TERCEIRO TROVÁRIO
DONDE O ARVOREDO DA UTOPIA PULA
Escolha ao acaso um número entre 276 e 370, inclusive.
Leia o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
276 - Donde o arvoredo da utopia pula
Donde o arvoredo da utopia pula
Ressalta o verso em metro regular,
Tónica certa em que a pegada bula,
Um corpo dando ao sonho que regula
A vida do poema onde singrar.
O sonho é quanto falta e me é presente
Na fantasia e no conceito breve,
Já vivo aqui o que é, no fundo, ausente
E que o poema evoca em brisa leve.
A palavra fermenta uma utopia
A levedar na mente o coração,
Poema é sempre o além da fantasia.
Pouco a pouco as sementes pelo chão
O sonho em verso enraizando vão.
277 - Metáfora
Da metáfora o caminho
É de apontar o inefável.
O problema é se meu ninho
Nela escondo e creio viável.
Confundir um horizonte
Com o dedo que o aponte
Faz-me perder o sentido:
Mato e morro - fui traído.
278 - Busca
É uma busca de caminho
Cada dia que percorro.
Poucos serão, adivinho,
Os caminhantes, se acorro
A confirmar em quenquer
Se sabe aquilo que quer.
A maior parte de casa
Sai mas é com um vazio
No coração, que o apraza
A buscar de meada um fio:
Por sentir-me irrealizado
É que sempre hei avançado.
Bisbilhoteiro convicto
É sempre o bom viajante,
No tema mais interdito
Sempre a inquirir intrigante,
Pesquisando a vida alheia
De sentido a ver se é cheia.
Talvez um dia encontremos
Uma vida que se adapte
E de vez por lá fiquemos.
O viajante que isto capte
Fez uma pergunta mais,
Teve em resposta sinais
Tais que o coração lhe abrasa:
- Então não mais torna a casa.
279 - Presente
Em ti há sempre uma espera:
Faças tu quanto fizeres,
Não és presente, que impera
Sempre outro algo por que esperes.
Bordas a tapeçaria,
Penélope em cada dia,
E assim meio dia perdes
Sem que Ulisses algum herdes.
280 - Esforço
Da individualidade
Me livrar que é meu querer,
Meu esforço em cada idade,
E sem esforço viver
Como num sono consciente,
É a nossa vida no além,
A imortalidade ausente
Presente no que me advém.
281 - Exprimirmos
Exprimirmos o que somos
É deveras importante,
É um fanal de liberdade
A implantar mundo adiante.
A maioria dos gnomos
Não entende esta verdade:
Nunca sem ela viveram
Ou então nunca a tiveram.
O que julgam teimosia
Não é teimosia, não,
É celebrar a magia
De termos opinião.
282 - Apoiam
Amigos meus, familiares
Que em Deus se apoiam, verdadeiros
Crentes (não só de ir a lugares
Sacros, banais interesseiros),
Têm o espírito liberto,
Com abertura inesperada.
Quando caminham com acerto
Numa ribeira, de longada,
Não verão só água a fluir
Pelos rochedos: extasiados
Irão ficar, irão fruir
Daquela imagem enlevados.
Nela antevêem todo um reino
Duma esperança além do mundo.
Outrem não vê mais do que um leino
Regato, aliás pouco profundo,
Rumorejando sem sentido:
Perde a mensagem, distraído.
283 - Lavar
Um dia, ao lavar laranjas,
O sol reflectiu-se nelas,
Inaugurou pelas franjas,
Afinal, novas estrelas.
Descasquei uma e o cheiro
Trepou-me ao nariz e ao rosto,
O Espírito Santo inteiro
Entrou em mim a seu gosto,
Entranhou-se até aos ossos.
Ao céu ergui minhas mãos,
Vi-me polpa sem caroços,
De amor cheio em meus desvãos.
- Qualquer nada em si contém
Uma janela de Além.
284 - Pressa
Nossa pressa de chegar,
Infrene ânsia de fazer,
Obsessão de conseguir,
Levam-nos a ultrapassar
Etapas sempre a correr,
A utopia a perseguir.
De ilusões me satisfaço,
Sempre a afastar-me daquilo
Que é minha essência fulcral,
Do que no fundo é o meu traço
Quando me aceito, tranquilo,
Me acolho a mim, radical.
É o que nos leva a atrair
Bem como a ser atraídos
Por gente que nos desvia
Do trilho que é de seguir
Porque é o nosso. E, distraídos,
Nós perdemo-nos da via.
285 - Gerir
O problema mais central
É de si mesmo a gestão.
Gerir o tempo real,
Só conhecendo-me então.
Só assim não perco as horas
No secundário em demoras.
Isto quer prioridades,
Ver o que é mais importante,
Que metas te persuades
A visar de ti diante,
A longo prazo primeiro,
Para as tentar, pioneiro.
Muitas vezes a questão
É querermos aplicar
Prioridades que vão
Sem objectivo actuar,
Uma vez que a conhecê-lo
Não temos qualquer desvelo.
286 - Maior
Em algo maior quem crer,
Maior do que ele e que tudo,
Mais saúde irá reter,
Longa vida que saúdo
E com bem mais qualidade
Vinda da serenidade.
Muito mais rapidamente
Recupera da doença,
Lida melhor, mais clemente,
Com a morbidez que o vença,
Tem menos complicações,
Sofre menos depressões…
O espiritual mais a fé
Ajudam a maioria
Saudável a ter-se em pé:
São quem menos bebe ao dia,
Fuma menos, não quer droga,
Nem na depressão se afoga.
A fé tem esta magia
De curar por outra via.
287 - Lesão
Nem sempre a cura requer
O desaparecimento
Da lesão que nos tolher,
Da limitação, tormento.
Pode antes significar
Uma possibilidade
De os transcender, em lugar.
Não deixar que a insanidade
Nos aprisione nela.
Podermos vida serena
Ter todos, apesar dela,
E mais que serena, plena.
288 - Limitado
Por limitado que seja
O controlo que tenhamos
Sobre o evento que se enseja,
Talvez escolher possamos
O modo de reagir
Ao que dele nos bulir.
Quando somos afectados
Por uma doença grave
Reconhecemos, crispados,
Que das freimas todo o entrave
É agora insignificante.
E posso, no mesmo instante,
Dele então me libertar
Para, enfim, poder voar.
289 - Limitados
Pelo reconhecimento,
Através da aceitação
De como somos pequenos,
Limitados ao momento,
Indefesos neste chão,
Podemos abrir-nos, plenos,
Ao que é maior do que nós
E passar a vislumbrá-lo.
Por muito que ainda custe,
Se aceitarmos, logo pós
Ao limite ir deste abalo,
Fará que tudo se ajuste.
Deixa de nos limitar
A aceitação, na medida
Em que nos transporta então
Para um nível singular
Mais elevado em que a vida
Consciente é da imensidão.
