OITAVO  TROVÁRIO

 

 

                     DA  NORMA  TRILHANDO  A  VIA  E  O  SUOR

 

 

 

 

 

 

 

Escolha ao acaso um número entre 770 e 886, inclusive.

Leia o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                             770 - Da norma trilhando a via e o suor

 

                                             Da norma trilhando a via e o suor,

                                             Lavro o poema

                                             Em métrica incerta e de estupor,

                                             O que as pegadas devem pôr

                                             Ao incarnarem, vida fora, cada lema.

 

                                             Em metro e rima desencontrados,

                                             A poesia

                                             Captura os inesperados

                                             E a magia.

 

                                             Os pés caminham, mesmo magoados,

                                             Um pouco mais trôpegos de luz,

                                             De alegremente encegueirados.

 

                                             O verso tropeçado aqui traduz

                                             Que estrela noite fora nos conduz.


 

771 - Leva-te

 

Leva-te por escolha tua

Em teu caminho.

Por isto apenas não somos escravos,

Por podermos escolher cada rua,

Cada vizinho

De nossas alegrias e de nossos agravos.

 

O resto que te vier à estrada

Não vale nada, nada, nada.

 

 

772 - Orgulho-me

 

Orgulho-me de ti

Que percebeste

Aquilo que quase ninguém vi

Que ateste:

 

Seguir teu coração,

Não doutrem as esperanças.

Não estou desapontado, não:

Estou feliz porque te alcanças.

 

E nisto, fecundo,

Também a mim me dás o mundo.

 

 

773 - Criatura

 

À receita da meta

Que nos resta,

Atenção

Cuidada:

Uma criatura só não presta

Se deixou de ser inquieta.

Ora, nós somos inquietação

Incarnada.

 

 

774 - Trabalhar

 

Trabalhar é degradante

Mas dá-me da pesca a cana.

Sem de ocupação constante

Atordoado,

Passajando a vida quotidiana,

Era o ócio entediado,

Angustiado,

A esbracejar

De lodo neste mar

De perguntas por quê a para quê.

Mas com o trabalho, não:

Aquilo já ninguém vê.

 

Cavamos o chão

E a metafísica enterramo-la nos matagais:

Absurdo é o tempo a mais,

Sem o vinho duma ocupação

Nos bornais.

 

 

775 - Enfrentam

 

A esperança é o grande refrigério

De nós, os fracos, a maioria.

Poucos enfrentam o mistério

Despido de fantasia.

 

Poucos têm a coragem

De encarar a verdade serena

De que nenhuma existência, na intérmina romagem,

Por ela própria vale a pena.

 

Por isto,

Argumento a encorajar,

Insisto,

Animo a continuar,

A dar alma até ao fim

Aos outros e a mim.

 

 

776 - Livre

 

Livre em plenitude

Ninguém o logra ser.

Pode, porém, de tal em virtude,

Idêntico a ele próprio percorrer

Toda a conjuntura,

E não o trilho de quenquer

Que apenas este configura.

 

Pesado é o custo

Da liberdade.

Dobra-o, justo,

O da própria identidade.

Aquela, até um decreto

A outorga e põe de pé,

Esta apenas encontra tecto

No que fundo nos invade,

Apenas faz fé

A total auto-responsabilidade.

 

 

777 - Atitudes

 

Quantas atitudes não tomamos

À espera de que outrem as tome!

E a vida assim desbaratamos,

Itinerário que permanente se consome

E não pode ser adiado

Nem diferido.

Nenhum elo de comunhão aguardado,

Tido no sentido,

Deveremos visar

Que primeiro não sejamos capazes,

Eficazes,

De ousar.

 

 

778 - Inéditas

 

Sempre inéditas são

As horas de humano desespero.

E as palavras, nesta ocasião,

Não prestam nem as tolero.

 

Repetem o dito e ouvido

Milhões de vezes, milhões,

Em qualquer gesto cortês,

Quando era, varrendo o rasquido,

Preciso ouvir e dizer, não velhos chavões,

Mas pela primeira vez.

 

 

779 - Televisor

 

O televisor não se auto-liga,

Nós é que o ligamos.

Assim, deixamos

Que ele o cérebro nos sugue sem briga.

E, se calhar, até gostamos.

 

Neste sentido,

O fascismo abolido

Somos nós que o repescamos.

E, desta feita, muito mais bem nutrido

Da fruta de novos ramos.

 

Quando a vida bem se foca,

Somos nós os autores

Das prendas ou dos horrores

Do que nos toca.

 

 

780 - Limita-te

 

Seja teu dinheiro

O dinheiro que for,

Na vida ao ires,

Limita-te a fazer, primeiro,

O melhor

Que conseguires.

 

 

781 - Fabricam

 

Campeões

Não os fabricam ginásios,

Vêm do fundo dos corações.

Case-os

Com um desejo, um sonho, uma visão

Que funda ter deverão.

 

Resistem então no derradeiro minuto,

Serão mais rápidos um tudo-nada,

Da capacidade-limite hão-de ter o usufruto,

De força de vontade, uma mina inesgotada.

 

E esta sempre, a indicar o norte,

Terá de ser a mais forte.

 

 

782 - Feixe

 

A integração

De todas as religiões

Num único feixe de união

Releva para que as orações

 

Tenham a força da energia

Capaz de resolver os perigos criados

Pelos que temem o dia

Nos vergéis ensolarados.

 

Enquanto for cada qual para seu lado,

Uma doutra concorrente,

Fica por regar o prado,

Morre da seca a semente.

 

 

783 - Geração

 

Cada geração é diferente

E a missão que tem,

Igualmente,

Também.

