QUARTO  TROVÁRIO

 

 

       A  REGRA  RESPEITANDO  DO  QUE  A  NUNCA  ANULA

 

 

 

 

 

 

Escolha ao acaso um número entre 371 e 491, inclusive.

Leia o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

                                             371 - A regra respeitando do que a nunca anula

 

                                             A regra respeitando do que a nunca anula,

                                             A norma e lei captando, a poesia assenta

                                             Em verso regular o que ao seu ritmo bula

                                             E rima a rima vai o que o licor cumula

                                             Da vida destilando, em margens onde o aventa.

 

                                             Determinada a vida como o poema aqui,

                                             Vão ambos passo a passo caminhando a par,

                                             Os versos ilustrando quão liberto vi

                                             Tudo aquilo que firme o pé no chão pousar.

 

                                             Pardal que lança o voo no chão pisa breve

                                             Para tomar balanço no que o bem segura

                                             E só depois então as asas solta leve.

 

                                             Tal do dever a norma que a poesia augura

                                             Que em chão firme a meus pés traça eficaz figura.

 

 


372 - Fútil

 

Nunca o homem corrompido

Foi de o autêntico ter

Mas do querer desmedido

Do falso e fútil que houver.

 

Nunca um povo desvirtuado

Foi de trigo haurir nem fruta,

De ar puro haver respirado,

De arte ou de beleza enxuta,

 

Mas de oiro e pedras preciosas

Ter, mais súbditos, poder

De reputações brumosas,

De alto andar sem merecer.

 

Nunca o homem corrompido

Foi de o autêntico ter

Mas do querer desmedido

Do falso e fútil que houver.

 

 

373 - Ocasião

 

Tem de espírito abertura,

Que quem sorte nunca tem

Perde a ocasião segura

Que cada dia contém,

 

Pois se ocupa em demasia

À procura doutras metas.

O sortudo é quem confia

No que lá está, segue as setas,

 

Não se limita à procura

Do que quer: quer o que augura.

 

 

374 - Saboreia

 

Saboreia o lado bom!

Como é que encaras a sorte

E como enfrentas o azar?

De tua emoção o tom

Segue do atleta o recorte

Que mais sente triunfar

De bronze com a medalha

Que se a de prata lhe calha,

 

Só porque nesta ele sente

Que com melhor desempenho

Ganharia acaso a de oiro,

Enquanto a de bronze à mente

Antes lhe evoca o desenho

De a perder, se com desdoiro

Se houvera desempenhado

No desafio enfrentado?

 

Então se inverte a alegria

Que dos factos adviria.

 

E o melhor é bem pior

Para feliz te supor.

 

É o poder de imaginar

O que pudera ocorrer,

Dos eventos em lugar

Do que mesmo acontecer!

 

Aquele que tem má sorte

Cuida, perante um assalto,

Que hora mais aziaga e forte

Lhe impingiu tal sobressalto,

 

Enquanto sempre o sortudo

Pondera que bem pior

Poderia o azar mudo

Acabar por vir-lhe impor,

Poderia ali matá-lo,

Feri-lo, incapacitá-lo…

 

Tal tipo de pensamento

Fá-lo sentir bem melhor,

De alta esperança fermento,

De vida feliz factor.

 

A sorte não cai do céu,

Cria-la tu do que é teu.

 

 

375 - Divergirem

 

Que importa língua e costumes

Divergirem? Não são nada

Se os objectivos que assumes

Abrem para a mesma estrada

E se nosso coração

Anda aberto a todo o chão.

 

 

376 - Desejo

 

Quando existir um segredo,

Guarda-o, sejas fraco ou forte.

Existe um desejo tredo

De lhe confiar a sorte

 

A um confidente, a um amigo,

De partilhar-lhe a tristeza

Ou a alegria a que abrigo

Dê, naquilo que ele reza.

 

Se o não preservas, o peso

Dele aumenta e pode acaso

Devir, para o nele preso,

Insuportável a prazo.

 

Acabam por esmagá-lo

As tenazes deste abalo.

 

 

377 - Atribuir

 

Não podes tanta importância

Nunca atribuir a ninguém,

Que ninguém a manigância

De desagradar-te tem

 

Para contigo sequer:

É uma maneira de ser.

 

Cuidas sempre que os demais

Se andam referindo a ti,

Mas assim não é jamais:

Deambulam por ali…

 

 

378 - Quase

 

Quase tudo o que aprendemos,

Aprendemos do que ouvimos,

Mas só um quarto é que absorvemos

Do que ouvimos cá nos cimos.

 

Leva os mais a partilhar

Mais de seus conhecimentos

E o que cada te contar

Ouve a todos os momentos.

 

Deixa-os acabar as frases,

Já que interromper atenta

Contra ouvirmos e o que fazes

É matar o que te aumenta.

 

Doutrem completar juízos,

Perguntar em demasia,

Cala de quem fala avisos,

Perturba o trilho que hauria.

Outros actos não operes

Ao mesmo tempo que escutas,

Que, se ao mesmo tempo leres,

Colhes novas diminutas

 

E ao teu interlocutor

Ainda acabas ofendendo.

Depois narra-lhe o valor

Que trouxe a teu dividendo,

 

Que os mais dão-te mais ideias

Se puderem confiar

Que eco tiveram sem peias

Em teu viver e sonhar.

 

 

379 - Antídoto

 

Arte é viver o momento,

Antídoto contra o stresse

Auto-infligido no intento

De o tempo haurir que falece,

 

Tirar prazer e fruir

Cada instante e actividade,

Em lugar de perseguir

Mil coisas em cada idade,

 

Em vez de constantemente

Nós andarmos a penar

E o que há-de vir de premente

Nos vermos a antecipar.

 

 

380 - Enriquecer

 

Enriquecer nossas vidas

De coisas simples é um bem

Que fazer em nossas lidas

Podemos, que bem convém.

 

Perigo maior reside

Nesta pressa de saltar

A fasquia que preside

Ao cume que me quis dar,

 

Esquecendo, no trajecto,

Que o topo da meta ansiada

Tem por cima um baixo tecto,

Vital fonte limitada.

 

 

381 - Verdadeira

 

A verdadeira pergunta

É que preço é que dispostos

A pagar pelo que junta

Dinheiro estamos, que postos

 

É que lhe queremos dar.

O luxo de hoje reside

No que hoje anda a rarear:

Natureza que convide

 

À comunhão, lentidão

Que todos reivindicamos,

A calma meditação,

Ócio que jamais logramos,

 

Preferir a liberdade

Ao conforto e retornar

À raiz da identidade,

Ao fundo que é nuclear…

 

Tudo em vez de acumular

Dinheiro, objectos sem fim,

Muro de engano a falhar

Contra a morte e a dor em mim.

 

 

382 - Lidar

 

A maneira de lidar

Com o stresse não é ir

Para umas termas nadar,

Para a paisagem fugir.

 

Abordagens deste teor

Muito pouco contribuem

Para acalmar o furor,

Descontrair os que actuem.

 

Ao invés, conhecimento

Tomar de que a vida é cheia

De tensões, cada momento,

Porque é vida volta e meia,

 

É o que primeiro devemos.

E então devemos lidar

Com isto que é quanto temos:

Tal foi sempre o nosso obrar.

 

Vamos, pois, respirar fundo,

Enfrentar a realidade,

Conhecendo a sério o mundo

E a nós nele de verdade.

 

 

383 - Concha

 

É uma concha o adolescente,

Abre apenas um instante,

A alimentar o presente

Ou jogar lixo adiante,

 

E logo dentro se encerra

Da concha outra vez fechada.

Se perto, quando descerra,

Se encontra alguém da fachada,

 

Tem hipótese de ver

Algo que é deveras belo

No interior que surpreender.

Tem é de estar lá, singelo.

 

 

384 - Cura

 

Qualquer cura é conseguida

Através duma mudança,

Duma mutação querida.

E ninguém pode fazer

Noutrem a que outrem alcança.

Compete-lhe empreender:

Ninguém, pois, pode mudar,

Mudar em nosso lugar.

 

A doença pode ser vista

Como estímulo ou desastre,

Partida na nova pista

Que a oportunidade encastre

Em muda fundamental,

Para a vida, no final,

Poder conter mais sentido

Que por nós seja vivido.

 

Mesmo em fase terminal

De doença, decisões

Há quem tome que, afinal,

Em outras ocasiões,

Da saúde ao desfrutar,

Era incapaz de tomar.

