SEGUNDO  TROVÁRIO

 

 

                      NO  AMOR  IDENTIFICA-ME  A  MATRIZ

 

 

 

 

 

Escolha ao acaso um número entre 135 e 275, inclusive.

Leia o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

                             135 - No amor identifica-me a matriz

 

                                    No amor identifica-me a matriz

                                    O verso regular no metro e forma,

                                    Com rima que de amor sempre nos diz

                                    O que entre dois amantes bem condiz

                                    Na harmonia que os ata, ambos conforma.

 

                                    No termo se une tudo e no real

                                    Tudo a ver tem com tudo, indiferente

                                    Ao que a palavra aprende, no final,

                                    Dum real que espicaça eterno a mente.

 

                                    Mas o conceito aponta aqui a dedo

                                    Onde afinal se encontra o nosso ninho

                                    Os ovos a chocar dum porvir ledo.

 

                                    Por entre os desencontros que adivinho

                                    Trio laços do verso com o ancinho.

 

 


136 - Trabalhei

 

Trabalhei a vida inteira

E o melhor que eu aprendi

É que a diária canseira

É dar-me bem por aqui,

Sem heróis nem adivinhos,

Com todos os meus vizinhos.

 

Juntos, quase sem nós vermos,

Continuamos a aliviar

As mazelas dos enfermos,

Qualquer dor de quem calhar,

O mal dos desamparados,

Indefesos, lesionados…

 

É que todos, bem no fundo,

Somos intrinsecamente

Bons, por todo o vasto mundo:

Aos milhões, diariamente,

Gente comum o comprova

Partilhando e pondo à prova

 

Sacrifício, compaixão,

Pelos mais amor de irmão.

 

 

137 - Relação

 

Não é nunca permanente

Nenhum relacionamento:

A relação que é virente

Evolui cada momento.

 

Permanente relação

Sempre é, pois, contradição.

 

 

138 - Casa

 

A casa não é só casa,

Vive cheia de memórias,

De momentos, duma brasa

Que incendeia antigas glórias,

 

Mil aventuras vividas.

Existe em mim a gaveta

Das lembranças bem queridas

Que torna deveras minha

A casa, numa secreta

Atadura de gavinha.

 

 

139 - Casamento

 

O casamento é viagem

Rumo a um destino ignorado,

Descoberta da coragem

De partilhar, denodado,

 

Tudo quanto não sabemos

Não só um doutro a respeito

Mas também o que não vemos

Em nós nos marcando o peito.

 

 

140 - Duvida

 

Se a jovem se crê bonita,

Nunca duvida dum homem

Que o amor por ela grita,

Pois se acredita que o domem

 

Dela os encantos, bastantes

Para enfeitiçar quenquer,

Não estranha, após nem antes,

Os efeitos que tiver

 

A acender qualquer chamiço

Dela o pretenso feitiço.

 

Não admira que a iluda

A mentira a que se gruda.

 

 

141 - Bolsa

 

Bolsa não satisfarei

Abandonando no chão,

Insatisfeito e sem lei,

O mísero coração.

 

Amo e então, ao me casar,

Pobre embora, tenho lar.

 

 

142 - Rapaz

 

Ao rapaz nunca ocorreu

Que ela fique mais ferida

Dele só com a partida

Do que a cura um cume seu.

 

Se a hora de ir se aproxima,

Dela uma angústia a apertar-se

Principia, sem disfarce,

É de desespero o clima.

 

Ama-o tanto, tanto, tanto,

Tem tanta esperança nele!

Quase vive, no que a impele,

Só para ele, de encanto.

 

Gosta de lhe fazer tudo:

Dar-lhe um café, um jantar,

A camisa lhe engomar,

Escovar-lhe o sobretudo…

 

E que alegria saber

Que ele adore ir, aprumado,

A seguir, por todo o lado

No fato que lhe escolher!

 

Ele agora já não volta

A fazê-lo: vai-se embora.

Sente-o sair em tal hora

Do peito a sangrar revolta.

 

Não continua a viver,

Parece, já dentro dela,

É o desgosto e a dor que a atrela

A um passado a fenecer.

 

Ele vai levar com ele

Dela tudo, a carne e a pele.

 

 

143 - Temeridade

 

Temeridade é vingança

Dum homem sobre a mulher:

No seu valor não a alcança

Nem conhecido é sequer,

Arrisca ser destruído,

- Dela a ser de vez perdido.

 

Reconhecimento parco

Leva à pedrada no charco.

 

E às vezes atrás da pedra

Se afoga o amor que não medra.

 

 

144 - Sós

 

Com a mãe, a sós, os filhos

Contam-lhe eventos do dia:

Nada ocorre nem tem brilhos

Para eles realmente

Antes daquela alegria

De à mãe o dar de presente.

 

 

145 - Noite

 

Depois da noite de amor

Ambos ficam mui calados,

Que acenderam o fulgor

Que inova todos os dados,

Conhecem a imensidão

Que vigora na paixão.

 

Sentem-se muito pequenos,

Temerosos, infantis

E de interrogações plenos,

Eva e Adão pueris

Quando a inocência perderam

E de vez compreenderam

 

O tamanho do poder

Que do Paraíso os fez

Sair para percorrer

A grande noite de pez

E também o grande dia

Do Homem que aí viria.

 

Foi mesmo uma iniciação

Para cada um dos dois,

Bem como satisfação,

E renasceram depois:

Ficaram a conhecer

O nada que é o de quenquer.

 

A vaga enorme de vida

Que sempre os propulsionava

Proporcionou, de seguida,

A paz que cada buscava.

Se a um poder tão grandioso,

Magnificente, me entroso

 

Que me pode dominar,

Me identifica comigo,

De modo que vislumbrar

Que sou grão de pó consigo

Naquela tremenda força

Que tudo torça e destorça,

 

Que levanta a folha de erva,

Árvore e tudo o que é vivo,

Então por que ter reserva,

Me preocupar, esquivo,

Comigo mesmo algum dia

Se sou nada em tal fasquia?

 

Podem deixar-se arrastar

Pela vida que vier,

Cada qual sentir, a par,

Paz no outro a que bem quer.

Viveram, de mão na mão,

Uma vivificação.

 

Nada mais pode apagá-la,

Nada lha pode tirar,

À verdade que os abala

E os finda a pacificar.

É a confiança na vida

Com que aqui cada qual lida.

 

 

146 - Começa

 

Começa o amor erótico,

A emoção fica tão forte

Que arrastará num caótico

Turbilhão tudo - alma, porte,

 

Razão, sangue - é uma voragem,

Um rio que, sem ruído,

Redemoinha na cofragem

Dos muros que houver aluído.

 

Vão-se as críticas miúdas,

As pequenas sensações,

Sofre o raciocínio mudas,

Arrastado nos baldões.

 

Não são homem e mulher

Com uma mente desperta,

Transformam-se num qualquer

Instinto que os acoberta.

 

As mãos, criaturas vivas,

Os membros, o corpo inteiro,

Adquirem vidas furtivas,

De consciência um luzeiro,

 

Absolutamente alheios

A qualquer vontade deles,

Vivendo por próprios meios

Deles por dentro das peles.

 

Pulsam ambos de igual fogo

E de igual prazer na força

Que mantém com desafogo

Tudo a que o Universo orça.

 

É como se eles, as ervas,

As estrelas, a folhagem

Se amalgamem sem reservas

Num fogaréu com vantagem

 

De puxá-los para diante,

De puxá-los para cima.

Tudo jorra doravante

E tudo queda num clima

 

Nele perfeito como eles.

A paz tranquila à chegada

Das coisas todas imbeles,

No êxtase vivo arrastada,

 

O ponto máximo alcança

Do que é bem-aventurança.

 

 

147 - Início

 

No início da relação

Há o melhor comportamento.

Às vezes, na ocasião,

Uma frescura de vento,

 

A pequena extravagância,

Vem a revelar-se após

O inferno atrás da fragrância

De já nunca andarmos sós.

 

Vale-nos a intuição:

Se incomoda, não devemos

Deixá-lo passar em vão;

Mas também não estraguemos

O que ao fim pode ser bom.

A intuição é o raro lume

Que pode elevar-me ao cume.

 

 

148 - Subestimo

 

Subestimo a repressão:

Que saudades de meu filho

Que voou numa ilusão

E da filha que um atilho

Deslaça a cada Verão!

 

Bato à porta ainda do quarto

Que os viu nascer e florir

A só recordar-me o parto

Neles da vida a fluir

E de que jamais me farto.

 

Nunca explicam nada disto

Quando eles nos nascem, não.

Que emprestados, está visto,

Afinal, é o que nos são,

Ou algo idêntico a isto.

 

Nunca ninguém no-lo diz

Para nem pestanejarmos.

Ainda bem, que ser feliz

Custa a dor de nós gostarmos:

Mais paga quem mais bem quis.

 

 

149 - Jantar

 

O jantar de nossa infância!

Não, não é o que lá comíamos

Que tem do encanto a pregnância,

Nos entretém a vigília:

- O pitéu que ali fruíamos

Foi jantarmos em família.

 

 

150 - Festins

 

Não são festins culinários

Que a memória nos povoam:

Comer juntos nos conforta

Os corações solitários.

As mesas que em nós ecoam

Dão-nos o que mais importa:

 

Laços fortes derivados

Da refeição previsível.

Findamos a acarinhar

Os alegres nós atados

Mesmo à mesa indigerível,

Imperfeita, de jantar.

