar pernas, então,
Faz do parceiro um destroço.
A linguagem corporal,
Quando as coisinhas de nada
Murcharam logo de entrada,
Solta logo um vendaval.
188 - Beleza
A beleza interior
Ignore-a, se quiser par:
O bom aspecto é melhor,
Que leva a considerar
Quem o tem por mais esperto,
Mais sexy e bem-sucedido
Que as aguinhas-sem-sal perto,
De lírio, puras, erguido.
O que incônscios valoramos
São atributos que aumentam
Vitória em todos os ramos
Da reprodução que alentam.
Por isso os homens preferem
A mulher mais nova, de ancas,
Que é juventude que auferem,
Férteis espaneja rancas.
E a rapariga o mais velho,
Mais alto vai preferir:
Tem mais recurso e conselho
Na prole para investir.
É instinto reprodutivo
O alicerce do sentido:
Sobre esta pedra angular
É que o mais se há-de elevar.
189 - Excitado
Quão mais excitado alguém
Estiver (medo, alegria…),
Se em presença de seu bem,
Potencial par de algum dia,
Tanto então mais facilmente
O vai achar atraente.
190 - Melhor
Quanto melhor nos sentirmos
Mais gostamos da pessoa
Com quem no lugar nos virmos.
Se teu par bílis escoa
Logo no início da noite,
Procura animá-lo, ou não
Há canto algum que te acoite
Quando ao fim chega o serão.
191 - Frémitos
Ninguém deve amar demais
A Deus, acima dum homem,
Senão, contra os ventos seus,
Os frémitos que o consomem
São de devir consciência
Do homem, vindo então este
A ser, com fria premência,
Perseguido, se o conteste.
Não há mesmo outra medida
Do amor a Deus do que amar
O homem na inatendida
Forma por que escolha andar.
192 - Castigo
O castigo não conquista
Nem amor duma mulher
Nem lealdade dum homem.
Tem satisfação em vista
Do amor-próprio que tiver
Quem orgulhos só consomem.
193 - Difícil
Ao pobre a felicidade
É difícil porventura
Como à individualidade
Que assenta o que àquela apura,
Para o que der e vier,
Totalmente noutro ser.
A pobreza é o mal externo,
O interno será o amor.
Se moderado amar, terno,
E a pobreza for transpor,
Então não há nenhum muro
Contra a alegria que apuro.
Uns amam um ser humano
Em demasia e sujeitos
São a tal amor de engano,
Outros ao amor atreitos
São dos deuses por demais,
Findam presos em tal cais.
Um homem não deveria
Escravizar-se a ninguém,
Então livre deviria
E o mundo livrava além.
194 - Separadas
Os ancestrais as raízes
São sempre de qualquer casa:
As crianças, os matizes
Das flores que além se apraza:
Jamais ambos devem ser
Separados por quenquer.
195 - Toque
Só poderá ser do amor.
Que leva uma rapariga
Sã, perfeita, com pudor,
A pensar, se não se abriga
No toque do namorado,
Que o sol desaparecer
Do céu pode em todo o lado,
Vai o mundo escurecer?
Só do amor poderá ser.
196 - Laço
Quebrou-se o laço consigo,
Com a cidade, o labor,
Com os outros, com o abrigo
Que tudo era de supor,
Vivo o tempo fragmentado,
A vida, tudo quebrado.
A cidade é grande, grande;
Grande, grande é a solidão:
É o homem só. Quem comande
Não há o carro ou o avião,
Nem o autocarro ou a rua
Onde apenas pó flutua.
Só: no trabalho, no lar,
Sentado à mesa sozinho,
Ante os meus a conversar,
Mas ninguém ouve, adivinho.
Tempo desarticulado,
Donde é que sou, de que lado?
Onde é que estou, afinal,
Onde estarei amanhã?
Perdi a raiz vital,
Estou solto, palha vã,
Ao acaso em todo o lado,
Pé não tomo no meu fado.
Não há pior solidão
Que a dum homem mutilado
De alma dele e coração,
Dele próprio um ausentado,
Que de si se vai despindo,
Na praça se diluindo
Do grande mercado-mundo.
Quanto maior, mais sozinho,
Já não cidadão fecundo.
Consumindo em desalinho,
Gastar é a meta superna,
- Eis a barbárie moderna.
197 - Maioria
Quando a maioria muda,
Com ela se muda o mundo.
Para o que às margens acuda
Reservo um lugar ao fundo.
Amor e transformação,
Liberdade e diferença,
Do sonho realização,
Dele inviável presença:
Não há como conviver
Com sonho cristalizado,
Metamorfose do ser
Nosso é inelutável fado.
Os amantes se encontrando,
Se separam, reencontram,
É metamorfoseando
Que amam o que um noutro encontram.
