QUARTO TROVÁRIO
A REGRA RESPEITANDO DO QUE A NUNCA ANULA
Escolha ao acaso um número entre 371 e 491, inclusive.
Leia o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
371 - A regra respeitando do que a nunca anula
A regra respeitando do que a nunca anula,
A norma e lei captando, a poesia assenta
Em verso regular o que ao seu ritmo bula
E rima a rima vai o que o licor cumula
Da vida destilando, em margens onde o aventa.
Determinada a vida como o poema aqui,
Vão ambos passo a passo caminhando a par,
Os versos ilustrando quão liberto vi
Tudo aquilo que firme o pé no chão pousar.
Pardal que lança o voo no chão pisa breve
Para tomar balanço no que o bem segura
E só depois então as asas solta leve.
Tal do dever a norma que a poesia augura
Que em chão firme a meus pés traça eficaz figura.
372 - Fútil
Nunca o homem corrompido
Foi de o autêntico ter
Mas do querer desmedido
Do falso e fútil que houver.
Nunca um povo desvirtuado
Foi de trigo haurir nem fruta,
De ar puro haver respirado,
De arte ou de beleza enxuta,
Mas de oiro e pedras preciosas
Ter, mais súbditos, poder
De reputações brumosas,
De alto andar sem merecer.
Nunca o homem corrompido
Foi de o autêntico ter
Mas do querer desmedido
Do falso e fútil que houver.
373 - Ocasião
Tem de espírito abertura,
Que quem sorte nunca tem
Perde a ocasião segura
Que cada dia contém,
Pois se ocupa em demasia
À procura doutras metas.
O sortudo é quem confia
No que lá está, segue as setas,
Não se limita à procura
Do que quer: quer o que augura.
374 - Saboreia
Saboreia o lado bom!
Como é que encaras a sorte
E como enfrentas o azar?
De tua emoção o tom
Segue do atleta o recorte
Que mais sente triunfar
De bronze com a medalha
Que se a de prata lhe calha,
Só porque nesta ele sente
Que com melhor desempenho
Ganharia acaso a de oiro,
Enquanto a de bronze à mente
Antes lhe evoca o desenho
De a perder, se com desdoiro
Se houvera desempenhado
No desafio enfrentado?
Então se inverte a alegria
Que dos factos adviria.
E o melhor é bem pior
Para feliz te supor.
É o poder de imaginar
O que pudera ocorrer,
Dos eventos em lugar
Do que mesmo acontecer!
Aquele que tem má sorte
Cuida, perante um assalto,
Que hora mais aziaga e forte
Lhe impingiu tal sobressalto,
Enquanto sempre o sortudo
Pondera que bem pior
Poderia o azar mudo
Acabar por vir-lhe impor,
Poderia ali matá-lo,
Feri-lo, incapacitá-lo…
Tal tipo de pensamento
Fá-lo sentir bem melhor,
De alta esperança fermento,
De vida feliz factor.
A sorte não cai do céu,
Cria-la tu do que é teu.
375 - Divergirem
Que importa língua e costumes
Divergirem? Não são nada
Se os objectivos que assumes
Abrem para a mesma estrada
E se nosso coração
Anda aberto a todo o chão.
376 - Desejo
Quando existir um segredo,
Guarda-o, sejas fraco ou forte.
Existe um desejo tredo
De lhe confiar a sorte
A um confidente, a um amigo,
De partilhar-lhe a tristeza
Ou a alegria a que abrigo
Dê, naquilo que ele reza.
Se o não preservas, o peso
Dele aumenta e pode acaso
Devir, para o nele preso,
Insuportável a prazo.
Acabam por esmagá-lo
As tenazes deste abalo.
377 - Atribuir
Não podes tanta importância
Nunca atribuir a ninguém,
Que ninguém a manigância
De desagradar-te tem
Para contigo sequer:
É uma maneira de ser.
Cuidas sempre que os demais
Se andam referindo a ti,
Mas assim não é jamais:
Deambulam por ali…
378 - Quase
Quase tudo o que aprendemos,
Aprendemos do que ouvimos,
Mas só um quarto é que absorvemos
Do que ouvimos cá nos cimos.
Leva os mais a partilhar
Mais de seus conhecimentos
E o que cada te contar
Ouve a todos os momentos.
Deixa-os acabar as frases,
Já que interromper atenta
Contra ouvirmos e o que fazes
É matar o que te aumenta.
Doutrem completar juízos,
Perguntar em demasia,
Cala de quem fala avisos,
Perturba o trilho que hauria.
Outros actos não operes
Ao mesmo tempo que escutas,
Que, se ao mesmo tempo leres,
Colhes novas diminutas
E ao teu interlocutor
Ainda acabas ofendendo.
Depois narra-lhe o valor
Que trouxe a teu dividendo,
Que os mais dão-te mais ideias
Se puderem confiar
Que eco tiveram sem peias
Em teu viver e sonhar.
379 - Antídoto
Arte é viver o momento,
Antídoto contra o stresse
Auto-infligido no intento
De o tempo haurir que falece,
Tirar prazer e fruir
Cada instante e actividade,
Em lugar de perseguir
Mil coisas em cada idade,
Em vez de constantemente
Nós andarmos a penar
E o que há-de vir de premente
Nos vermos a antecipar.
380 - Enriquecer
Enriquecer nossas vidas
De coisas simples é um bem
Que fazer em nossas lidas
Podemos, que bem convém.
Perigo maior reside
Nesta pressa de saltar
A fasquia que preside
Ao cume que me quis dar,
Esquecendo, no trajecto,
Que o topo da meta ansiada
Tem por cima um baixo tecto,
Vital fonte limitada.
381 - Verdadeira
A verdadeira pergunta
É que preço é que dispostos
A pagar pelo que junta
Dinheiro estamos, que postos
É que lhe queremos dar.
O luxo de hoje reside
No que hoje anda a rarear:
Natureza que convide
À comunhão, lentidão
Que todos reivindicamos,
A calma meditação,
Ócio que jamais logramos,
Preferir a liberdade
Ao conforto e retornar
À raiz da identidade,
Ao fundo que é nuclear…
Tudo em vez de acumular
Dinheiro, objectos sem fim,
Muro de engano a falhar
Contra a morte e a dor em mim.
382 - Lidar
A maneira de lidar
Com o stresse não é ir
Para umas termas nadar,
Para a paisagem fugir.
Abordagens deste teor
Muito pouco contribuem
Para acalmar o furor,
Descontrair os que actuem.
Ao invés, conhecimento
Tomar de que a vida é cheia
De tensões, cada momento,
Porque é vida volta e meia,
É o que primeiro devemos.
E então devemos lidar
Com isto que é quanto temos:
Tal foi sempre o nosso obrar.
Vamos, pois, respirar fundo,
Enfrentar a realidade,
Conhecendo a sério o mundo
E a nós nele de verdade.
383 - Concha
É uma concha o adolescente,
Abre apenas um instante,
A alimentar o presente
Ou jogar lixo adiante,
E logo dentro se encerra
Da concha outra vez fechada.
Se perto, quando descerra,
Se encontra alguém da fachada,
Tem hipótese de ver
Algo que é deveras belo
No interior que surpreender.
Tem é de estar lá, singelo.
384 - Cura
Qualquer cura é conseguida
Através duma mudança,
Duma mutação querida.
E ninguém pode fazer
Noutrem a que outrem alcança.
Compete-lhe empreender:
Ninguém, pois, pode mudar,
Mudar em nosso lugar.
A doença pode ser vista
Como estímulo ou desastre,
Partida na nova pista
Que a oportunidade encastre
Em muda fundamental,
Para a vida, no final,
Poder conter mais sentido
Que por nós seja vivido.
Mesmo em fase terminal
De doença, decisões
Há quem tome que, afinal,
Em outras ocasiões,
Da saúde ao desfrutar,
Era incapaz de tomar.
385 - Eliminar
Eliminar o exterior
Abuso sobre a criança
Primeiro quer o interior
Ver se eliminar se alcança
Naquele que a vitimar,
- Ou cura não tem lugar.