290 - Obriga
Nada nos obriga mais
E assim, pois, mais nos ajuda
A reconhecer, ver quais
Vulneráveis pontos muda
E assume a fragilidade,
Que uma daquelas doenças
Que são a fatalidade.
Tal quem diz: "não te convenças,
Fica quieto, que essa força
De que por norma dispões,
Em que te apoias, hoje orça
A nada e sem servidões.
Aproveita para ver
Como és muito mais que aquilo,
Melhor procura entender
Dentro de ti que há no silo,
Repara para mais fundo,
Sem já te identificares
Com funções em que és facundo,
Cargos que desempenhares,
Imagem que tu projectas…
- Muito outras são tuas metas!"
291 - Janela
Há quem seja intuitivo
E quem nunca muito o seja
Mas todos temos ao vivo
A janela que se almeja
De voar além dos limites
Do que os sentidos nos dão.
Umas asas de palpites,
Invisíveis, mas que são.
E, quanto mais nós tivermos
Uma atitude amorosa
Frente à vida que vivermos,
Mais portais a intuição goza.
Seguir a intuição implica
Aceitar que haja uma ordem
Que preside e em tudo fica,
Um Ser antes da desordem
Que nos vai orientando
Pelos caminhos da vida,
Íman a atrair-nos, quando
Nem um esforço se envida,
O ciciar dele ouvir brando
Que nos fala no silêncio
Das almas, de quando em quando.
Quem pensar nele então pense-o
Como aquele mestre amigo
Sempre disposto a ajudar-nos,
Sempre à espera, no postigo,
Que se acolha o que vem dar-nos,
Por mais que se afastem dele.
E é seguindo a intuição
Que podemos ter aquele
Retrato em mundivisão
Onde vislumbro o Infinito
Que nunca sou mas concito.
292 - Preocupado
Tentar olhar longe demais,
Preocupado em como e quando
Ou até mesmo se lá vais,
À meta à qual vais apontando,
Pode fazer com que paremos
Abruptamente no caminho.
É uma lição que recordemos,
Que um passo apenas amarinho.
Em vez de olhar o não volvido,
Olha o que houver já percorrido.
293 - Flui
O teu amor por alguém
Flui em rio de energia,
Corre de ti para quem
Dele ao fim beneficia.
Quando esta pessoa morre
E o corpo à terra lhe vai,
Onde a força pôr que escorre
Da cachoeira que não cai?
É de energia um bloqueio
Dentro de nós, em retorno,
Que inflaciona em nosso seio
Da dor o aperto do torno.
Mas entendendo-lhe a morte,
Honrando-a, aceitando-a, enfim,
Correndo em longo transporte
Da dor a via sem fim,
Isto ajuda a atravessar
O bloqueio, a entender
Que alguém a quem eu amar
Pode, enfim, sobreviver:
De minha vida uma parte,
Jamais dele vive aparte.
294 - Muda-te
Quando atravessas a dor,
Muda-te esta travessia.
A quem não morre um amor
Nunca entende o que doía.
Muitas vezes ele diz
Àquele que está sofrendo:
"Ele saltou de raiz
Fora do buraco horrendo.
Doravante num lugar
Melhor ele permanece.
Basta apenas reparar:
Nunca mais ele padece!"
Se ignoras o que dizer
Àquele que sofre aí,
Basta disponível ser:
"A teu lado estou aqui."
Isto é o que lhe presta ajuda,
- Tão pouco é o que tudo muda!
295 - Lágrimas
Nossas lágrimas tributo
São de nossos sentimentos
Por quem amamos, no luto.
Nunca devemos, portanto,
Jogá-las fora, elementos
Que ao fim são do que é o encanto.
Não são sinal de fraqueza,
Nem de tristeza, ao contrário,
São o sinal de quem preza,
Sinal de apreço e afeição,
De cristal prenda em rosário,
Por quem bate um coração.
296 - Aprendizagem
A aprendizagem não finda
Quando finda em nosso corpo,
Por finar-se o corpo ainda
A meio dos fins que encorpo.
Se calhar é acelerada
Porque já não temos mais
Obstáculos na jornada
Terrena a impedir o cais.
Esta vida, a outra vida
São uma espécie de escola:
O jardim de infância lida
Na terra que a vida enrola,
Correndo em volta da sala,
Distraindo com brinquedos,
Sem saber como se abala,
Nem que fazermos dos medos.
Atingido o outro Lado,
É o ensino superior:
Mais entendimento dado,
Capacidade maior
E muito mais lucidez.
A ser nós continuamos,
Mas um nós com melhor tez,
Melhor em todos os ramos.
297 - Atrás
Atrás de ti o futuro
Fica lá quando parares
De perseguir o que auguro
Que é teu sonho de singrares.
Haja bons, haja maus ares,
Se escapar queres do apuro,
Não pares então, não pares!
298 - Crença
É deveras intrigante
Que em toda a cultura histórica
Haja uma crença constante
Em algo, que não retórica:
São energias, poderes
Que houver para além de nós,
Mundos pejados de seres
Que não nos deixam cá sós…
Para nós é muito bom,
Que nos dá sempre esperança,
Temos em nós o condão
Dum programa que se entrança,
Um querer-temer alturas,
A olhar daqui para os céus
E a ler além das figuras,
A apostar-me a crer num Deus.
299 - Trepem
Os que aprendem a viver
Na dor da incapacidade,
Na dor de alma de homem ser,
Que trepem à imensidade,
Da vertente do Infinito
Vivam cada requisito.
Estão deles sempre à espera
Infindas sementes novas,
Magias de nova era
Prontas a nos darem provas
De virem ser, à porfia,
De amanhã o nosso dia.
300 - Canaliza
Controla menos, recebe
Muito mais da vida o dom,
Canaliza, aceita, entrega.
Quem do infinito se embebe
Mensagem vai ser, no tom
Do Infinito que nos lega.
Através dele fluir
O infindo irá, mas também
Irá preservar em si
O mediador que o servir,
Impelindo-o mais além
Do que por si fora ali.
Vai ser ele na energia
Dum deus que protagoniza,
Será síntese de opostos.
Com o dual em harmonia,
A ascender se concretiza,
Será do Deus um dos rostos.
301 - Aviso
A perda jamais é mais
Que aviso à navegação
De que existe algo no cais
A impedir do coração
A escolha que visionais.
Não ficando a meta à mão
Para onde navegais?
Só vos pode um furacão
Confirmar quanto afundais!
Importa mudar de rumo,
Buscar à vida outro sumo.
302 - Achais
Achais que sois o que pensais
E o que pensais não sois jamais.
Vós sois, fatais, o que sentis,
Que em vós os céus mandam, viris.
Parai, portanto, de pensar,
Que a sentir antes é de andar.
E descobrir ireis então
Quão fabulosa é a pretensão,
Já que pessoa de magia
Dentro de vós se prenuncia,
Pronta a explodir e, finalmente,
Apta a cumprir missão ingente,
Velha missão que veio à Terra
Para exercer, que o Todo encerra,
Desde o primeiro, ancestral dia,
E eis que a manhã já se anuncia.