 

 

151 - Pára

 

Pára de te preocupar

Em atingir o equilíbrio

Na vida a te balançar.

Se tens filhos, é um ludíbrio,

 

Levam-nos o tempo todo.

Tempo livre? Que saudade!

É a lei básica e o modo

De toda a paternidade.

 

O tempo que lhes dedicas,

Mesmo sendo o dia inteiro,

Sentes sempre que o aplicas

Escasso, vago e rasteiro.

 

 

152 - Gosta

 

Quem fizer parte de tua vida,

Quem para ti for importante,

Gosta de ti como és em lida,

Pelo que és tu, não pelo instante

Duma aparência que é ilusória

E que se perde na memória.

 

Nisto é que podes repousar,

O mais é perda de lugar.

 

 

153 - Nego

 

Não nego que o egoísmo

É uma busca de abundância

Nas asperezas do abismo

Dos corações da ganância.

 

E, todavia, o amor

Está muito mais presente

Do que imagino: é o pendor

Que da imprensa andar ausente.

 

Sempre o assassino aparece

No jornal, televisão,

Enquanto o amor emurchece,

Invisível no porão.

 

Se uma mãe massacra um filho,

Teremos conhecimento.

Se aos milhões cada sarilho

Deles solvem em tormento,

 

Sacrificadas demais,

Ninguém ouve falar delas.

Cuidamos, pelos jornais,

Não haver estas sequelas.

 

Se eu pudera contrapor

Actos egoístas num prato

Duma balança maior

Contra os de amor que constato,

 

A apostar me atreveria

Que ia ser para o segundo

Que sempre se inclinaria

Toda a balança do mundo.

 

Em qualquer caso, sensato

É pôr teu peso em tal prato.

 

 

154 - Incensar

 

Um perfume sempre igual

Pode ser bem diferente,

Incensar por todo o vale

Ou num recanto somente,

 

Vir num vaso de beleza

Ou no saltitar do vento,

A arregalar de surpresa

Ou sem deixar tomar tento…

 

O que eu estranho, mulher,

É que ao mesmo tempo sejas

Isto tudo, sem sequer

Eu ver mesmo que o almejas.

 

É tudo tão natural,

Um amor tão espontâneo!

Em mim pergunto o que vale

Que pise o teu supedâneo.

 

És minha gota de Deus

A orvalhar cada manhã,

Onde me espraias os céus

À minha soleira chã.

 

 

155 - Privado

 

Privado do outro igual,

Já que o feminino é visto

Como inferior, lateral,

Fica frustrado o que alisto

 

Do macho predominante

E acaba ao fim esgotado.

Onde o sol brilha constante

Há o deserto em todo o lado,

 

Secam florestas e rios,

O solo estala sedento,

Morre a terra nos pousios:

- É o mundo como hoje o invento.

 

E é o machismo em morte lenta:

Mata tudo onde ele assenta.

 

 

156 - Nasce

 

Quando nasce uma amizade,

Registo de nascimento

Ninguém lhe faz, em verdade,

Tangível não há elemento.

 

Apenas esta intuição

De que a vida é diferente,

Que o poder do coração

Foi miraculosamente

 

Expandido sem esforço

Algum cá de minha parte.

É ter duma casa o escorço

Minúsculo onde, com arte,

 

Alguém vem viver connosco.

E em vez de mais apertado,

Mais cheio ficar o tosco

Canto onde hei-me acomodado.

 

Logo se expande o lugar,

Quartos então descobrimos

De que nós nunca lograr

Pudemos até que haurimos

 

Do novo amigo presente,

Entre nós de vez assente.

 

 

157 - Terreno

 

É terreno movediço

Qualquer relação humana,

Mesmo na franqueza e viço.

Se me distraio, o que emana

É que fere e vai magoar

Aqueles a quem amar.

 

 

158 - Ajuda

 

Se a ajuda efectiva importa,

Basta que alguém disponível

A sinta, que logo a porta

De resistir, infalível,

Se abre contra a adversidade,

Miúdo a que olhar de soslaio

Os pais basta: a escuridade

Logo enfrenta sem desmaio.

 

 

159 - Aguardo

 

Que aguardo da relação?

Um naco de transcendência,

De sair a sensação

De mim e de minha ausência

 

Do quotidiano, rumo

Às nuvens onde me aprumo.

 

Alguns crêem que o amor

É religiosa vivência,

Num mundo laico o pendor

Que ela tem por excelência.

 

Só quando é repetição,

Mais do mesmo uma vez mais,

Do céu não nos cai ao chão

O novo em nenhuns sinais.

 

Mas na relação o sonho,

Crente ou ateu, sempre ponho.

 

 

160 - Paixão

 

A paixão é violenta,

Pedimos-lhe o céu na terra,

Não que, ao rés-do-chão atenta,

Solidária finde a guerra.

 

Os apaixonados são

Prontos a fugir do mundo,

A bater com o portão.

Só os amigos são, no fundo,

 

Capazes de transformar,

Armados de intimidade

Entre gente do lugar,

De sólida realidade,

 

Todos de defeitos cheios

Como de virtudes frágeis.

Ora, o amante aprende os meios

De nos devolver, mui ágeis,

 

Más imagens do que somos

Aos olhos dele: enganados,

Mentira em todos os gomos.

Mas o amigo facetados

 

Mistura espelhos compostos:

Uma limpidez cruel,

Grilos falantes a postos,

E cúmplice sempre fiel.

 

Na melhor e pior sorte

Companheiro até à morte.

 

 

161 - Caleidoscópios

 

Dos caleidoscópios através que a infância

Em nós construiu pelo passado fora

É que em toda a parte o teu povoado, em ânsia,

Lento abraçará qualquer aldeia agora,

 

É o metro-padrão doutras cidades, vilas,

A partir do qual as medirás, seguro.

Umas terão isto, aquilo a mais, senti-las

É que as tu não sentes, não lhes vês apuro,

Não serão a tua, o coração não tocam.

Quando retornado, vindo ao lar primevo,

Sentirás carinhos que a doçura evocam,

Que te invadirão: do tempo antigo és coevo.

 

Tua prole abraça e os locais aponta

Por onde em menino te passearam, ternos,

Os teus pais e avós, aos memoriais remonta

Que ali te trocaram, de azuis céus, infernos.

 

As crianças nunca agrilhoadas vivem

Ao concreto pobre, de bom grado trocam

O real razoável com o qual convivem

Por maravilhoso, a fantasia evocam.

 

Binóculos de alma para os filhos, netos,

Compra-lhes então e, pela aurora fria,

Quando a bruma lenta do chão trepa aos tectos,

Fá-los reparar no que ali já se via.

 

É o primeiro olhar. Fá-los depois quererem

Os olhos fechar, a finalmente verem.

 

 

162 - Apaixonados

 

A paixão esmoreceu,

Eles, porém, continuam

Apaixonados, de véu

E grinalda de que fruam,

 

Como água que, após fervida,

Não perde então o calor

Só porque, logo em seguida,

Da chama findo o fulgor,

 

Acabou de borbulhar.

Os anos cumplicidade

Vieram acarretar,

Carinho em serenidade,

 

Com tempo, não apressado,

Partilha de sonhos, fitos,

De preocupações um grado

Braçado além dos conflitos,

 

Sentimento de pertença

À história comum de vida.

É um laço que tudo vença:

Se nova paixão convida

 

Mesmo à margem da jornada,

Finda ignorada em caminho.

Eles esperam, de entrada,

Ficar juntos no igual ninho,

 

Aceitam inevitáveis

As mudas que o tempo traz

E não julgam, intratáveis,

À paixão que vem de trás

 

De num álbum relegar

De fotos amareladas,

Antes a vão embalar

Do empenho são nas jogadas.

 

 

163 - Porta-vozes

 

Sempre os pais transitarão

De porta-vozes dos deuses

A porto de salvação,

Cais eventual de adeuses,

 

De intrépidos marinheiros

Eventualmente ignorado.

Estes, sempre pioneiros,

Uma exigência arvorado

 

Terão sempre, inconsciente:

Que os pais se tenham por perto,

Já que a fortuna indecente

Não prega sempre em deserto.

 

Vamos então educá-los

Recuando aos bastidores,

Em cena então a deixá-los,

De seus caminhos autores,

 

Mas prontos sempre a pisar

O palco outra vez se as deixas

A tal nos vão obrigar,

Conforme o teor das queixas.

 

Se em tudo actuarmos bem

Os melhores secundários

Actores somos também,

Sem festas nem lampadários,

 

Mas com reconhecimento

De lhes ser reconfortante

Saber-nos, a cada evento,

Perto em gesto vigilante.

 

E depois nunca devemos

O espectáculo esquecer

Das vidas próprias que temos

Sempre em cartaz com quenquer.

 

Nunca se irão resumir

A acompanhamento deles.

Quem como tal se assumir,

Deles colando-se às peles,

 

De querido companheiro

De palco, passa a empresário

Egoísta e trapaceiro

Ou falhado mostruário

 

Duma estrela decadente

Perseguindo tarde a glória

Através deles jacente,

Fancaria de vanglória.

 

A nós não se abraçarão

Quando entre actos retomar

Vêm a respiração

Ao camarim que restar.

 

Cada qual é um condenado

O resto de sua vida

Na plateia a olhar de lado

Ou a escapar de fugida.