386 - Curamos
A criança interior
Curamos, antes de mais,
Reconhecendo o que for.
Descobrindo-lhe os sinais,
Que muitas necessidades
De amor, orientação,
Respeito pelas verdades,
Segurança, comunhão,
Quando nós fomos crianças,
Nunca foram satisfeitas.
Isto mostra, quando o alcanças,
Estas crianças atreitas
A um estado de ansiedade,
Medo, raiva, desespero,
De vergonha em toda a idade,
Tolhendo o adulto que quero.
Puxo, após, cá para fora
Tudo o que ao longo da vida,
De sobrevivência escora,
Foi a matéria escondida.
Sinto quanto tudo dói,
Acaso mais do que cria.
Nisto a cura se constrói
Lentamente, dia a dia.
Quando uma carênca-base,
Própria de qualquer humano,
Por insatisfeita, abrase,
É o abuso que dimano
Relativamente a mim
E aos outros. Crio problemas
Em qualquer área, sem fim,
Da vida a que perco os lemas.
387 - Trabalho
O trabalho de encontrar
E conhecer a carência
Da criança interior,
Só o próprio o pode levar
A cabo, pela evidência
De ser de si o senhor:
Só ele ocupa o lugar
De a poder alimentar.
Não adianta procurar
Quem lhe der aquele amor
Que em criança jamais teve,
De que adulto precisar
No desespero e na dor.
Não adianta querer breve
Quem da criança tome conta
Que o habita e que desconta
Porque dela se envergonha,
Hoje que é um adulto cheio
De responsabilidades.
Nem importa que se ponha
A ajudar outras, no meio,
Vítimas de atrocidades,
Que não a própria, inviolável:
- Desta só é o responsável.
388 - Pequenos
Uma criança magoada
Existe dentro em nós todos.
Que, em pequenos, a jornada
Feriu-nos de muitos modos
Nossa sensibilidade,
Violentada pelos pais,
Embora não por vontade,
Que fizeram, como tais,
O melhor que conseguiam.
É que em norma eles também
Sempre de trás já viriam
Com a criança que têm
Profundamente magoada.
E é tal magoada criança
Que lhes vai, duma enfiada,
Os filhos que cada alcança
Educar logo a seguir,
Repetindo os mesmos erros.
Ou acordo do que vir
E tento arrancar a ferros
Este cancro hereditário
Que nos dana cada dia,
Ou acabo a agir, primário,
Como meu pai agiria.
Esta criança interior
Que cá dentro está magoada
Interfere em quanto for
O adulto gesto na estrada.
389 - Porto
Só andando devagar
É que irei reconhecendo
Onde se pode encontrar
O que deveras pretendo
Como meu porto de abrigo,
Onde me furte ao perigo.
Então é que irei podendo
Inteiro ali aportar.
Só deste modo é que entendo
O que deverei deixar
Pelo caminho que sigo,
Fardos maus a que me ligo.
Nunca nenhum, porém, sendo
Daqueles que, ao mal julgar,
Como inúteis os fui vendo,
Quando serão, em lugar,
Imprescindíveis comigo
No caminhar que prossigo.
390 - Maneiras
Há maneiras de pensar,
De falar como de agir
Que bem ajudam a estar
Connosco, o mundo, o porvir…
Outras há, de rumo vário,
Que dão o efeito contrário.
E assim é, quer nós tenhamos
Consciência disto, quer não.
Mas só conscientes ganhamos
O poder de ter à mão
Os efeitos positivos,
Anulando os negativos.
É a consciência em crivo a peça
Com que em mim tudo esclareça.
Agora e aqui podemos
Decidir ficar melhor:
O que ocorre transmudemos
Por mais rendível pendor.
Se sorrirmos para a vida,
Mais sorridente revida.
E, quando sou positivo,
Torno o mundo inteiro vivo.
391 - Física
Uma física doença
Que me obrigue a ficar quieto
Oferta a oportunidade
De encontrar-me sem detença
Comigo, sob o meu tecto,
Estimula a faculdade
De a doença subjacente
Vir a curar de que ainda
Me não tinha apercebido.
Entender o que é doente,
Tal informação benvinda
Permite o gesto medido
Duma atitude interior
Que nos leva a reagir
De forma mais eficaz.
A cura que é superior
É transmutação a vir
De algo na vida capaz
De encontrar a causa funda
Que às outras for subjacente.
O que curar mais importa
Não é o sintoma que abunda
Mas o fundo em que ele assente,
A raiz que lhe abre a porta.
392 - Aprendendo
Aprendendo a valorar
Tudo quanto em nós é força
E, ao invés, a desprezar
A fraqueza que a distorça,
Sem que nos apercebamos
De que, em aperfeiçoamento
Embora sempre estejamos
Dum ilimitado intento,
Somos entes imperfeitos,
Então não vemos o facto.
Não assumindo os defeitos,
Deles não olhando o impacto,
Inseguranças e medos,
As vergonhas e os falhanços,
Partem-nos ao meio os credos
E não ficamos nos lanços
Inteiros, no que operemos,
Antes desequilibrados.
De nós parte se neguemos,
São-nos momentos negados,
No patim em que nos pomos,
De ser aquilo que somos.
393 - Sofrendo
Primeiro, o que faz sofrer
Há-de ser sempre a mudança.
Depois, sofrendo, tender
Só connosco a ter fiança.
Primeiro grau a aceitar
Sofrimento inevitável
A parte é descortinar
Em que eu for o responsável.
Nunca me considerar
A vítima da injustiça
Ou engano, nem culpar
Os outros do que me enguiça.
A responsabilidade
Não atribuir a terceiros,
Embora a fatalidade
Me tolha meus bens cimeiros.
Sentimento de revolta
Não traz qualquer benefício
E reforça, quando à solta,
De sofrer qualquer resquício.
394 - Contrário
Ao contrário do costume
Que é dizer, quando da dor:
"És forte, esta força assume
Até ser de ti senhor!",
O que nos pode valer
É de frente o pobre real
Olhar que nos há-de ser
Difícil de ver tal qual,
Isto de que somos fracos,
Vulneráveis, limitados.
Ao assumir estes cacos
A cada momento dados
É que posso ir construindo
Um chão realmente chão,
E, a partir dele, expandindo
Meu ser sem perder-me em vão
E sem ficar dependente
Do que vier do exterior.
Então interiormente
Em nós algo vem-se impor
Que de vez nos unifica,
Uma paz a que aceder
Quando em redor pontifica
Toda uma guerra qualquer,
Alguém firme a nosso lado,
Sempre, sempre a acompanhar,
Que nos ama sem enfado,
Firme em nós a acreditar.
Este alguém único é um ente
Que na maior solidão
A mim sempre está presente
Da morte até na ocasião:
- Alguém com que fico a sós,
Um tal alguém somos nós.
395 - Embate
Cada embate superiores
Nos torna e Deus só nos dá
O que nós temos humores
Para suportar por cá.
A grandes ou a pequenos
Tal é a lei: nem mais nem menos.
Deveremos ficar gratos
Por Ele nos enviar
Estes eventos cordatos.
É o modo de Ele lembrar
Que está lá em cima velando
Por livres irmos chegando.
396 - Aprender
Um homem comum precisa
De aprender emoções puras,
As que um belo jardim visa,
Dum mar, duma flor finuras…
Este senso humano deve
Preservar-me a todo o custo,
A sobrevivência inscreve
Isto a fogo em nosso busto.
Cada um de nós traz dentro
De seu íntimo um jardim.
Quando no interior me adentro
É que visível confim
Verei que devo torná-lo:
Tem de passar todo o ano
A ser, para onde abalo,
Meu ambiente quotidiano.
397 - Irrelevante
Não há nada que fazer
Da vida a não ser vivê-la
E tudo o que se fizer
É irrelevante esparrela.
E, contudo, é o que é importante
Operar vida adiante.
398 - Difícil
Tão difícil admitir
É sempre que estou errado!
Pedir desculpa, a seguir,
É a minha chaga do lado.