Não é refém

Da que veio anteriormente.

 

Eles combateram a tirania

Com armas e violência?

Doravante nomes como guerra ou inimigo

Eliminaria

Como primeira urgência,

Maior perigo.

 

É igual o heroísmo

Outrora

Ou agora,

Perante o abismo.

 

À partida

Não podiam o que puderam,

Mas persistiram.

Algo venceram,

Conseguiram

Da própria geração uma medida.

 

É o que temos de fazer,

Por nossa vez,

Do mundo no entremez

A decorrer.

 

O totalitarismo não morreu,

Apenas não busca doravante um império,

Cobre-se do solidéu

Da tecnologia

E seu mistério.

 

As forças da tirania

Aproveitam a nossa dependência,

Confiança, desejo ou conveniência.

Através do medo

Centralizam o tecnológico conhecimento

Duns poucos nas mãos de segredo,

Para que deles o provento

Fique salvaguardado

E o porvir do mundo, controlado.

 

Não podemos opor-nos pela força.

Apenas a democracia,

Próximo degrau mundial da liberdade,

Talvez os destorça

Um dia,

À medida que o mundo persuade.

 

Temos de usar nossa visão,

Expectativas a fluir de nós,

Como constante oração

A desatar os nós.

 

É um poder mais forte

Que o que adivinhais.

Urge dominá-lo, usar-lhe o transporte,

Antes que seja tarde demais

Do futuro

Para os ideais

Que inauguro.

 

 

784 - Fluir

 

Primeiro à energia do imo vais ligar-te,

Deixá-la fluir através de ti,

Um campo de energia visualizá-la a formar-te

Precedendo-te em redor, em cada agora, cada aqui.

 

Teu campo de energia trata após de focar

De forma a aumentar teu fluir vital,

Em expectativa te mantendo, em alerta a esperar

Cada sinal.

 

A seguir,

Para aumentar doutrem os níveis de energia

Prepara teu campo para de ti sair,

Irradia!

 

Quando teu campo a outrem chega desta forma,

Ele sente o impacto da clareza, da intuição

E vai retribuir-te, por norma,

Com a mais iluminada informação.

 

Afinal,

É apenas ir, ir, ir

Na infinita espiral

A subir.

 

 

785 - Conversão

 

De conversão interior a experiência,

As vivências iluminadas e devotas deveras

(De judeus, cristãos, budistas,

Muçulmanos, hinduístas…)

São o mesmo, na essência,

Em todos, em todas as eras.

 

Destaca apenas cada religião

Pendores diferentes

Desta mística interacção

Com Deus em múltiplas vertentes.

 

As orientais destacam o efeito

Sobre a própria consciência,

De leveza a vivência

Do que a levitar é atreito,

 

O sentimento de união

Com o Universo, o Infinito,

Dos desejos do ego a libertação,

Um distanciamento, quando de tudo me desquito.

 

O Islão

Sublinha o sentimento de unidade

Na vivência com os outros da partilha

E o poder da actividade

Quando em grupo se desenvencilha.

 

O Judaísmo a importância da tradição

Releva baseada naquela ligação,

A vivência de sentir-se escolhido

E de cada homem erguido

Ser responsável por fazer avançar

Dia a dia, semana a semana,

A semente

Eternamente

A germinar

Da espiritualidade humana.

 

O cristão prefere a ideia

De o espírito se manifestar no ser humano

Não só como a consciência, em maré cheia,

De ser parte de Deus donde eu emano,

 

Mas também como um Eu Superior,

Versão aumentada do que somos,

Mais completa, capaz, com mais fulgor,

Com orientação e sabedoria interior

A levar-nos a agir, tal se nos pomos

 

A Deus disponíveis sem escolhos

E Ele esteja a ver por nossos olhos.

 

O que sublinhar importa

É a vivência da ligação,

Não as diferenças que comporta

A humana condição.

 

 

786 - Falta

 

O que falta à maioria

Dos crescidos para crescerem

É reaprenderem

A escutar e comover-se, dia a dia:

 

É que inventem

Uns para os outros se moverem

Através daquilo que sentem.

 

 

787 - Desafio

 

O maior desafio da educação

É crescer para além de nossos pais,

Deles pela mão,

O que, em rigor, é aquilo de que, tenazes,

Mais

Desejarão

Que sejamos capazes.

 

 

788 - Talvez

 

Talvez cada qual ande ligado

Por uma corda forte

Dele ao melhor dado.

 

Se de quem devera ser demais se afastar,

Se perder o norte,

Da vida a estrela polar,

 

Pode sempre utilizar a corda

Para voltar atrás,

Retomar a pegada originária da horda.

 

É fácil perdermo-nos entre tanta distracção

E, quão mais novo, mais fugaz,

Mas também mais perto de mim à mão.

 

Afinal, não durou muito o tempo maninho

A afastar-me do caminho.

 

Quanto mais rápido regredir,

Maior a garantia de progredir.

 

 

789 - Frágil

 

A vida é frágil e temporária,

Nuvem que vemos um momento,

Logo varrida pelo vento

Em correria vária.

 

Usa o tempo que te foi dado

Para deixares indelével impressão,

O bem germina por todo o lado,

À mão e em contra-mão.

 

Não o desperdices

Mesmo quando te alcança

Com sovinices

De violência e de vingança.

 

 

790 - Bens

 

Desinteressado

Do que a comunidade entende por sucesso,

Acabo desligado

Do processo

E dos sinais

Dos bens materiais.

 

A medida

Em que enfim repoisas:

- A vida é para ser vivida,

Não vivo para ter coisas.