 

 

385 - Eliminar

 

Eliminar o exterior

Abuso sobre a criança

Primeiro quer o interior

Ver se eliminar se alcança

Naquele que a vitimar,

- Ou cura não tem lugar.

 

 

386 - Curamos

 

A criança interior

Curamos, antes de mais,

Reconhecendo o que for.

Descobrindo-lhe os sinais,

 

Que muitas necessidades

De amor, orientação,

Respeito pelas verdades,

Segurança, comunhão,

 

Quando nós fomos crianças,

Nunca foram satisfeitas.

Isto mostra, quando o alcanças,

Estas crianças atreitas

 

A um estado de ansiedade,

Medo, raiva, desespero,

De vergonha em toda a idade,

Tolhendo o adulto que quero.

 

Puxo, após, cá para fora

Tudo o que ao longo da vida,

De sobrevivência escora,

Foi a matéria escondida.

 

Sinto quanto tudo dói,

Acaso mais do que cria.

Nisto a cura se constrói

Lentamente, dia a dia.

 

Quando uma carênca-base,

Própria de qualquer humano,

Por insatisfeita, abrase,

É o abuso que dimano

 

Relativamente a mim

E aos outros. Crio problemas

Em qualquer área, sem fim,

Da vida a que perco os lemas.

 

 

387 - Trabalho

 

O trabalho de encontrar

E conhecer a carência

Da criança interior,

Só o próprio o pode levar

A cabo, pela evidência

De ser de si o senhor:

Só ele ocupa o lugar

De a poder alimentar.

 

Não adianta procurar

Quem lhe der aquele amor

Que em criança jamais teve,

De que adulto precisar

No desespero e na dor.

Não adianta querer breve

Quem da criança tome conta

Que o habita e que desconta

 

Porque dela se envergonha,

Hoje que é um adulto cheio

De responsabilidades.

Nem importa que se ponha

A ajudar outras, no meio,

Vítimas de atrocidades,

Que não a própria, inviolável:

- Desta só é o responsável.

 

 

388 - Pequenos

 

Uma criança magoada

Existe dentro em nós todos.

Que, em pequenos, a jornada

Feriu-nos de muitos modos

 

Nossa sensibilidade,

Violentada pelos pais,

Embora não por vontade,

Que fizeram, como tais,

 

O melhor que conseguiam.

É que em norma eles também

Sempre de trás já viriam

Com a criança que têm

 

Profundamente magoada.

E é tal magoada criança

Que lhes vai, duma enfiada,

Os filhos que cada alcança

Educar logo a seguir,

Repetindo os mesmos erros.

Ou acordo do que vir

E tento arrancar a ferros

 

Este cancro hereditário

Que nos dana cada dia,

Ou acabo a agir, primário,

Como meu pai agiria.

 

Esta criança interior

Que cá dentro está magoada

Interfere em quanto for

O adulto gesto na estrada.

 

 

389 - Porto

 

Só andando devagar

É que irei reconhecendo

Onde se pode encontrar

O que deveras pretendo

Como meu porto de abrigo,

Onde me furte ao perigo.

 

Então é que irei podendo

Inteiro ali aportar.

Só deste modo é que entendo

O que deverei deixar

Pelo caminho que sigo,

Fardos maus a que me ligo.

 

Nunca nenhum, porém, sendo

Daqueles que, ao mal julgar,

Como inúteis os fui vendo,

Quando serão, em lugar,

Imprescindíveis comigo

No caminhar que prossigo.

 

 

390 - Maneiras

 

Há maneiras de pensar,

De falar como de agir

Que bem ajudam a estar

Connosco, o mundo, o porvir…

Outras há, de rumo vário,

Que dão o efeito contrário.

 

E assim é, quer nós tenhamos

Consciência disto, quer não.

Mas só conscientes ganhamos

O poder de ter à mão

Os efeitos positivos,

Anulando os negativos.

 

É a consciência em crivo a peça

Com que em mim tudo esclareça.

 

Agora e aqui podemos

Decidir ficar melhor:

O que ocorre transmudemos

Por mais rendível pendor.

Se sorrirmos para a vida,

Mais sorridente revida.

 

E, quando sou positivo,

Torno o mundo inteiro vivo.

 

 

391 - Física

 

Uma física doença

Que me obrigue a ficar quieto

Oferta a oportunidade

De encontrar-me sem detença

Comigo, sob o meu tecto,

Estimula a faculdade

 

De a doença subjacente

Vir a curar de que ainda

Me não tinha apercebido.

Entender o que é doente,

Tal informação benvinda

Permite o gesto medido

 

Duma atitude interior

Que nos leva a reagir

De forma mais eficaz.

A cura que é superior

É transmutação a vir

De algo na vida capaz

 

De encontrar a causa funda

Que às outras for subjacente.

O que curar mais importa

Não é o sintoma que abunda

Mas o fundo em que ele assente,

A raiz que lhe abre a porta.

 

 

392 - Aprendendo

 

Aprendendo a valorar

Tudo quanto em nós é força

E, ao invés, a desprezar

A fraqueza que a distorça,

 

Sem que nos apercebamos

De que, em aperfeiçoamento

Embora sempre estejamos

Dum ilimitado intento,

 

Somos entes imperfeitos,

Então não vemos o facto.

Não assumindo os defeitos,

Deles não olhando o impacto,

 

Inseguranças e medos,

As vergonhas e os falhanços,

Partem-nos ao meio os credos

E não ficamos nos lanços

 

Inteiros, no que operemos,

Antes desequilibrados.

De nós parte se neguemos,

São-nos momentos negados,

 

No patim em que nos pomos,

De ser aquilo que somos.

 

 

393 - Sofrendo

 

Primeiro, o que faz sofrer

Há-de ser sempre a mudança.

Depois, sofrendo, tender

Só connosco a ter fiança.

 

Primeiro grau a aceitar

Sofrimento inevitável

A parte é descortinar

Em que eu for o responsável.

 

Nunca me considerar

A vítima da injustiça

Ou engano, nem culpar

Os outros do que me enguiça.

 

A responsabilidade

Não atribuir a terceiros,

Embora a fatalidade

Me tolha meus bens cimeiros.

 

Sentimento de revolta

Não traz qualquer benefício

E reforça, quando à solta,

De sofrer qualquer resquício.

 

 

394 - Contrário

 

Ao contrário do costume

Que é dizer, quando da dor:

"És forte, esta força assume

Até ser de ti senhor!",

 

O que nos pode valer

É de frente o pobre real

Olhar que nos há-de ser

Difícil de ver tal qual,

 

Isto de que somos fracos,

Vulneráveis, limitados.

Ao assumir estes cacos

A cada momento dados

 

É que posso ir construindo

Um chão realmente chão,

E, a partir dele, expandindo

Meu ser sem perder-me em vão

 

E sem ficar dependente

Do que vier do exterior.

Então interiormente

Em nós algo vem-se impor

 

Que de vez nos unifica,

Uma paz a que aceder

Quando em redor pontifica

Toda uma guerra qualquer,

 

Alguém firme a nosso lado,

Sempre, sempre a acompanhar,

Que nos ama sem enfado,

Firme em nós a acreditar.

 

Este alguém único é um ente

Que na maior solidão

A mim sempre está presente

Da morte até na ocasião:

 

- Alguém com que fico a sós,

Um tal alguém somos nós.

 

 

395 - Embate

 

Cada embate superiores

Nos torna e Deus só nos dá

O que nós temos humores

Para suportar por cá.

A grandes ou a pequenos

Tal é a lei: nem mais nem menos.

 

Deveremos ficar gratos

Por Ele nos enviar

Estes eventos cordatos.

É o modo de Ele lembrar

Que está lá em cima velando

Por livres irmos chegando.

 

 

396 - Aprender

 

Um homem comum precisa

De aprender emoções puras,

As que um belo jardim visa,

Dum mar, duma flor finuras…

 

Este senso humano deve

Preservar-me a todo o custo,

A sobrevivência inscreve

Isto a fogo em nosso busto.

 

Cada um de nós traz dentro

De seu íntimo um jardim.

Quando no interior me adentro

É que visível confim

 

Verei que devo torná-lo:

Tem de passar todo o ano

A ser, para onde abalo,

Meu ambiente quotidiano.

 

 

397 - Irrelevante

 

Não há nada que fazer

Da vida a não ser vivê-la

E tudo o que se fizer

É irrelevante esparrela.

E, contudo, é o que é importante

Operar vida adiante.

 

 

398 - Difícil

 

Tão difícil admitir

É sempre que estou errado!