Tudo é mudança perene,
O amor com a despedida,
Vida com morte solene…
- E a ternura desmedida.
198 - Passo
Relativamente aos filhos,
O primeiro passo a dar
Vai ser flexibilizar
Os nós que houver nos atilhos:
Os nossos pontos de vista
E expectativas em lista.
199 - Sabe
Teu filho vem-te propor
Orientação, amor
E disciplina, não mais.
Não te vem propor ter pais.
Ele sabe qual a via.
Trata, pois, de ser-lhe o guia.
200 - Alterarmos
Ao alterarmos os lemas
Para honrar os pequeninos,
- Dádivas são, não problemas -
Abrir-nos-emos aos finos
Termos da sabedoria,
Portas de compreensão
Abrimos em cada dia
Ao que somos neste chão.
Luz apenas luziria,
Ao fim, com toda a magia.
201 - Respeita
A ti respeita, a teu filho
E nunca errarás então.
O respeito ata o cadilho
Do amor à raiz, no chão.
Se amas deveras teu filho
E o não usas para encher
De carências teu quartilho,
A tua fome de ser
Bem amado e bem aceite,
Os benefícios serão
Máximos em quem se afeite
Aos que contigo se vão.
202 - Rápido
Se lhes dissermos que não
Voltando depois atrás,
Bem rápido aprenderão
Qual o tormento eficaz
A levar a sua avante.
Aos filhos não darás tudo
Que queiram a cada instante,
Antes, a par, sobretudo
Sabe o que estás a dizer
Quando dizes sim ou não
Aos pedidos que qualquer
Deles faz na ocasião.
203 - Factor
É um factor a confiança
Fundante ao determinar,
No futuro da criança,
O sucesso que alcançar.
O preservar de auto-estima
Que é numa criança inata
Mais importa, como clima,
Que as competências que acata.
Sendo ambas imprescindíveis,
É naquela que se fundam
Aprendizagens credíveis
Que o futuro nos fecundam.
204 - Prestes
Somos prestes a deixar
Para trás o mundo velho,
Na inveja a se basear,
Na ganância e destrambelho,
Para entrar em nova era,
Fundada em cooperação,
Onde o amor não é quimera,
Vivendo nossa união,
Onde a humana unicidade
Vem tecer a realidade.
205 - Somos
Não podemos saudáveis,
Felizes, equilibrados
Ter filhos, se intermináveis
Somos desequilibrados,
De stresse cheios, de medo,
Sem esperança nenhuma.
Muitos pais descobrem cedo
Que, ao ajudarem, em suma,
Os filhos, irão também
Curar-se eles logo além.
206 - Condição
Mesmo o bebé de que um dia
Poderemos esperar
Que a consciência alargaria
Do planeta, precisar
Há-de sempre de limites
Que implicam autocontrolo,
A condição dos desquites
Dum grupo humano sem dolo.
Terá de ser corrigido,
Tem de receber fronteiras,
Sempre embora no sentido
A que apontem dele as leiras.
207 - Creia
Ter a noção, lá bem fundo,
Que há quem creia em nós a sério,
Que nos amará no mundo
Seja qual for o mistério,
É a mensagem poderosa
De que a vida é uma viagem,
Um roteiro que alguém goza
Com os mais sempre em romagem,
Explorado e partilhado
Com outros em todo o lado.
208 - Resistência
Quando obténs constantemente
Resistência da criança,
Tem-te a ti primeiro em mente,
Vê o que te falta e te alcança.
A criança pode estar
A tentar que olhes o espelho
Ou a pedir-te, em lugar,
Ajuda, como mais velho,
Para testar mais valências
A descobrir novas raias,
Afinando competências,
Talentos noutras alfaias,
Ou a trepar para o nível
Seguinte de crescimento,
Por mais que te seja incrível
O lado onde sopra o vento.
209 - Lume
Não digas quem são agora
Nem quem irão ser mais tarde:
Eles é que sabem. Ora,
Deixa-os decidir o que arde
No lume dos ideais.
Não obrigues o teu filho
A envolver-se mais e mais
Dum negócio no sarilho
Pelo facto de a família
O fazer há gerações.
Teu filho está de vigília,
Não é o anho que supões.
Se alguém quer um seguidor,
Um patinho é de propor,
Nunca o filho que tiver
Cujo trilho é o que vier.
210 - Trata
À criança como adulto
Trata ao dar-lhe explicações,
Dá-lhe voto, não indulto,
Na toma de decisões
E dá-lhe um leque que acolhas
De muitas, muitas escolhas.
De forma paternalista
Nunca falarás com eles.
Escuta-os em tua pista,
São sensatos, são aqueles
Que coisas sabem a esmo
Que nem tu saberás mesmo.
Respeita-os a todo o nível
Como com teus próprios pais,
Com um amigo credível
Com quem à vontade sais.