 

 

791 - Empenhamento

 

Da vida a bagagem

Uma evidência

Te põe à mão:

A viagem

É uma experiência,

Não uma lição.

 

Para aquela nesta derivar

Muito empenhamento haverá que suar.

 

 

792 - Migalhas

 

É melhor por ti mesmo descobrir,

As palavras apenas podem ensinar

Migalhas de teu saber ou intuir.

Vais aprender bem mais rapidamente

Se empenhares todos os recursos

A te orientar,

Prudente,

Em teus próprios percursos.

 

Os doutrem, no que ameiam,

No que pontificam,

Apenas de ti te alheiam,

Não te plenificam.

 

A paz

Contigo

Apenas encontrarás

Quando abrires teu postigo

Ao que és no que serás.

 

 

793 - Endurece

 

O coração endurece, o coração,

Da natureza quando se desgarra:

Desrespeita a terra do pão,

O ser vivo que desamarra,

E, por fim, calca também

O homem, pelo mundo além.

 

E nada

Vai poder parar esta escalada,

A não ser a conversão

(Que entretanto despreza)

De aconchegar o coração

No colo terno da natureza.

 

 

794 - Viverei

 

A perfeição é um sonho,

É esforço a realidade:

No real onde os braços proponho

Viverei minha vida de verdade.

 

Não viverei no mundo

Duma fantasia que me degrade,

Infecundo,

Por muito que me agrade

Da feérica falsidade

O encantamento jucundo.

 

 

795 - Semeia

 

Letargia

Semeia insatisfação.

Planear, trabalhar a minha via,

Atingir metas em meu torrão,

Leva-me a bem me sentir

Relativamente a meu porvir.

 

Serei feliz

Porque os objectivos que determinar

Nunca me permitirão, de raiz,

Obcecado ficar

Com os pendores que houver negativos

De minha vida nos arquivos.

 

 

796 - Árduo

 

O árduo labor,

A vitória e a derrota

Ajudam, de conjunto no teor,

A atingir das metas a altura da cota.

 

O objectivo é para ser fruído

Enquanto laboro para o atingir

E não apenas quando ser bem sucedido

Acaso eu conseguir.

 

Eis uma radical matriz

De ser feliz.

 

 

797 - Optimismo

 

Não temo que o porvir

Não devenha realidade,

Que o optimismo é minha estrela a tremeluzir

Da noite na opacidade.

 

Sempre que navegar

Nas águas agitadas da procela,

Olharei confiante para a estrela

E saberei que irei chegar

A bom porto, com aprumo,

Se mantiver o meu rumo.

 

 

798 - Batem

 

Todos somos confrontados

Com dificuldades.

Porém, os felizes são dotados

De faculdades

Que a todo e qualquer lugar

Os irão adaptar.

 

Quando uma tartaruga

Atravessa uma mesa,

O passo não estuga

Se uma pancada lhe pesa,

Antes, depressa,

Na concha esconde a cabeça.

 

É a atitude indevida

Da maioria, em cada jornada:

Não se adaptam à vida,

Batem em retirada.

 

 

799 - Forte

 

Não terei de receber

Tudo o que quero para ser feliz,

Porque bastante forte hei-de ser

Para adaptar-me à vida sem o que dela quis.

Minha felicidade

É de minha inteira responsabilidade.

 

Não depende do que acontece,

Mas, ao invés,

Do modo como observo os ventos da messe

E me adapto dos problemas ao revés.

 

Poderei tirar o melhor partido

De cada conjuntura,

Que é inteiramente a mim devido

O que dela se apura.

 

 

800 - Confinado

 

Seria feliz com mais amigos,

Se fora muito popular,

Se contara com estes mil postigos,

Para pelas vidas fora navegar?

Assim, fico muito sozinho

Dum bom lar confinado ao ninho?

 

Mas ter amigos não tem nada

A ver com ser feliz,

Excepto que ser feliz atrai uma fornada

De amigos a quem viver com tal matiz.

 

 

801 - Deixando-me

 

Ao sol obedecendo,

A lua observando,

As plantas imitando,

Deixando-me levar pelo vento, tremendo,

Descubro de mim próprio a sensação fugaz

Que cria ser apenas interior

E não, afinal, como deveras faz,

Compor

De raiz o mundo falaz.

 

 

802 - Escravizar-me

 

Não devo escravizar-me a nada,

Nem à minha filosofia de vida,

Nem ao meu itinerário espiritual.

Mais vale

Presenciar o que ocorre a cada jornada

Que deixar-me absorver

Pela camisa de forças urdida

Pelas ideias e crenças que tiver.

 

Meu sim ao caminho

É um não às algemas que nele adivinho.

 

 

803 - Ajuda

 

A natureza contactar

Ajuda a simplificar.

 

A própria natureza,

Embora complexa, preza

 

Manter-nos sintonizados

Com ritmos e prazeres fundo enraizados

 

Que nunca mudam

E que proporcionam, de vez,

Quando se nos grudam,

Solidez.

 

 

804 - Prudente

 

Se lograr alguma sabedoria,

Jamais limitarei meus actos

Ao que prudente se me afiguraria

Em detrimento, afinal,

Do amor, da paixão e dos desacatos

Duma ou outra loucura ocasional.

 

Qualquer sábio será sempre um pouco

Um sábio louco.

 

 

805 - Dúvidas

 

Quando responderes

A tuas dúvidas sobre a morte,

Terás respondido, sem o veres,

Às perguntas que tiveres

Sobre a vida e dela o norte.