De sempre, ao longo das eras,
Mais fácil foi se esmurrar,
Caluniar-se deveras,
Disparar, bombardear
Ou não se falar de vez,
Do que desculpa pedir.
Como custa o entremez
Deste ego meu reduzir!
399 - Miúdos
Aos miúdos concessões
Nunca faças graduais,
Que uma a uma dão montões,
Não fica ao fim nada mais.
Lembra-te de que eles podem
Choramingar uma hora,
Mas passa-lhes, que sacodem
A birra após, sem demora.
Promete menos, prudente,
Não olhes ao que outros deram,
E surpreende-os, de repente:
Dá-lhes mais do que o que esperam.
400 - Aceitas
Quando aceitas que não és,
Que não tens e que não podes,
Que não te aguentas nos pés,
Que força não vês que engodes
(Tua fortaleza toda
Apenas é fantasia),
- Cantas, na altura, uma coda
Que és tu mesmo em harmonia:
Estarás a conciliar
Força que em ti se engolfar,
Que de ti virá, do mundo
E do Cosmos mais profundo.
401 - Dedicas
Se outrem a tornar feliz
Te dedicas, vais também
Bons cuidados de raiz
Atrair que te convêm.
Mas relembra a precaução:
Nunca te dediques, não,
A qualquer um totalmente,
De ti próprio prescindindo.
A outrem dar-te é premente
Mas tens de auscultar, te ouvindo,
De que precisas, ao ser,
E de lograr receber.
402 - Recuso
Quando o fracasso me esgota,
Esgoto minha energia
Ao resistir, se esta brota
De mudar por outra via,
Quando laços sinto e nós
Que podem ser diferentes
Do que vem de pais e avós,
Do que ensinarão as gentes,
Quando descubro que a vida
Não se pode resumir
À lei pré-estabelecida,
Cadeia a nos oprimir.
Se resisto ao sentimento,
No mundo que me rodeia,
De que não posso ir no vento,
É urgente mudar-lhe a teia.
Quando o fracasso me esgota,
Esgoto minha energia
Ao resistir, se esta brota
De mudar por outra via.
403 - Camadas
Nós somos como a cebola
Cheios de camadas densas,
Sobreposições em bola
De vidas de antanho, tensas
De emoções mal resolvidas,
Na energia de hoje urdidas.
É natural que sintamos
Numa altura o medo duma,
Noutra, a raiva despejamos
Doutra que a tal se resuma…
- E o que importa é descascar
O que o remo nos travar.
404 - Escolher
Escolher é ser,
Que escolhendo é que és.
E ser, em quenquer,
Sem medo nos pés
É viver presente
Caminhando em frente.
Existir sem medo
Requer enfrentá-lo.
Se o enfrentar, cedo,
Para meu regalo,
Me liberto dele,
Nunca mais me impele.
Se já não há medo,
Sou eu, actual,
A mim mesmo acedo,
Presente, integral,
Bem como à missão
E ponho-a em função.
Ao eu actual
Logrando aceder,
Consigo o fanal
De como ao fim ser
E, por conseguinte,
Da escolha seguinte.
Círculo perfeito,
Tudo aqui se encaixa
Se tomar a peito
Respeitar a faixa
Do que a natureza
Em cada qual preza.
405 - Prendas
Quando as prendas da vida recebidas
Permanente colocas ao dispor
É a maior prova de que as tens delidas,
Não vives apegado a seu fulgor,
Apenas são para usufruto teu.
Medo não tens de acaso as ir perder,
Que simplesmente nunca te ocorreu
Tomá-las para ti, atar sequer.
Teu ego não deixaste nunca entrar
O erro de serem tuas a criar.
406 - Fragilizas-te
Ao dar atenção ao medo,
Ao aceitá-lo, então tu
Fragilizas-te de vez.
Acolhê-la, tarde ou cedo,
À fraqueza que é tabu,
Porém com a robustez
Da força em plena harmonia,
- Eis a meta principal
Desta na terra estadia
De que és sempre o actor fatal.
407 - Dor
A dor que importa aceitar
É a dor de qualquer das almas
Que a separação causar,
A que a paz destrói e as calmas,
Só pelo facto de o eu
Não estar jamais completo,
Na unidade o que é de seu
Não viver, sempre sem tecto,
Tendo de permanecer
Neste mundo de energias
Duais a se combater,
Tão difícil de harmonias.
É a dor do ser verdadeiro
Que o faz sentir inseguro,
Rejeitado num sendeiro
Sem fim aprazível puro.
Esta dor que é de aceitar
É a que é deveras sentida.
Detrás vem, por dentro a andar,
Desde sempre em nós sofrida.
408 - Aberto
Quem por si mesmo escolher,
Aparte do que ele escolhe,
Sempre aberto se manter
Há-de ao novo e nele o acolhe,
As inéditas versões,
Frestas de novas visões.
Abre-te, portanto, ao novo,
Aposta no inusitado,
Do insólito alarga o povo:
Na diferença treinado,
Tens a chave do segredo
Maior que vence o degredo.
Quando os homens aceitarem
Toda a diferença, então,
Opostos a vivenciarem,
Entraram em união
E esta harmonia emergente
Fá-los voar, consequente.
409 - Difícil
Ser é difícil, os mais
Reclamam e não aceitam
Que alguém seja: eles são tais
Que ao ser que são não se ajeitam.
Então, a acalmar, criticam
E de má consciência ficam.
Mas a alegria interior
Que em ti próprio vivencias
Sempre que te vais propor
Escolher por ti teus dias,
Viver em serenidade
Com peito aberto, à vontade,
E em constante mutação
Para devires melhor,
É uma mágica emoção
Com o tamanho e vigor
De bem mais de mil montanhas
Cheias de fúrias e sanhas.
Nunca mais vais depender,
Nunca mais irás achar
Que estás errado e quenquer
Te há-de um dia castigar.
Rumo ao Ser não existe erro,
É escapar sempre ao desterro.
410 - Utilizais
Como utilizais o julgamento
Sempre e para tudo, ao deparar
Com quaisquer opostos logo o evento
O pendor da escolha vai armar:
Por um ou por outro, nunca os dois.
Quando a verdadeira experiência
De ser na matéria quer depois
Que se conciliem na vivência
Todos os opostos que nos tecem.
A escolher, portanto, ambos escolho,
Um mais outro assim, que os dois merecem,
Quer se simultâneos os recolho,
Quer um após outro, diferidos.
O que nunca devo fazer, nunca,
É julgar e achar que um dos sentidos
É bom, outro mau, que o todo trunca.
É que o rejeitado irá voltar
Em forma de perda a me atacar.
411 - Acreditas
É teu ego o responsável
Por tua teia de crenças
Que acreditas que é fiável.
Quem crer em certas sentenças,
Como em ter um objectivo
E dever lutar por ele,
Ou em que o choro é motivo
Dos fracos que se repele,
Nunca deixa entrar a luz.
Crê que é retrógrada ideia
Deixar fluir, como induz
Que o é vivenciar bem cheia
Toda a emoção, mesmo triste.
Contudo, apenas assim
A emoção em pleno existe
E o limite esgota, enfim.
Como tudo o que ao limite
Chega se vira ao contrário,
A tristeza tem desquite,
Tem logo ali fim sumário.
Começamos a atrair
Cada vez mais, dia a dia,
O que fizer reflorir
Em todos nós a alegria.
412 - Sofrer
Para sofrer não veio ao mundo o homem,
Também não veio para à dor fugir.
Se a dor está noutro lugar, que a tomem,
Ir lá buscá-la já ninguém deve ir
Mas, se aparece por aqui, terás
De a enfrentar sempre a doer, até
Que por fim passe: deixa doer, verás
Que mais depressa lhe trocaste o pé.
Depois que embora ela se vai de vez,
Enquanto estás a te livrar dos medos,
Vai construindo a tua própria tez,
Felicidade de que tens segredos.
Não veio o homem, realmente, não,
Do paraíso que jamais se viu:
Ao trabalhar-se deste modo, então,
É que lá vai se dirigindo o rio.