 

 

164 - Preço

 

Em vez de andar agarrado

A todo e qualquer poder,

Qualquer que seja o focado,

E de o procurar manter

 

Seja lá o preço qual for,

É de procurar ter antes

Disponível o valor

Do coração com que encantes

 

Diante de tudo e todos.

De amor ter uma atitude

E não do poder os modos

É conquistar a virtude

 

De respeitar os sinais

Que a vida nos vier dando,

Os vindos do imo, fulcrais,

E os que fora vão soando.

 

 

165 - Dor

 

A dor não é nunca má,

É uma forma de explorar

A profundidade que há

No sentimento a aflorar,

Na emoção por quem não volta

Nesta vida a andar à solta…

 

Cuida que a dor é um sinal

De amor, forma de lembrar

A todos que cada qual

É capaz, pedra angular,

De sentir uma emoção

Tão forte no coração.

 

Em última instância, a dor

É o outro lado do amor.

 

 

166 - Peso

 

Um amigo verdadeiro

É o que der a meu problema

O peso que lhe requeiro,

A importância que lhe tema,

E que a meu lado e com siso

Fica sempre que é preciso.

 

 

167 - Tanto

 

Do que nós mais precisamos

É de amor e de atenção.

E é tanto dos que nós damos

Como dos que vêm à mão:

 

Um cão que for cão fiel,

Que não embirre connosco,

É um bálsamo para a pele

Do solitário mais tosco.

 

Todo o amor nos toca fundo:

Nele assentamos o mundo.

 

 

168 - Brigar

 

Brigar com os irmãos será normal,

Problema é como os pais lidam com tal.

 

É nunca dar razão a nenhum deles,

Na discussão jamais, por mais que apeles,

 

Entrar para saber quem começou

O quê ou que mais justo se antolhou.

 

As brigas findem cerce, decididos,

Que o tempo se findou para ofendidos.

 

 

169 - Comprará

 

Jamais comprará o dinheiro

A felicidade, não.

Muitos engana o carreiro

De ter rico mealheiro

E que amealhando vão

 

Apenas para mais tarde

Andar às voltas num poço

De desejo que os albarde,

Frustrado da dor no alarde,

E que os afunda no fosso.

 

Qualquer infelicidade

Como a alegria, afinal,

Uma à outra sempre invade

Se é dinheiro em quantidade

Que em conta tem cada qual.

 

Felicidade o que a traz

São os que gostam de nós,

De quem gostar nos apraz,

São os afectos e a paz

Que partilhamos após.

 

Se houver dinheiro bastante

Para comprar um iate

E amigos não, adiante,

Que vão com o navegante

Tudo se afunda em dislate.

 

 

170 - Caminha

 

Do tempo através

Caminha o amor,

É, de lés a lés,

Terno povoador,

Gera companheiras

Almas pioneiras.

 

É tarefa tua

Dele amar a rua.

 

 

171 - Sofre

 

Não sofre quem não amar,

Contudo, em contrapartida,

Quem não sofrer, se calhar,

Também não ama em seguida.

 

Depois, não há garantia

De não sofrer quem não ama:

Sem amor, que vida fria,

Quanta dor sobre ela acama!

 

 

172 - Teia

 

Se o coração nos detecta

Que algo não estará certo

Em nossa vida concreta

 

E a teia de crenças, perto,

Acredita que não pode

Algum crédito decerto

 

Ao coração que me engode

Atribuir, como acordar?

- É a perda então que me acode!

 

A perda atraio ao lugar,

Dentro e fora me sacode

Até que eu aprenda a olhar.

 

 

173 - Simples

 

Amar é simples: sem códigos

Nem extremos sem porvir.

É existir, em gestos pródigos,

Do outro ao lado que surgir.

 

Doar-se, enfim, pelo que se é

E pelo que tem de ser-se:

Ao rever-se, fica em pé,

Inteiro no ser que exerce,

 

Existindo do outro ao lado.

Amar não é prescindir

Nem perder nenhum bocado,

É um dar que é dar-se a seguir.

 

Não dar só bens materiais,

Que muito mais fácil era.

É dar-se a si aos demais,

Sem temor de alguma espera.

 

E sem angústia, receio,

Sofrer quanto houver no meio.

 

 

174 - Querer

 

Há pais a querer que os filhos

Ou sejam isto ou aquilo

E filhos a atar atilhos

Dos pais ao ancestral silo,

A afinar por igual trilo,

Todos a sofrer sarilhos.

 

Como há filhos a tentar

Fugir ao que os pais quiserem,

A todo o custo a buscar

O que chamados a serem

Por eles próprios conferem

Que o coração quer gerar.

 

Às vezes enfrentam, duros,

Bem cruéis dificuldades.

Maridos tentam, impuros,

Domar personalidades

De esposas atrás das grades

Dum lar de quartos escuros.

 

Há tantos que tentam ser,

Afinal, o que não são!

Por mimetismo, quenquer

Não é quem é no desvão

De seu mais fundo porão

E a missão deixa de ver

 

Que veio cumprir à Terra.

E morrer irá, por fim,

Sem saber a que se aferra

O apelo de seu confim,

A chamada que é-lhe afim

E que, ao ignorá-la, enterra.

 

 

175 - Autonomia

 

Toda e qualquer separação

É uma proposta de evoluir:

Autonomia em formação.

O outro terá, rumo ao porvir,

A própria escolha que o chamar

E tu só tens que a respeitar.

 

Só respeitando sem limites

A escolha que ele quer fazer

Respeitarás (ficareis quites)

A ele inteiro, em todo o ser:

Não há respeito por alguém

Sem pela escolha haver também.

 

Na realidade nós seremos

Aquilo apenas que escolhemos.

 

Ser-escolher estão ligados

Intimamente: um ser, dois lados.

 

A escolha é forma de mostrares

Quem és deveras entre pares.

 

 

176 - Misturam

 

Não se amando loucamente,

Não se misturam nem colam.

Ao não colar-se, evidente,

É que o eu que tanto empolam

 

Não reduzem nem anulam.

Ao não reduzir o eu,

Logo ali não acumulam

Expectativas de seu

 

De um do outro receber

O que um eu já reduzido

Dar não consegue a quenquer:

Ninguém ser desiludido.

 

Como não se desiludem,

Já não ficarão carentes.

Como à carência não grudem,

Não esperam, entrementes.

 

Sem espera, não exigem

Receber nada que esperam.

Não exigindo, corrigem,

Não discutem, cooperam.

 

Ora, como não discutem,

Nunca então se distanciam.

Não distantes, eis que incutem:

- Nunca se separariam.

 

Eis como pode um casal

Unir-se vida adiante

Sem ter um laço ideal

Mas sendo gratificante.

 

 

177 - Atrair

 

O maior de nossos erros

Que vai atrair doença

É a falta de cume e cerros

De amor-próprio que convença,

 

Daquele amor verdadeiro

Que me acolhe tal qual sou,

No monte e desfiladeiro

Que me listo e donde vou

 

No topo das prioridades

Pôr-me, a levar-me a escolher

O que reflicta as verdades

Do que sou ao querer ser.

 

Não é isto o que acontece,

Nós agimos pelo medo,

É escolha do que apetece

A outrem que o quer de cedo,

 

Ou que as religiões mandam.

Andamos sempre a pensar

Nos outros, em como é que andam,

A viver em seu lugar,

 

Não as vidas que são nossas.

Focalizamo-nos fora,

A imitar sempre outras bossas,

Exemplar onde outrem mora.

 

Ora, imitar não é ser,

Ser dá muito mais trabalho,

À lógica a obedecer

Do que sou neste meu galho,

 

Do que sinto e ser intuo.

Ser é mais desconfortável

Que corresponder em duo

Ao que espere outrem, afável.

 

E que os outros correspondam

Esperar mais fácil é

Que compreender o que mondam,

O que a escolha põe de pé.

 

E custa mais defender

O que tua escolha enliça,

Consonante com teu ser,

Que ser na maré cortiça.

 

 

178 - Espelho

 

Quando alguém quer o melhor,

Se a outrem o melhor der,

O melhor que de si for

Vai-lhe o outro devolver.

Espelho da vida à solta,

O que além vai sempre volta.

 

Se uma pessoa quiser

Bem sucedida no afecto

Por uma vez lograr ser,

Cruzará neste trajecto

Com a leira sexual,

Ser arroteia e moral.

Um orgasmo é eternidade

Na matéria a semear-se,

Lá em cima capacidade

De estar e, sem que se esgarce,

Cá em baixo andar radicado,

Simultâneo, deste lado.

 

Desbloqueio da energia

A embeber-nos divinal,

É romper uma outra via,

Abertura do canal

Do lado de cá da vida

Para o que de além convida.

 

Êxtase em meditação,

Pode também ocorrer

Num orgasmo em comunhão,

Comportas a se romper.

Há quem vislumbre ali luzes,

O céu a que te conduzes

 

A acontecer, já liberto,

A conexão dos dois mundos.

É o princípio, o mapa aberto,

Da viagem com pés fecundos.

Aberto o canal, que fácil

Volitar em voo grácil!

 

 

179 - Conscientes

 

Do amor e do ódio o dual,

Quando não for superado,

Não é nunca o ideal.

O ideal é que o casal,

Conscientes ambos do fado,

 

De quem são, de seus limites,

Se apaixonem loucamente,

A produzir, nos palpites,

Pura energia, ambos quites

Ao cruzar todo o presente.