Deixa-os sempre ser quem são,
Que a terra fecundarão.
211 - Colheita
Um pai, quando for sensível,
Disposto a ajudar o filho,
A colheita previsível
Tem do cultivado milho:
Filho que sensível for
Ajuda virá propor.
Quando alguém ajuda alguém,
Bate-lhe o coração calmo.
Quem não ajuda, o que tem
É mais rápido o peito almo.
Quem ajuda é sempre e bem
Quem pelo coração vem.
212 - Simpáticos
Simpáticos somos mais
Entre quem gostar de nós
E atreitos a maus sinais
Se entre quem desgosta após.
Os nossos filhos não são
Diferentes de nós nisto.
Se os vemos incarnação
Sagrada do que é benquisto,
Feliz, perfeito, a beleza
De quem é filho de Deus,
Exalarão, com certeza,
Tais quesitos dentre os véus.
213 - Pede
Pede o menino que brinquemos.
Se não tens tempo de brincar,
Arranja-o tu, que é o que devemos,
Que ele não vai por si sobrar.
Se a vida fica assim tão séria
Que não permite rir, brincar,
Fingir a tenda de miséria,
Saltar a lama, ao chuviscar,
De cão aos pulos, a latir,
Então estou de vez perdido.
O que pratico é sem porvir,
Que o que ali gero é que é medido.
214 - Mantém
Mantém a tua criança
Participante, informada.
Assim mais longe ela alcança
Na jornada.
Potenciais mal-entendidos
Evita com as razões
Simples que lhe dão sentidos
Aos senões.
Ante o filho não reajas,
Dar ordens é de evitar:
Sugere e pede quando hajas
De mandar.
Cumpre com tua palavra,
Lida com cada momento,
Não batas, que à tua lavra
Lavra-a o vento.
Se for dada reprimenda,
Desconta um qualquer bombom
Das benesses que ele entenda,
Com bom tom.
E discute a conjuntura
Da reprimenda a seguir.
E a seguir logo assegura
Que o porvir
Ficou de vez garantido,
Que está tudo resolvido.
215 - Filhos
Os teus filhos não são teus,
Antes das ânsias que tem
A própria vida por vida,
São prenda vinda dos céus
Que através de ti devém
Mas não de ti renascida.
Embora estejam contigo,
Não te pertencem de todo.
Podes dar-lhes teu amor,
Não de teu pensar o abrigo,
Que eles pensam a seu modo,
A ilustrar novo pendor.
Os corpos acolher podes,
Não as almas surpreendentes
Que em lar moram de amanhã
Que a visitar não acodes,
Que o não podes, nem por mentes
Nem por sonhos, terra vã.
Podes lutar para ser
Como eles são, mas não tentes
Torná-los como tu és.
És arco donde qualquer
Dos filhos que tão teus sentes
Lançado é longe, ao invés.
Servindo estas flechas vivas
Deixa-te antes retesar
Nas mãos do archeiro discreto
De mira funda, em cativas
Ternuras que te irão dar
Felicidade em concreto.
216 - Parental
Quando ajusta a maioria
Numa parental acção
Algo, é por demais tardia.
Já consumadas estão
As escolhas importantes
Que melhor resultarão:
Quem é que ele é, nas constantes,
Como com quem se casou,
De que vida são garantes…
Se trabalhador se achou
E se inteligente for,
Se habilitação logrou
Dum elevado teor,
Então ao filho entregou
De vida o melhor penhor.
217 - Chuvada
Quem nunca a chuvada ouviu
Num telhado, em cantochão,
Como dirá que viveu?
É tão romântico o som!
Repousando, o mundo é cama
Onde a ternura nos ama.
218 - Tornar
Um homem se compromete
A tornar o par feliz
Na esperança (que o aquiete)
De que ela, que assim o quis,
Faça o que houver a fazer
Para lhe corresponder.
219 - Milénios
Os homens necessidades
Certas têm, bem cogentes;
A mulher te persuades
Que outras terá diferentes.
Há milénios assim é
E por milénios será.
Se ambos nisto têm fé,
Se concordam desde já,
E cada um trabalhar
Do outro por satisfazer
A precisão que mostrar,
O casamento há-de ser
Feliz verdadeiramente.
Depende da confiança
Mútua que deite semente:
Bem simples é o que o alcança!
220 - Difícil
Se difícil crês o agora,
Espera até o amanhã.
Se julgas que não piora,
Verás que é uma crença vã.
E, quando já não cuidares
Que pode haver melhoria,
Eis que melhoram teus ares
Além do que se previa.
Contudo, se continuas
A cuidar que vos amais,
E, se com teu par confluas
A agir com afectos tais,
Conforme este sentimento,
Tudo se resolverá,
Sopre onde soprar o vento,
Pelo melhor desde já.