A prometida terra é aquela feita
Pelas mãos nossas, que se aqui constrói
Quando se encara cada qual e aceita
A decisão de ser feliz que o mói.
413 - Saudável
És mui saudável, trabalhas
E não paras um minuto,
Não tens tempo em tuas calhas
De teu, só para o produto.
Teus pendores mais secretos
Ignora-los junto ao canto.
Todavia, são teus tectos
Que energizam, entretanto.
Então atrais a doença.
Pode ser apenas susto,
Mas o intuito da sentença
Igual é, que importa o custo?
Só mudou a intensidade,
O intuito é de te parar,
Entender que a intimidade
Tens de a ver, lá dentro olhar
Para os mais íntimos medos,
Passar por eles e quando
Insuportáveis degredos
Forem, para o céu olhando,
Entrega-te por inteiro.
Não apenas o problema,
Não só o medo passageiro,
A ti próprio como tema.
Mas sempre o homem revida,
Continua a pretender
Dominar a própria vida:
- Eis o bastião a ceder.
414 - Solidão
A solidão não existe,
É apenas medo do eu,
De mim próprio, que persiste
Do abismo a brotar que é meu.
Há tantos séculos anda
O ser humano de banda,
Caranguejo atento aos mais,
Ao que dizem, ao que pensam,
Ao que julgam dos sinais,
Ao que acham ou não que é bênção,
Que o rumo perdeu do centro,
Hábito de olhar bem dentro,
De por dentro se sentir.
Não somos o que pensamos,
É o que sentimos devir.
O ego também, nos seus ramos,
Não ajuda, ao pretender
O que devo ou não fazer.
Serão sempre indicações
Para agir, para pensar
Fora de mim intenções,
Sempre para fora a olhar,
Com outrem relacionadas,
Nunca com minhas estradas.
Começa a cavar-se o abismo
Entre aquilo que tu és
E o que pensas, o que cismo
Que serei nos rapapés
Ao que ao fim de mim me alheia
Na vazia maré-cheia.
415 - Espelhar
Se não fores o que escolhes,
Se a escolha que operas não
Espelhar o que tu és,
A luz que tua recolhes,
Raiz de teu coração,
Saber por trás de teus pés,
Se não viajas até
Ao íntimo de teu ser,
Ao que intrínseco te for,
Se tal viagem não é
Viável por medo haver
Ou por falta de interior,
Se nada disto ocorrer,
- Como é que vais escolher?
Que ferramentas irás
Utilizar para, em paz,
Efectivar tão sublime
Acto que em ti se te estime,
A escolha, a utilização
Do arbítrio livre em função?
É que escolha não é apenas
Decisão por isto, aquilo,
Meramente factual.
A escolha define em cenas
Quem cada qual é, o estilo
De em matéria ser real:
A meu imo como o encaixo,
O concretizo cá em baixo.
416 - Desactivas
Se desactivas teu ego,
Vives a vida real.
Não é de atirar-te cego
Às coisas a que equivale,
Sem olhar às consequências,
Que a realidade não é
De irresponsável tendências
Reforçar nem pôr de pé.
É o ego que irresponsável
Torna qualquer um de nós,
Dado que faz crer fiável
O ilusório, estanque, a sós,
E o real que em volta vive
É puramente ignorado.
Logo que se desactive
De ilusões este soldado,
O teu livre arbítrio podes
Usar com discernimento.
À hora da escolha acodes
Sem apego ou fingimento.
Dum ego sem um controlo
A impor o que devo crer
E sabendo sem mais dolo
Em que cremos, que confere
Com aquilo que intuímos,
Posso, por fim, escolher.
Bem ou mal, a escolha, aos cimos
É indiferente, é qualquer,
Que escolha em tais condições
Será tanto um bater de asa
Que é trilho, mesmo aos baldões,
Para voltar sempre a casa.
Já não há certo ou errado
Aqui, que um outro é o discurso.
Contará o caminho andado,
Agora tudo é percurso.
417 - Poder
Poder fazer é uma coisa,
Outra, porém, é escolhê-lo.
O poder em ti repoisa
Mas nem tudo ata em teu elo,
Te devolve o teu sentido
De inteiro seres vivido.
A matéria utilizamos
Para devolver o eu.
Importa, pois, que escolhamos
A partir do gineceu
Que sou eu no derradeiro
Fundo que me faz primeiro.
Se tudo se coaduna
Com o que sou ou que anseio
No ser que em mim trepa em duna
Por meus actos de entremeio,
Íntegro fico, centrado,
Plenitude de meu fado.
Se escolho mesmo perdendo
Bens materiais pelo caso,
Só porque estes devolvendo
Meu eu não vão, dão atraso,
Fico mais forte, convicto,
Mais inteiro ao ver-me invicto.
418 - Querem
Querem que lhes tire as dores
De a pedra lhes ter batido
E mais querem tais credores
Que o objecto ali arguido
Faça parar de bater,
Enquanto eles nem sequer
O param de arremessar.
Querem que Deus o trabalho
Todo trate de operar,
Já que deles, nem migalho.
Esta espiritualidade
É a pior, é uma inverdade.
Esta é a maneira daqueles
Que não querem evoluir.
Do céu servir-se vão eles
Para seus egos servir.
Por isto em templos da terra
Da lixeira o monte é serra.
Andam todos entupidos
Da falsidão destes crentes
Que mudar-se, nem coagidos,
E não querem, maldizentes,
Entender o que anda mal,
Querem só cura, afinal,
Duma ferida que, assim,
Eles próprios se infligiram.
E o pior deste motim
São lesões novas que firam,
Pois que querem continuar
Sempre o mesmo a praticar.
419 - Monstro
Grande monstro que é o passado!
Tudo o que ocorreu na vida,
Na tua e doutrem, ao lado,
Ficou já morto, enterrado,
Ninguém pensa, de seguida,
Mais em tal nem ressuscita,
Ninguém vai atrás buscá-lo.
Duas vezes ninguém cita
A dor que aquilo concita,
Deixa-o ir, sem mais abalo.
Repensar no que passou
Ninguém repensa deveras.
Nem reparam que hoje vou
De hoje com a luz que sou,
Lúcido doutras esferas.
A mente hoje é não-egóica,
Mente descomprometida
Da ilusão pretensa, heróica,
Que o ego montou, estóica,
Para à dor me dar fugida.
Ora, enquanto ninguém for
Aos eventos do passado
Que em nós provocaram dor,
A opinião de hoje a propor
É a mesma do tempo andado,
Pois nunca foi reciclada
Por rumo novo de vida.
O ego está lá, de emboscada,
Pronto a me saltar à estrada,
Mente enjeitada e traída.
Não foi nunca reciclado
Nem em alma transfundido,
Que é o que o imo há reclamado,
Eco do céu em traslado
A apontar rota ao perdido.
Vai ao que viveste então,
Revive, sofre outra vez,
Situação a situação,
Reenergiza o coração
Com o amor que do céu vês,
Enche os eventos de luz,
Enche-te, naquele outrora,
Na imagem que te reduz,
Na roupa que lá seduz,
Da lucidez que és agora.
Tudo em luz se irá diluir,
Colocas nova energia
Num passado-a-te-ferir
E ele não vai conseguir
Surpreender-te com a fria
Pancada traumatizante.
Limpas sina deprimente,
A cadeia desgostante
Dum destino escravizante,
Fica a vida livre em frente.
420 - Perdemos
Para nos fragilizarmos
Perdemos constantemente,
Cá dentro a nos obrigarmos
A ir, ao centro fulgente
Do sentimento, e a aceitar
Que tudo nos corra a par
E a vivenciar o que houver
A vivenciar no momento.
O contacto a refazer
É o deste preciso evento
Duma resistência a zero
Em que comigo coopero
Conectando-me comigo,
Com o que deveras sinto.
Já principiar consigo
A aceitação que consinto:
Aceito se interiorizo
Que nada sou ante o viso
Abismal do Cosmos todo
E quando entendo que as perdas
Ocorrem por, de algum modo,
As atrair com as lerdas
Pegadas por esta via
Que é a que em libertaria.