Pedir desculpa, a seguir,

É a minha chaga do lado.

 

De sempre, ao longo das eras,

Mais fácil foi se esmurrar,

Caluniar-se deveras,

Disparar, bombardear

 

Ou não se falar de vez,

Do que desculpa pedir.

Como custa o entremez

Deste ego meu reduzir!

 

 

399 - Miúdos

 

Aos miúdos concessões

Nunca faças graduais,

Que uma a uma dão montões,

Não fica ao fim nada mais.

 

Lembra-te de que eles podem

Choramingar uma hora,

Mas passa-lhes, que sacodem

A birra após, sem demora.

 

Promete menos, prudente,

Não olhes ao que outros deram,

E surpreende-os, de repente:

Dá-lhes mais do que o que esperam.

 

 

400 - Aceitas

 

Quando aceitas que não és,

Que não tens e que não podes,

Que não te aguentas nos pés,

Que força não vês que engodes

 

(Tua fortaleza toda

Apenas é fantasia),

- Cantas, na altura, uma coda

Que és tu mesmo em harmonia:

 

Estarás a conciliar

Força que em ti se engolfar,

 

Que de ti virá, do mundo

E do Cosmos mais profundo.

 

 

401 - Dedicas

 

Se outrem a tornar feliz

Te dedicas, vais também

Bons cuidados de raiz

Atrair que te convêm.

Mas relembra a precaução:

Nunca te dediques, não,

 

A qualquer um totalmente,

De ti próprio prescindindo.

A outrem dar-te é premente

Mas tens de auscultar, te ouvindo,

De que precisas, ao ser,

E de lograr receber.

 

 

402 - Recuso

 

Quando o fracasso me esgota,

Esgoto minha energia

Ao resistir, se esta brota

De mudar por outra via,

 

Quando laços sinto e nós

Que podem ser diferentes

Do que vem de pais e avós,

Do que ensinarão as gentes,

 

Quando descubro que a vida

Não se pode resumir

À lei pré-estabelecida,

Cadeia a nos oprimir.

 

Se resisto ao sentimento,

No mundo que me rodeia,

De que não posso ir no vento,

É urgente mudar-lhe a teia.

 

Quando o fracasso me esgota,

Esgoto minha energia

Ao resistir, se esta brota

De mudar por outra via.

 

 

403 - Camadas

 

Nós somos como a cebola

Cheios de camadas densas,

Sobreposições em bola

De vidas de antanho, tensas

De emoções mal resolvidas,

Na energia de hoje urdidas.

 

É natural que sintamos

Numa altura o medo duma,

Noutra, a raiva despejamos

Doutra que a tal se resuma…

- E o que importa é descascar

O que o remo nos travar.

 

 

404 - Escolher

 

Escolher é ser,

Que escolhendo é que és.

E ser, em quenquer,

Sem medo nos pés

É viver presente

Caminhando em frente.

 

Existir sem medo

Requer enfrentá-lo.

Se o enfrentar, cedo,

Para meu regalo,

Me liberto dele,

Nunca mais me impele.

 

Se já não há medo,

Sou eu, actual,

A mim mesmo acedo,

Presente, integral,

Bem como à missão

E ponho-a em função.

 

Ao eu actual

Logrando aceder,

Consigo o fanal

De como ao fim ser

E, por conseguinte,

Da escolha seguinte.

 

Círculo perfeito,

Tudo aqui se encaixa

Se tomar a peito

Respeitar a faixa

Do que a natureza

Em cada qual preza.

 

 

405 - Prendas

 

Quando as prendas da vida recebidas

Permanente colocas ao dispor

É a maior prova de que as tens delidas,

Não vives apegado a seu fulgor,

 

Apenas são para usufruto teu.

Medo não tens de acaso as ir perder,

Que simplesmente nunca te ocorreu

Tomá-las para ti, atar sequer.

 

Teu ego não deixaste nunca entrar

O erro de serem tuas a criar.

 

 

406 - Fragilizas-te

 

Ao dar atenção ao medo,

Ao aceitá-lo, então tu

Fragilizas-te de vez.

Acolhê-la, tarde ou cedo,

À fraqueza que é tabu,

Porém com a robustez

 

Da força em plena harmonia,

- Eis a meta principal

Desta na terra estadia

De que és sempre o actor fatal.

 

 

407 - Dor

 

A dor que importa aceitar

É a dor de qualquer das almas

Que a separação causar,

A que a paz destrói e as calmas,

 

Só pelo facto de o eu

Não estar jamais completo,

Na unidade o que é de seu

Não viver, sempre sem tecto,

 

Tendo de permanecer

Neste mundo de energias

Duais a se combater,

Tão difícil de harmonias.

 

É a dor do ser verdadeiro

Que o faz sentir inseguro,

Rejeitado num sendeiro

Sem fim aprazível puro.

 

Esta dor que é de aceitar

É a que é deveras sentida.

Detrás vem, por dentro a andar,

Desde sempre em nós sofrida.

 

 

408 - Aberto

 

Quem por si mesmo escolher,

Aparte do que ele escolhe,

Sempre aberto se manter

Há-de ao novo e nele o acolhe,

As inéditas versões,

Frestas de novas visões.

 

Abre-te, portanto, ao novo,

Aposta no inusitado,

Do insólito alarga o povo:

Na diferença treinado,

Tens a chave do segredo

Maior que vence o degredo.

 

Quando os homens aceitarem

Toda a diferença, então,

Opostos a vivenciarem,

Entraram em união

E esta harmonia emergente

Fá-los voar, consequente.

 

 

409 - Difícil

 

Ser é difícil, os mais

Reclamam e não aceitam

Que alguém seja: eles são tais

Que ao ser que são não se ajeitam.

Então, a acalmar, criticam

E de má consciência ficam.

 

Mas a alegria interior

Que em ti próprio vivencias

Sempre que te vais propor

Escolher por ti teus dias,

Viver em serenidade

Com peito aberto, à vontade,

 

E em constante mutação

Para devires melhor,

É uma mágica emoção

Com o tamanho e vigor

De bem mais de mil montanhas

Cheias de fúrias e sanhas.

 

Nunca mais vais depender,

Nunca mais irás achar

Que estás errado e quenquer

Te há-de um dia castigar.

Rumo ao Ser não existe erro,

É escapar sempre ao desterro.

 

 

410 - Utilizais

 

Como utilizais o julgamento

Sempre e para tudo, ao deparar

Com quaisquer opostos logo o evento

O pendor da escolha vai armar:

 

Por um ou por outro, nunca os dois.

Quando a verdadeira experiência

De ser na matéria quer depois

Que se conciliem na vivência

 

Todos os opostos que nos tecem.

A escolher, portanto, ambos escolho,

Um mais outro assim, que os dois merecem,

Quer se simultâneos os recolho,

 

Quer um após outro, diferidos.

O que nunca devo fazer, nunca,

É julgar e achar que um dos sentidos

É bom, outro mau, que o todo trunca.

 

É que o rejeitado irá voltar

Em forma de perda a me atacar.

 

 

411 - Acreditas

 

É teu ego o responsável

Por tua teia de crenças

Que acreditas que é fiável.

Quem crer em certas sentenças,

 

Como em ter um objectivo

E dever lutar por ele,

Ou em que o choro é motivo

Dos fracos que se repele,

 

Nunca deixa entrar a luz.

Crê que é retrógrada ideia

Deixar fluir, como induz

Que o é vivenciar bem cheia

 

Toda a emoção, mesmo triste.

Contudo, apenas assim

A emoção em pleno existe

E o limite esgota, enfim.

 

Como tudo o que ao limite

Chega se vira ao contrário,

A tristeza tem desquite,

Tem logo ali fim sumário.

 

Começamos a atrair

Cada vez mais, dia a dia,

O que fizer reflorir

Em todos nós a alegria.

 

 

412 - Sofrer

 

Para sofrer não veio ao mundo o homem,

Também não veio para à dor fugir.

Se a dor está noutro lugar, que a tomem,

Ir lá buscá-la já ninguém deve ir

 

Mas, se aparece por aqui, terás

De a enfrentar sempre a doer, até

Que por fim passe: deixa doer, verás

Que mais depressa lhe trocaste o pé.

 

Depois que embora ela se vai de vez,

Enquanto estás a te livrar dos medos,

Vai construindo a tua própria tez,

Felicidade de que tens segredos.

 

Não veio o homem, realmente, não,

Do paraíso que jamais se viu:

Ao trabalhar-se deste modo, então,

É que lá vai se dirigindo o rio.