 

 

806 - Mudar

 

Podes mudar tua perspectiva

Em qualquer conjuntura

Mudando tua mente objectiva

Quanto ao modo como a configura.

 

O que queres ver podes sempre decidir

E, tendo posto isto lá,

Vai ser isto, a seguir,

Que lá se encontrará.

 

 

807 - Escolhes

 

Se paras de tentar

Decidir o que fazer

E escolhes, a principiar,

O que desejas ser,

 

Então os dilemas

Dissolvem-se de repente

E das respostas os esquemas

Brotam, por magia, à tua frente.

 

 

808 - Contínuo

 

Pelo contínuo do tempo-espaço

Perambulo de passagem

Para meu Eu conhecer, passo a passo,

E para o experienciar durante a viagem.

 

E para depois recriar este Eu do nada,

De raiz,

Em minha jornada

De aprendiz,

Na próxima imensa versão

Da maior visão

Que alcançar, em meu canhestro voo,

De quem realmente sou.

 

 

809 - Actos

 

Os actos são teu derradeiro patamar,

Muitas vezes o que vem

Após o pensamento.

São tua tentativa de materializar

O que, conceptualizado, te devém

Linguagem do corpo em movimento.

 

No momento,

Porém,

Em que puseres o sentimento

Em palavras

E as palavras em acção,

Pode o afecto já muito ter perdido pelas lavras

Com a tradução.

 

Sê mui cuidadoso, portanto,

Com o movimento que tentas,

Se é que, deveras sábio, entretanto,

Chegue a ocorrer que te movimentas.

 

 

810 - Cuidam

 

Muitos cuidam por outrem fazer

O que, afinal, por si fazem.

Não é questão de querer ou não querer,

É o que todas as vidas nos trazem:

Todos fazemos por igual

Tudo para nós próprios, afinal.

 

Quando entenderes isto, deste, de repente,

Um passo em frente.

E, quando entenderes que se deve aplicar

À própria morte,

Deixarás de a recear.

Viverás a vida pleno e forte,

Pioneiro,

Até ao instante derradeiro.

 

 

811 - Germina

 

Todo o pensamento, palavra e acto

É criativo, germina em facto.

 

Do núcleo de teu ser qualquer energia

Libertada te recria,

 

Bem como toda a tua realidade,

De raiz, na factualidade.

 

E tu estás a ser mudado

Para o porvir correndo do passado.

 

Teu futuro é produzido

Em pequenos incrementos,

Não em grandes passos induzido,

Nem grandes decisões conforme os ventos.

 

Ao pequeno incremento

É que tens de andar atento.

 

Se assim fizeres,

O grande momento, a decisão monumental,

Deles próprios tratarão, sem o nem veres,

Da vida em qualquer estrada real.

 

 

812 - Cria

 

A maneira como olhamos

Cria o modo como vemos,

Não temos

Objectivos reclamos.

 

Se como vítima te olhares,

Como tal te verás, ante estranhos e pares,

 

Se te olhas como vilão,

Como vilão te verás, rasteiro ao chão.

 

Se te encaras como participante

Na teia da criação,

É como te verás daí por diante.

 

Se tomas de tua vida qualquer evento,

Incluindo a morte,

Como um dom,

Vê-lo-ás como um dom: é um tesoiro, um portento

De sorte,

Varinha de condão

A que poderás sempre recorrer com a magia

De te conduzir à alegria.

 

Se qualquer evento, ao invés,

A morte incluída,

Como uma tragédia vês

Que te enoitece a vida,

Para sempre acabarás num lamento

E não receberás dali senão sofrimento.

 

De ti depende, portanto,

Escolher entre a alegria e o pranto.

 

 

813 - Conseguir

 

Se conseguir olhar a morte

Como dádiva e não como tragédia,

Então não há nada na vida,

Nem as mortes pequenas ao acaso da sorte,

Que não possa ver como prendas, em seguida.

 

Até das maldades a comédia

De que fui eu próprio vítima também

Ou com que vitimei alguém.

 

Então deixa de haver sofrimento

Para mim e para os mais

Naquele momento,

Restam apenas de dor inermes sinais.

 

Quando aprender a viver bem

Com as minhas mortes todas,

Permito que os outros vivam também

As deles com novas codas.

 

Grandes ou pequenas,

Todas mudam de refrão na romaria das verbenas.

 

 

814 - Creres

 

Se não creres em Deus

E sem creres na morte entrares,

Deus estará lá, mas sem o veres,

Como ocorreu durante a vida em teus lugares.

Que Deus está presente terás de saber

Para presente senti-Lo poder.

 

Se quem olhar uma flor

Souber que ali Deus está,

Deus ali verá.

Se assim não for

Apenas verá uma flor.

 

Até pode, na terra maninha,

Mais não ver que uma erva daninha.

 

Quem olhos nos olhos alguém olha

E entende que ali Deus está,

Deus ali verá.

Se assim não for,

Não verá, na outra escolha,

(E não pode haver engano)

Senão mais um ser humano,

Porventura um malfeitor.

 

Se a ti próprio olhares nos olhos

Ao espelho

E entenderes que, sem escolhos,

Veraz,

Ali Deus está, para teu conselho,

Ali Deus verás.

 

Se assim não for,

Não verás senão alguém

A se propor

Entender quem

Ali porventura está

E acabas por ver alguém

Que, para já,

Nenhuma resposta

Tem

À pergunta posta.

 

 

815 - Duas

 

A diferença

Entre duas chuvadas,

Em minha vivência,

Vem do modo como forem encaradas:

Cada sentença

Revela-me aos mais em íntima fulgência.