303 - Doravante
Doravante o adicional
É a ligação ao sagrado,
Ao eterno, este fanal
Do marinheiro cansado.
A partir de agora, pois,
Já não chega harmonizar
Os opostos, estes dois,
Mente e coração, ligar.
Após unir os opostos
Urge subir, elevar-se.
Do triângulo os três rostos,
Dois na terra sem disfarce,
No dual sistema contrários,
O outro vértice no céu:
O divino, em trilhos vários,
De longe a atrair meu eu.
304 - Mágicos
Grandes artistas, inventores,
Profissionais de alto talento,
Místicos, mágicos mentores,
Donde lhes vêm tais valores,
A inspiração no alor do vento?
O golpe de asa anjo em labor
Soprando o ouvido é sempre atento,
Dum ser de luz um esplendor
Que ele executa com o amor
Que lhe requer dar-nos alento.
E o ser humano a veleidade
Vai ter de achar que é dele apenas,
Que não tem outra identidade.
Tem de atenção necessidade
De fora e dentro com tais penas
Que para ele agarra tudo,
Até o labor que vem do céu
Dirá que é dele, um novo escudo
Para ganhar, herói miúdo,
Mais atenção, poder de seu.
É o ego a ser, esta ilusão
De a si tomar, dizer que é dele
O que jamais é de seu chão,
Só para ter uma demão
A mais que os mais dele na pele.
305 - Crenças
Mudai das crenças o teor:
Quando se apanham a afirmar
Que em algo crêem com calor,
Pensem se estão mesmo a falar
De fé que intuem que é verdade
Ou se acreditam porque agrade
Tapar feridas que doer
Iriam mais se destapadas.
Vejam se o vosso sacro crer
Tem mesmo a ver, nas fontes nadas,
Com o que é vossa intuição
Ou, ao invés, uma ilusão.
Mais uma etapa então trespassem
Desactivando a teia do ego.
Um dia, quando o valor cassem
Ao que acreditam sem apego,
E se ao que intuem derem fé,
Porão um novo homem de pé.
E, se entenderem que o que intuem
Pode mudar tempos além,
Bem mais libertos então fluem,
Mais fés supérfluas breve ruem,
Aos céus trepar mais e mais vêm.
306 - Leva
A questão não é de cura,
É do que leva à doença:
Doença a perda configura,
De perda é sempre pertença.
Se a doença alguém atrai,
É intuito do céu que pare,
Desacelere onde vai
A vida que então levar,
Que se conecte e que entenda
Que o caminho original
Não é aquele a que se renda,
Abra o intuitivo portal,
Deixe a energia profunda
Purificadora entrar,
Que o céu logo então o inunda
Com visões de novo olhar.
É energia curadora:
Se compreende, o entendimento
Se lhe alarga de hora a hora,
Não há mais de dor fermento.
Da missão refeita a lida,
Toda a função foi cumprida.
307 - Divino
Que será mais importante:
O divino ou as mil formas
De o explicar hesitante
E a que jamais te conformas?
É que o céu é sempre igual,
Os homens é que um milhão
De formas dão por sinal
De o explicar, sempre em vão.
Quando alguém uma maneira
De explicá-lo diferente
Tem da tua à tua beira
Pensa que é a via que tente.
Pensa que vocês os dois
São de facto diferentes
Mas para igual céu depois
Olhais, tal todas as gentes.
Sendo o mesmo o vosso céu,
Aceitem as diferenças,
Respeitem-se com tal véu,
Só diferem nas sentenças,
Na forma de chegar lá
- E a chegar principiais já!
308 - Ajuda
É de teu imo superno
Ajuda, estendida mão,
Toda a tua intuição
Que escolha, no mundo interno,
Te permite que reflicta
Quem és pelo que te dita.
A intuição é o palpite
Do céu por dentro de ti.
Fala o eu supremo ali,
Propõe-te o Além que já fite.
Da intuição com a ajuda
Ages pelo que te acuda,
Deixas de agir pelo medo,
Actuas com um caminho.
Da intuição o escaninho
É a chave deste segredo:
Liga-nos, daqui da terra,
Do céu ao que quer que encerra.
Mesmo quem não for lá acima
Que, pelo menos, o oiça
Nos vergéis onde retoiça
Da vida que o sempre mima:
Da intuição através
De frente opera e través.
309 - Frágil
Como vem à terra, o homem
É mui frágil, indefeso,
Protecções quer que se tomem,
Atenção a tê-lo ileso,
Quer saber que é compreendido,
Amado e bem defendido.
De lá de cima do céu
É o que, enfim, nos podem dar.
Lá quando alguém ascendeu
É quanto foi procurar
De colo este sentimento,
Certeza que sopra o vento
De que algures alguém há
Que de nós cuida tal qual
Se filhos seus formos já
Adorados por igual.
É legítima procura
Com razão de ser à altura:
É o que lá querem fazer,
É o que fazer-nos desejam,
Prontos sempre a empreender,
Ansiosos, é o que almejam.
De nós se requer ter fé,
Crer que o podem pôr de pé.
Acreditar que nós somos
Únicos, especiais,
Amados pelo que pomos
No que somos, triviais,
Em tentativas e falhas,
Por coragem e por gralhas.
Temos, porém, de ir lá acima
Conectar-nos: reabrir
Nosso coração ao clima
Que paz nos vai conferir
E amor incondicional
Em privado, pessoal.
Este é o amor de que é feito
O Céu e que livre está
Para ser dado em proveito
Ao homem que o busca lá,
A quenquer a quem agrade,
A quem tem boa vontade.
310 - Aprendes
Se aprendes a despegar,
Se aceitas na vida a perda
Que mais não é que finar-
-Se um pouco a vida que se herda,
Se acolheres a mudança
Que é deitar fora o seguro,
Se o desmembrar que te alcança,
O corte, aceitas mais duro,
O abismo, o contraditório,
- Encaminhas-te à lonjura.
Se aceitas vida e velório,
Partida e fim da aventura,
O deslumbramento e a queda,
Construção-destruição,
Amor-ódio, triste e leda
A vida em cada estação,
Vendo que se vivencia
Um para ao outro chegar,
Se aceitas morrer um dia
Para após ressuscitar,
Se a morte ao que tens e és
Acolhes crendo que o céu
Mal não deixa quem tal fez,
Que um novo homem já nasceu,
- Para mais longe te fica
A física morte tua,
Que por ti se prontifica
Do Além na terra outra rua.
E, quando a morte chegar,
O que a trombeta anuncia
É a dura prova a findar
Que um ser de luz sofreria,
A que andamos cá sujeitos,
Tão longe da luz sidérea:
A de esmagar-nos os peitos
Experiência da matéria.
311 - Bastante
Se logras viver em paz
Com teu próprio coração
E com a tua emoção,
Bastante te ligarás
Ao que sentes: tens ali
O bom e o mau para ti,
O que te reduz e amplia.