 

A prometida terra é aquela feita

Pelas mãos nossas, que se aqui constrói

Quando se encara cada qual e aceita

A decisão de ser feliz que o mói.

 

 

413 - Saudável

 

És mui saudável, trabalhas

E não paras um minuto,

Não tens tempo em tuas calhas

De teu, só para o produto.

 

Teus pendores mais secretos

Ignora-los junto ao canto.

Todavia, são teus tectos

Que energizam, entretanto.

 

Então atrais a doença.

Pode ser apenas susto,

Mas o intuito da sentença

Igual é, que importa o custo?

 

Só mudou a intensidade,

O intuito é de te parar,

Entender que a intimidade

Tens de a ver, lá dentro olhar

 

Para os mais íntimos medos,

Passar por eles e quando

Insuportáveis degredos

Forem, para o céu olhando,

 

Entrega-te por inteiro.

Não apenas o problema,

Não só o medo passageiro,

A ti próprio como tema.

 

Mas sempre o homem revida,

Continua a pretender

Dominar a própria vida:

- Eis o bastião a ceder.

 

 

414 - Solidão

 

A solidão não existe,

É apenas medo do eu,

De mim próprio, que persiste

Do abismo a brotar que é meu.

Há tantos séculos anda

O ser humano de banda,

 

Caranguejo atento aos mais,

Ao que dizem, ao que pensam,

Ao que julgam dos sinais,

Ao que acham ou não que é bênção,

Que o rumo perdeu do centro,

Hábito de olhar bem dentro,

 

De por dentro se sentir.

Não somos o que pensamos,

É o que sentimos devir.

O ego também, nos seus ramos,

Não ajuda, ao pretender

O que devo ou não fazer.

 

Serão sempre indicações

Para agir, para pensar

Fora de mim intenções,

Sempre para fora a olhar,

Com outrem relacionadas,

Nunca com minhas estradas.

 

Começa a cavar-se o abismo

Entre aquilo que tu és

E o que pensas, o que cismo

Que serei nos rapapés

Ao que ao fim de mim me alheia

Na vazia maré-cheia.

 

 

415 - Espelhar

 

Se não fores o que escolhes,

Se a escolha que operas não

Espelhar o que tu és,

A luz que tua recolhes,

Raiz de teu coração,

Saber por trás de teus pés,

 

Se não viajas até

Ao íntimo de teu ser,

Ao que intrínseco te for,

Se tal viagem não é

Viável por medo haver

Ou por falta de interior,

 

Se nada disto ocorrer,

- Como é que vais escolher?

 

Que ferramentas irás

Utilizar para, em paz,

 

Efectivar tão sublime

Acto que em ti se te estime,

 

A escolha, a utilização

Do arbítrio livre em função?

 

É que escolha não é apenas

Decisão por isto, aquilo,

Meramente factual.

A escolha define em cenas

Quem cada qual é, o estilo

De em matéria ser real:

 

A meu imo como o encaixo,

O concretizo cá em baixo.

 

 

416 - Desactivas

 

Se desactivas teu ego,

Vives a vida real.

Não é de atirar-te cego

Às coisas a que equivale,

 

Sem olhar às consequências,

Que a realidade não é

De irresponsável tendências

Reforçar nem pôr de pé.

 

É o ego que irresponsável

Torna qualquer um de nós,

Dado que faz crer fiável

O ilusório, estanque, a sós,

 

E o real que em volta vive

É puramente ignorado.

Logo que se desactive

De ilusões este soldado,

 

O teu livre arbítrio podes

Usar com discernimento.

À hora da escolha acodes

Sem apego ou fingimento.

 

Dum ego sem um controlo

A impor o que devo crer

E sabendo sem mais dolo

Em que cremos, que confere

 

Com aquilo que intuímos,

Posso, por fim, escolher.

Bem ou mal, a escolha, aos cimos

É indiferente, é qualquer,

 

Que escolha em tais condições

Será tanto um bater de asa

Que é trilho, mesmo aos baldões,

Para voltar sempre a casa.

 

Já não há certo ou errado

Aqui, que um outro é o discurso.

Contará o caminho andado,

Agora tudo é percurso.

 

 

417 - Poder

 

Poder fazer é uma coisa,

Outra, porém, é escolhê-lo.

O poder em ti repoisa

Mas nem tudo ata em teu elo,

Te devolve o teu sentido

De inteiro seres vivido.

 

A matéria utilizamos

Para devolver o eu.

Importa, pois, que escolhamos

A partir do gineceu

Que sou eu no derradeiro

Fundo que me faz primeiro.

Se tudo se coaduna

Com o que sou ou que anseio

No ser que em mim trepa em duna

Por meus actos de entremeio,

Íntegro fico, centrado,

Plenitude de meu fado.

 

Se escolho mesmo perdendo

Bens materiais pelo caso,

Só porque estes devolvendo

Meu eu não vão, dão atraso,

Fico mais forte, convicto,

Mais inteiro ao ver-me invicto.

 

 

418 - Querem

 

Querem que lhes tire as dores

De a pedra lhes ter batido

E mais querem tais credores

Que o objecto ali arguido

Faça parar de bater,

Enquanto eles nem sequer

 

O param de arremessar.

Querem que Deus o trabalho

Todo trate de operar,

Já que deles, nem migalho.

Esta espiritualidade

É a pior, é uma inverdade.

 

Esta é a maneira daqueles

Que não querem evoluir.

Do céu servir-se vão eles

Para seus egos servir.

Por isto em templos da terra

Da lixeira o monte é serra.

 

Andam todos entupidos

Da falsidão destes crentes

Que mudar-se, nem coagidos,

E não querem, maldizentes,

Entender o que anda mal,

Querem só cura, afinal,

 

Duma ferida que, assim,

Eles próprios se infligiram.

E o pior deste motim

São lesões novas que firam,

Pois que querem continuar

Sempre o mesmo a praticar.

 

 

419 - Monstro

 

Grande monstro que é o passado!

Tudo o que ocorreu na vida,

Na tua e doutrem, ao lado,

Ficou já morto, enterrado,

Ninguém pensa, de seguida,

 

Mais em tal nem ressuscita,

Ninguém vai atrás buscá-lo.

Duas vezes ninguém cita

A dor que aquilo concita,

Deixa-o ir, sem mais abalo.

 

Repensar no que passou

Ninguém repensa deveras.

Nem reparam que hoje vou

De hoje com a luz que sou,

Lúcido doutras esferas.

 

A mente hoje é não-egóica,

Mente descomprometida

Da ilusão pretensa, heróica,

Que o ego montou, estóica,

Para à dor me dar fugida.

 

Ora, enquanto ninguém for

Aos eventos do passado

Que em nós provocaram dor,

A opinião de hoje a propor

É a mesma do tempo andado,

 

Pois nunca foi reciclada

Por rumo novo de vida.

O ego está lá, de emboscada,

Pronto a me saltar à estrada,

Mente enjeitada e traída.

 

Não foi nunca reciclado

Nem em alma transfundido,

Que é o que o imo há reclamado,

Eco do céu em traslado

A apontar rota ao perdido.

 

Vai ao que viveste então,

Revive, sofre outra vez,

Situação a situação,

Reenergiza o coração

Com o amor que do céu vês,

 

Enche os eventos de luz,

Enche-te, naquele outrora,

Na imagem que te reduz,

Na roupa que lá seduz,

Da lucidez que és agora.

 

Tudo em luz se irá diluir,

Colocas nova energia

Num passado-a-te-ferir

E ele não vai conseguir

Surpreender-te com a fria

 

Pancada traumatizante.

Limpas sina deprimente,

A cadeia desgostante

Dum destino escravizante,

Fica a vida livre em frente.

 

 

420 - Perdemos

 

Para nos fragilizarmos

Perdemos constantemente,

Cá dentro a nos obrigarmos

A ir, ao centro fulgente

Do sentimento, e a aceitar

Que tudo nos corra a par

 

E a vivenciar o que houver

A vivenciar no momento.

O contacto a refazer

É o deste preciso evento

Duma resistência a zero

Em que comigo coopero

 

Conectando-me comigo,

Com o que deveras sinto.

Já principiar consigo

A aceitação que consinto:

Aceito se interiorizo

Que nada sou ante o viso

 

Abismal do Cosmos todo

E quando entendo que as perdas

Ocorrem por, de algum modo,

As atrair com as lerdas

Pegadas por esta via

Que é a que em libertaria.