221 - Miúdos
Os miúdos são também
Pessoas: quando começam
A crescer, como convém,
Optam pelo que apeteçam.
Antes de quaisquer desquites,
Poder velho tem limites.
222 - Hierarquia
Na hierarquia correcta
O lar é mais importante
Que correr carreira adiante.
A prioritária meta
É pôr à frente de tudo
Cônjuge e demais família.
Quem velar nesta vigília,
Pobre embora, é rico a miúdo.
223 - Gravidez
A gravidez sempre actua
Como um amplificador,
Tudo nela se pontua
Por ficar muito maior,
O tronco, a barriga, os braços,
As emoções, as memórias…
De doida às vezes tem traços,
De insólito gera histórias.
Não há tais extravagâncias
Nunca noutras circunstâncias.
Ao gerar, novo postigo
Dum novo mundo lobrigo.
224 - Ambos
Principia a discussão,
Se se conferem os dados,
Porque ambos têm razão
Como ambos estão errados.
É que é como é cada qual
E ninguém é, pois, perfeito,
Mas sempre implica um casal
De formar equipa o jeito.
Moldam o resto da vida
A aprender a conhecer-se.
Às vezes, inatendida,
Há-de uma explosão fender-se.
O belo do casamento
Mora nisto a toda a hora:
Se o par certo escolhe atento
E dentro em nós o amor mora,
Sempre invento uma maneira
De transpor dificuldades.
Nem tempestades à jeira
Vão matar as novidades.
225 - Sexo
De fazer sexo a frequência
Divide homens e mulheres.
Estas às vezes premência
Sentirão de tais prazeres;
Nos homens constantemente
Necessidade é premente.
É diferença insondável
Que, na melhor circunstância,
Compromisso razoável
Permite obter, com constância:
O melhor satisfazer
É aceitável a quenquer.
Elaborar compromissos
Sopra o lume nos chamiços.
226 - Pisarmos
Afinal, ninguém parece
Que precise de ter filhos.
O que de facto acontece,
Ao pisarmos estes trilhos,
É que são a evolução
Do que é um relacionamento,
Mas secreto há um outro chão,
Eco doutro chamamento:
Um desejo enraizado
De criar uma versão
De alguém miniaturizado,
Um tu contra a solidão,
E que reproduza ali
Alguém muito especial,
O amor que vivo senti,
Que é tudo em mim, afinal.
Quanto ao sacrifício, os pais
Não querem só tal imagem
Deles próprios, querem mais:
- Ver-se em melhor personagem!
227 - Quase
Um homem sempre precisa
De a sério ser admirado
Por mulher que o ajuíza.
E sempre anda preparado
Para tudo prosseguir
Só para tal conseguir.
A mulher ainda entendido
Não tem totalmente acaso
Tal facto, fundo escondido.
Julga que o tempo sem prazo
Que o homem perde no emprego
É por cume ser dum ego,
Da vida o mais importante,
O que é por inteiro errado.
Não é o poder que garante,
Garante a mulher ao lado,
Já que a mulher é atraída
Por poder que firme a vida.
É o mesmo que os homens leva
A olhar para a mulher jovem:
A evolução, pela treva,
Pica as pulsões que nos movem
Rumo à fértil, com saúde,
Nela faz que o homem grude.
A mulher também se sente
Para um homem atraída
Capaz de seguramente
Proteger, sustentar vida
À prole como à mulher
A quem com amor se der.
228 - Franqueie
O professor pouco importa
Para a criança, a não ser
Que do lar franqueie a porta
Que uma família impuser
E um lugar no coração
Lá ganhe em tributo a tudo
Que a ver deu na relação
Que deu fruto em tal miúdo.
229 - Empatia
Empatia é dois olhares
Construindo um horizonte
Único, perante os pares,
Numa irrepetível ponte.
Complementam-se no embalo,
Corpo que noutro confia,
Colo fundante em meu halo,
Dança-sexo onde há magia.
E a vida toda retomo
Da vida em seu melhor gomo.
230 - Berço
Um berço jamais é bem
Cama fofa e amovível.
Do brilho dos olhos vem
Ao fundo de alma, visível,
Também o enamoramento:
E o berço é um encantamento,
Varanda de comunhão
Onde os corações se dão.
231 - Sermos
Sermos Deus para um bebé
E ele um menino Jesus
Bem nosso, aqui mesmo ao pé,
Que nos admira e faz jus,
Mesmo que nós nos achemos
Sem encanto comparável
Mesmo à barraca que vemos
No lixo mais execrável,
Por mais que não tenha siso
No sisudo que transportas,
- Vai fazer que o paraíso
Fique aqui dentro de portas.
232 - Passageira
Jamais a felicidade
É mentira para dois
Mas passageira verdade
Com que descubro depois,
Pela mão de algum carinho,
Para casa meu caminho.