Num caso ia de fato

A uma reunião?

A chuva foi um desacato,

Pôs-me em questão,

Intolerável intromissão

No caminho que apenas eu ato e desato.

 

Noutro caso,

De roupas informais vestido,

Sem hora marcada

Para nada,

Da chuva o imprevisto atraso

Foi deveras divertido.

 

Quem cria, assim,

Um ou outro ponto de vista tão diferente?

Eu, naturalmente:

- Tudo vem de mim.

 

 

816 - Centro

 

O que pensas, dizes e fazes envia

Do centro de teu ser

Uma vibração, uma energia,

Uma força qualquer.

 

Teus pensamentos, mesmo comedidos,

São vibrações,

Podem ser medidos

Em eléctricas tensões.

 

Tuas palavras vibram, reais,

Tuas cordas vocais.

 

Teus actos são

Uma vibração

 

De teu corpo dirigido

Em determinado sentido.

 

Estas vibrações

Formam particulares padrões

E obtêm frequências particulares

E todas estas flutuações

Singulares

Produzem perturbações,

Em seguida,

De energia nos padrões

Da própria vida.

 

São movimentos padronizados e variáveis

Das supercordas invisíveis

E são estas vibrações mutáveis,

Do Cosmos nos alicerces imprescindíveis,

Que produzem, verificável,

Uma matéria física variável.

 

É a alquimia da vida.

Podes modificar-lhe a frequência

Com o que pensas, dizes ou fazes,

Produzindo, nesta medida,

Mudas na energia que és tu, na tua experiência,

Que é a que emites, para o mundo trazes.

 

E eis como, ao fazer-te,

A todos e a tudo, solerte,

Nos fazes.

 

 

817 - Mentalidades

 

Toma a precaução

De evitar

Que as mentalidades possam ficar

Com a impressão

De que a iluminação

Está fora delas,

Pelo que terão

De trepar às estrelas,

Dirigir-se a algum lugar,

A alguém

Em quem

Farão apostas,

Em busca de respostas.

 

Cuidado para não criar

Conjunturas em que te possam invejar

 

Por teres encontrado uma via

Para a sabedoria,

 

Senão vão querer que lhes mostres o caminho,

O que seria terreno maninho

E, mais que desgostoso,

Perigoso.

 

No dia em que alguém acreditar

Que acedes às respostas de Deus

A que ele não logra chegar,

Tornar-te-ás para ele, para ti, para os céus,

 

Perigoso:

Far-te-ás logo por Deus passar,

Tenebroso,

E, dogmático, em lugar da salvação,

Trarás a guerra santa, a cruzada,

O anátema, todo um cortejo de danada

Destruição.

 

Cabe-te a ti tudo fazer

Para assegurar

Que os outros não irão pensar

Aquilo de ti nem de quenquer.

 

Farás bem em não permitir, nem aos que restem,

Que muita atenção te prestem.

 

Desvia de ti a ideia,

Venha donde vier,

De que tens um conhecimento especial

Dos fios da teia

Divinal.

 

Elimina da mente de quenquer

Da crença os sinais,

O juízo que a ele o repele,

De que és mais especial, de que és mais

Do que ele.

 

 

818 - Precisar

 

Se eu deveras compreender

E não precisar, repetidamente,

De voltar a ter

A conversa acerca do que em mente

Creio que já sei,

E se tal confirmo que é saber de lei,

Então, da noite para o dia,

Tudo mudaria.

 

Primeiro, jamais haveria

Pensamentos negativos em minha via.

 

Em segundo lugar,

Se algum se lograra insinuar,

 

Imediatamente

O retiraria da mente,

 

Sem medidas meias,

Mudaria de ideias.

 

Terceiro, começaria,

Para além de entender quem realmente sou,

A honrá-lo e mostrá-lo, afastar-me-ia

Do que sei que me lesionou,

Achego-me do que então

Me experiencia

Como medida de minha evolução.

 

Quarto, gostarei plenamente

De mim como semente.

 

Quinto, os outros amarei

Tal como são e os sei.

 

Sexto, amarei a vida com fé

No que, no fundo, é.

 

Sétimo, perdoarei, clemente,

A toda a gente.

 

Oitavo, jamais magoaria deliberadamente

Outrem, emocional ou fisicamente,

 

E muito menos se a decisão se tome

De Deus em nome.

 

Nono, não voltaria a lamentar

A morte de ninguém,

Mas apenas a perda, em seu lugar,

Do ente querido que segue para além.

 

Décimo, não temia

De minha morte o dia,

 

Nem por um instante

Hesitante.

 

Décimo primeiro, viveria

Que tudo são vibrações

E prestaria

Cuidados e atenções

A roupas, alimentos,

Ao que vejo, ouço ou leio

E aos instrumentos

De aço

Com que a vida tenteio:

O que penso, digo e faço.

 

Décimo segundo, ajustaria

À da vida a minha própria energia,

Sempre que em consonância

A não via,

Nalguma instância,

Com o mais elevado conhecimento

De quem, no fundo, sou, a cada momento.

 

 

819 - Desapontamento

 

Quando nada corre como desejava

E tinha planeado,

Posso ler o desapontamento que me trava

Como um despertar, ameado

Pelo ambiente mundo,

Para um desígnio mais profundo.

 

 

820 - Privado

 

Privado o espírito parece

Da faculdade do riso.

Severo, sincero e concentrado tanto se entretece

Que de humor o sentido preciso

 

Surge como algo de estranho,

De quase criminoso com o arreganho.

 

Ora, de alma o humor irriga e suaviza

A vida espiritual

Que suportável doravante desliza,

Faceira e sensual.