 

Quando eu interiorizar

Que, ao mudar minha atitude,

Tudo se irá transformar,

A agir de tal em virtude

Passo, autêntico em conteúdo,

Universalista em tudo.

 

Aceitando, o homem começa

A abrir-se para o infindo,

Em novidades tropeça,

Novas dimensões abrindo.

Aqui busca inspiração

Ao caminho da ascensão.

 

Busca energia no céu,

Dele na parte divina,

Que então logo o entreteceu,

Do alto opera a nova sina.

E os caminhos já começam

A abrir-se em quanto encabeçam.

 

Vão abrir-se porque o ser,

Doravante iluminado,

Projecta um padrão a haver

Duma energia dotado

Que não era a dele até

Aqui onde toma pé.

 

É força leve, muito alta,

Duma grande comunhão

Entre todos, hoje em falta,

E entre os povos união.

E, se emana esta energia,

De volta a tem cada dia.

 

 

421 - Perspectiva

 

Quando é que um médico tem

A perspectiva do todo,

A da doença e também

Do doente, ambiente e modo?

 

Quem diz um médico diz

Quenquer que atender alguém:

Bom é quem for o aprendiz

Além lendo o que convém.

 

 

422 - Triste

 

Nunca podes ser feliz

Senão quando reconheces

O que a vida é de raiz:

Quando que é triste confesses.

 

Ai quantos sonhos eu tive

E como, como sonhei

Antes de saber que vive

A tristeza, em tudo lei!

 

Depois, quando compreendi

Esta verdade, jamais

Sonhos mais entreteci,

Nunca mais esperei mais.

 

Agora estou muitas vezes

Feliz, feliz como nunca,

Que coisas boas, corteses,

É do que o chão se me junca.

 

O que é bom vem ter comigo

E, não esperando nada,

Contente fico e consigo

Manhã ser de oiro pejada.

 

 

423 - Aceita

 

Olho para o cão e penso

Que é inteiramente feliz,

Que dele aceita a existência:

Mesmo o animal me convenço

Que parte faz de raiz

Do todo em toda a vivência.

 

Seja o que for o meu dia

Terei de viver com tal,

Dentro do que me anuncia,

A obedecer-lhe ao sinal,

Aceitando o que me acarte

Dele me tornando parte.

 

Onde quer que ele estiver

Estarei ali, contente,

Seja a falar, a prover,

A servir conveniente.

Bastante o crendo, à medida,

Disto farei minha vida.

 

 

424 - Ergue-se

 

O ratinho-canguru

Ergue-se em patas traseiras

Numa dança solitária.

Não quer queijo nem xuxu,

Goza apenas brincadeiras

Na festa da vida vária.

 

Estas vidas pequeninas

Prosseguem alegremente

Bem escondidas das grandes.

Que, vida, o que me destinas

Eu aprenda a ter em mente

Como ratinho em que mandes!

 

E que o ânimo em mim entre,

Força em germe em que me centre,

 

Calmo a sério todo o dia

De vez sendo outra energia.

 

 

425 - Sociedade

 

Qualquer sociedade quer

Ser bem mais que comercial:

O comércio têm de ter

Elos humanos, sinal

De que, além de qualquer oiro,

Vai ser forte e duradoiro.

 

 

426 - Pagar

 

O mal pagar com bondade

É prova de quem é bom.

Mal com mal, sendo equidade,

Só espalha do iníquo o tom.

 

Um homem que é superior

A ele próprio se inculpa;

O vulgar, sendo inferior,

Sobre outrem atira a culpa.

 

Se ainda nos não servimos

Como deveria ser,

Servir a Deus que nem vimos

Como podemos saber?

 

A guiar-nos toda a vida

Só uma reciprocidade:

Não faças, em tua lida,

Ao outro o que não te agrade,

O que não queres que façam

Os mais quando a ti se enlaçam.

 

 

427 - Justo

 

Será justo que esqueçamos

Tudo aquilo que nós somos?

Não, mas que antes nós devamos

Esquecer de antanho os tomos

Para o passado deixar

De dos mais nos separar.

 

Devemos viver agora

Onde quer que nós estamos

Disseminando hora a hora

A força de nossos ramos

Pelos pomares que encerra

Cada povo em cada terra.

 

 

428 - Espera

 

À espera a felicidade

Anda de ser escolhida.

Existe nesta cidade

Mais o desgosto à medida.

A interior capacidade

De cada qual o convida

A escolher pelo bom vento,

Rejeitar o sofrimento.

 

Há quem escolha sofrer

O sofrimento infindável

De com Deus ter de se haver.

Em alegria ensombrável

Transmuta tal modo e ser,

Que a dor é mais desejável

Se a traça à chama chamusca

Um êxtase em Deus que busca.

 

Pois que encontre seu prazer

Onde mui bem lhe ocorrer,

 

Mas não obrigue ninguém

A ir por seu trilho além.

 

 

429 - Digas

 

Não digas, porque o não dito

Não requer ser retirado.

Se em palavras posto, escrito,

Tudo é mui dificultado:

Ficas preso da palavra,

Menos livre é tua lavra.

 

 

430 - Supro

 

Toda a tristeza da vida

Profunda ou antiga jaz

No fundo do peito erguida.

Sei que mora ali tenaz,

 

Mas não vou mergulhar nela.

À superfície dum lago

Escuro e vão se atropela

Do nenúfar cada afago:

 

Da noite em mim supro o abalo,

Vou ledo a este apanhá-lo.

 

 

431 - Paredes

 

Quando os povos são amáveis,

Uns para com outros justos,

As paredes são quebráveis,

Tombam logo a baixos custos:

Tornam-se então de verdade

Todos uma humanidade.

 

 

432 - Voluntarioso

 

Ser voluntarioso é bom,

Mas, se não for controlado,

É, no emprego, de mau tom:

Sempre a cólera há toldado

 

O bom senso, perde o siso,

E acaba por afastar

Aqueles de quem preciso:

Fico sozinho a falar.

 

 

433 - Voz

 

Pensamento positivo,

Quando preciso deveras,

Em voz alta o digo ao vivo:

Melhoro sem mais esperas.

 

Tentar de espírito o estado

Alterar só por pensá-lo

É bem menos ter findado

Eficaz: não traz abalo.

 

 

434 - Termos

 

Há coisas que não se dizem

Em nenhuma circunstância.

Os termos, mais que o que visem,

São poder com que condizem

Mais que qualquer outra instância.

 

 

435 - Auto-respeito

 

Nosso auto-respeito tem

De vir de dentro de nós.

Se tentar seguir, porém,

Recomendações após,

 

Técnicas de especialista,

Sem ir eu por dentro delas,

Logo as crianças a pista

Falsa apontam nas sequelas.

 

Teremos de ser sinceros,

Ser deveras o que somos,

O que ser podemos, veros,

Pormo-nos onde nos pomos.

 

 

436 - Creio

 

O que creio que funciona

Irá mesmo funcionar.

Cada estado traz à tona

Uma convicção larvar

 

E, se nós diagnosticarmos

E tratarmos esse estado,

Como tal o rotularmos,

Tornamo-lo um real dado.

Levamo-lo, sem saber,

Cada vez mais a crescer.

 

 

437 - Dentro

 

Nada vos pode encontrar

De vós próprios à excepção:

Quaisquer respostas a dar

Dentro de vós sempre estão.

 

Ensinem, pois, as lições

Que aprenderam vida fora.

Dadas foram compreensões,

Não para perda em demora,

 

Mas para um mundo dorido,

Exausto, virem guiar

Até um novo sentido,

Da acalmia até o lugar.

 

 

438 - Bater

 

Se ouvires bater de cascos,

Pensa em cavalos, não zebras,

Só se, em África, em teus frascos

De remédios as integras.

 

Em qualquer de teus problemas

Segue o mais óbvio dos lemas.

 

Só depois de este falhar

Outro visa singular.

 

 

439 - Crise

 

Se quer chamar a atenção

Para a crise de saúde

Num continente ou nação,

Demonstre o dinheiro à mão

Perdido se nada mude.

 

Ajude a entender os custos

Económicos dos males:

O ganho em controlos justos

De epidemias e sustos

A que podem dar-se avales.

 

E proponha soluções

Baseadas com rigor

Nos custos de haver senões,

Nos ganhos de alterações

Que lhes mudem o teor.

 

 

440 - Tentame

 

O tentame de banir

Da economia qualquer

Maneira de competir,

O Estado a tudo colher,

Falhou miseravelmente

De antanho até ao presente.