Quando eu interiorizar
Que, ao mudar minha atitude,
Tudo se irá transformar,
A agir de tal em virtude
Passo, autêntico em conteúdo,
Universalista em tudo.
Aceitando, o homem começa
A abrir-se para o infindo,
Em novidades tropeça,
Novas dimensões abrindo.
Aqui busca inspiração
Ao caminho da ascensão.
Busca energia no céu,
Dele na parte divina,
Que então logo o entreteceu,
Do alto opera a nova sina.
E os caminhos já começam
A abrir-se em quanto encabeçam.
Vão abrir-se porque o ser,
Doravante iluminado,
Projecta um padrão a haver
Duma energia dotado
Que não era a dele até
Aqui onde toma pé.
É força leve, muito alta,
Duma grande comunhão
Entre todos, hoje em falta,
E entre os povos união.
E, se emana esta energia,
De volta a tem cada dia.
421 - Perspectiva
Quando é que um médico tem
A perspectiva do todo,
A da doença e também
Do doente, ambiente e modo?
Quem diz um médico diz
Quenquer que atender alguém:
Bom é quem for o aprendiz
Além lendo o que convém.
422 - Triste
Nunca podes ser feliz
Senão quando reconheces
O que a vida é de raiz:
Quando que é triste confesses.
Ai quantos sonhos eu tive
E como, como sonhei
Antes de saber que vive
A tristeza, em tudo lei!
Depois, quando compreendi
Esta verdade, jamais
Sonhos mais entreteci,
Nunca mais esperei mais.
Agora estou muitas vezes
Feliz, feliz como nunca,
Que coisas boas, corteses,
É do que o chão se me junca.
O que é bom vem ter comigo
E, não esperando nada,
Contente fico e consigo
Manhã ser de oiro pejada.
423 - Aceita
Olho para o cão e penso
Que é inteiramente feliz,
Que dele aceita a existência:
Mesmo o animal me convenço
Que parte faz de raiz
Do todo em toda a vivência.
Seja o que for o meu dia
Terei de viver com tal,
Dentro do que me anuncia,
A obedecer-lhe ao sinal,
Aceitando o que me acarte
Dele me tornando parte.
Onde quer que ele estiver
Estarei ali, contente,
Seja a falar, a prover,
A servir conveniente.
Bastante o crendo, à medida,
Disto farei minha vida.
424 - Ergue-se
O ratinho-canguru
Ergue-se em patas traseiras
Numa dança solitária.
Não quer queijo nem xuxu,
Goza apenas brincadeiras
Na festa da vida vária.
Estas vidas pequeninas
Prosseguem alegremente
Bem escondidas das grandes.
Que, vida, o que me destinas
Eu aprenda a ter em mente
Como ratinho em que mandes!
E que o ânimo em mim entre,
Força em germe em que me centre,
Calmo a sério todo o dia
De vez sendo outra energia.
425 - Sociedade
Qualquer sociedade quer
Ser bem mais que comercial:
O comércio têm de ter
Elos humanos, sinal
De que, além de qualquer oiro,
Vai ser forte e duradoiro.
426 - Pagar
O mal pagar com bondade
É prova de quem é bom.
Mal com mal, sendo equidade,
Só espalha do iníquo o tom.
Um homem que é superior
A ele próprio se inculpa;
O vulgar, sendo inferior,
Sobre outrem atira a culpa.
Se ainda nos não servimos
Como deveria ser,
Servir a Deus que nem vimos
Como podemos saber?
A guiar-nos toda a vida
Só uma reciprocidade:
Não faças, em tua lida,
Ao outro o que não te agrade,
O que não queres que façam
Os mais quando a ti se enlaçam.
427 - Justo
Será justo que esqueçamos
Tudo aquilo que nós somos?
Não, mas que antes nós devamos
Esquecer de antanho os tomos
Para o passado deixar
De dos mais nos separar.
Devemos viver agora
Onde quer que nós estamos
Disseminando hora a hora
A força de nossos ramos
Pelos pomares que encerra
Cada povo em cada terra.
428 - Espera
À espera a felicidade
Anda de ser escolhida.
Existe nesta cidade
Mais o desgosto à medida.
A interior capacidade
De cada qual o convida
A escolher pelo bom vento,
Rejeitar o sofrimento.
Há quem escolha sofrer
O sofrimento infindável
De com Deus ter de se haver.
Em alegria ensombrável
Transmuta tal modo e ser,
Que a dor é mais desejável
Se a traça à chama chamusca
Um êxtase em Deus que busca.
Pois que encontre seu prazer
Onde mui bem lhe ocorrer,
Mas não obrigue ninguém
A ir por seu trilho além.
429 - Digas
Não digas, porque o não dito
Não requer ser retirado.
Se em palavras posto, escrito,
Tudo é mui dificultado:
Ficas preso da palavra,
Menos livre é tua lavra.
430 - Supro
Toda a tristeza da vida
Profunda ou antiga jaz
No fundo do peito erguida.
Sei que mora ali tenaz,
Mas não vou mergulhar nela.
À superfície dum lago
Escuro e vão se atropela
Do nenúfar cada afago:
Da noite em mim supro o abalo,
Vou ledo a este apanhá-lo.
431 - Paredes
Quando os povos são amáveis,
Uns para com outros justos,
As paredes são quebráveis,
Tombam logo a baixos custos:
Tornam-se então de verdade
Todos uma humanidade.
432 - Voluntarioso
Ser voluntarioso é bom,
Mas, se não for controlado,
É, no emprego, de mau tom:
Sempre a cólera há toldado
O bom senso, perde o siso,
E acaba por afastar
Aqueles de quem preciso:
Fico sozinho a falar.
433 - Voz
Pensamento positivo,
Quando preciso deveras,
Em voz alta o digo ao vivo:
Melhoro sem mais esperas.
Tentar de espírito o estado
Alterar só por pensá-lo
É bem menos ter findado
Eficaz: não traz abalo.
434 - Termos
Há coisas que não se dizem
Em nenhuma circunstância.
Os termos, mais que o que visem,
São poder com que condizem
Mais que qualquer outra instância.
435 - Auto-respeito
Nosso auto-respeito tem
De vir de dentro de nós.
Se tentar seguir, porém,
Recomendações após,
Técnicas de especialista,
Sem ir eu por dentro delas,
Logo as crianças a pista
Falsa apontam nas sequelas.
Teremos de ser sinceros,
Ser deveras o que somos,
O que ser podemos, veros,
Pormo-nos onde nos pomos.
436 - Creio
O que creio que funciona
Irá mesmo funcionar.
Cada estado traz à tona
Uma convicção larvar
E, se nós diagnosticarmos
E tratarmos esse estado,
Como tal o rotularmos,
Tornamo-lo um real dado.
Levamo-lo, sem saber,
Cada vez mais a crescer.
437 - Dentro
Nada vos pode encontrar
De vós próprios à excepção:
Quaisquer respostas a dar
Dentro de vós sempre estão.
Ensinem, pois, as lições
Que aprenderam vida fora.
Dadas foram compreensões,
Não para perda em demora,
Mas para um mundo dorido,
Exausto, virem guiar
Até um novo sentido,
Da acalmia até o lugar.
438 - Bater
Se ouvires bater de cascos,
Pensa em cavalos, não zebras,
Só se, em África, em teus frascos
De remédios as integras.
Em qualquer de teus problemas
Segue o mais óbvio dos lemas.
Só depois de este falhar
Outro visa singular.
439 - Crise
Se quer chamar a atenção
Para a crise de saúde
Num continente ou nação,
Demonstre o dinheiro à mão
Perdido se nada mude.
Ajude a entender os custos
Económicos dos males:
O ganho em controlos justos
De epidemias e sustos
A que podem dar-se avales.
E proponha soluções
Baseadas com rigor
Nos custos de haver senões,
Nos ganhos de alterações
Que lhes mudem o teor.
440 - Tentame
O tentame de banir
Da economia qualquer
Maneira de competir,
O Estado a tudo colher,
Falhou miseravelmente
De antanho até ao presente.