 

Quando juntos, tudo é intenso,

Porém, quando separados,

Cada qual, com todo o senso,

Reserva um tempo que é denso,

Para aos sonhos dar cuidados.

 

Quando juntos a estar voltam

Trazem todo um universo

Individual que então soltam,

Com que acrescentam e escoltam

A relação num reverso.

 

Estar com o outro sem

Comigo deixar de estar

É harmonização também

Dos opostos que convém

No amor assim consagrar.

 

Se julgas que não és nada

Sem um ente outro qualquer,

Quer seja uma namorada,

Quer cônjuge ou pai, de entrada

Fecha os olhos para ver

 

Como é mau um tal apego,

Despeja-o num vácuo astral.

Não à pessoa em que pego

Para amá-la com sossego,

Sem deste apego sinal.

 

Livra-te assim várias vezes

Até perceber que dói,

Mas que só contigo peses

O que eriges e o que leses,

Pois és só tu quem constrói.

 

 

180 - Casal

 

Casal que nunca se larga,

Sempre junto, mas respeita

Um doutro o espaço que alarga

De maneira que se ajeita

 

Um do outro à opinião,

Como um do outro aos anseios,

Terá vida sem lesão,

Feliz, de equilíbrios cheios.

 

Companheiro que dá espaço

Ao outro de ser quem é,

Que o pratica traço a traço,

É do céu dádiva até.

 

Tudo está no seu lugar,

A harmonia dos opostos

Que o céu sempre anda a impetrar,

Harmonia aqui dos gostos

 

De com outrem e consigo

Estar na mesma medida,

Do que se quer ao abrigo,

Do que outrem quer em seguida.

 

Tudo o que anda harmonizado

No Cosmos vence a distância,

Vai levar em todo o lado

A uma superabundância.

 

Mas se o casal não se larga,

Extremado, se exagera,

Se um não vive sem a carga

Do outro, acorrentada hera,

 

Para o eu não há lugar,

Alma nenhuma se expande.

Reduzido, colocar

Uma expectativa grande

 

Vai um noutro, no sentido

De ele então lhe devolver

Todo o próprio eu perdido

Ou parte, ao menos, sequer.

 

Doutrem começa a exigir

Uma recompensa então

Para em vão vir a elidir

A própria insatisfação.

 

São duas alternativas

Entre as quais escolher deves:

Trilhas mortas, trilhas vivas,

Em qual das duas te atreves?

 

 

181 - Procura

 

No casal que se não larga

Não há lugar para o Eu,

Antes um ao outro embarga,

Cada qual emurcheceu.

O Eu então procura fora

Recompensa que demora.

 

Procura o que o volte a encher,

Mas de fora para dentro

É inútil quanto fizer,

Que só eu em mim mesmo entro.

Em relação ao parceiro

Joga o que aguardar inteiro.

 

O outro, naturalmente,

Não dá resposta ao excesso

De expectativas presente

Sobre ele neste processo.

Desilude-se a pessoa,

Começa a exigência à toa.

 

É a lógica inconsciente:

Se deixei de me exercer

A ser contigo um só ente,

Por um só contigo ser,

É natural que precise

De algo em ti que a mim me vise

 

Completando o que me falta.

Quando o vou buscar a ti,

Não acho lá o que me exalta

E de que preciso aqui.

Fico zangado, portanto,

Que incorrecto é o desencanto,

 

Pois, se a ti te dou, também

Tinhas de me dar a mim.

O curioso, porém,

Do casal fundido assim

É que já não vive junto

Na união que é dele o assunto.

 

 

182 - Desenganos

 

Os desenganos do amor,

Que é que uns aos outros vão dando?

Amor? Andam-se enganando,

Bens materiais vão trocando

Como ofertas de valor.

 

Que pretendem: agradar

E fazer-se conhecer?

Que é que ao fim vão receber?

Não quanto esperavam ter,

Pois quem ama, ao enviar

 

Amor, em troca o que espera

Será receber amor,

Não bens, mesmo de valor,

Nem de material teor.

Quem ama deu-se em que esfera?

 

Às vezes deu-se, também,

Através da concessão.

Ao conceder, deixa então

De fazer ou ter à mão

O que pretende também.

 

O que após vai receber

Não é tanto quanto espera:

Quem ama quer paixão vera.

A concessão que pondera

Feliz não o irá fazer.

 

E quem ama, que é que dá?

Às vezes cobra, ao invés,

Pretende o que quer, de vez,

Mas que o par, neste entremez,

Para dar já não terá.

 

E no fim recebe o quê?

Quem amar é amor que quer,

Nunca incompreensão qualquer

Nem a cobrança sequer:

Era, atento, o outro ao pé.

 

Quem ama então dá o amor

Das mais variadas formas,

Mas só o que tem (não das normas),

O que constrói, que conformas

Dentro de ti ao calor.

 

Este amor sempre é divino,

Anda, eterno, preparado

A multiplicar-se, dado

Do infindo ao tempo instilado,

Torna cada gesto um hino.

 

 

183 - Semelhantes

 

Os semelhantes se atraem.

Pois então procure alguém

Em que as semelhanças traem

Que é parecido consigo,

Pois é provável também

Que ele em si busque um abrigo.

Se prefiro companheiros

Com iguais antecedentes,

Com interesses cimeiros

E a par crenças e valores

Comigo coincidentes,

É a validar meus amores.

 

Por isto é que gravitamos

Sempre em redor de parceiros

Que fisicamente achamos

Que connosco se parecem.

Eles somos nós inteiros,

Já os traços nos não esquecem.

 

 

184 - Romance

 

Um romance na lonjura

Gratuitamente fenece.

A proximidade o apura,

Manda nele e o robustece.

 

Viver junto ao potencial

Ente que desperta amor,

Seja ao balcão laboral,

Seja à rua do fervor,

 

Garante uma exposição

Repetida que faz bem:

Quão mais vir minha paixão

Mais do que é gosto também.

 

 

185 - Atracção

 

O maior factor

Da atracção do amor

 

É a compreensão

De que um coração

 

De alguém há que, a sós,

Já gosta de nós.

 

Faz-nos sentir bem

Na pele pelém

 

E transborda então

Numa sensação

 

De correspondermos

Nós em iguais termos.

 

De quem me elogia

Enluaro o dia.

 

 

186 - Primeira

 

O amor à primeira vista

Pode existir, é de regra:

Se o par futuro se avista

Olhos nos olhos, integra

A fogueira a que se atêm

E mais gostam do que vêem.

 

Ter pupilas dilatadas

Ajuda, que o atributo

Físico são as dedadas

Dum atractivo produto:

É o revelador sinal

De apetite sexual.

 

Ambos os sinais escapam

Da mente ao feroz controlo.

Assim o intento lhe tapam

De me entrapar em seu rolo

De mentiras que não bastam

De além aos sons que me engastam.

 

 

187 - Disse

 

Já disse as coisas de nada?

A linguagem corporal

É uma fala não-verbal

De ambos entendida à entrada.

 

Basta o potencial parceiro

Olhar e depois sorrir.

Também o gesto leveiro

No cabelo, como a urdir.

 

E a feminil submissão:

Expor pulsos e pescoço,

Enroscar pernas, então,

Faz do parceiro um destroço.

 

A linguagem corporal,

Quando as coisinhas de nada

Murcharam logo de entrada,

Solta logo um vendaval.

 

 

188 - Beleza

 

A beleza interior

Ignore-a, se quiser par:

O bom aspecto é melhor,

Que leva a considerar

 

Quem o tem por mais esperto,

Mais sexy e bem-sucedido

Que as aguinhas-sem-sal perto,

De lírio, puras, erguido.

 

O que incônscios valoramos

São atributos que aumentam

Vitória em todos os ramos

Da reprodução que alentam.

 

Por isso os homens preferem

A mulher mais nova, de ancas,

Que é juventude que auferem,

Férteis espaneja rancas.

 

E a rapariga o mais velho,

Mais alto vai preferir:

Tem mais recurso e conselho

Na prole para investir.

 

É instinto reprodutivo

O alicerce do sentido:

 

Sobre esta pedra angular

É que o mais se há-de elevar.

 

 

189 - Excitado

 

Quão mais excitado alguém

Estiver (medo, alegria…),

Se em presença de seu bem,

Potencial par de algum dia,

Tanto então mais facilmente

O vai achar atraente.

 

 

190 - Melhor

 

Quanto melhor nos sentirmos

Mais gostamos da pessoa

Com quem no lugar nos virmos.

Se teu par bílis escoa

Logo no início da noite,

Procura animá-lo, ou não

Há canto algum que te acoite

Quando ao fim chega o serão.

 

 

191 - Frémitos

 

Ninguém deve amar demais

A Deus, acima dum homem,

Senão, contra os ventos seus,

Os frémitos que o consomem

 

São de devir consciência

Do homem, vindo então este

A ser, com fria premência,

Perseguido, se o conteste.

 

Não há mesmo outra medida

Do amor a Deus do que amar

O homem na inatendida

Forma por que escolha andar.

 

 

192 - Castigo

 

O castigo não conquista

Nem amor duma mulher

Nem lealdade dum homem.

Tem satisfação em vista

Do amor-próprio que tiver

Quem orgulhos só consomem.

 

 

193 - Difícil

 

Ao pobre a felicidade

É difícil porventura

Como à individualidade

Que assenta o que àquela apura,

Para o que der e vier,

Totalmente noutro ser.

 

A pobreza é o mal externo,

O interno será o amor.