 

A gentil alma lubrifica

As engrenagens a que o espírito se aplica.

 

 

821 - Épocas

 

Temos músicas nós todos e as ligamos

A épocas especiais

E com elas celebramos

De alma as estações sacrais.

 

A ignorar poderíamos aprender

Nossos relógios, para encontrar

Modos mais imaginativos de assinalar,

Sagrados, do tempo esta passagem a correr.

 

 

822 - Mistério

 

Os que são capazes de dar

Com generosidade

Valoram o mistério que andam a proclamar

Os monges há uma eternidade:

As grandes riquezas se destinam e aplicam

Aos que delas abdicam.

 

Para ser compensadora e completa,

A riqueza

Implica a dieta

Dum certo tipo de pobreza.

 

 

823 - Afastar-me

 

Afastar-me da vida quotidiana,

Embrenhar-me na reflexão,

Partir para longe da acção,

Romper a rotina diária que me empana

 

É meu monástico afastamento, cuja pregnância

Me fica apenas a um mero passeio de distância:

 

Recobro no campo, no pinhal, a energia

Que me esgota cada dia.

 

 

824 - Implicados

 

Quanto mais implicados no mundo material,

Mais espirituais seremos,

Quanto mais despertos para o pendor espiritual,

Mais generosos nos envolvemos

Na material existência.

 

Se um deles negligenciar,

O outro, a par,

Sofrerá a consequência.

 

 

825 - Fará

 

Qualquer árvore podemos plantar

E as vezes fará duma floresta,

E cuidar dum jardim que seja

A terra firme que o imo almeja.

 

Podemos elevar

Como íntima festa

O lazer e as lides do lar,

Tornados nosso labor mais importante,

 

E o esforço para ganhar a vida,

Esgotante,

Transformar

Num sumário

Mero empenhamento secundário.

 

A filosofia capitalista

De laborar a troco dum salário

Ou para o bem-estar do accionista

Pode promover a amputação do laicismo,

Cortando-me os laços ao sonho, ao colo dos avós,

Do imo ao insondável abismo,

E pode então não permitir a ninguém

Distinguir o além

Próximo de nós.

 

 

826 - Contrário

 

Do ponto de vista divino,

Das coisas a verdade

É muitas vezes o contrário de nosso tino,

Do que nos persuade.

 

A sabedoria espiritual

Com frequência

Contradiz, total,

A laica prudência.

 

Se os ditames invertermos

Da convencional sabedoria

Talvez distingamos uma via

Para qualquer alma respirar em termos.

 

 

827 - Saberes

 

Os saberes antigos

Têm valor inestimável

Mas da revisão requerem os postigos

Para rígidos não devirem

No mundo variável

Onde subsistirem.

 

A imaginação

Visa manter a frescura

Dos velhos pensamentos

Por meio da reflexão,

Da cura

Por reinterpretação perante os novos ventos

E da final reapresentação.

 

Eis como finalmente configura

Para um mundo novo uma nova figura.

 

 

828 - Inviáveis

 

Êxito e felicidade

Inviáveis devirão

Ainda antes que nos grade

O chão

A permanente cotovelada

Da morte negregada.

Sobreviver à mortificação

Garante a vitalidade

E de regresso à vida promete

Nosso bilhete.

 

 

829 - Veneram

 

Querem tornar-se alguém

E veneram de forma desproporcionada

O super-homem que advém

Algures, na estrada.

 

Ora, o segredo é que cada um de nós

É alguém desde o nascimento.

O alguém singular que do imo ata os nós,

Com que nascemos desde o primeiro momento,

Devemo-lo a cada qual

Ter alma, ter um íntimo radical.

 

À partida, nem tábua rasa,

Nem ardósia em branco.

Somos gente a quem apraza,

A quem agrade

Assentar no banco

Da vivência da própria individualidade,

Oferecida,

Dure o que durar,

Durante uma vida

Para a sofrer e gozar.

 

Hoje em dia

Esquecemo-nos da frágil alma,

Todavia,

Que da personalidade é a fonte

Discreta e calma,

Dela no inescrutável horizonte.

 

Vemo-nos, ao nascer,

Como garrafas vazias,

Limpas, sem estrias,

À espera que as venham encher.

 

Tal me vendo,

Como ser o que em mim surpreendo?

 

 

830 - Narrativas

 

Sempre que as histórias

À reflexão põem termo

E a mais narrativas e memórias,

São defesas dum enfermo.

 

Da boa história o interesse

É o de ponto de partida

Para outras histórias, em quermesse,

E para reflexões mais profundas,

Em seguida,

Lavrando leiras nos dias mais fecundas,

Lavrando a vida.

 

 

831 - Atitude

 

Para lidar da abismal

Alma com os anseios

Mais eficazes são da poética os meios

Que a atitude racional.

 

Mais que a informação

Orienta-nos a sabedoria:

A paciência que requereria

Familiarizar-nos de alma com a função,

 

Em lugar da impaciência que leva

A curas ou ideologias de treva,

 

Com a pressa

Às autenticidades avessa.

 

Importa de nosso imo não fugir,

Confinados ao exterior da pele,

Mas de nele levar tudo a confluir,

De nos fundirmos com ele.

 

 

832 - Acontecem

 

Acontecem os eventos

E nem sequer

Há quaisquer intentos

De os levar a acontecer.

 

Envolvemo-nos em conjunturas

De que podemos tentar apoderar-nos

Mas que à posse resistem, livres e puras:

Tudo ocorre espontaneamente, sem ligar-nos.