Intuída a informação
Cada vez mais, em teu dia,
De contacto precisão
Vais ter com quanto faz bem,
Que te ampliar alma além.
Ao abrir o coração
Como ao aceitar sentir,
Abre-se o portal então,
Mais e mais vais intuir,
A informação canaliza
A intuição que te visa.
Intuis o bom para ti,
Escolhes dele em função,
Sentes-te, a partir daqui,
Durante toda a estação,
Confortável, relaxado,
Com o espírito elevado.
Teu canal naturalmente
Vai abrir-se para o Além,
Vais subindo levemente
Como quem asas já tem,
E vai dar-se, na ocasião,
Dos mundos a conexão.
Se te fechas ao sentir,
Não percepcionas o bom,
Ficas duro, sem bulir,
Mais fechado, de mau tom.
Tal sentir devém tensão:
Quem sobe com tal lesão?
312 - Doença
A doença abre o portal da morte.
Quando próxima, sinto esta fria
E fatal rumo ao que além conforte,
Que a consciência venha abrir, um dia,
Ao infindo, ao que amear de Além.
Descobrindo o que for outro lado
É visível absorver também
Novas outras que são novo dado,
Velho acaso, mas jamais no acesso,
Que admiti-lo tem portões trancados.
Pode ser que em tal momento, ingresso
Rumo à morte a aproximar-se, os fados
A catarse desenvolvam grave,
Conversão desencadeiem séria,
Não à morta religião que cave
O sepulcro de quem for matéria,
Mas à fé na conversão maior,
Na infinita inteligência activa
Que engendrou todo este evento, a pôr
Um roteiro a uma adesão que viva.
Nesta altura, se estender o olhar
Para o céu daqui da terra baixa,
A unidade a refazer, a par,
Para unir-se aonde, ao fim, se encaixa,
A missão acabará cumprida:
Terra e céu, uma só luz unida.
313 - Acaso
Do acaso aprende a fiar,
Que acaso é sopro de Deus,
Tem a lógica dos céus
E nunca a nossa, em lugar.
Aprende, pois, a seguir
Como a breve borboleta
A força que em ti bulir
Do vento em bulha secreta.
É que é sábia a natureza:
Os animais vão apenas
Até onde ir as avenas
Do tempo chamam que os preza.
As aves voam mil milhas
Porque do tempo aprenderam
As discretas armadilhas,
E a entrelinhar se esmeram.
As baleias correm mundo
Pelas invisíveis linhas,
Da mão de Deus adivinhas,
Que tecem o mar profundo.
Por que é que o homem pretende
De Deus fazer tanto a parte?
Por que os caminhos entende
Desenhar dele por arte?
É por único ser quem
Sofre antecipadamente
Por mor do que o que ele intente
Poder ao fim não dar bem.
Porque medo de sofrer
Único é que aqui suporta,
Que tem horror de morrer,
Pois vê lá trancada a porta.
No dia em que compreender
Que a morte e tudo na vida
De estado é a muda devida,
Que a mesma muda é sofrer,
Que viver, no fim de contas
É de estado permanente
Mudança ao que breve apontas,
- Em tal dia, se consente
Deixar de julgar no evento
Por "quero isto" ou por "não quero",
Quando descobrir sincero
A liberdade do vento,
E deixar-se ir, simplesmente,
Então o céu, de seguida,
Vendo-o a vogar na corrente,
A missão terá cumprida.
314 - Subir
Quando alguém entra em contacto
Profundo com o que sente,
Tal sentir leva-o, de facto,
A trepar ao céu, contente.
Fica tão leve por dentro
Que Deus devém dele o centro.
Enquanto não entender
Que ir lá acima às soluções
Espirituais que quiser
É a saída dos baldões,
Única porta ao impasse,
Enquanto tal se não passe,
Virão as limitações,
Medos, emoções adversas.
Se não entendo os senões,
Manda o céu perdas diversas,
Por mão da vida, do mundo,
Do Cosmos onde me afundo.
Pode ser uma doença,
Uma morte malfadada,
Cataclismo que nos vença,
Um acidente na estrada…
O céu, porém, não nos quer
Gratuitamente a sofrer.
No momento em que alguém entra
A contactar o que sente,
Tal sentir no céu o adentra,
A dor trabalha em semente,
Liberta de vez tal dor,
Finda a perda, sem valor.
Ao sentir intensamente,
Ao conectar-se lá em cima,
Todo o coração presente,
Ao entender este clima,
Vai ficando receptivo
Ao Deus que lhe entrar no crivo.
Uma vez lá dentro, então,
Este Deus dinamizar
A vasta transformação
Vai poder enfim lograr:
Vai ser um Deus incarnado
Tal pessoa em todo o lado.
315 - Seguir
Deverei seguir meu sonho,
Não para ser mais feliz,
Completo ou menos medonho,
Nem a evitar por um triz
Toda a minha frustração
Ou medo corrigir vão.
O sonho devo seguir
Apenas pela razão
De à terra cada qual vir
Com definida missão,
A missão de cada um
E a dos homens em comum.
O motivo inicial
Da presença nossa em terra
É o poder fundamental
De alma expor que em nós se encerra,
Levar o deus à matéria,
Cruzar mundos, gesta séria.
Cada vez que alguém expõe
Tal alma, levando Deus
À terra, vai onde O põe,
Faz o percurso dos céus
Que, entre todos os sarilhos,
São os meus, são os teus trilhos.
Este percurso sagrado,
De Deus na terra presença,
Só pode ser alcançado
De alma a fulgir luz intensa.
E que mais a faz brilhar
Do que um sonho que empolgar?
316 - Pedaço
Meu imo superno
É minha metade
Que mora lá em cima,
Pedaço de eterno,
Minha eternidade
Forjando-me o clima.
Se fico cá em baixo,
Nunca fico inteiro,
Não serei completo.
Se lá não me encaixo
No hesitar primeiro,
Mais perdas decreto.
Antes de aceitar
Hei-de perceber
Que é indo lá acima
Que me alimentar,
Construir e ser
Logro, o que me anima.
O alto imortaliza,
É a única via.
A entrega ao poder
Universal visa
Em corpo magia
De espírito haver.
Tal nos santifica
Em corpo e em alma.
Faz a diferença
Da igreja que fica
Seita, a impor a palma
Da própria sentença,
Não nos permitindo
Acima ir buscar
A nossa verdade,
Entender que haurindo
A luz que brilhar,
A terra é uma herdade
Onde nós teremos
Tarefa importante
Para ser cumprida
E que só podemos
Consumar, instante,
À nossa medida.
Os seres de luz
Limpam densidades,
Tudo purificam
Mas tudo conduz
A interioridades
Que em nós pontificam.
Só por nossa via
Trepa a humanidade.
O amor é que salva,
Sem condição, via
Que de cima invade
A planura calva.
Sem ele, atrair
As forças do mal
De todo o feitio
Vamos a seguir,
Do vero sinal
Já perdido o fio.
É o amor a via,
Este é o sinal certo.