Se moderado amar, terno,

E a pobreza for transpor,

Então não há nenhum muro

Contra a alegria que apuro.

 

Uns amam um ser humano

Em demasia e sujeitos

São a tal amor de engano,

Outros ao amor atreitos

São dos deuses por demais,

Findam presos em tal cais.

 

Um homem não deveria

Escravizar-se a ninguém,

Então livre deviria

E o mundo livrava além.

 

 

194 - Separadas

 

Os ancestrais as raízes

São sempre de qualquer casa:

As crianças, os matizes

Das flores que além se apraza:

Jamais ambos devem ser

Separados por quenquer.

 

 

195 - Toque

 

Só poderá ser do amor.

Que leva uma rapariga

Sã, perfeita, com pudor,

A pensar, se não se abriga

 

No toque do namorado,

Que o sol desaparecer

Do céu pode em todo o lado,

Vai o mundo escurecer?

 

Só do amor poderá ser.

 

 

196 - Laço

 

Quebrou-se o laço consigo,

Com a cidade, o labor,

Com os outros, com o abrigo

Que tudo era de supor,

Vivo o tempo fragmentado,

A vida, tudo quebrado.

 

A cidade é grande, grande;

Grande, grande é a solidão:

É o homem só. Quem comande

Não há o carro ou o avião,

Nem o autocarro ou a rua

Onde apenas pó flutua.

 

Só: no trabalho, no lar,

Sentado à mesa sozinho,

Ante os meus a conversar,

Mas ninguém ouve, adivinho.

Tempo desarticulado,

Donde é que sou, de que lado?

 

Onde é que estou, afinal,

Onde estarei amanhã?

Perdi a raiz vital,

Estou solto, palha vã,

Ao acaso em todo o lado,

Pé não tomo no meu fado.

 

Não há pior solidão

Que a dum homem mutilado

De alma dele e coração,

Dele próprio um ausentado,

Que de si se vai despindo,

Na praça se diluindo

 

Do grande mercado-mundo.

Quanto maior, mais sozinho,

Já não cidadão fecundo.

Consumindo em desalinho,

Gastar é a meta superna,

- Eis a barbárie moderna.

 

 

197 - Maioria

 

Quando a maioria muda,

Com ela se muda o mundo.

Para o que às margens acuda

Reservo um lugar ao fundo.

Amor e transformação,

Liberdade e diferença,

Do sonho realização,

Dele inviável presença:

 

Não há como conviver

Com sonho cristalizado,

Metamorfose do ser

Nosso é inelutável fado.

 

Os amantes se encontrando,

Se separam, reencontram,

É metamorfoseando

Que amam o que um noutro encontram.

 

Tudo é mudança perene,

O amor com a despedida,

Vida com morte solene…

- E a ternura desmedida.

 

 

198 - Passo

 

Relativamente aos filhos,

O primeiro passo a dar

Vai ser flexibilizar

Os nós que houver nos atilhos:

Os nossos pontos de vista

E expectativas em lista.

 

 

199 - Sabe

 

Teu filho vem-te propor

Orientação, amor

 

E disciplina, não mais.

Não te vem propor ter pais.

 

Ele sabe qual a via.

Trata, pois, de ser-lhe o guia.

 

 

200 - Alterarmos

 

Ao alterarmos os lemas

Para honrar os pequeninos,

- Dádivas são, não problemas -

Abrir-nos-emos aos finos

 

Termos da sabedoria,

Portas de compreensão

Abrimos em cada dia

Ao que somos neste chão.

 

Luz apenas luziria,

Ao fim, com toda a magia.

 

 

201 - Respeita

 

A ti respeita, a teu filho

E nunca errarás então.

O respeito ata o cadilho

Do amor à raiz, no chão.

 

Se amas deveras teu filho

E o não usas para encher

De carências teu quartilho,

A tua fome de ser

 

Bem amado e bem aceite,

Os benefícios serão

Máximos em quem se afeite

Aos que contigo se vão.

 

 

202 - Rápido

 

Se lhes dissermos que não

Voltando depois atrás,

Bem rápido aprenderão

Qual o tormento eficaz

 

A levar a sua avante.

Aos filhos não darás tudo

Que queiram a cada instante,

Antes, a par, sobretudo

 

Sabe o que estás a dizer

Quando dizes sim ou não

Aos pedidos que qualquer

Deles faz na ocasião.

 

 

203 - Factor

 

É um factor a confiança

Fundante ao determinar,

No futuro da criança,

O sucesso que alcançar.

O preservar de auto-estima

Que é numa criança inata

Mais importa, como clima,

Que as competências que acata.

 

Sendo ambas imprescindíveis,

É naquela que se fundam

Aprendizagens credíveis

Que o futuro nos fecundam.

 

 

204 - Prestes

 

Somos prestes a deixar

Para trás o mundo velho,

Na inveja a se basear,

Na ganância e destrambelho,

 

Para entrar em nova era,

Fundada em cooperação,

Onde o amor não é quimera,

Vivendo nossa união,

 

Onde a humana unicidade

Vem tecer a realidade.

 

 

205 - Somos

 

Não podemos saudáveis,

Felizes, equilibrados

Ter filhos, se intermináveis

Somos desequilibrados,

 

De stresse cheios, de medo,

Sem esperança nenhuma.

Muitos pais descobrem cedo

Que, ao ajudarem, em suma,

 

Os filhos, irão também

Curar-se eles logo além.

 

 

206 - Condição

 

Mesmo o bebé de que um dia

Poderemos esperar

Que a consciência alargaria

Do planeta, precisar

 

Há-de sempre de limites

Que implicam autocontrolo,

A condição dos desquites

Dum grupo humano sem dolo.

 

Terá de ser corrigido,

Tem de receber fronteiras,

Sempre embora no sentido

A que apontem dele as leiras.

 

 

207 - Creia

 

Ter a noção, lá bem fundo,

Que há quem creia em nós a sério,

Que nos amará no mundo

Seja qual for o mistério,

 

É a mensagem poderosa

De que a vida é uma viagem,

Um roteiro que alguém goza

Com os mais sempre em romagem,

 

Explorado e partilhado

Com outros em todo o lado.

 

 

208 - Resistência

 

Quando obténs constantemente

Resistência da criança,

Tem-te a ti primeiro em mente,

Vê o que te falta e te alcança.

 

A criança pode estar

A tentar que olhes o espelho

Ou a pedir-te, em lugar,

Ajuda, como mais velho,

 

Para testar mais valências

A descobrir novas raias,

Afinando competências,

Talentos noutras alfaias,

 

Ou a trepar para o nível

Seguinte de crescimento,

Por mais que te seja incrível

O lado onde sopra o vento.

 

 

209 - Lume

 

Não digas quem são agora

Nem quem irão ser mais tarde:

Eles é que sabem. Ora,

Deixa-os decidir o que arde

 

No lume dos ideais.

Não obrigues o teu filho

A envolver-se mais e mais

Dum negócio no sarilho

 

Pelo facto de a família

O fazer há gerações.

Teu filho está de vigília,

Não é o anho que supões.

 

Se alguém quer um seguidor,

Um patinho é de propor,

 

Nunca o filho que tiver

Cujo trilho é o que vier.

 

 

210 - Trata

 

À criança como adulto

Trata ao dar-lhe explicações,

Dá-lhe voto, não indulto,

Na toma de decisões

E dá-lhe um leque que acolhas

De muitas, muitas escolhas.

 

De forma paternalista

Nunca falarás com eles.

Escuta-os em tua pista,

São sensatos, são aqueles

Que coisas sabem a esmo

Que nem tu saberás mesmo.

 

Respeita-os a todo o nível

Como com teus próprios pais,

Com um amigo credível

Com quem à vontade sais.

Deixa-os sempre ser quem são,

Que a terra fecundarão.

 

 

211 - Colheita

 

Um pai, quando for sensível,

Disposto a ajudar o filho,

A colheita previsível

Tem do cultivado milho:

Filho que sensível for

Ajuda virá propor.

 

Quando alguém ajuda alguém,

Bate-lhe o coração calmo.

Quem não ajuda, o que tem

É mais rápido o peito almo.

Quem ajuda é sempre e bem

Quem pelo coração vem.

 

 

212 - Simpáticos

 

Simpáticos somos mais

Entre quem gostar de nós

E atreitos a maus sinais

Se entre quem desgosta após.

 

Os nossos filhos não são

Diferentes de nós nisto.

Se os vemos incarnação

Sagrada do que é benquisto,

 

Feliz, perfeito, a beleza

De quem é filho de Deus,

Exalarão, com certeza,

Tais quesitos dentre os véus.

 

 

213 - Pede

 

Pede o menino que brinquemos.

Se não tens tempo de brincar,

Arranja-o tu, que é o que devemos,

Que ele não vai por si sobrar.

 

Se a vida fica assim tão séria

Que não permite rir, brincar,

Fingir a tenda de miséria,

Saltar a lama, ao chuviscar,

 

De cão aos pulos, a latir,

Então estou de vez perdido.

O que pratico é sem porvir,

Que o que ali gero é que é medido.

 

 

214 - Mantém

 

Mantém a tua criança

Participante, informada.

Assim mais longe ela alcança

Na jornada.

 

Potenciais mal-entendidos

Evita com as razões

Simples que lhe dão sentidos

Aos senões.

 

Ante o filho não reajas,

Dar ordens é de evitar:

Sugere e pede quando hajas

De mandar.