 

Abdicar da satisfação,

Típica do ego,

De ocupar o centro de acção

É uma maneira pura, em sossego,

De meramente ser.

 

A ideia, porém, de existir na eternidade agora,

De apenas com o que é lidar e se entreter,

Acaba apenas por nos distrair, na demora,

Do que poderia ser.

 

Ao adiar-nos, porém, não nos adiamos,

Germinam em nós os botões dos verdadeiros ramos.

 

 

833 - Abdicar

 

É porventura melhor

Abdicar totalmente da esperteza:

Pensar correcto não nos vem propor

A parte alguma levar-nos com presteza.

 

A esperteza na vida, nestes termos,

Apenas nos impede de a vivermos.

 

O que subjaz à afirmação

De que quero viver só no presente

É muitas vezes, porém, a intenção

De evitar da vida a complexidade premente.

Paradoxalmente,

A ideia do que é escolhendo,

Com êxito evitamos, após,

Estoutro que-é que nos vai sendo

E vislumbramos evidenciando-se ante nós.

 

A escolha da via certa, na verdade,

Acaba assim pejada de ambiguidade.

 

 

834 - Esvaziamento

 

Precisamos de ser roubados

Para ter alma

E este esvaziamento de campos e gramados

Requer de nosso lado a calma

E o conluio no furto,

Alguma negligência em nossas defesas,

Alguma distracção

No surto

Do que for nossa intenção,

Algum abandono das presas…

 

De nada serve o artificial alerta

De manter a porta entreaberta.

 

A atitude tem de provir, macia,

Dum espírito distraído,

De quem não se preocupa em demasia

Em defender-se, tenso e contido,

A ponto de o roubo então ser

Impossível de ocorrer.

 

Então o roubo ocorrerá

E qualquer alma no vazio

Restará

Presa do outro lado pelo fio.

 

Acolhe em paz da infinidade

A desconcertante vontade.

 

 

835 - Papel

 

Meu papel é deixar livre o caminho,

Autorizar das profundezas a entrada.

Importa aprender a defender o cadinho,

Para não ser por inteiro desperdiçada

A caminhada

Pela desordem dos sentimentos,

Pelas abundantes potencialidades

Do amor e da vida.

Mas não temos de isolar os fermentos

Na masseira comedida

Das criatividades:

Basta não fechar a porta deserta

Ou deixar uma janela entreaberta.

 

 

836 - Implantada

 

A ordem implantada é precisa

E requer protecção.

Porém, a defesa arreigada é morbosa

E não é o mesmo, não,

Que defender a praça

Quando presente uma ameaça.

 

É um hábito neurótico a primeira

E, ao invés, persuade

A derradeira

A mantermos a sanidade.

 

 

837 - Ingénuos

 

Ingénuos nascemos

Mas devir podemos inocentes,

Que a inocência é atingível.

No caminho, entrementes,

Talvez passemos

Pela fase redimível

Em que nos sentimos culpados

Ou pelo mal atraídos e encantados.

 

Dos pusilânimes a grade

Não lavra a inocência com facilidade.

Com coragem

Familiarizamo-nos o bastante com a vida

Para fazer escolhas

Que encorajam para a inocência a viagem,

Evitando, em igual medida,

A ingenuidade ou o cinismo nas recolhas.

E, em nossa secreta, íntima ermida,

Vai a promessa ficando cumprida.

 

 

838 - Neuroses

 

Nossas neuroses são, de entrada,

Matéria-prima desviante

Com que pode ser talhada

Uma personalidade interessante.

Apesar de ocasionalmente perigosa

E debilitante,

Não deixa de ser valiosa.

 

É da débil alma material basilar

A requerer, congruente,

A par,

Refinamento permanente.

Trabalhar

Estes incómodos e enfadonhos materiais

A vida inteira

É tarefa realista se a comparais

Com a busca parceira,

A da psicológica higiene:

Ver-se livre do fracasso e confusão

Em que, em vão,

Interminável se pene.

 

Esta do pescoço

A corda desaperta;

Aquela do fosso

Nos liberta!

 

 

839 - Horizonte

 

Fazer o que é prudente

Pode impedir

De seguir

Nossas paixões até ao mundo em frente.

 

Pode dominar

A intuição

E dar

A ilusão

De estarmos sendo virtuosos

Quando a vida me pede que mude,

Que explore territórios tenebrosos

Para além do horizonte da pretensa virtude.

 

 

840 - Segura

 

Na vida, alguma firme orientação

Pode ser oriunda de fontes hostis

À intelecção:

Desejos, interesses, medos servis,

Fantasias, intuições,

Inclinações

E até, porque não,

Adivinhação…

 

Talvez logremos melhor escolha

Ignorando o que andamos a fazer,

Em vez de nos iludirmos registando na folha

Que estamos a ser

Conscientes

E muito, muito inteligentes.

 

 

841 - Agentes

 

Qualquer alma é uma comunidade

De agentes interiores,

Qualquer deles com a faculdade

De liderar caminhos e humores.

 

O ego é um deles, mas, a bem do porvir,

Talvez não deva ser sempre ele a conduzir.

 

Um bom bailarino

Deixa-se pela música dominar,

Absorve-se na harmonia da valsa ou do hino,

Obedece aos materiais que pode usar.

 

O segredo duma vida em alma baseada

É permitir que um íntimo agente,

Do usual diferente,

Assuma a liderança, deste fora da alçada.

 

 

842 - Ceder

 

Ceder a um devaneio

Ou recordação

Pode ser um meio

Divergente

De implicação

No presente.