Há tempo demais
O céu o anuncia.
Hoje é o tempo aberto
Para que cresçais
De era nova em mente,
Subtil, amorosa,
Pacífica, humana.
É a hora presente:
E a ajuda se entrosa,
Que o céu não engana.
317 - Perdas
As perdas são um aviso
Do céu, por onde ele fala,
Manda sinais, pede siso,
Algo de incoerente o abala:
As escolhas não conferem
Com apelos que nos gerem.
Quando alguém desconectado
É tanto que não consegue
Ler o sinal enviado,
Vem uma perda que o pegue
E que fatalmente o morda
Para ver se então acorda.
Nem sempre acorda, porém,
Por vezes se afoga mais,
Se é uma revolta que advém
E não aceita os sinais:
Da perda além que há sofrido
Vem a dor de ter perdido.
Perdido por ser casmurro,
Por entendido não ter
Do prévio sinal o murro.
Por não tomar o poder
(Já que não mudou de trilho
E o caminho perdeu brilho),
O poder de corrigi-lo
Relativamente à perda.
É aceitar que ela é o sigilo
De questionar o que se herda
Para o corrigir depois
Rumo à luz dos arrebóis.
A perda é o último aviso
Do céu antes do da morte.
Pode morrer-se, conciso,
De dois rumos pelo corte:
Ou porque é missão cumprida
Ou por alheada a vida
Andar, tão desconectada
Que o céu perdeu a esperança
De a missão ser consumada
Por tal ser que nada alcança.
Ao morrer, outra consciência
Corrigir pode a evidência,
Pode limpar o sendeiro
Dos lixos acumulados
Com o seu corpo leveiro,
Furtar-nos a negros fados,
E no fim por ele, então,
Cumprida fica a missão.
318 - Frequentemente
Frequentemente acontece,
Se um homem pensa demais
Em deuses, fadas, na espécie
De entes sobrenaturais,
Que o imaginário lhe aquece,
Enlouquece em quadros tais
Que não dá conta do chão
E alucinado persiste.
- Ora, além da terra, não,
Ninguém conhece o que existe,
Tudo o mais pressentimento
É da fé que eu alimento.
319 - Mal
Que mal fizemos na vida
Para não findarmos mais
Como esperámos à ida?
Mal nenhum houve jamais,
Apenas sonhámos mal.
Às vontades divinais
Obedecemos tal qual?
Quantas vezes a vontade
Que é nossa, bem terrenal,
Nos passou por de verdade
Ser a de Deus escondido!
Quem com objectividade
Pode afirmar garantido
De Deus o estranho sentido?
320 - Ferida
Mesmo depois do retorno
Toda a errância continua,
Tanto da memória em torno
Como da ferida nua
De exilado ser em vão
Dentro de meu próprio chão.
Será sentir-me estrangeiro
Mesmo em minha própria casa,
Entre os meus, de que me abeiro.
É quando o longe me abrasa,
Que vai ser somente então
Que todos compreenderão
Que outra terra prometida
Não há senão a que houver
Dentro em cada qual erguida
E que não é mais sequer
Que da romagem o mapa
Cujo fim sempre lhe escapa.
É a transitoriedade,
Da casa do ser ausência
A picar-me a intimidade.
Quando tomo consciência,
Obriga a pôr-me a caminho,
Meu ninho a buscar no ninho.
321 - Expulsa
Toda a cidade ideal
Expulsa ao fim os poetas.
O paraíso no céu
Ou na terra, radical,
Logo dispara escopetas,
Concentracionário véu
O corpo a queimar disposto
Por almas salvar no posto.
Do maléfico sentido
Nunca vás ser atraído!
322 - Procura
Uma ideia de utopia
É a doutra navegação,
A procura doutra via,
Dum outro lado do chão,
Dum mar do lado de lá,
Duma ilha que não há.
Ou que há na imaginação
Daqueles que a procurarem:
Só vai ser demanda então,
Um pouco em leivas que ararem,
Dentro em nós viagem à lua,
Marca do íntimo na rua…
Ei-la aqui, não é de cá,
É toda a parte e nenhures,
Outro de mim que haverá
Certamente sempre algures,
Mas jamais certo homem novo,
Antes sempre um eterno ovo.
323 - Paraíso
O paraíso na terra
É muito mais do que um sonho,
Fantasia a que se aferra
A criança que em mim ponho.
Onde é que tudo começa
Senão na imaginação?
O éden apenas tropeça
Após nas pedras do chão.
Mesmo se nem todos vêem,
Alguns o vislumbram já.
Acreditem, que o que crêem
Já aqui anda e assim será.
324 - Novo
Se faz o que sempre fez
Conseguirá sempre aquilo
Que conseguiu no entremez,
Nada novo irá segui-lo.
Mas se fizer de maneira
Diferente do passado
Criará uma vida inteira
Renovada em todo o lado.
Princípios espirituais
Apurados em seu imo
Abrirão novos canais
Por onde rumar ao cimo.
325 - Idênticos
Todos os filhos de Deus
São idênticos, iguais,
Que um só somos ante os céus,
Os abismos siderais.
No sonho dum novo mundo
As crianças a missão
Têm dum toque fecundo,
Único a desempenhar:
As gentes são do futuro
Encarnadas num planeta
Enraizado ainda ao muro
Dum passado já sem meta.
326 - Mais
Não teremos já violência,
Não há mais competição.
De falar temos tendência
Do que é nossa precisão,
Pelo que a necessidade
De competitividade
Não existirá nos termos
Em que nós hoje a sofrermos.
Natural telepatia
Será reacendida em nós:
Quem da mentira vivia
É impedido logo após.
Todos vão-se aperceber
Da unicidade do ser
E aos outros dar atenção
Da comunidade é o chão.
- Eis as traves da utopia
Que do porvir se anuncia.
De nós pende que contrária
Se não torne, torpe e vária.
327 - Ver
As coisas como elas são
Ver devemos mas depois
Devemos trocar de chão
Pelos novos arrebóis,
Expectativas do que é
Pelo que irá poder ser.
É que assim pomos de pé
O porvir que se quiser.
O poder do pensamento
Semeia a força do vento.
328 - Comentários
Comentários derrotistas
- "Não lograrei superar",
"Sempre mal irei nas listas"…
- Ficam então a rezar,
Do princípio até ao fim,
Por nos mantermos assim.
Teremos de formular
Uma visão renovada
Que nos permita encontrar
Nossa imagem elevada
E nos franqueie os portões
De superarmos padrões.
Temos de o monte trepar
Com nossa própria energia
Do íntimo a conversar
Na raiz donde fluía:
Escutando Deus a ser
Nos passos que eu então der.
329 - Sentir
A nossa capacidade
Para sentir a beleza
É o signo da realidade:
A energia que se preza,
Divina por natureza,
Em nós entra em liberdade.
Há, porém, outros sinais,
Sinto-me logo mais leve,
Trepa a energia em caudais,
Acaba a me erguer, em breve,
Tal se um fio me susteve
Por cima dos silveirais,
A puxar-me para o alto
Pelo topo da cabeça.