 

Ora, o mesmo ocorreria

Se alguém tentara gerir

A moderna economia

Só com mercado a fluir,

Concorrente a concorrente

A arreganhar fero o dente.

 

Com êxito economias

São as mistas que dependem

De desenvolver as vias

Que em público sector rendem

Com as do sector privado

A espicaçar o mercado.

 

Assim ambas são conduto

Para o que é o melhor produto.

 

 

441 - Chave

 

Toda a chave é garantir

Nossa mente concentrada

Numa via de porvir

Positiva em toda a escada,

Cuja expectativa goza

De nunca ser receosa.

 

 

442 - Rosto

 

Há um eu superior qualquer

Que pode ser encontrado

No rosto, sempre, em quenquer.

 

Se eu com ele houver falado,

Com tal aurora discreta,

A energia que lhe hei dado

 

A erguer ajuda a concreta

Pessoa que haja abordado

À consciência directa

 

Daquilo que nela for

Dela tal eu superior.

 

 

443 - Espera

 

Se lograr manter-me forte

À espera do positivo,

Então terei mesmo em sorte

Mil milagres por que vivo,

Seja o resultado ou não

O que espero da ocasião.

 

 

444 - Ajudar

 

Que importa a tecnologia?

É o modo como a usamos

A ajudar à melhoria

Do poder que nós tenhamos

De abraçarmos cada qual

Que importa ver, afinal.

 

Tudo o mais é fantasia

A enganar a maioria.

 

 

445 - Bem

 

Vocês ficarão bem, mas com cuidado.

Não lograrão manter alta a energia

Se o ódio vos houver já dominado:

Não podem inimigos ter na via.

E lembre cada qual que anda ajudado

Do mistério da luz de cada dia.

 

 

446 - Campo

 

Nosso campo de oração

Trabalha constantemente

Sobre o mundo, em profusão,

Envia o que tenho em mente,

Todas as expectativas,

E, se visa outra pessoa,

O efeito das tentativas

É instantâneo no que doa.

 

Felizmente uma oração,

Quando ela for negativa,

Não é forte na função

Tanto quanto a positiva.

 

É que aquela nos separa

Da energia superior

Do eu que em nós fulgurara

No apelo à luz e ao calor.

 

Mas vai continuar a ter

Um efeito de apagar

A luz que remanescer

Em alguém, sol ou luar.

 

Farás aos outros aquilo

Que gostas que te fizessem:

O que farás marca o estilo

Do que em retorno em ti tecem.

 

 

447 - Irar-me

 

Irar-me é uma tentação,

Sabe bem, faz que meu ego

Creia que é mais forte e são,

Mesmo se perde o sossego.

Terei de ser mais esperto,

Ver além do que andar perto:

 

Não logro atingir o nível

Mais alto ao ser criativo

Até que evite, credível,

Todo o impulso negativo.

Há já mal suficiente

Para que por mim o aumente.

 

Ódio, ira, mal-querença,

Vencê-los é que eu me vença.

 

 

448 - Maldade

 

Temos de ser cuidadosos

Para não visualizarmos

A maldade dos medrosos,

A fim de a não empolarmos.

 

Temos de olhar para eles

De maneira realista,

Tomar precauções de imbeles,

Sem nos determos na vista

 

De seu mau comportamento

Nem preservarmos imagens

Deles a, nalgum momento,

Nos magoarem, nas triagens,

 

Que deles à paranóia

Isto enviar vai energia,

Pode ser de prémio jóia

Que incite à malfeitoria.

 

Por isso é tão importante

Impedir que nossa mente

Visualize o mal que adiante

Nos pode advir de repente.

 

É tal qual uma oração

Gerando ali, no momento,

Por dentro da ocasião,

O mal do acontecimento.

 

 

449 - Alerta

 

Temos de parar, lembrar

O alerta a cada momento.

Temos de visualizar

A energia a irradiar

E a trazer-nos o fermento,

 

Os palpites mais certeiros,

O acontecimento certo.

Temos de esperar, arteiros,

Que eles ocorram pioneiros,

Seja o instante longe ou perto.

 

Nossos campos preparemos

Para a sincronicidade

E vigilantes fiquemos

À espera do que teremos

No encontro que seguir-se há-de.

 

Sempre que nos esquecemos

De nos mantermos no estado

De expectativa, então temos

De nos obrigar: lembremos

Que o alerta entalha o fado.

 

 

450 - Dá-te

 

Dá-te à sincronicidade

E não penses com receio,

O pior é o que te invade

De teu pensamento ao meio.

 

Vês um grupo, cuidas logo

Que jamais te guiarão.

Nunca te dá desafogo

Teu negativo padrão.

 

Pode o grupo ser aquele

Que livra do que atropele.

 

Atento e sem preconceito

Acolhe o que traz teu jeito.

 

 

451 - Atenção

 

Se começas a pensar

Na maldade que há nalguém,

Se sentes raiva ou desdém,

Deves breve deslocar

 

Tua atenção para o imo

Que pode emergir por dentro

De cada qual, bem no centro,

Por onde ele trepa ao cimo.

 

Visualiza-te a energia

A fluir de ti e entrando

No campo dele, elevando-o

À união que fulgiria

 

Com a luz dele interior,

A levá-lo a intuir

Os cumes a descobrir

Em tudo o que é superior.

 

Fazer o inverso enviar

Apenas é uma oração

Que para um devir malsão

Mais energia vai dar.

 

 

452 - Fluxo

 

Importa nos ancorarmos,

Manter o fluxo interior

Da vivência superior,

Mesmo apesar de encararmos

As conjunturas do medo,

Da raiva apontada a dedo.

 

Conseguimo-lo mantendo

Sempre algum distanciamento

No encontro que se for tendo

Com todo o acontecimento

Que é sempre algo inesperado

Todo o dia, em todo o lado.

 

Devo sempre procurar

Um sentido positivo,

Esperar sempre, insistente,

Que o rumo nos vai salvar,

Pouco importa quanto, esquivo,

Me persiga no presente.

 

Esta postura mental

Ajuda à concentração

No meu fluir interior.

Impede-me, no final,

A imagem de negação,

Se eu falhar, ao me propor.

 

 

453 - Efeitos

 

Os efeitos da oração

Em doentes como tais

É que beneficiarão

E melhoras terão mais

Os que com ela contarem,

Mesmo sem conta se darem.

 

E, se é toda eficiente,

Pode mais a estruturada,

Em vez de em pedido urgente,

Na afirmação consumada:

Uma vai pedir a Deus,

Outra afirma o agir dos céus.

 

Quem pede uma intervenção

Assume que pode vir

De Deus benévola mão,

Mas só se tal decidir.

Único nosso papel

É pedir por nossa pele.

 

Outra forma de oração

Assume um Deus disponível,

Pronto a agir sem dilação,

Mas impondo, ao exequível,

Depender, ao fim, do preito

De eu crer que assim será feito.

 

Então, a nossa oração

Deve ser afirmação

 

Que exprima e ponha de pé

Firme e de vez, esta fé.

 

 

454 - Tecnologia

 

A tecnologia pôr

O íntimo a desenvolver

No espiritual pendor

É utopia pretender.

 

O mundo inteiro a avançar

Para um ponto onde entender

O espírito há-de importar

Muito mais do que qualquer

 

Controlo a haver ou dinheiro

É uma quimera hoje em dia.

Quem do medo é prisioneiro

Emperra o tempo à porfia,

 

Cuida de manipular

O curso à carreira humana

Com seu ego singular,

Usa o avanço mas se engana,

 

Que os demais controlar tenta.

Os outros ao vigiar

É uma guerra que implementa.

Tudo tem de começar

 

De novo na humanidade.

A destruição maciça

Sempre a tal nos persuade

Mas o medo tudo enguiça.

 

 

455 - Positivos

 

Mais que lograr nos manter

Positivos por inteiro

E uma imagem má qualquer

Do evento, por mais ligeiro,

 

Da mente afastar perene,

Teremos de jogar fora

O pensamento que engrene

Outrem do mal numa escora,

 

Ao mantermos negativos

Conceitos acerca dele.

Se de ira somos cativos,

No erro que nos atropele

 

Caímos de no pior

Pensar dos outros então.

É um impulso cujo teor

Neles gera o aleijão

 

De tudo quanto esperamos.

Mestre que crê num aluno

Nele vai promover ramos

Que com tal crença o põe uno.

 

Mas, se o pensar negativo,

Isto é o que irá conseguir.