Ora, o mesmo ocorreria
Se alguém tentara gerir
A moderna economia
Só com mercado a fluir,
Concorrente a concorrente
A arreganhar fero o dente.
Com êxito economias
São as mistas que dependem
De desenvolver as vias
Que em público sector rendem
Com as do sector privado
A espicaçar o mercado.
Assim ambas são conduto
Para o que é o melhor produto.
441 - Chave
Toda a chave é garantir
Nossa mente concentrada
Numa via de porvir
Positiva em toda a escada,
Cuja expectativa goza
De nunca ser receosa.
442 - Rosto
Há um eu superior qualquer
Que pode ser encontrado
No rosto, sempre, em quenquer.
Se eu com ele houver falado,
Com tal aurora discreta,
A energia que lhe hei dado
A erguer ajuda a concreta
Pessoa que haja abordado
À consciência directa
Daquilo que nela for
Dela tal eu superior.
443 - Espera
Se lograr manter-me forte
À espera do positivo,
Então terei mesmo em sorte
Mil milagres por que vivo,
Seja o resultado ou não
O que espero da ocasião.
444 - Ajudar
Que importa a tecnologia?
É o modo como a usamos
A ajudar à melhoria
Do poder que nós tenhamos
De abraçarmos cada qual
Que importa ver, afinal.
Tudo o mais é fantasia
A enganar a maioria.
445 - Bem
Vocês ficarão bem, mas com cuidado.
Não lograrão manter alta a energia
Se o ódio vos houver já dominado:
Não podem inimigos ter na via.
E lembre cada qual que anda ajudado
Do mistério da luz de cada dia.
446 - Campo
Nosso campo de oração
Trabalha constantemente
Sobre o mundo, em profusão,
Envia o que tenho em mente,
Todas as expectativas,
E, se visa outra pessoa,
O efeito das tentativas
É instantâneo no que doa.
Felizmente uma oração,
Quando ela for negativa,
Não é forte na função
Tanto quanto a positiva.
É que aquela nos separa
Da energia superior
Do eu que em nós fulgurara
No apelo à luz e ao calor.
Mas vai continuar a ter
Um efeito de apagar
A luz que remanescer
Em alguém, sol ou luar.
Farás aos outros aquilo
Que gostas que te fizessem:
O que farás marca o estilo
Do que em retorno em ti tecem.
447 - Irar-me
Irar-me é uma tentação,
Sabe bem, faz que meu ego
Creia que é mais forte e são,
Mesmo se perde o sossego.
Terei de ser mais esperto,
Ver além do que andar perto:
Não logro atingir o nível
Mais alto ao ser criativo
Até que evite, credível,
Todo o impulso negativo.
Há já mal suficiente
Para que por mim o aumente.
Ódio, ira, mal-querença,
Vencê-los é que eu me vença.
448 - Maldade
Temos de ser cuidadosos
Para não visualizarmos
A maldade dos medrosos,
A fim de a não empolarmos.
Temos de olhar para eles
De maneira realista,
Tomar precauções de imbeles,
Sem nos determos na vista
De seu mau comportamento
Nem preservarmos imagens
Deles a, nalgum momento,
Nos magoarem, nas triagens,
Que deles à paranóia
Isto enviar vai energia,
Pode ser de prémio jóia
Que incite à malfeitoria.
Por isso é tão importante
Impedir que nossa mente
Visualize o mal que adiante
Nos pode advir de repente.
É tal qual uma oração
Gerando ali, no momento,
Por dentro da ocasião,
O mal do acontecimento.
449 - Alerta
Temos de parar, lembrar
O alerta a cada momento.
Temos de visualizar
A energia a irradiar
E a trazer-nos o fermento,
Os palpites mais certeiros,
O acontecimento certo.
Temos de esperar, arteiros,
Que eles ocorram pioneiros,
Seja o instante longe ou perto.
Nossos campos preparemos
Para a sincronicidade
E vigilantes fiquemos
À espera do que teremos
No encontro que seguir-se há-de.
Sempre que nos esquecemos
De nos mantermos no estado
De expectativa, então temos
De nos obrigar: lembremos
Que o alerta entalha o fado.
450 - Dá-te
Dá-te à sincronicidade
E não penses com receio,
O pior é o que te invade
De teu pensamento ao meio.
Vês um grupo, cuidas logo
Que jamais te guiarão.
Nunca te dá desafogo
Teu negativo padrão.
Pode o grupo ser aquele
Que livra do que atropele.
Atento e sem preconceito
Acolhe o que traz teu jeito.
451 - Atenção
Se começas a pensar
Na maldade que há nalguém,
Se sentes raiva ou desdém,
Deves breve deslocar
Tua atenção para o imo
Que pode emergir por dentro
De cada qual, bem no centro,
Por onde ele trepa ao cimo.
Visualiza-te a energia
A fluir de ti e entrando
No campo dele, elevando-o
À união que fulgiria
Com a luz dele interior,
A levá-lo a intuir
Os cumes a descobrir
Em tudo o que é superior.
Fazer o inverso enviar
Apenas é uma oração
Que para um devir malsão
Mais energia vai dar.
452 - Fluxo
Importa nos ancorarmos,
Manter o fluxo interior
Da vivência superior,
Mesmo apesar de encararmos
As conjunturas do medo,
Da raiva apontada a dedo.
Conseguimo-lo mantendo
Sempre algum distanciamento
No encontro que se for tendo
Com todo o acontecimento
Que é sempre algo inesperado
Todo o dia, em todo o lado.
Devo sempre procurar
Um sentido positivo,
Esperar sempre, insistente,
Que o rumo nos vai salvar,
Pouco importa quanto, esquivo,
Me persiga no presente.
Esta postura mental
Ajuda à concentração
No meu fluir interior.
Impede-me, no final,
A imagem de negação,
Se eu falhar, ao me propor.
453 - Efeitos
Os efeitos da oração
Em doentes como tais
É que beneficiarão
E melhoras terão mais
Os que com ela contarem,
Mesmo sem conta se darem.
E, se é toda eficiente,
Pode mais a estruturada,
Em vez de em pedido urgente,
Na afirmação consumada:
Uma vai pedir a Deus,
Outra afirma o agir dos céus.
Quem pede uma intervenção
Assume que pode vir
De Deus benévola mão,
Mas só se tal decidir.
Único nosso papel
É pedir por nossa pele.
Outra forma de oração
Assume um Deus disponível,
Pronto a agir sem dilação,
Mas impondo, ao exequível,
Depender, ao fim, do preito
De eu crer que assim será feito.
Então, a nossa oração
Deve ser afirmação
Que exprima e ponha de pé
Firme e de vez, esta fé.
454 - Tecnologia
A tecnologia pôr
O íntimo a desenvolver
No espiritual pendor
É utopia pretender.
O mundo inteiro a avançar
Para um ponto onde entender
O espírito há-de importar
Muito mais do que qualquer
Controlo a haver ou dinheiro
É uma quimera hoje em dia.
Quem do medo é prisioneiro
Emperra o tempo à porfia,
Cuida de manipular
O curso à carreira humana
Com seu ego singular,
Usa o avanço mas se engana,
Que os demais controlar tenta.
Os outros ao vigiar
É uma guerra que implementa.
Tudo tem de começar
De novo na humanidade.
A destruição maciça
Sempre a tal nos persuade
Mas o medo tudo enguiça.
455 - Positivos
Mais que lograr nos manter
Positivos por inteiro
E uma imagem má qualquer
Do evento, por mais ligeiro,
Da mente afastar perene,
Teremos de jogar fora
O pensamento que engrene
Outrem do mal numa escora,
Ao mantermos negativos
Conceitos acerca dele.
Se de ira somos cativos,
No erro que nos atropele
Caímos de no pior
Pensar dos outros então.
É um impulso cujo teor
Neles gera o aleijão
De tudo quanto esperamos.
Mestre que crê num aluno
Nele vai promover ramos
Que com tal crença o põe uno.
Mas, se o pensar negativo,
Isto é o que irá conseguir.