E dá meu saber um salto
Sobre quem sou e que meça
E o que farei peça a peça.
Ergo-me do catafalco,
Recebo intuições e sonhos
Acerca do que operar
A seguir, pelos medonhos
Trilhos com que deparar
Vida além, ao desafiar
Os dias que houver bisonhos.
330 - Sincronias
Às sincronias da vida
Mantém-te alerta, procura
A coincidência tecida
Misteriosa que te cura,
Que te surge num segundo
E te empurra a um novo mundo.
Compreender este fluir
É da espiritualidade
O vero centro escandir:
Algo em mais profundidade
Discreto age atrás do pano
Por dentro do drama humano.
O problema é a percepção
Ser esporádica a breve:
Instante de sedução
E depois, em sonho leve,
Tão rápido como veio
Se esvai quanto foi enleio.
331 - Mística
A mística toda aponta,
Em qualquer religião,
Que podemos ter em conta
Uma estranha influição:
Contam que influi meu mental,
Tanto como o espiritual,
Naquilo que hoje acontece
Na vida que me aparece.
A fé remove montanhas.
E se esta capacidade
O segredo é de tamanhas
Vitórias que persuade
Aos píncaros que há na vida,
A criarmos à medida
A inatingível quimera
Da comunidade vera?
Teremos de compreender
Como o milagre funciona.
Está na hora de ser,
De o sonho trazer à tona.
A geração da utopia
Vai talhar da noite o dia.
Não há-de haver força adversa
Que nos force à trilha inversa.
332 - Reconheça
Mal reconheça a questão
Central que me tolhe a vida,
Recebo uma orientação
Num pensamento, intuição,
Da resposta a ser seguida.
Recebo a imagem mental
Que me sugere um percurso,
Uma acção, ou termo tal
Que para alguém é um sinal
Que o liberta em meu discurso.
Se seguir esta intuição
Surgirão coincidências
Que nos dão informação
No que respeita à questão,
De sincronia em cadências
Que nos farão avançar
Pelo caminho da vida,
De novo a direccionar
À nova questão que, a par,
A nova rota convida.
E assim sucessivamente,
Sempre em frente, sempre em frente…
333 - Respirar
A respirar aprendemos
Duma forma consistente
Quando a energia elevemos
Até ser luminescente,
Com ânimo, com calor,
Com percepção acrescida,
Em todo o nosso interior,
Do belo como medida.
Quão mais luminosa a vemos,
Mais o nível da energia
Trepou a níveis supremos
E mais beleza atingia.
Podemos visualizar
Este nível de vivência
De nós a se encaminhar
Do mundo inteiro à envolvência.
O amor com que o inundar
Inunda então minha essência.
334 - Alargo
Meu campo de prontidão
Quando o alargo à sincronia,
Alargo a revelação
Na vida de cada dia.
É mantendo-me em alerta,
Consciente expectativa
Da intuição que desperta,
Coincidência que viva,
Que farei as nossas vidas
Avançar no que é melhor.
Estas esperas vividas
Levam mais longe o teor
De nossa íntima energia,
Tornam-na mais forte agora,
Que alinhamos nossa via,
Intuitos de cada hora,
Com o roteiro ideal
De crescer, de evoluir,
Estruturado, afinal,
Do Universo no porvir.
335 - Estenda
Que meu campo de oração
Se estenda e melhore o nível
De vivência dos demais,
Elevando-os à união
Com o divino atingível
Dentro deles, dos ideais,
Através da intuição
Do eu deles superior!
Mais a probabilidade
De darem-me informação
Intuitiva vai-se impor
E mais sincronicidade
Com isto irei auferir.
A interpersonalidade
Vai ser a refeição ética,
O itinerário a medir
Cada vez com mais verdade
Uma alegre aurora poética.
336 - Cheio
No Universo tudo é vivo,
Cheio de íntima vivência,
Faz parte de Deus, esquivo,
Mostra Deus, nele imanência.
Devemos pedir, portanto,
Intencionalmente, após,
Para nos ligar ao canto
Que é divino dentro em nós.
Podemos avaliar
Se a esta vivência nova
Nos estamos a ligar
Do belo através da prova.
Tudo me parece belo?
Pouco importa o que é de início:
Mais beleza vem do apelo
Se eu buscar mais que um resquício.
O grau de beleza mede
A quantidade divina
De energia que em mim sede
Faz de Infindo a que se inclina.
337 - Energia
A energia não vem tanto
Do que houver em meu redor.
Posso absorvê-la, entretanto,
Duma planta, duma flor,
Como dum lugar sagrado
Em que houver participado.
É que a energia sagrada
Vem sempre da ligação
Ao divino, numa entrada
Que dentro há do coração:
Tudo em redor tem um jeito,
Natural ou do homem feito,
Rocha, relva, flor, montanha,
Obra de arte em qualquer rumo,
Que uma beleza tamanha,
Presença por trás do fumo,
Comporta que até sentir
Ninguém logra conseguir.
Ao abrir-me ao que é divino,
Tão mais farei aumentar
Em minha energia o tino,
Da percepção o lugar
Para poder enfim ver
O mundo como há-de ser.
Por entre imensa beleza
Cor e forma já vivemos.
O Éden é aqui, de certeza,
Só que aberto não nos temos
Bastante a nosso interior
Para lhe haurir o fulgor.
338 - Paraíso
O paraíso não fica
Algures na Láctea Via
Onde o porvir pontifica:
Abraça-nos cada dia.
Um bebé sempre arrepia,
Mal refeito da viagem,
Pois nem mãe nem pai o cria,
Cume da nossa romagem,
Antes, nesga a ser dos céus,
Vem-nos transformar em Deus!
E eu que, aqui preso à magia,
Nunca, nunca em tal creria!
339 - Exercício
Vejam bem que autoridade
É exercício de bondade
E é de quem melhor concite
Os arcos que arqueie a ponte:
Só quem define um limite
Nos indica um horizonte.
340 - Trepa-se
Todo e qualquer coração
Tem os seus próprios degraus.
Trepa-se um além do chão
E é o céu logo além dos vaus.
Ora, se nos deslumbramos,
Da escada abaixo tombamos.
341 - Íntimo
Não é jamais a verdade
Aquilo que nos transforma,
Mas uma autenticidade
Que nosso íntimo conforma.
Autenticidade ocorre
Apenas quando acontece
Que, por entre o corre-corre
Da vida que nos falece,
Duas pessoas comungam
Duma mesma transparência.
Por entre os haustos que fungam
Na asfixia da vivência,
Só então ficamos mais perto
Do céu, sem ter de, na rua,
A cabeça andar decerto
Perdida algures na lua.
342 - Promontório
Por que é que, quando se cresce,
Os olhos de alguém deixaram
O promontório celeste
De ser que antes altearam,
De onde se enxergavam rotas
Pelo mundo infindo além,
E o tempo perdeu as cotas
Dos dois limites que tem,
O do dia em que o eu vi
E até sempre desde ali?