233 - Estranhos
Estranhos deveras não
São os que se não conhece,
Mas os que ao pé nosso estão
E que sempre nos parece
Que o que connosco se passa
Não entendem nem de graça.
234 - Apelamos
Apelamos à verdade
Por escassez de momentos
De vera autenticidade:
Esta de alameda ventos
Desenha em dois corações
Capazes de se escutar.
Pelo silêncio, sermões
Andam nela a passear.
Porque há silêncio somente
Para os que aptos nunca estão
Para auferir o presente
De ouvir com o coração.
235 - Auto-estima
Só quem se sentir amado
Vai sentir segura a estima
Que merecer dalgum lado.
Auto-estima é sempre o clima
Que resulta de gostarem
De nós, seja lá quem for.
Tais vivências, ao se darem,
São o princípio motor
Para que doutrem gostemos
Que então mais gosta de nós.
E eis como é que encadeemos
Do melhor da vida os nós.
236 - Alivia
Reconhecer-nos nalguém
Desabafa muito mais,
Alivia a angústia a quem
Abafado andar demais
Nas dúvidas que no chão
Urdem nossa solidão.
E, se alguém se reconhece
Em nós, então nos transforma:
Nosso além ele estremece,
Olha por nós noutra norma,
Sem que sobreponha, a par,
Ao nosso seu próprio olhar.
E com isto nos depura
Nosso sonho e assinatura.
237 - Sumo
Muita gente só descobre
Que não viveu ao morrer.
Ao não amar, se lhe encobre
Da vida o sumo que houver,
O que descobrir, furtivos,
Nos fará que estamos vivos.
238 - Janelas
Não é tarde se a humildade,
Perante as surpreendentes
Janelas com que o amor
Nos desconcerta a vaidade,
Murmurar, mesmo entre dentes,
Que tarde não é, se for
Com alguém que eu encontrar
Que possa recomeçar.
239 - Tornamo-nos
Nós tornamo-nos amáveis,
Não tanto quando nos damos
Para que gostem de nós,
Mas sempre que, confiáveis,
A nosso imo que prezamos,
Trazemos quem, mesmo atroz,
Nos pondo em dúvida as cores
E sem simuladas fitas,
Nos torna então bem melhores
E pessoas mais bonitas.
240 - Mexa
Gostar de alguém em segredo
É somente idealizar,
Desejar que a ideia o medo
Perca e venha pôr-se a par
De mim sem que eu mexa um dedo.
Um dia perceberei
Que idealizar é um adeus
Que sem dar por isso dei
E assim me perdi dos céus.
241 - Estimar
Estimar sempre é cuidar
De quem, gostando de nós,
Com a vida a conversar
Nos põe cada dia após
E nos despoja de tudo
Que nos prende e não nos deixa
Buscar novas a que acudo,
Madeixa as lendo a madeixa,
Com que se espreguiça e lida
A imaginação que dantes
Parecia adormecida,
De à margem dos caminhantes.
242 - Tente
Há quem tente conhecer-nos
E nos julgue complicados.
E aqueles, com gestos ternos,
Que, ao se darem, são tão dados
Que simples, compreensíveis
Mais nos tornam e visíveis,
Até para nós também.
É o que numa relação
Entre dois vai mais além,
Tem do divino feição:
Desmonta a complexidade
À luz da simplicidade.
243 - Sentir
É quem me sentir fizer
Mais simples e acompanhado
Quem ajuda a perceber
Que não vivo só, de lado.
E, de forma fulgurante,
Ao levar-me pela mão,
Entre questões que adiante
Esclarece como são,
É quem me faz entender
Que, bem mais do que parece,
Entre amar e conhecer
Elos há que nada empece.
244 - Redenção
As crianças, sobretudo,
São a redenção dos pais.
Sempre que estes, a miúdo
Já desistiram demais
De serem parte actuante
Em prol dum mundo melhor,
Em vez de serem, no instante,
Engolidos do rancor,
Percebem que uma criança
Traz de volta a madrugada
Todo o dia e nunca cansa.
Tal se, não havendo estrada
Para começar de novo,
Através dela pudessem
Chocar tudo quase do ovo
E os milagres acontecem.
245 - Distingue
O que distingue a palmada
Da física violência,
É o que a dor põe separada
Do sofrimento, em vivência.
É uma palmada uma dor
Nem mui grande nem frequente.
A violência, um sofredor
Ferimento aqui presente,
Latejando sem parar.
A palmada é assimilável
Se for acto singular,
Acaso logo isolável.
Não sendo, merece então,
Ao mudar de natureza,
Da lei a pesada mão,
Do laço em nome que preza.