 

Cumpre com tua palavra,

Lida com cada momento,

Não batas, que à tua lavra

Lavra-a o vento.

 

Se for dada reprimenda,

Desconta um qualquer bombom

Das benesses que ele entenda,

Com bom tom.

 

E discute a conjuntura

Da reprimenda a seguir.

E a seguir logo assegura

Que o porvir

 

Ficou de vez garantido,

Que está tudo resolvido.

 

 

215 - Filhos

 

Os teus filhos não são teus,

Antes das ânsias que tem

A própria vida por vida,

São prenda vinda dos céus

Que através de ti devém

Mas não de ti renascida.

 

Embora estejam contigo,

Não te pertencem de todo.

Podes dar-lhes teu amor,

Não de teu pensar o abrigo,

Que eles pensam a seu modo,

A ilustrar novo pendor.

Os corpos acolher podes,

Não as almas surpreendentes

Que em lar moram de amanhã

Que a visitar não acodes,

Que o não podes, nem por mentes

Nem por sonhos, terra vã.

 

Podes lutar para ser

Como eles são, mas não tentes

Torná-los como tu és.

És arco donde qualquer

Dos filhos que tão teus sentes

Lançado é longe, ao invés.

 

Servindo estas flechas vivas

Deixa-te antes retesar

Nas mãos do archeiro discreto

De mira funda, em cativas

Ternuras que te irão dar

Felicidade em concreto.

 

 

216 - Parental

 

Quando ajusta a maioria

Numa parental acção

Algo, é por demais tardia.

 

Já consumadas estão

As escolhas importantes

Que melhor resultarão:

 

Quem é que ele é, nas constantes,

Como com quem se casou,

De que vida são garantes…

 

Se trabalhador se achou

E se inteligente for,

Se habilitação logrou

 

Dum elevado teor,

Então ao filho entregou

De vida o melhor penhor.

 

 

217 - Chuvada

 

Quem nunca a chuvada ouviu

Num telhado, em cantochão,

Como dirá que viveu?

É tão romântico o som!

Repousando, o mundo é cama

Onde a ternura nos ama.

 

 

218 - Tornar

 

Um homem se compromete

A tornar o par feliz

Na esperança (que o aquiete)

De que ela, que assim o quis,

Faça o que houver a fazer

Para lhe corresponder.

 

 

219 - Milénios

 

Os homens necessidades

Certas têm, bem cogentes;

A mulher te persuades

Que outras terá diferentes.

 

Há milénios assim é

E por milénios será.

Se ambos nisto têm fé,

Se concordam desde já,

 

E cada um trabalhar

Do outro por satisfazer

A precisão que mostrar,

O casamento há-de ser

 

Feliz verdadeiramente.

Depende da confiança

Mútua que deite semente:

Bem simples é o que o alcança!

 

 

220 - Difícil

 

Se difícil crês o agora,

Espera até o amanhã.

Se julgas que não piora,

Verás que é uma crença vã.

 

E, quando já não cuidares

Que pode haver melhoria,

Eis que melhoram teus ares

Além do que se previa.

 

Contudo, se continuas

A cuidar que vos amais,

E, se com teu par confluas

A agir com afectos tais,

 

Conforme este sentimento,

Tudo se resolverá,

Sopre onde soprar o vento,

Pelo melhor desde já.

 

 

221 - Miúdos

 

Os miúdos são também

Pessoas: quando começam

A crescer, como convém,

Optam pelo que apeteçam.

Antes de quaisquer desquites,

Poder velho tem limites.

 

 

222 - Hierarquia

 

Na hierarquia correcta

O lar é mais importante

Que correr carreira adiante.

A prioritária meta

 

É pôr à frente de tudo

Cônjuge e demais família.

Quem velar nesta vigília,

Pobre embora, é rico a miúdo.

 

 

223 - Gravidez

 

A gravidez sempre actua

Como um amplificador,

Tudo nela se pontua

Por ficar muito maior,

 

O tronco, a barriga, os braços,

As emoções, as memórias…

De doida às vezes tem traços,

De insólito gera histórias.

 

Não há tais extravagâncias

Nunca noutras circunstâncias.

 

Ao gerar, novo postigo

Dum novo mundo lobrigo.

 

 

224 - Ambos

 

Principia a discussão,

Se se conferem os dados,

Porque ambos têm razão

Como ambos estão errados.

 

É que é como é cada qual

E ninguém é, pois, perfeito,

Mas sempre implica um casal

De formar equipa o jeito.

 

Moldam o resto da vida

A aprender a conhecer-se.

Às vezes, inatendida,

Há-de uma explosão fender-se.

 

O belo do casamento

Mora nisto a toda a hora:

Se o par certo escolhe atento

E dentro em nós o amor mora,

 

Sempre invento uma maneira

De transpor dificuldades.

Nem tempestades à jeira

Vão matar as novidades.

 

 

225 - Sexo

 

De fazer sexo a frequência

Divide homens e mulheres.

Estas às vezes premência

Sentirão de tais prazeres;

Nos homens constantemente

Necessidade é premente.

 

É diferença insondável

Que, na melhor circunstância,

Compromisso razoável

Permite obter, com constância:

O melhor satisfazer

É aceitável a quenquer.

 

Elaborar compromissos

Sopra o lume nos chamiços.

 

 

226 - Pisarmos

 

Afinal, ninguém parece

Que precise de ter filhos.

O que de facto acontece,

Ao pisarmos estes trilhos,

 

É que são a evolução

Do que é um relacionamento,

Mas secreto há um outro chão,

Eco doutro chamamento:

 

Um desejo enraizado

De criar uma versão

De alguém miniaturizado,

Um tu contra a solidão,

 

E que reproduza ali

Alguém muito especial,

O amor que vivo senti,

Que é tudo em mim, afinal.

 

Quanto ao sacrifício, os pais

Não querem só tal imagem

Deles próprios, querem mais:

- Ver-se em melhor personagem!

 

 

227 - Quase

 

Um homem sempre precisa

De a sério ser admirado

Por mulher que o ajuíza.

E sempre anda preparado

Para tudo prosseguir

Só para tal conseguir.

 

A mulher ainda entendido

Não tem totalmente acaso

Tal facto, fundo escondido.

Julga que o tempo sem prazo

Que o homem perde no emprego

É por cume ser dum ego,

 

Da vida o mais importante,

O que é por inteiro errado.

Não é o poder que garante,

Garante a mulher ao lado,

Já que a mulher é atraída

Por poder que firme a vida.

 

É o mesmo que os homens leva

A olhar para a mulher jovem:

A evolução, pela treva,

Pica as pulsões que nos movem

Rumo à fértil, com saúde,

Nela faz que o homem grude.

 

A mulher também se sente

Para um homem atraída

Capaz de seguramente

Proteger, sustentar vida

À prole como à mulher

A quem com amor se der.

 

 

228 - Franqueie

 

O professor pouco importa

Para a criança, a não ser

Que do lar franqueie a porta

Que uma família impuser

 

E um lugar no coração

Lá ganhe em tributo a tudo

Que a ver deu na relação

Que deu fruto em tal miúdo.

 

 

229 - Empatia

 

Empatia é dois olhares

Construindo um horizonte

Único, perante os pares,

Numa irrepetível ponte.

 

Complementam-se no embalo,

Corpo que noutro confia,

Colo fundante em meu halo,

Dança-sexo onde há magia.

 

E a vida toda retomo

Da vida em seu melhor gomo.

 

 

230 - Berço

 

Um berço jamais é bem

Cama fofa e amovível.

Do brilho dos olhos vem

Ao fundo de alma, visível,

Também o enamoramento:

E o berço é um encantamento,

 

Varanda de comunhão

Onde os corações se dão.

 

 

231 - Sermos

 

Sermos Deus para um bebé

E ele um menino Jesus

Bem nosso, aqui mesmo ao pé,

Que nos admira e faz jus,

 

Mesmo que nós nos achemos

Sem encanto comparável

Mesmo à barraca que vemos

No lixo mais execrável,

 

Por mais que não tenha siso

No sisudo que transportas,

- Vai fazer que o paraíso

Fique aqui dentro de portas.

 

 

232 - Passageira

 

Jamais a felicidade

É mentira para dois

Mas passageira verdade

Com que descubro depois,

Pela mão de algum carinho,

Para casa meu caminho.

 

 

233 - Estranhos

 

Estranhos deveras não

São os que se não conhece,

Mas os que ao pé nosso estão

E que sempre nos parece

Que o que connosco se passa

Não entendem nem de graça.

 

 

234 - Apelamos

 

Apelamos à verdade

Por escassez de momentos

De vera autenticidade:

Esta de alameda ventos

 

Desenha em dois corações

Capazes de se escutar.

Pelo silêncio, sermões

Andam nela a passear.

 

Porque há silêncio somente

Para os que aptos nunca estão

Para auferir o presente

De ouvir com o coração.

 

 

235 - Auto-estima

 

Só quem se sentir amado

Vai sentir segura a estima

Que merecer dalgum lado.

Auto-estima é sempre o clima

 

Que resulta de gostarem

De nós, seja lá quem for.

Tais vivências, ao se darem,

São o princípio motor

 

Para que doutrem gostemos

Que então mais gosta de nós.

E eis como é que encadeemos

Do melhor da vida os nós.

 

 

236 - Alivia

 

Reconhecer-nos nalguém

Desabafa muito mais,

Alivia a angústia a quem

Abafado andar demais

Nas dúvidas que no chão

Urdem nossa solidão.