Ao agir e falar, vivo,
Mas penso o rumo a seguir.
Não cuides que ao só pensar
Nada ao fim vai por diante:
Uma ideia ao segredar,
É mesmo o mais importante.
456 - Minutos
Sete minutos com alma
Podem ser mais importantes
Que quarenta sem a palma
Das lonjuras que haja adiante,
Minutos que mata o tédio
Da atitude "que-remédio!"
457 - Afinal
Afinal, uma mentira
Nunca ao fim ninguém desculpa.
Ultrapassam-na, na mira
De ajudar quem tem a culpa
A descobrir a verdade
Do que sente, a identidade,
O caminho para a casa
A habitar por dentro dele.
Mentir para fora apraza
Um termo a quem atropele:
Poder ser um bom amigo
Da verdade dele abrigo.
458 - Rir-se-á
Rir-se-á sempre quenquer
Do que com descontracção
Nunca consiga viver,
Quer seja a agressividade,
Quer, seguindo a tradição,
A treda sexualidade.
É que rir espanta os medos:
Já não ficamos tão quedos.
E, um pouco mais sossegados,
Melhor se equacionam dados.
459 - Crescemos
Nós crescemos sempre quando,
Em vez do que olha por nós,
Quem connosco olhe é o comando,
Para nós correr veloz
Troca por correr connosco,
E por nós já não vivendo
Connosco nasça, obra em tosco.
Distingue, num instruendo,
Entre um voo de sonhar
E aprender mesmo a voar.
460 - Querer
Querer nem sempre é poder:
Às vezes, quero e não posso.
A diferença é querer
E crer, para além do esboço
Que no sonho sempre acode,
Crer que deveras se pode.
E sempre que acreditamos
Os milagres acontecem.
O que falta àqueles ramos
Que querem mas emurchecem
É alguém, algures na vida,
Que lhes oferte, à medida,
Todo o bem de acreditarem
Em quanto eles acreditam,
De querer, sem hesitarem,
O que querem e concitam.
É o que transforma o querer,
Por fim, de vez, em poder.
461 - Menos
Menos morte deveria
Significar melhor vida.
Mas, ao invés, cada dia
Aquilo que a ver convida
É que menos morte roube
Vida à vida que lhe coube.
Significa muitas vezes
Apenas sofreguidão
De querer dos entremezes
Tudo menos viver são.
Com a morte contactar
Pode-nos humanizar,
Promove a vinculação,
Requer autenticidade:
Perecíveis, pode o vão
Catapultar-se, em verdade,
Para dentro, para dentro,
Do coração nosso ao centro.
A forma de conviver
Dentro de nós com a morte,
Amando, amando vais ser,
Amando de toda a sorte:
Ao amar todo e quenquer
Para a morte irei morrer.
462 - Namoro
A beleza como o rir,
O namoro com a vida,
Parecem intimidar,
Como se descontrair
Fora uma rota fingida
Para se descontrolar,
Como se fantasiar
Fora tal qual como agir.
Contudo, só fé na vida
Como apenas fé no amor
Permitirão ter humor
E a risada desprendida:
São dois espontâneos gestos
De encontro que surpreendem,
Cúmplices de iguais aprestos
Com que a vida ao fim nos rendem.
463 - Paciente
Paciente deprimido,
Após uma operação,
Morre mais e mais sofrido
Que optimista de infecção.
O riso cura-nos, nédio,
É acaso o melhor remédio.
464 - Simples
O mais simples neste mundo,
Provavelmente é o mais belo.
Fico cego bem profundo
Ao decisivo ser elo,
Deformo o que me rodeia
Para parecer maior,
Quando a verdade que alteia
É o que oposto àquilo for.
É medíocre ostentar
E afectar, deveras fútil.
Quanto mais alguém cuidar
Que o difícil é que é útil
À felicidade, então
Infelizes todos vão.
Vai ser a simplicidade,
Ver as coisas como são,
Ter prazer na inanidade,
Com qualquer pormenor vão,
A famoso preferir
Ser amável em redor,
Amar sem nunca inquirir
Quem é que é merecedor,
- Isto, gradual, é que há-de
Encher de felicidade.
465 - Preto
O homem de preto tem mil caras
E todas elas inclementes,
E todas elas mui raras,
A arreganhar de fúria os dentes.
Não fujo mais já do papão,
Longe demais nós já fugimos,
Eu como os mais, largando o chão:
- Longe de nós nos demais vimos!
466 - Lutar
Terás de lutar aqui,
Cara a cara, no entremez.
Senão arriscas-te a ti
A nunca o deixar de vez,
Ao demónio que em ti vi:
Vai perseguir-te o fantasma,
Dentro em ti como um miasma.
467 - Silêncio
Encostou a cabeça e ali chorou.
Em silêncio, deixei-o à vontade.
Nem que ia ficar bem, que ao fim chegou,
Nem, para o confortar, gesto que agrade.
Às vezes é melhor deixar as dores
Tal como estão, deixar que o sofrimento
Vá seguindo o seu curso, que os humores
Do tempo os vá espalhando o incerto vento.
Depois de se chorar tudo o que dói,
Mais dor não haverá, tudo se foi.
468 - Reagem
Nem todos de iguais maneiras
Reagem ao que se apega,
Às aparentes rasteiras
Que a vida intérmina prega.
Uns analisam, valoram
Só os aspectos negativos.
Sofrendo embora, outros moram
No pendor que os quiser vivos
E procuram aprender
Com o que andam a viver.
Àqueles sai-lhes a morte,
A estes, a grande sorte.
469 - Olhar
Olhar para nós devia
Olhar por nós ser mais vezes.
Só me fecho à maioria
Se a adivinha em meus conveses
Não decifrar cada dia
À esquina da maresia.
470 - Divirja
Por mais que uma carochinha
Divirja dum joão-ratão,
Diferenças não continha
Que aos dois os separarão,
Seja o que for que se verse,
- Se ambos querem entender-se.
471 - Fuga
Em vez da fuga a teus medos,
Foge para o pé de mim.
Se um doutro entendermos credos,
Todos os papões, assim,
Tolhida de vez a voz,
Fugirão de ao pé de nós.
472 - Melhor
O melhor do mundo são
Os que deixam que conviva
A criança que serão
E a maturidade esquiva
Que, às vezes a trouxe-mouxe,
A vida, afinal, nos trouxe.
473 - Importante
Importante para nós
É quem transmude vivência
Em sabedoria após:
O que eu sei torna evidência,
Tudo mais simples devém
Como exequível também.
Uma luz tudo ilumina,
Torna a vida cristalina.
474 - Vivo
Por mais anos que contar,
Se vivo não digo adeus
Ao que sou neste lugar,
Aos roteiros que são meus.
É inventar-me sem deixar
De ser quem eu sou, a par.
475 - Vive
Vive o dia em que estiveres,
De ontem esquece o passado,
Pega no mau que puderes,
Deita-o fora, põe de lado!
Tudo a largar tu aprende,
Tudo aquilo que te prende.
Não muda nada odiar,
O que muda é sempre amar.
476 - Cuida
Dos deves e dos não-deves
Cuida menos, que Deus ama
Todos, pesados e leves,
E perdoa toda a trama.
Dos actos outra e distante,
A pessoa é que é importante.
477 - Gostar
Poderei gostar de mim
Se encarar a minha vida
Como algo que for sagrado:
Sou especial porque, enfim,
Ninguém, em qualquer medida,
Poderá ser, a meu lado,
(Como antes ninguém logrou)
Ser a pessoa que sou.
478 - Dependerá
A nossa felicidade
Dependerá grandemente
De como olho a identidade
Minha e a do mundo ingente:
Para nós sermos felizes
Temos de considerar
De todos, tudo, os matizes
Como especiais e sem par.
Raros sendo, inimitáveis,
Que festas inigualáveis!
479 - Laborar
Laborar o meu melhor,
Esforçar-me o mais possível,
É tudo o que é de supor
De mim, doutrem exigível.
Já não volto a concentrar-me
No mito da perfeição
Que é sempre o que mais desarme
Traiçoeiro minha mão.