246 - Transparência
Não tivera a maioria
Das crianças comunhão,
Transparência que fruía
Com elas a mãe à mão,
E a fé no amor como via
De sonhos a encher o vão
Com que as vidas, em magia,
Comandaram na ilusão
Que forma e cor, cada dia,
Deu a cada convicção,
- A fé no amor morreria,
Morta sem apelação.
O primeiro desafio
É nunca dizer adeus
Ao amor em que confio.
Segundo, é trepar aos céus,
Se tal se vier a impor,
Para reencontrar o amor.
E deixá-lo desmedido,
Sublime como insolente,
Insubmisso mas rendido,
Terno para toda a gente,
Ousado nos despojando
Na alegria de nós quando
Se multiplica nos ramos
Daqueles a quem amamos.
247 - Caminho
A mãe abre uma porta para o Paraíso,
A família o caminho abre do Purgatório.
A mãe luz num olhar nos põe, abrindo o siso,
Da família nasceram nuvens de envoltório.
Da comunhão consigo, a mãe ruma à verdade,
A família convida a alguma falsidade.
De polarização se entretece o caminho
E o desafio agora é de armar bem o ninho.
248 - Vire
Há quem nos vire do avesso,
Nos tire as nuvens do olhar,
Banhe de sol o começo
Do coração singular.
Falamos então de amor,
Tal se fora um sentimento.
E é um consenso de fervor,
Sentem dois num só momento.
Por isso a tranquilidade
Dum amor é um reboliço
E um céu de estrelas invade,
Com o estranho do feitiço,
A terra da indiferença
Que nos levara a guardar
Da terra a melhor presença
Para mais tarde. E a fanar
Se lhe acabara o produto,
Do amor não fora o conduto.
249 - Mora
Em muitos mora um amor
Sem ninguém a quem se dar,
De amar, ser amado ardor
Sempre alguém a procurar.
Que precisará de ter
Na outra ponta do fio
Uma pessoa qualquer
Que lhe escute o desfastio,
Que o sucesso ou desagrado
Lhe ouça com desenvoltura.
Por mais vida tem ansiado
Ou por gestos por ternura.
Quer alguém, de preferência,
Que tenha uma cara humana
E um pendor lunar de essência
Que nocturno não engana.
Faltando quem de si goste,
Há quem aspire e se ocupe
Com o mínimo e que aposte
Em só ter a quem se encoste,
Em quem só se preocupe.
250 - Brumas
São sempre as brumas do amor
Que fazem com que as histórias
Se repitam com humor,
Ridículas de memórias.
Porém, ao contrário delas,
Veras histórias de amor
Nascem da inocência, estrelas
De vulnerável fulgor.
Não a inocência que muda
Toda a sexualidade
Em penunbra cega e muda,
Tal a ignorância que a grade.
Antes a do coração
Que se despoja de todo,
Joga o preconceito ao chão,
Nos ensina de que modo
Trocaremos galanteios
Com a vida, nas sacadas.
É história de amor, de anseios
De afectos, pelas jornadas,
Que não só nos leva, gratos,
A falar com sentimentos,
Mas surpreende nos tratos
Com alguém que leve os ventos
Dos afectos a falar
Connosco de par em par.
251 - Estima
Estima que é só de boca
É de quem doutrem não gosta,
E mal olha, preso à toca,
Nem escuta nem encosta
Ombro ao ombro de quem toca.
Eles outrem não estimam,
Antes activos o evitam.
Neles próprios nisto limam
Tudo a quanto se habilitam
Para que não reconheçam
Os que estimam e o mereçam.
252 - Bebés
Os bebés sabem que falamos
Antes de mais com nossos olhos.
São as janelas com que atamos
Sol por nós dentro, sem abrolhos,
E são cortinas de esconder
Tudo o que a boca não disser.
Tem aconchego um olhar terno
E se espreguiça o luminoso.
Teme o bebé, se dói interno
E se distrai com o ansioso.
Se o deprimido o assusta, frio,
Sente terror do que é vazio.
253 - Esbracejam
As pessoas inseguras
Esbracejam, se baralham.
E sempre nestas alturas
Do amor falam o que calham.
Esquecem, neste momento,
Que amor não é sentimento,
Menos um bom pensamento,
Seguro, a que alguém recorre
Para colorir o vento
Que planura além discorre.
Amor consensualidade
É dos dois que persuade,
O que dois que se comovem
Trocam sem já precisarem
De saber como se movem
Nem porquê de tal gozarem:
Vão assim, gratuitamente,
No que os faz voar em frente.
254 - Resolvermos
Resolvermos os conflitos
Não é nada trivial.
Não é só calar os gritos,
É lograr ser radical.
Confrontos irmão a irmão
Que pontuam toda a infância
Auto-estima afectarão,
Toda a autonomia ou ânsia,
As amizades futuras
E a harmonia familiar.
Num adulto como apuras
A maneira de lidar
Com um problema vai ter
Origem na luta chã
Que teve um dia qualquer
Com um irmão ou irmã.