343 - Sinta
Mal eu me sinta feliz
Logo deixarei de o ser:
Felicidade condiz
Com o que falta em quenquer.
É o lugar onde sou zero,
Onde está jamais estou,
É sempre um sei-o-que-quero
E nunca um sei-o-que-sou.
344 - Horizonte
Cada pessoa nos traz
Horizonte aos horizontes.
Se chego onde for capaz
Sozinho, não há mais pontes,
Ao fim nunca chegarei,
Nem se perto chego sei.
Crescer por outrem além
Não nos torna equilibrados.
Habilita-nos, porém,
A crescer com malfadados
Desequilíbrios da vida,
Para a harmonia, em seguida.
Encorajar é acolher,
Acolher é encorajar.
Aqueles com quem crescer
Acabam por nos levar
Raias a saltar, mal quites,
Como a passar dos limites.
345 - Angélica
Sempre o amor é redenção
Que passa por encontrar,
Na angélica anunciação,
Doutrem através do olhar,
A forma de ver além
Dos olhos nossos e dele:
A fronteira então provém
Do infindo que nos apele.
Um encontro de verdades
Não é o amor, é melhor:
Enleamos identidades,
Uma a outra a se propor.
É confiar-me em alguém
E entregar, nos olhos dele,
Meu olhar ao mais além,
Ao ignoto que me impele,
Guiado pela esperança
De vir até nós depois
O infindo que não se alcança,
O infinito de nós dois.
346 - Germinar
Vivências de comunhão
Fazem germinar a fé,
Fé na vida, no outro-irmão,
No futuro a pôr de pé,
Em tudo o que nos transcende,
Que nos vinca a pequenez,
Que a fazer-nos crescer pende,
Protege uma e outra vez.
Os elos de comunhão,
De sublimes, preciosos,
Mesmo se fugazes são
Ou de mais remotos gozos,
São nosso guia em demanda
De vivências similares
Para sempre, da varanda
Dos sonhos do imo estelares.
E protegem-nos da dor,
Da tristeza e desalento,
Da decepção, mau humor,
Do azedume e mau momento.
Em comunhão, nosso fito
Só vai parar no Infinito.
347 - Algo
Gostamos de algo nalguém
E de algo nos desgostamos.
Não é pecado em ninguém,
Mais e mais é estimularmos
Um planalto dentro em nós
Que nos traga o longe à voz.
Jamais somos solidários
Sem jamais imaginarmos
Ou conhecermos, sumários,
O que doutrem não gostarmos.
Mais que solidariedade
Com a individualidade
No de que, afinal, não gosto,
Ela traz-me à luz a face
Oculta em que não aposto,
As duas faz que eu retrace
A às duas pede a terceira
Que além já espreita, faceira.
348 - Antecipo
Que é que é mais compensador
Que uma vida dedicar
A obra que perdurar
Tempos fora, por um ror,
Geração a geração?
Que paz dará tal opção!
O tempo, a morte se evade,
Antecipo a eternidade.
349 - Seis
Aos seis anos é viável
Vislumbrar o inalcançável,
Frustrado um ano mais tarde:
Por trás das pratas o que arde
E não é só fantasia
De bruxo é a vera magia.
Os olhos erguem-se aos céus,
São do azul-verde da Terra
Vista dos longes de Deus
Que neles todo se encerra.
350 - Preparação
Em parte a efemeridade
É que em tudo delicia:
Preparação com vontade,
Com arte e com amizade,
Experiência e fantasia,
Dum prazer que irá durar
Nunca mais do que um momento.
E que irão apreciar,
Acaso ao sabor do vento,
Uns poucos a quem calhar
Lonjuras de pensamento.
Humilha mas não é trágico
E abre-nos a um mundo mágico.
Só plenamente o aprecia
Que toque tem de magia.
351 - Temer
Temer a morte é viver
Guardando os sonhos nas arcas
Que por trás da casa houver
Dos dias que nunca abarcas.
Amar a vida é montar
De sonhos uma varanda
Com a vista para o mar
Por onde o eterno ciranda.
352 - Maioria
Todo o sonho é arrasador
Sempre que se não converte
Nalgo real a se propor.
Na maioria dos casos
O sonho que me desperte
Maior dor, findos os prazos,
Era o mais simples de todos,
De original, razoável,
Tão fácil, entre os engodos,
De realizar, afinal!
Aquilo quase tocável
Mas que jamais eu, cabal,
Terei perto, em mim, bastante
Para o poder possuir,
Isto é que a vontade adiante
Me é capaz de destruir.
353 - Alimentamos
Quando alimentamos sonho
Aprendemos a saber-nos:
De que poderes disponho,
Quais meus limites internos,
Que valor tem o trabalho,
A persistir quanto valho…
O sonho é um metro de mim
Que além vai de meu confim.
354 - Desejas
Os sonhos são muito estranhos:
Desejas desesperado,
Obténs, entretanto, os ganhos
E, de repente, de lado
Desaparece de vez
Tudo o que fruis do entremez.
É um atletismo frustrante:
Treino em intérmina lista
E depois, lá muito adiante,
Só dois minutos de pista…
- O segredo é o de gozar
O trilho até lá chegar.
Atende, pois, à pegada
Que da vida pões na estrada.
355 - Melhora
Ser feliz não é preciso
Se for só para viver,
Mas melhora sem aviso
Toda a vida de quenquer.
Com felicidade posso
Mil e uma coisas fazer,
Utilizo um fogo moço
A entalhar quanto eu quiser.
É sempre o melhor caminho
De enxertar todos os ramos
Do pomar onde adivinho
A vida que desejamos.
356 - Aceitar
Devo aceitar que feliz
Posso ser mesmo que o sonho
Real não seja de raiz,
Que a felicidade ponho
Deveras onde é vivida:
Na admiração pela vida.
- Darei apreço (é meu céu)
Ao que a vida me cedeu.
357 - Mente
Em lugar de me obcecar
Com aquilo que não tenho,
Para a mente ir-me-ei voltar
E para o que dela obtenho.
É o poder de minha mente
Que do animal me distingue
Como doutro qualquer ente
Que pelo mundo além vingue.
Com ela posso em beleza
Pensar, para além do amor,
Na paz que tão mal se preza,
Na plenitude a propor.
Poderei fazer com ela
Tudo quanto eu bem quiser,
Voar, águia feita estrela,
Ou como o lobo correr.
Em meus sonhos não há fome
Nem nunca fico cansado,
Não há fronteira que assome,
Limite ao que for tentado.
Deste pendor como gosto
Quando em minha vida aposto!
358 - Ignoto
Como hei-de saber agir,
Onde me leva a viagem?
O ignoto põe-me a fremir
E eu não quero, na triagem,
Ver como coisa malsã
E temer meu amanhã.
Como evito este receio?
Só propondo metas novas,
Fascinantes pelo meio.