A consciência tomar
E acreditar de raiz
Neste lema elementar
Irá tornar-me feliz.
480 - Encaras
Quem é feliz encara a vida
Com esperança no futuro.
Se tal a encaras, de seguida,
Com o optimismo que te auguro,
Verás que é fácil, de raiz
E finalmente, ser feliz.
A vida vês como excitante,
Que desafia e te promete.
Que importa se é triste, hilariante?
É sempre o jogo que compete:
Em cada dia pedes meças
Dela ao tamanho das promessas.
481 - Viagem
Todos devem perceber
O que é que é felicidade
Antes de feliz se ser,
Tal como ao fim de verdade
Duma viagem qualquer
Ninguém chega se onde vai
Afinal nunca souber
E a qualquer topada cai.
Uma vez compreendida
No que é mal interpretada,
São mil aspectos da vida
Que melhora de assentada.
482 - Manhã
Em cada manhã da vida
São-te entregues duma vez
Horas vinte e quatro de oiro.
São a prenda conhecida
De imposto isenta que vês
E que é teu maior tesoiro.
Se houveras todo o dinheiro
Do mundo, não poderias
Comprar nem mais uma hora.
Que farás com tão leveiro
Tesoiro que são teus dias?
Tens de usá-lo sem demora,
Só te é ofertado uma vez!
Se acaso o desperdiçares,
O que ocorre do revés
É nunca o recuperares.
483 - Exijo
Não exijo, de hoje em diante,
De mim mesmo a perfeição:
Duma meta estou perante
Que é inatingível, em vão.
Se insistir, então serei
Com a raiva confrontado
E o desespero é uma lei,
Infeliz serei, por fado.
Doravante terei metas
Mas não vou desesperar
Se não resultam concretas
Como as eu planear.
Tentarei o meu melhor
Em todo e qualquer aspecto.
Se me atingir o pior
Não me revolto, incorrecto.
Se trabalhar com afinco
Vou-me sentir orgulhoso
Porque sei que impus meu vinco
No melhor a que me entroso.
484 - Simples
Simples é a verdade e bela:
Só nós somos responsáveis
Por nossa felicidade.
Só eu controlo à janela
Os afectos insondáveis,
Vulcão que dentro me invade.
Só eu posso construir
Esta minha integridade,
Não há nada nem ninguém
Que por mim o possa agir.
Depois algum tempo se há-de
Dedicar então também
A reflectir, entender
Que temos muitos tesoiros
Que podemos chamar nossos:
Temos muito a oferecer.
Apreciemos os oiros
Que da vida enchem os troços.
E então jamais nos centremos
No que na vida não temos.
485 - Preocupado
Preocupado com a paz,
Preocupado com o ambiente,
Com tudo o que mal nos traz…
Se a muda fora patente
E tudo ali alterado,
Então feliz fora o fado.
Contudo, não tem razão.
Ser feliz nunca depende
De quanto acontece ou não
Num mundo que nos ofende.
Vem da percepção que fiz:
- Se o desejar, sou feliz!
486 - Gota
Parece não fazer a diferença
Uma gota somente desta chuva.
Mas quando pelo monte escorre densa,
Junta-se a outras gotas, cacho de uva,
E um fio de água rápido se forma,
E o fio de água torna-se um regato
E o regato é já rio, muda a norma:
A gota ora faz parte dum pacato
Veio tão poderoso que é imparável.
Como gota de chuva é o optimismo,
A convicção do bom que hoje é viável.
Não tem grande valor, assim o crismo,
Até esquecer-me dele poderei,
E, todavia, sei que está comigo.
Mas depois optimista me farei
Duas, três vezes, quatro e assim prossigo.
Então meu optimismo devém forte,
Em breve fluirá na minha vida,
Reprimido jamais é seu transporte
E assim continuarei, que isto convida
A uma vivência que me faz feliz
E feliz torno o mundo como o quis.
487 - Cego
Era cego e uma perna
Fora na guerra amputada.
Vivia da esmola eterna
Pela rua arrecadada.
Se não fora deficiente
Crê que seria feliz:
A saúde muita gente
Conta por certa matriz.
O prazer de beber sol
Ou o marulhar dum rio,
O encanto dum arrebol,
Impossível desafio
São para muitos que os sonham.
Os capazes deveriam,
Naquilo de que disponham,
Fruir do prazer que aviam.
É o que os iria ajudar
Quão especial é a vida
Já de vez a avaliar.
Todavia, quem duvida
De que estas pequenas coisas
Nada com felicidade
Que registemos nas loisas
Têm a ver de verdade?
Nenhuma incapacidade
Terá de estragar a vida,
Jamais a felicidade
É por saúde medida.
Além das limitações
Poderemos ser felizes
Se o querem os corações,
Se a vontade lhe enraízes.
Felicidade é um afecto,
Vem de dentro para fora,
Nada fora de teu tecto
Pode afectá-la onde mora.
488 - Desespero
Sentir desespero traz
Muita raiva, solidão,
Ressentimento falaz.
Não nos resolve a questão,
Impede de a resolver
E cria outras em norma:
A amizade com quenquer
Limita de muita forma,
Não nos trará benefícios,
Destrói-nos acaso a vida…
Mas, depois destes indícios,
Ninguém que com ele lida
É obrigado a tal revés:
Só de nós pende de vez.
Vem de nossa interioridade
A escolha que o alimenta
Ou aquela que o degrade:
Ser feliz é do que o tenta.
489 - Mentiras
São as mentiras da aranha
Que em teia me enredam morto:
Se eu fora rico, na apanha
Era feliz em meu horto;
Se eu fora famoso, então
Seria feliz de vez;
Se encontrara em comunhão
A quem amar, um revés
Jamais tolheria a festa;
Se amigos tivera, aí,
Quanta alegria se apresta,
Feliz como nunca vi;
Se fora mais belo, como
Seria feliz na hora;
Se deficiência de tomo
Não tenho, como edulcora;
Se não me houvera morrido
Um ente querido, então
Era feliz; se volvido
Fora o mundo em melhor chão,
Como então feliz eu era!...
- Ora, nada é verdadeiro,
Toda a lista é uma quimera,
É uma teia a atar-me inteiro.
Se em findar então insisto
Com tais mentiras na vida,
Devém fácil, contra isto
Ser feliz na teia urdida.
Ser felizes conseguir
Podemos se o desejarmos:
Primeiro passo é banir
As mentiras que encontrarmos.
490 - Guru
Se for guru quem guru for
E se for santo quem for santo,
De comediante algum pendor
Cada qual tem sempre, entretanto.
Porém, ocorre que as pessoas
Andam convictas do contrário.
Por isso faz, por entre as loas,
Escandaloso e temerário
Algo que as leve a que, interditas,
Cocem cabeças indecisas,
Que ninguém que és, fora das fitas,
Todo normal, de trilhas lisas,
Até duvidem, que especial
Não serás nunca enquanto tal.
Só então liberto podes ser
O que teu imo enfim quiser.
491 - Atenção
Talvez não tenhamos poder de empatia
Por nossa atenção em nós mesmos centrar-se
E já transferi-la não posso e devia
Para o outro além que olhe além do disfarce.
Mas toda a ansiedade por meu bem-estar
Pode-me impedir de entender toda a dor
Que um outro sofrer: já não me há-de tocar.
Como é narcisismo, jamais a o transpor
Nos vai ajudar o altruísmo aguilhoar:
Raiz do problema, é incapaz cada qual
De se interessar por sí próprio, a par.
E para à empatia rumar, afinal,
Ter de descobrir poderei, certamente,
O que eu próprio valho, uma base manter
De me interessar por mim próprio de frente.
Nunca apreciar conseguimos quenquer,
Complexo como é, se não formos capazes
De sentir amor por nós próprios também,
As contradições em nós lendo, verazes,
Como a cada qual certamente convém.
Positivo afecto em nosso imo então pode
Alargar-se tanto que inclui todo o mundo
Com peso afectivo bem mais que o que acode
Ao tolerar vago: hoje em festa me inundo.