Se a resolve mal ou bem
É que inaugura o roteiro
Que vai trilhar vida além:
Este é que é o rumo primeiro.
255 - Gesto
Criança que agitação
Cria com um gesto hostil,
Com a física agressão,
Na realidade vil
É duma provocação
Repetida vezes mil
A vítima sem opção,
Às vezes, sem que refile,
Dum qualquer matreiro irmão
Que esperto mais se perfile.
Quando o pai ou mãe entendem
O que aconteceu deveras
É que aos dois deveras tendem
A ajudar, com leis severas
Mas que os filhos compreendem.
Então é que às revoadas
Os vão soltar vida fora
Sempre a adejar, de mãos dadas,
No porvir que neles mora.
256 - Ajudar
Quando menos agitados,
Tente ajudar os seus filhos
A identificar, bem traçados,
E exprimir cambiantes, brilhos
Dos sentimentos que, aflitos,
Andem por trás dos conflitos.
De cada qual oiça o lado
Com atenção e cuidado.
Quando as crianças percebem
Que os sentimentos serão
Tidos pelos que as recebem
Sempre em consideração,
Desenvolvem, dia a dia,
Pelos demais empatia.
257 - Regra
Com tempo e com paciência
Reduz à regra o conflito.
Da regra entende a ciência
A criança: quer o fito
De ver bem qual é o limite,
A proibição e o convite.
Sem tal, as questões havidas
Não são jamais resolvidas.
258 - Impõem
Impõem regras os pais
De maneira inconsistente
E a meio tempo, ademais.
Quando estão mesmo ocupados,
Não se esforçam, tempo ausente,
Esquecem os bens criados.
Agredir chama a atenção
Mais que de propriedade
A infantil violação,
Como agarrar no brinquedo
Doutrem quando isto lhe agrade,
Recusar um jogo, quedo…
Mas propriedade e direito
Muito importam na criança,
Como a regra a ter a peito.
Aquilo de que ela gosta
Só preservado a descansa,
Do confronto evita a aposta.
Espaço e privacidade,
Se os também respeito alcança,
A criança é-o de verdade.
259 - Presente
À criança mostrar como
Exprimir o sentimento,
Em acordo entrar que domo
E brincar junta a contento
Será um presente lhe dar,
A vida inteira a durar.
260 - Norma
As mães por norma juízas
São na hora das disputas
E o pai mais pesa se visas
Cooperar fora das lutas.
Pais que mostram, carinhosos,
Como partilhar objectos,
Ceder a vez, amistosos,
Doam aos filhos aspectos
Do modo de interagir
Que a cooperar os faz ir.
E assim é que eu inauguro
Neles desde hoje o futuro.
261 - Lidar
Ao estabelecer regras
Ou ao lidar com conflitos,
Crianças que breve integras
Entre risadas e gritos
Ajuda, em terras maninhas,
A encontrar rumos sozinhas.
Por que estão a discutir?
Que doutrem pontos de vista
Cada diga sem trair,
Que por fim tracem a lista
De alternativas à mão
Até comum solução.
Juntos assim laborando
Novo mundo vão gerando.
262 - Brinquem
As crianças são brinquedos
Do crescimento dos pais:
Brinquem, pois, não fiquem quedos,
São nisto fundamentais!
Pais que brincam às crianças
Darão importância à escola
Que então nisto prende as tranças
E a que a vida não se imola.
Aula não tradicional,
Sempre ensina em jogo igual.
263 - Saúde
Bem à saúde a tristeza
Poderá sempre fazer.
Não responde, de certeza,
Mas ajuda a dor que houver
A perceber que as pessoas
São os antidepressivos,
As mezinhas que são boas
Para ao fim sermos festivos.
Quando nós estamos tristes,
Amanhã longe é demais.
Precisa a dor em que existes
Das estrelas-guias tais
Que o escuro sofrimento
Onde ambulamos perdidos
Se transmude, num momento,
Na luz de sonhos vividos
Onde, por todo o lugar,
Nos podemos encontrar.
264 - Saudável
É saudável dizer não
Definitivo à criança.
Quando o sentem tal, então,
Medem o que a busca alcança,
Tentam chegar a um acordo
Em que ambos fiquem a bordo.
Se a criança, ao invés, sente
Que, ao dizer não, os pais gritam
De insegurança evidente,
Pensa que, se tanto hesitam,
Basta então insistir mais,
Que logo fogem do cais.
E o combate resultante
Pauta a vida logo adiante.
Em lugar dum gozo terno,
É, cada dia, um inferno.
265 - Nunca
Quando alguém em nós entrou,
Nunca mais de lá saiu,
Nem com ordem que lhe dou,
Nem sequer de espada a fio.
Convivo com muita gente
Dentro de mim fatalmente.