Serão meu mapa de provas,
De minha viagem rumo
Que entusiasmado eu assumo.
Permitem-me conduzir
Minha vida com confiança,
Meus progressos conferir,
Quanto meu desejo alcança.
Farão pensar-me seguro,
Finalmente, no futuro.
359 - Morte
A morte causa receio
Desde que o homem é homem.
Não é o fim da vida, é o meio,
Que é o princípio que outras tomem.
Nova vida principia,
Quem morre nunca fenece,
Transformou-se, noutra via,
No trigal duma outra messe.
Do lado de cá da vida
As recordações manter
Podem viva esta querida
Pessoa que então morrer.
E perdurará bem mais
Do que podemos viver.
Temos de entender, leais,
Que isto é o que há-de acontecer.
A seu tempo dor trocada
Há-de ser pela emoção
Que escolhermos na jornada,
Tudo será coração.
360 - Ânimo
Quando sou feliz eu sinto
Ânimo, alegria e paz,
Gosto do que sou e o pinto
Nas telas que o dia traz.
Os outros gostam de estar
Connosco, um colo da vida.
Uma auto-estima sem par
Nos eleva, comedida.
A vida física até
Melhora, que resolver
Mais fácil então nos é
Qualquer maleita que houver.
E temos mais energia,
Da vida em qualquer aspecto
Vivo logo a melhoria.
Honramos todo o projecto
Que o Cosmos para nós tem
Como ao Todo mais convém.
361 - Poder
A aranha fez-me implorar
Ao deus do mundo riquezas,
Que poder irei lograr
Só do poder de tais rezas;
Foi-me ofertada a pobreza
Para a força interior
Achar que o mundo despreza.
Pedi fama em meu favor
Para que outrem me conheça;
Foi-me dado o anonimato
Para saber, peça a peça,
Bem me conhecer, pacato.
Pedi alguém a quem ame
Para não ficar sozinho;
De eremita é o rame-rame
De cada dia que alinho,
Para aprender a aceitar-me,
Exacto, tal qual eu sou.
Pedi poder para armar-me
De prendas em que me dou;
Foi-me dada a hesitação,
A aprender a obedecer.
Pedi saúde, em tenção
De longa vida viver;
Foi-me dada a vil doença
Para o minuto sentir
E apreciar-lhe a sentença
Do sabor que me servir.
Pedi à Terra a coragem
Para seguir meu caminho;
Fraqueza é minha voragem,
De flébil que me adivinho.
Pedi a vida feliz
Para a bem poder gozar;
Dão-me vida de raiz
Feliz para a enformar.
De tudo o que eu hei pedido
Nada me foi ofertado;
Contudo, quanto hei querido
Tudo foi realizado.
362 - Alento
Temos de aprender deveras
A renunciar aos porquês.
Para o alento que ponderas
Que perdendo andas de vez,
Se o queres vir a encontrar,
Tens de aprender a entregar:
Tens de te entregar a ti,
Vida, sonhos e projectos,
Tudo, ao Cosmos que te ri
De além do que são teus tectos.
Tens de te entregar, senão
Não curas teu aleijão.
363 - Ilusão
Não é fácil, não, deter
As nossas próprias ideias.
São uma ilusão qualquer,
Nem sequer verdades meias,
Mas importam onde falto:
- São o além, sempre mais alto.
364 - Poeta
O poeta é um detective,
Sempre à procura de indícios
Deste crime que nos vive
De deixar-nos só resquícios.
É o poeta o mestre mágico
Dum acto de recordar,
O que evoca, hílare e trágico,
Para nosso bem-estar,
Os segredos mais ocultos,
Absolutos que há na vida.
Detective entre os estultos,
O selo a quebrar convida.
365 - Caminho
Cada pessoa deve escolher
Dela o caminho para chegar.
Principiai, pois, por um qualquer
Vossa jornada directa ao Lar.
Preocupar-vos nunca deveis
Em julgar trilhos de outrem pisar.
No vosso, engano nunca tereis
E acabais todos por vos juntar
Chegando a Casa. Naquela altura
Ficareis todos surpreendidos
Com as quezílias que cada apura
Pelo caminho, em ecos perdidos.
366 - Fronteira
Mal começas a pensar
Que és uma coisa qualquer
E não outra coisa a par,
Começarás a te ver
Como algo que é limitado,
Com fronteira em todo o lado.
No entanto, a Essência jamais
Se limita em lado algum,
De raia não tem sinais.
Na fusão, sem mais jejum,
Te identificas ao Todo,
Sem qualquer singular modo.
Com nada te identificas,
Em rigor, a que te aplicas.
367 - Confundas
Não confundas, por favor,
O que em teu coração mora
E o que mora em tua mente.
De tua mente o que for
Aí foi posto, hora a hora,
Por quem é sempre outra gente.
O que tem teu coração
De Deus foi lá posto à mão.
Mesmo assim, é bem provável
Que lho feches, como tantos.
Muitos fecham, inviável,
De Deus mesmo a mente aos cantos.
E não digas a ninguém
Que, se não acreditar
No que tua mente tem,
Deus o finda a condenar.
E, faças o que fizeres,
Não condenes tu ninguém
De Deus em nome: é quereres
Que Deus te fique refém.
368 - Reunificar-te
Ao reunificar-te, a morte
Recorda quem és deveras:
Vivencia-lo, de sorte
Que não sofres mais esperas.
Retorno a Deus, de algum modo,
Mas apenas figurado,
Que é só consciência do Todo
Que nunca, enfim, foi largado,
De que jamais nós partimos.
Consciência plena, sem pó,
De que, ao ver-nos de tais cimos,
Nós e Deus somos um só.
369 - Imerso
Todo imerso no divino
Vives permanentemente,
Neste instante cristalino
Nele estás, é o teu presente.
No fundo da realidade
Tu és de facto o divino,
Imerso na divindade
Que se exprime como o fino
Aspecto individuado
Da divindade vivido
Como tu, apessoado,
Mesmo de tal se esquecido.
Então, no vero sentido,
Não estás numa viagem
De retorno ao Lar perdido,
- Já moras nesta estalagem!
Sempre em casa com Deus moras,
Onde desejas chegar
Estás já, sem mais demoras,
Ambos sois Um a habitar.
O segredo extraordinário
É que basta tê-lo em mente
Para o vivenciar, sumário,
Cá dentro imediatamente.
370 - Retorno
Posso mostrar.te o caminho
De retorno à casa-mãe
Mas és tu que tens sozinho
De o percorrer, mais ninguém.
No sentido mais profundo
Não és nunca um viajante:
Já estás no lugar jucundo
Onde ir queres por diante.
Mas, de tal inconsciente,
Sentirás que estás a meio
Da viagem, renitente.
Assim, cumprirás o anseio
De prosseguir a viagem
Para à conclusão chegares
De que não é tal focagem
Precisa para a findares.
Tens de pôr pés ao caminho
Para entender que termina
No lugar nada maninho
Que onde estás se te destina.