 

E, se alguém se reconhece

Em nós, então nos transforma:

Nosso além ele estremece,

Olha por nós noutra norma,

Sem que sobreponha, a par,

Ao nosso seu próprio olhar.

E com isto nos depura

Nosso sonho e assinatura.

 

 

237 - Sumo

 

Muita gente só descobre

Que não viveu ao morrer.

Ao não amar, se lhe encobre

Da vida o sumo que houver,

O que descobrir, furtivos,

Nos fará que estamos vivos.

 

 

238 - Janelas

 

Não é tarde se a humildade,

Perante as surpreendentes

Janelas com que o amor

Nos desconcerta a vaidade,

Murmurar, mesmo entre dentes,

Que tarde não é, se for

Com alguém que eu encontrar

Que possa recomeçar.

 

 

239 - Tornamo-nos

 

Nós tornamo-nos amáveis,

Não tanto quando nos damos

Para que gostem de nós,

Mas sempre que, confiáveis,

A nosso imo que prezamos,

Trazemos quem, mesmo atroz,

Nos pondo em dúvida as cores

E sem simuladas fitas,

Nos torna então bem melhores

E pessoas mais bonitas.

 

 

240 - Mexa

 

Gostar de alguém em segredo

É somente idealizar,

Desejar que a ideia o medo

Perca e venha pôr-se a par

De mim sem que eu mexa um dedo.

 

Um dia perceberei

Que idealizar é um adeus

Que sem dar por isso dei

E assim me perdi dos céus.

 

 

241 - Estimar

 

Estimar sempre é cuidar

De quem, gostando de nós,

Com a vida a conversar

Nos põe cada dia após

 

E nos despoja de tudo

Que nos prende e não nos deixa

Buscar novas a que acudo,

Madeixa as lendo a madeixa,

 

Com que se espreguiça e lida

A imaginação que dantes

Parecia adormecida,

De à margem dos caminhantes.

 

 

242 - Tente

 

Há quem tente conhecer-nos

E nos julgue complicados.

E aqueles, com gestos ternos,

Que, ao se darem, são tão dados

Que simples, compreensíveis

Mais nos tornam e visíveis,

 

Até para nós também.

É o que numa relação

Entre dois vai mais além,

Tem do divino feição:

Desmonta a complexidade

À luz da simplicidade.

 

 

243 - Sentir

 

É quem me sentir fizer

Mais simples e acompanhado

Quem ajuda a perceber

Que não vivo só, de lado.

 

E, de forma fulgurante,

Ao levar-me pela mão,

Entre questões que adiante

Esclarece como são,

 

É quem me faz entender

Que, bem mais do que parece,

Entre amar e conhecer

Elos há que nada empece.

 

 

244 - Redenção

 

As crianças, sobretudo,

São a redenção dos pais.

Sempre que estes, a miúdo

Já desistiram demais

 

De serem parte actuante

Em prol dum mundo melhor,

Em vez de serem, no instante,

Engolidos do rancor,

 

Percebem que uma criança

Traz de volta a madrugada

Todo o dia e nunca cansa.

Tal se, não havendo estrada

 

Para começar de novo,

Através dela pudessem

Chocar tudo quase do ovo

E os milagres acontecem.

 

 

245 - Distingue

 

O que distingue a palmada

Da física violência,

É o que a dor põe separada

Do sofrimento, em vivência.

 

É uma palmada uma dor

Nem mui grande nem frequente.

A violência, um sofredor

Ferimento aqui presente,

 

Latejando sem parar.

A palmada é assimilável

Se for acto singular,

Acaso logo isolável.

 

Não sendo, merece então,

Ao mudar de natureza,

Da lei a pesada mão,

Do laço em nome que preza.

 

 

246 - Transparência

 

Não tivera a maioria

Das crianças comunhão,

Transparência que fruía

Com elas a mãe à mão,

E a fé no amor como via

De sonhos a encher o vão

Com que as vidas, em magia,

Comandaram na ilusão

Que forma e cor, cada dia,

Deu a cada convicção,

- A fé no amor morreria,

Morta sem apelação.

 

O primeiro desafio

É nunca dizer adeus

Ao amor em que confio.

Segundo, é trepar aos céus,

Se tal se vier a impor,

Para reencontrar o amor.

 

E deixá-lo desmedido,

Sublime como insolente,

Insubmisso mas rendido,

Terno para toda a gente,

Ousado nos despojando

Na alegria de nós quando

Se multiplica nos ramos

Daqueles a quem amamos.

 

 

247 - Caminho

 

A mãe abre uma porta para o Paraíso,

A família o caminho abre do Purgatório.

A mãe luz num olhar nos põe, abrindo o siso,

Da família nasceram nuvens de envoltório.

Da comunhão consigo, a mãe ruma à verdade,

A família convida a alguma falsidade.

 

De polarização se entretece o caminho

E o desafio agora é de armar bem o ninho.

 

 

248 - Vire

 

Há quem nos vire do avesso,

Nos tire as nuvens do olhar,

Banhe de sol o começo

Do coração singular.

 

Falamos então de amor,

Tal se fora um sentimento.

E é um consenso de fervor,

Sentem dois num só momento.

 

Por isso a tranquilidade

Dum amor é um reboliço

E um céu de estrelas invade,

Com o estranho do feitiço,

 

A terra da indiferença

Que nos levara a guardar

Da terra a melhor presença

Para mais tarde. E a fanar

 

Se lhe acabara o produto,

Do amor não fora o conduto.

 

 

249 - Mora

 

Em muitos mora um amor

Sem ninguém a quem se dar,

De amar, ser amado ardor

Sempre alguém a procurar.

 

Que precisará de ter

Na outra ponta do fio

Uma pessoa qualquer

Que lhe escute o desfastio,

 

Que o sucesso ou desagrado

Lhe ouça com desenvoltura.

Por mais vida tem ansiado

Ou por gestos por ternura.

 

Quer alguém, de preferência,

Que tenha uma cara humana

E um pendor lunar de essência

Que nocturno não engana.

 

Faltando quem de si goste,

Há quem aspire e se ocupe

Com o mínimo e que aposte

Em só ter a quem se encoste,

Em quem só se preocupe.

 

 

250 - Brumas

 

São sempre as brumas do amor

Que fazem com que as histórias

Se repitam com humor,

Ridículas de memórias.

 

Porém, ao contrário delas,

Veras histórias de amor

Nascem da inocência, estrelas

De vulnerável fulgor.

 

Não a inocência que muda

Toda a sexualidade

Em penunbra cega e muda,

Tal a ignorância que a grade.

 

Antes a do coração

Que se despoja de todo,

Joga o preconceito ao chão,

Nos ensina de que modo

 

Trocaremos galanteios

Com a vida, nas sacadas.

É história de amor, de anseios

De afectos, pelas jornadas,

 

Que não só nos leva, gratos,

A falar com sentimentos,

Mas surpreende nos tratos

Com alguém que leve os ventos

 

Dos afectos a falar

Connosco de par em par.

 

 

251 - Estima

 

Estima que é só de boca

É de quem doutrem não gosta,

E mal olha, preso à toca,

Nem escuta nem encosta

Ombro ao ombro de quem toca.

 

Eles outrem não estimam,

Antes activos o evitam.

Neles próprios nisto limam

Tudo a quanto se habilitam

Para que não reconheçam

Os que estimam e o mereçam.

 

 

252 - Bebés

 

Os bebés sabem que falamos

Antes de mais com nossos olhos.

São as janelas com que atamos

Sol por nós dentro, sem abrolhos,

E são cortinas de esconder

Tudo o que a boca não disser.

 

Tem aconchego um olhar terno

E se espreguiça o luminoso.

Teme o bebé, se dói interno

E se distrai com o ansioso.

Se o deprimido o assusta, frio,

Sente terror do que é vazio.

 

 

253 - Esbracejam

 

As pessoas inseguras

Esbracejam, se baralham.

E sempre nestas alturas

Do amor falam o que calham.

Esquecem, neste momento,

Que amor não é sentimento,

 

Menos um bom pensamento,

Seguro, a que alguém recorre

Para colorir o vento

Que planura além discorre.

Amor consensualidade

É dos dois que persuade,

 

O que dois que se comovem

Trocam sem já precisarem

De saber como se movem

Nem porquê de tal gozarem:

Vão assim, gratuitamente,

No que os faz voar em frente.

 

 

254 - Resolvermos

 

Resolvermos os conflitos

Não é nada trivial.

Não é só calar os gritos,

É lograr ser radical.

 

Confrontos irmão a irmão

Que pontuam toda a infância

Auto-estima afectarão,

Toda a autonomia ou ânsia,

 

As amizades futuras

E a harmonia familiar.

Num adulto como apuras

A maneira de lidar

 

Com um problema vai ter

Origem na luta chã

Que teve um dia qualquer

Com um irmão ou irmã.

 

Se a resolve mal ou bem

É que inaugura o roteiro

Que vai trilhar vida além:

Este é que é o rumo primeiro.

 

 

255 - Gesto

 

Criança que agitação

Cria com um gesto hostil,

Com a física agressão,

Na realidade vil

É duma provocação

Repetida vezes mil

A vítima sem opção,

Às vezes, sem que refile,

Dum qualquer matreiro irmão

Que esperto mais se perfile.

 

Quando o pai ou mãe entendem

O que aconteceu deveras

É que aos dois deveras tendem

A ajudar, com leis severas

Mas que os filhos compreendem.