Ao agir e falar, vivo,

Mas penso o rumo a seguir.

 

Não cuides que ao só pensar

Nada ao fim vai por diante:

Uma ideia ao segredar,

É mesmo o mais importante.

 

 

456 - Minutos

 

Sete minutos com alma

Podem ser mais importantes

Que quarenta sem a palma

Das lonjuras que haja adiante,

Minutos que mata o tédio

Da atitude "que-remédio!"

 

 

457 - Afinal

 

Afinal, uma mentira

Nunca ao fim ninguém desculpa.

Ultrapassam-na, na mira

De ajudar quem tem a culpa

A descobrir a verdade

Do que sente, a identidade,

 

O caminho para a casa

A habitar por dentro dele.

Mentir para fora apraza

Um termo a quem atropele:

Poder ser um bom amigo

Da verdade dele abrigo.

 

 

458 - Rir-se-á

 

Rir-se-á sempre quenquer

Do que com descontracção

Nunca consiga viver,

 

Quer seja a agressividade,

Quer, seguindo a tradição,

A treda sexualidade.

 

É que rir espanta os medos:

Já não ficamos tão quedos.

 

E, um pouco mais sossegados,

Melhor se equacionam dados.

 

 

459 - Crescemos

 

Nós crescemos sempre quando,

Em vez do que olha por nós,

Quem connosco olhe é o comando,

Para nós correr veloz

 

Troca por correr connosco,

E por nós já não vivendo

Connosco nasça, obra em tosco.

Distingue, num instruendo,

 

Entre um voo de sonhar

E aprender mesmo a voar.

 

 

460 - Querer

 

Querer nem sempre é poder:

Às vezes, quero e não posso.

A diferença é querer

E crer, para além do esboço

Que no sonho sempre acode,

Crer que deveras se pode.

 

E sempre que acreditamos

Os milagres acontecem.

O que falta àqueles ramos

Que querem mas emurchecem

É alguém, algures na vida,

Que lhes oferte, à medida,

 

Todo o bem de acreditarem

Em quanto eles acreditam,

De querer, sem hesitarem,

O que querem e concitam.

É o que transforma o querer,

Por fim, de vez, em poder.

 

 

461 - Menos

 

Menos morte deveria

Significar melhor vida.

Mas, ao invés, cada dia

Aquilo que a ver convida

É que menos morte roube

Vida à vida que lhe coube.

 

Significa muitas vezes

Apenas sofreguidão

De querer dos entremezes

Tudo menos viver são.

Com a morte contactar

Pode-nos humanizar,

 

Promove a vinculação,

Requer autenticidade:

Perecíveis, pode o vão

Catapultar-se, em verdade,

Para dentro, para dentro,

Do coração nosso ao centro.

 

A forma de conviver

Dentro de nós com a morte,

Amando, amando vais ser,

Amando de toda a sorte:

Ao amar todo e quenquer

Para a morte irei morrer.

 

 

462 - Namoro

 

A beleza como o rir,

O namoro com a vida,

Parecem intimidar,

Como se descontrair

Fora uma rota fingida

Para se descontrolar,

Como se fantasiar

Fora tal qual como agir.

 

Contudo, só fé na vida

Como apenas fé no amor

Permitirão ter humor

E a risada desprendida:

 

São dois espontâneos gestos

De encontro que surpreendem,

Cúmplices de iguais aprestos

Com que a vida ao fim nos rendem.

 

 

463 - Paciente

 

Paciente deprimido,

Após uma operação,

Morre mais e mais sofrido

Que optimista de infecção.

O riso cura-nos, nédio,

É acaso o melhor remédio.

 

 

464 - Simples

 

O mais simples neste mundo,

Provavelmente é o mais belo.

Fico cego bem profundo

Ao decisivo ser elo,

 

Deformo o que me rodeia

Para parecer maior,

Quando a verdade que alteia

É o que oposto àquilo for.

 

É medíocre ostentar

E afectar, deveras fútil.

Quanto mais alguém cuidar

Que o difícil é que é útil

 

À felicidade, então

Infelizes todos vão.

 

Vai ser a simplicidade,

Ver as coisas como são,

Ter prazer na inanidade,

Com qualquer pormenor vão,

 

A famoso preferir

Ser amável em redor,

Amar sem nunca inquirir

Quem é que é merecedor,

 

- Isto, gradual, é que há-de

Encher de felicidade.

 

 

465 - Preto

 

O homem de preto tem mil caras

E todas elas inclementes,

E todas elas mui raras,

A arreganhar de fúria os dentes.

 

Não fujo mais já do papão,

Longe demais nós já fugimos,

Eu como os mais, largando o chão:

- Longe de nós nos demais vimos!

 

 

466 - Lutar

 

Terás de lutar aqui,

Cara a cara, no entremez.

Senão arriscas-te a ti

A nunca o deixar de vez,

Ao demónio que em ti vi:

Vai perseguir-te o fantasma,

Dentro em ti como um miasma.

 

 

467 - Silêncio

 

Encostou a cabeça e ali chorou.

Em silêncio, deixei-o à vontade.

Nem que ia ficar bem, que ao fim chegou,

Nem, para o confortar, gesto que agrade.

 

Às vezes é melhor deixar as dores

Tal como estão, deixar que o sofrimento

Vá seguindo o seu curso, que os humores

Do tempo os vá espalhando o incerto vento.

 

Depois de se chorar tudo o que dói,

Mais dor não haverá, tudo se foi.

 

 

468 - Reagem

 

Nem todos de iguais maneiras

Reagem ao que se apega,

Às aparentes rasteiras

Que a vida intérmina prega.

 

Uns analisam, valoram

Só os aspectos negativos.

Sofrendo embora, outros moram

No pendor que os quiser vivos

 

E procuram aprender

Com o que andam a viver.

 

Àqueles sai-lhes a morte,

A estes, a grande sorte.

 

 

469 - Olhar

 

Olhar para nós devia

Olhar por nós ser mais vezes.

Só me fecho à maioria

Se a adivinha em meus conveses

Não decifrar cada dia

À esquina da maresia.

 

 

470 - Divirja

 

Por mais que uma carochinha

Divirja dum joão-ratão,

Diferenças não continha

Que aos dois os separarão,

Seja o que for que se verse,

- Se ambos querem entender-se.

 

 

471 - Fuga

 

Em vez da fuga a teus medos,

Foge para o pé de mim.

Se um doutro entendermos credos,

Todos os papões, assim,

Tolhida de vez a voz,

Fugirão de ao pé de nós.

 

 

472 - Melhor

 

O melhor do mundo são

Os que deixam que conviva

A criança que serão

E a maturidade esquiva

Que, às vezes a trouxe-mouxe,

A vida, afinal, nos trouxe.

 

 

473 - Importante

 

Importante para nós

É quem transmude vivência

Em sabedoria após:

O que eu sei torna evidência,

Tudo mais simples devém

Como exequível também.

 

Uma luz tudo ilumina,

Torna a vida cristalina.

 

 

474 - Vivo

 

Por mais anos que contar,

Se vivo não digo adeus

Ao que sou neste lugar,

Aos roteiros que são meus.

É inventar-me sem deixar

De ser quem eu sou, a par.

 

 

475 - Vive

 

Vive o dia em que estiveres,

De ontem esquece o passado,

Pega no mau que puderes,

Deita-o fora, põe de lado!

 

Tudo a largar tu aprende,

Tudo aquilo que te prende.

 

Não muda nada odiar,

O que muda é sempre amar.

 

 

476 - Cuida

 

Dos deves e dos não-deves

Cuida menos, que Deus ama

Todos, pesados e leves,

E perdoa toda a trama.

Dos actos outra e distante,

A pessoa é que é importante.

 

 

477 - Gostar

 

Poderei gostar de mim

Se encarar a minha vida

Como algo que for sagrado:

Sou especial porque, enfim,

Ninguém, em qualquer medida,

Poderá ser, a meu lado,

(Como antes ninguém logrou)

Ser a pessoa que sou.

 

 

478 - Dependerá

 

A nossa felicidade

Dependerá grandemente

De como olho a identidade

Minha e a do mundo ingente:

 

Para nós sermos felizes

Temos de considerar

De todos, tudo, os matizes

Como especiais e sem par.

 

Raros sendo, inimitáveis,

Que festas inigualáveis!

 

 

479 - Laborar

 

Laborar o meu melhor,

Esforçar-me o mais possível,

É tudo o que é de supor

De mim, doutrem exigível.