Quem entrou deixou a marca,
Nem a apaga a mão da parca.
266 - Contar
Em vez de ao adolescente
Contar que a paixão faz bem,
É saúde a agir presente,
Falarão antes, porém,
Do risco ou moralidade
Que tem a sexualidade.
Depois disto, que é que admira
Se ele a fuga tem em mira?
É que aqueles dois vectores
Só juntos firmam amores.
267 - Medo
O medo educar permite
Aprender a conhecer
A relação que o incite.
Conduz a compreender
Que a ele sobrevivemos
Se o confiarmos à guarda
Daqueles a quem amemos
E amem nossa cara parda.
O medo atender, criar
Vai permitir-nos prudência.
Fugir dele é que é ficar
Nele preso sem solvência.
268 - Caras
As crianças compreendem
Que são as caras bondosas
Que a torná-las vivas tendem.
Convictas de estar presentes
Nas afeições carinhosas,
Nos que as acolhem assentes,
Dão ternura ao conhecer,
Segurança ao questionar
Na curiosidade a ter
E todo o desassossego
Do pensamento larvar
Vão reger em riso e apego.
269 - Namorar
Namorar, para que leve
A rumar ao mundo novo,
É a paixão a que se atreve
E um logo-se-ver em ovo.
Não se planeia: se aceita,
Com júbilo e com temor,
De surpresa e sem despeita:
É gratuito e caro o amor.
270 - Mau
Pareces mau com o filho,
O aluno de que mais gostas,
Porque exiges maior brilho,
Sobes o grau das apostas.
Tarde irão agradecer
O que antes lhes parecia
Nenhum valor merecer
E, afinal, bem merecia.
271 - Encher
Mesmo que os filhos não cheguem
Para encher os nossos dias
É bom que a nós se congreguem,
Sós não vão as mãos vazias.
Primeiro eles nos espremem
Como limão sumarento,
Depois vão-se embora, temem
Que sejamos travamento.
Que sentido dar à vida?
Ainda ontem vibrava
Com a palavra sentida,
Com o beijo que espreitava.
A solitária varanda
Hoje aqui virada ao mar
É de desilusões que anda,
De derrotas, a falar.
Sê, portanto, disponível:
O amor, então, é credível.
272 - Mãe
A mãe é o cubo da roda
De toda e qualquer família.
Os mais, os raios a toda
A volta, sempre em vigília.
Quando a mãe desaparece,
Esvai-se o centro da vida,
A perda então acontece,
Outro é o lar da sobrevida.
273 - Doutrem
Sou feliz porque consigo
Doutrem as opiniões
Entender de meu postigo.
De bem pouco há mais razões
Que entender alguém querido,
Um inimigo, um estranho,
E ver o mundo medido
Do vector de seu amanho.
Torno-me mais sabedor
Quando logro comungar
De seu afecto o sabor,
Percebo o que lhe importar
Dos actos e das palavras,
Quando vejo o mundo inteiro
Com olhos de suas lavras.
Em minha vida parceiro
Serei logo mais vibrante
Quando passo o que passar
Outrem antes tão distante.
Generoso irei ficar
E menos preocupado
Comigo próprio de vez.
Solidário me hei tornado
E com raízes nos pés.
E como me sinto bem!
Fico feliz quando ajudo
Os que precisam também
E eis como a mim mesmo acudo.
274 - Relações
Ter amizades, relações profundas
Resulta de viver a própria vida
De formas sérias, devotadas, fundas,
E de ser apto à vida a sós seguida.
Para ir bem nas relações no tempo,
As almas de homens como as de mulheres
Capazes devem ser, sempre a contento,
De sem elas viver, sem mais haveres.
Na solidão o tempo perpassado,
Dela a vivência, celibato quase,
Deliciosos podem ser no fado
De quem procure uma existência-base
Sempre integral, bem importantes vindo
A ser no casamento ou na amizade:
É a busca de alma gémea aqui se haurindo,
Porque primeiro ter uma alma se há-de.
De solidão capacidade ter
É um prévio requisito à intimidade
Com outro alguém a quem mui bem se quer.
Caso contrário, quem, na insanidade,
Um companheiro busca em desespero
Exprime apenas pessoal vazio
E a relação que em base frágil quero
Não satisfaz de unir-me o desafio.
275 - Linha
Quando os olhos vão cegando,
Não há buraco de agulha
Onde a linha se enfiando
Confirme que lá mergulha.
É que por dentro mais vemos
Quanto por fora escasseia
Mais o mundo onde vivemos
A vida que mal ameia.
Por isto é benvinda a ajuda
Que um ao outro vá grudar
Os dois mundos a que acuda
No eterno jeito de amar.
O interior e o exterior
Ajudando a se encontrar,
Tal é meu gesto de amor,
É meu jeito de te amar.