 

Então é que às revoadas

Os vão soltar vida fora

Sempre a adejar, de mãos dadas,

No porvir que neles mora.

 

 

256 - Ajudar

 

Quando menos agitados,

Tente ajudar os seus filhos

A identificar, bem traçados,

E exprimir cambiantes, brilhos

Dos sentimentos que, aflitos,

Andem por trás dos conflitos.

 

De cada qual oiça o lado

Com atenção e cuidado.

 

Quando as crianças percebem

Que os sentimentos serão

Tidos pelos que as recebem

Sempre em consideração,

Desenvolvem, dia a dia,

Pelos demais empatia.

 

 

257 - Regra

 

Com tempo e com paciência

Reduz à regra o conflito.

Da regra entende a ciência

A criança: quer o fito

De ver bem qual é o limite,

A proibição e o convite.

 

Sem tal, as questões havidas

Não são jamais resolvidas.

 

 

258 - Impõem

 

Impõem regras os pais

De maneira inconsistente

E a meio tempo, ademais.

 

Quando estão mesmo ocupados,

Não se esforçam, tempo ausente,

Esquecem os bens criados.

 

Agredir chama a atenção

Mais que de propriedade

A infantil violação,

 

Como agarrar no brinquedo

Doutrem quando isto lhe agrade,

Recusar um jogo, quedo…

 

Mas propriedade e direito

Muito importam na criança,

Como a regra a ter a peito.

 

Aquilo de que ela gosta

Só preservado a descansa,

Do confronto evita a aposta.

 

Espaço e privacidade,

Se os também respeito alcança,

A criança é-o de verdade.

 

 

259 - Presente

 

À criança mostrar como

Exprimir o sentimento,

Em acordo entrar que domo

E brincar junta a contento

Será um presente lhe dar,

A vida inteira a durar.

 

 

260 - Norma

 

As mães por norma juízas

São na hora das disputas

E o pai mais pesa se visas

Cooperar fora das lutas.

 

Pais que mostram, carinhosos,

Como partilhar objectos,

Ceder a vez, amistosos,

Doam aos filhos aspectos

Do modo de interagir

Que a cooperar os faz ir.

 

E assim é que eu inauguro

Neles desde hoje o futuro.

 

 

261 - Lidar

 

Ao estabelecer regras

Ou ao lidar com conflitos,

Crianças que breve integras

Entre risadas e gritos

Ajuda, em terras maninhas,

A encontrar rumos sozinhas.

 

Por que estão a discutir?

Que doutrem pontos de vista

Cada diga sem trair,

Que por fim tracem a lista

De alternativas à mão

Até comum solução.

 

Juntos assim laborando

Novo mundo vão gerando.

 

 

262 - Brinquem

 

As crianças são brinquedos

Do crescimento dos pais:

Brinquem, pois, não fiquem quedos,

São nisto fundamentais!

 

Pais que brincam às crianças

Darão importância à escola

Que então nisto prende as tranças

E a que a vida não se imola.

 

Aula não tradicional,

Sempre ensina em jogo igual.

 

 

263 - Saúde

 

Bem à saúde a tristeza

Poderá sempre fazer.

Não responde, de certeza,

Mas ajuda a dor que houver

 

A perceber que as pessoas

São os antidepressivos,

As mezinhas que são boas

Para ao fim sermos festivos.

 

Quando nós estamos tristes,

Amanhã longe é demais.

Precisa a dor em que existes

Das estrelas-guias tais

 

Que o escuro sofrimento

Onde ambulamos perdidos

Se transmude, num momento,

Na luz de sonhos vividos

 

Onde, por todo o lugar,

Nos podemos encontrar.

 

 

264 - Saudável

 

É saudável dizer não

Definitivo à criança.

Quando o sentem tal, então,

Medem o que a busca alcança,

Tentam chegar a um acordo

Em que ambos fiquem a bordo.

 

Se a criança, ao invés, sente

Que, ao dizer não, os pais gritam

De insegurança evidente,

Pensa que, se tanto hesitam,

Basta então insistir mais,

Que logo fogem do cais.

 

E o combate resultante

Pauta a vida logo adiante.

 

Em lugar dum gozo terno,

É, cada dia, um inferno.

 

 

265 - Nunca

 

Quando alguém em nós entrou,

Nunca mais de lá saiu,

Nem com ordem que lhe dou,

Nem sequer de espada a fio.

Convivo com muita gente

Dentro de mim fatalmente.

 

Quem entrou deixou a marca,

Nem a apaga a mão da parca.

 

 

266 - Contar

 

Em vez de ao adolescente

Contar que a paixão faz bem,

É saúde a agir presente,

Falarão antes, porém,

Do risco ou moralidade

Que tem a sexualidade.

 

Depois disto, que é que admira

Se ele a fuga tem em mira?

 

É que aqueles dois vectores

Só juntos firmam amores.

 

 

267 - Medo

 

O medo educar permite

Aprender a conhecer

A relação que o incite.

Conduz a compreender

 

Que a ele sobrevivemos

Se o confiarmos à guarda

Daqueles a quem amemos

E amem nossa cara parda.

 

O medo atender, criar

Vai permitir-nos prudência.

Fugir dele é que é ficar

Nele preso sem solvência.

 

 

268 - Caras

 

As crianças compreendem

Que são as caras bondosas

Que a torná-las vivas tendem.

 

Convictas de estar presentes

Nas afeições carinhosas,

Nos que as acolhem assentes,

 

Dão ternura ao conhecer,

Segurança ao questionar

Na curiosidade a ter

 

E todo o desassossego

Do pensamento larvar

Vão reger em riso e apego.

 

 

269 - Namorar

 

Namorar, para que leve

A rumar ao mundo novo,

É a paixão a que se atreve

E um logo-se-ver em ovo.

 

Não se planeia: se aceita,

Com júbilo e com temor,

De surpresa e sem despeita:

É gratuito e caro o amor.

 

 

270 - Mau

 

Pareces mau com o filho,

O aluno de que mais gostas,

Porque exiges maior brilho,

Sobes o grau das apostas.

 

Tarde irão agradecer

O que antes lhes parecia

Nenhum valor merecer

E, afinal, bem merecia.

 

 

271 - Encher

 

Mesmo que os filhos não cheguem

Para encher os nossos dias

É bom que a nós se congreguem,

Sós não vão as mãos vazias.

 

Primeiro eles nos espremem

Como limão sumarento,

Depois vão-se embora, temem

Que sejamos travamento.

 

Que sentido dar à vida?

Ainda ontem vibrava

Com a palavra sentida,

Com o beijo que espreitava.

 

A solitária varanda

Hoje aqui virada ao mar

É de desilusões que anda,

De derrotas, a falar.

 

Sê, portanto, disponível:

O amor, então, é credível.

 

 

272 - Mãe

 

A mãe é o cubo da roda

De toda e qualquer família.

Os mais, os raios a toda

A volta, sempre em vigília.

 

Quando a mãe desaparece,

Esvai-se o centro da vida,

A perda então acontece,

Outro é o lar da sobrevida.

 

 

273 - Doutrem

 

Sou feliz porque consigo

Doutrem as opiniões

Entender de meu postigo.

De bem pouco há mais razões

 

Que entender alguém querido,

Um inimigo, um estranho,

E ver o mundo medido

Do vector de seu amanho.

 

Torno-me mais sabedor

Quando logro comungar

De seu afecto o sabor,

Percebo o que lhe importar

 

Dos actos e das palavras,

Quando vejo o mundo inteiro

Com olhos de suas lavras.

Em minha vida parceiro

 

Serei logo mais vibrante

Quando passo o que passar

Outrem antes tão distante.

Generoso irei ficar

 

E menos preocupado

Comigo próprio de vez.

Solidário me hei tornado

E com raízes nos pés.

 

E como me sinto bem!

Fico feliz quando ajudo

Os que precisam também

E eis como a mim mesmo acudo.

 

 

274 - Relações

 

Ter amizades, relações profundas

Resulta de viver a própria vida

De formas sérias, devotadas, fundas,

E de ser apto à vida a sós seguida.

 

Para ir bem nas relações no tempo,

As almas de homens como as de mulheres

Capazes devem ser, sempre a contento,

De sem elas viver, sem mais haveres.

 


Na solidão o tempo perpassado,

Dela a vivência, celibato quase,

Deliciosos podem ser no fado

De quem procure uma existência-base

 

Sempre integral, bem importantes vindo

A ser no casamento ou na amizade:

É a busca de alma gémea aqui se haurindo,

Porque primeiro ter uma alma se há-de.

 

De solidão capacidade ter

É um prévio requisito à intimidade

Com outro alguém a quem mui bem se quer.

Caso contrário, quem, na insanidade,

 

Um companheiro busca em desespero

Exprime apenas pessoal vazio

E a relação que em base frágil quero

Não satisfaz de unir-me o desafio.

 

 

275 - Linha

 

Quando os olhos vão cegando,

Não há buraco de agulha

Onde a linha se enfiando

Confirme que lá mergulha.

 

É que por dentro mais vemos

Quanto por fora escasseia

Mais o mundo onde vivemos

A vida que mal ameia.

 

Por isto é benvinda a ajuda

Que um ao outro vá grudar

Os dois mundos a que acuda

No eterno jeito de amar.

 

O interior e o exterior

Ajudando a se encontrar,

Tal é meu gesto de amor,

É meu jeito de te amar.