 

Já não volto a concentrar-me

No mito da perfeição

Que é sempre o que mais desarme

Traiçoeiro minha mão.

 

A consciência tomar

E acreditar de raiz

Neste lema elementar

Irá tornar-me feliz.

 

 

480 - Encaras

 

Quem é feliz encara a vida

Com esperança no futuro.

Se tal a encaras, de seguida,

Com o optimismo que te auguro,

Verás que é fácil, de raiz

E finalmente, ser feliz.

 

A vida vês como excitante,

Que desafia e te promete.

Que importa se é triste, hilariante?

É sempre o jogo que compete:

Em cada dia pedes meças

Dela ao tamanho das promessas.

 

 

481 - Viagem

 

Todos devem perceber

O que é que é felicidade

Antes de feliz se ser,

Tal como ao fim de verdade

Duma viagem qualquer

Ninguém chega se onde vai

Afinal nunca souber

E a qualquer topada cai.

 

Uma vez compreendida

No que é mal interpretada,

São mil aspectos da vida

Que melhora de assentada.

 

 

482 - Manhã

 

Em cada manhã da vida

São-te entregues duma vez

Horas vinte e quatro de oiro.

São a prenda conhecida

De imposto isenta que vês

E que é teu maior tesoiro.

 

Se houveras todo o dinheiro

Do mundo, não poderias

Comprar nem mais uma hora.

Que farás com tão leveiro

Tesoiro que são teus dias?

Tens de usá-lo sem demora,

 

Só te é ofertado uma vez!

Se acaso o desperdiçares,

O que ocorre do revés

É nunca o recuperares.

 

 

483 - Exijo

 

Não exijo, de hoje em diante,

De mim mesmo a perfeição:

Duma meta estou perante

Que é inatingível, em vão.

 

Se insistir, então serei

Com a raiva confrontado

E o desespero é uma lei,

Infeliz serei, por fado.

 

Doravante terei metas

Mas não vou desesperar

Se não resultam concretas

Como as eu planear.

 

Tentarei o meu melhor

Em todo e qualquer aspecto.

Se me atingir o pior

Não me revolto, incorrecto.

 

Se trabalhar com afinco

Vou-me sentir orgulhoso

Porque sei que impus meu vinco

No melhor a que me entroso.

 

 

484 - Simples

 

Simples é a verdade e bela:

Só nós somos responsáveis

Por nossa felicidade.

Só eu controlo à janela

Os afectos insondáveis,

Vulcão que dentro me invade.

 

Só eu posso construir

Esta minha integridade,

Não há nada nem ninguém

Que por mim o possa agir.

Depois algum tempo se há-de

Dedicar então também

 

A reflectir, entender

Que temos muitos tesoiros

Que podemos chamar nossos:

Temos muito a oferecer.

Apreciemos os oiros

Que da vida enchem os troços.

 

E então jamais nos centremos

No que na vida não temos.

 

 

485 - Preocupado

 

Preocupado com a paz,

Preocupado com o ambiente,

Com tudo o que mal nos traz…

Se a muda fora patente

E tudo ali alterado,

Então feliz fora o fado.

Contudo, não tem razão.

Ser feliz nunca depende

De quanto acontece ou não

Num mundo que nos ofende.

Vem da percepção que fiz:

- Se o desejar, sou feliz!

 

 

486 - Gota

 

Parece não fazer a diferença

Uma gota somente desta chuva.

Mas quando pelo monte escorre densa,

Junta-se a outras gotas, cacho de uva,

 

E um fio de água rápido se forma,

E o fio de água torna-se um regato

E o regato é já rio, muda a norma:

A gota ora faz parte dum pacato

 

Veio tão poderoso que é imparável.

Como gota de chuva é o optimismo,

A convicção do bom que hoje é viável.

Não tem grande valor, assim o crismo,

 

Até esquecer-me dele poderei,

E, todavia, sei que está comigo.

Mas depois optimista me farei

Duas, três vezes, quatro e assim prossigo.

 

Então meu optimismo devém forte,

Em breve fluirá na minha vida,

Reprimido jamais é seu transporte

E assim continuarei, que isto convida

 

A uma vivência que me faz feliz

E feliz torno o mundo como o quis.

 

 

487 - Cego

 

Era cego e uma perna

Fora na guerra amputada.

Vivia da esmola eterna

Pela rua arrecadada.

 

Se não fora deficiente

Crê que seria feliz:

A saúde muita gente

Conta por certa matriz.

 

O prazer de beber sol

Ou o marulhar dum rio,

O encanto dum arrebol,

Impossível desafio

 

São para muitos que os sonham.

Os capazes deveriam,

Naquilo de que disponham,

Fruir do prazer que aviam.

 

É o que os iria ajudar

Quão especial é a vida

Já de vez a avaliar.

Todavia, quem duvida

 

De que estas pequenas coisas

Nada com felicidade

Que registemos nas loisas

Têm a ver de verdade?

 

Nenhuma incapacidade

Terá de estragar a vida,

Jamais a felicidade

É por saúde medida.

 

Além das limitações

Poderemos ser felizes

Se o querem os corações,

Se a vontade lhe enraízes.

 

Felicidade é um afecto,

Vem de dentro para fora,

Nada fora de teu tecto

Pode afectá-la onde mora.

 

 

488 - Desespero

 

Sentir desespero traz

Muita raiva, solidão,

Ressentimento falaz.

Não nos resolve a questão,

 

Impede de a resolver

E cria outras em norma:

A amizade com quenquer

Limita de muita forma,

 

Não nos trará benefícios,

Destrói-nos acaso a vida…

Mas, depois destes indícios,

Ninguém que com ele lida

 

É obrigado a tal revés:

Só de nós pende de vez.

 

Vem de nossa interioridade

A escolha que o alimenta

Ou aquela que o degrade:

Ser feliz é do que o tenta.

 

 

489 - Mentiras

 

São as mentiras da aranha

Que em teia me enredam morto:

Se eu fora rico, na apanha

Era feliz em meu horto;

 

Se eu fora famoso, então

Seria feliz de vez;

Se encontrara em comunhão

A quem amar, um revés

 

Jamais tolheria a festa;

Se amigos tivera, aí,

Quanta alegria se apresta,

Feliz como nunca vi;

 

Se fora mais belo, como

Seria feliz na hora;

Se deficiência de tomo

Não tenho, como edulcora;

 

Se não me houvera morrido

Um ente querido, então

Era feliz; se volvido

Fora o mundo em melhor chão,

 

Como então feliz eu era!...

- Ora, nada é verdadeiro,

Toda a lista é uma quimera,

É uma teia a atar-me inteiro.

 

Se em findar então insisto

Com tais mentiras na vida,

Devém fácil, contra isto

Ser feliz na teia urdida.

 

Ser felizes conseguir

Podemos se o desejarmos:

Primeiro passo é banir

As mentiras que encontrarmos.

 

 

490 - Guru

 

Se for guru quem guru for

E se for santo quem for santo,

De comediante algum pendor

Cada qual tem sempre, entretanto.

 

Porém, ocorre que as pessoas

Andam convictas do contrário.

Por isso faz, por entre as loas,

Escandaloso e temerário

 

Algo que as leve a que, interditas,

Cocem cabeças indecisas,

Que ninguém que és, fora das fitas,

Todo normal, de trilhas lisas,

 

Até duvidem, que especial

Não serás nunca enquanto tal.

 

Só então liberto podes ser

O que teu imo enfim quiser.

 

 

491 - Atenção

 

Talvez não tenhamos poder de empatia

Por nossa atenção em nós mesmos centrar-se

E já transferi-la não posso e devia

Para o outro além que olhe além do disfarce.

 

Mas toda a ansiedade por meu bem-estar

Pode-me impedir de entender toda a dor

Que um outro sofrer: já não me há-de tocar.

Como é narcisismo, jamais a o transpor

 

Nos vai ajudar o altruísmo aguilhoar:

Raiz do problema, é incapaz cada qual

De se interessar por sí próprio, a par.

E para à empatia rumar, afinal,

 

Ter de descobrir poderei, certamente,

O que eu próprio valho, uma base manter

De me interessar por mim próprio de frente.

Nunca apreciar conseguimos quenquer,

Complexo como é, se não formos capazes

De sentir amor por nós próprios também,

As contradições em nós lendo, verazes,

Como a cada qual certamente convém.

 

Positivo afecto em nosso imo então pode

Alargar-se tanto que inclui todo o mundo

Com peso afectivo bem mais que o que acode

Ao tolerar vago: hoje em festa me inundo.