 

Divagar pode conduzir

Directamente

Ao imediato do momento que surgir,

Porventura centrado, a outros níveis,

Em dados invisíveis.

 

Virado para dentro,

Posso estar por inteiro presente,

No centro,

E, ao invés, estar completamente

Acordado para a vida

Pode ser a distracção descomedida

E, para a flébil alma, o abono

Duma espécie de sono.

 

 

843 - Música

 

Da música afastados de nossa vida,

Suportamos o dia-a-dia

Com ansiedade existencial,

A elidida

Melodia

Germina nosso mal.

 

Com o passado nos preocupamos,

Embora ausente,

E o futuro antecipamos,

Negligenciando, entretanto, o presente.

 

Se olhar o passado sem criticismo

E rumar calmo ao futuro,

Em vez de saltar de abismo em abismo,

Auguro

Que talvez sinta de meu imo a vitalidade parca

Que, afinal, tudo abarca.

 

 

844 - Perenemente

 

Quando qualquer alma perenemente criativa

É autorizada a erguer-se da profundeza esquisita

Do reservatório de vida onde habita,

Tornamo-nos imprevisíveis,

À estreita expectativa

Irredutíveis

Acerca do que quenquer

Deve ser.

De alma por vitalidade impelidos,

Excêntricos nos tornamos.

Nossa loucura construtiva

Molda-nos os gestos revolvidos

E dela nos moldamos

Duma maneira que nem sequer

Teríamos podido planear nem conceber.

 

 

845 - Suprimida

 

Suprimida a vitalidade intensa do imo,

Perdido o contacto com o si-próprio original,

Cairemos numa depressão sem arrimo

Que não é meramente individual

Mas reflecte a incapacidade

Da comunidade

Mundial,

Embora empreste aos indivíduos todo o elogio,

De vencer o desafio

De apoiar e acalentar

A inesgotável potencialidade

Duma vida humana a germinar.

 

De mil maneiras subtis,

Na educação, na política,

Na economia, no trabalho,

Sem crítica,

Servis

Aos preconceitos do que valho e não valho,

Exigimos de homens e mulheres

Que troquem desejos e alegria

Por êxito económico de teres e haveres,

Por aprovação social de fantasia.

 

Semeamos a depressão,

A doença emocional

Que caracteriza hoje em dia o chão

De nosso tempo real.

 

 

846 - Definida

 

Da divindade a perspectiva

Definida pode ser

Como aquilo que se esquiva,

Contrário se há-de manter

Às intenções humanas,

À mui séria, ponderada perspectiva

E decorosa em que vivemos, sem praganas.

 

No espírito penetramos

Mais profundamente

Quando consciência tomamos

Da loucura remanescente

Que dentro de nós habita.

 

E quem afirmar hesita

Que isto não seja, afinal,

Uma renovação baptismal?

 

 

847 - Simplificar

 

Simplificar o externo pendor

Permite-nos cultivar

Uma vida interior

Mais rica e singular.

 

Uma carreira sobrecarregada

Pode manter-nos ocupados

Mas a azáfama não quer

Dizer nada,

Nem sequer

Que estejamos plenamente empenhados

No que andamos a fazer.

 

É o contrário, no geral:

Sentimo-nos ocupados, afinal,

Por nos afadigarmos neuroticamente

Com o que, a longo prazo,

Pouco importa, olhado de frente

Acaso.

 

De pouco serve ser bem sucedido

No que requer labor esgotante

Cada dia perdido

Se, adiante,

Da vida doméstica o simples prazer

Negligenciado se houver.

 

Uma personalidade rica

Pode simplificar a vida e descobrir,

Na simplicidade com que fica,

Uma pertinente

Articulação de valores a progredir.

As vidas complicadas é frequente

Desembocarem num oposto infecundo:

Mostram a que ponto tanta vida

Anda perdida

Na azáfama do mundo.

 

 

848 - Existencial

 

Em nossa existencial ansiedade,

De não nos conhecermos

Preocupamo-nos com a possibilidade,

De não compreendermos

Por inteiro a natureza,

De o filho que se preza

Crescer sem a competência requerida

Ao êxito na vida.

 

Vemo-nos obrigados a dominar

A obra de momento

Popular,

A descobrir um mestre extraordinário,

Uma escola de pensamenro

Valetudinário…

 

Apostamos em novas teorias

E de aprendizagem tecnologias,

 

Tanto melhores

Quanto com mais electrónicos detectores.

 

Contudo,

Nestas idades

De tudo

A correr,

Somos incapazes de satisfazer

As básicas necessidades:

Manter o casamento,

Crias filhos tranquilos,

Viver em bairros seguros a qualquer momento,

Num labor feliz trautear trilos.

 

 

849 - Primitivos

 

Os primitivos actuais

Veneram ciclos da natureza,

Das comunidades ou individuais

Com o fervor com que o resto do mundo preza

O pessoal desenvolvimento

E o económico crescimento.

 

Às teorias da expansão, como alternativa,

É provável que qualquer alma encontre a via,

Não indo, esquiva,

A parte nenhuma que a chamaria.

 

O movimento circular da natureza,

Interior e exterior,

É porventura a maneira melhor

De descobrir nosso ser em cada empresa.

 

Melhor nos poderemos conhecer

E de nossa natureza ficar mais perto

Ao venerar estes ciclos, ao redor e em quenquer,

Em vez de irmos perder-nos no deserto

Pulverulento

De filosofias românticas de crescimento.

 

Eu não cresço, sou,

Eu não mudo, limito-me a manifestar

Em cada diferente voo,

A matéria-prima com que nasci neste lugar.

 

No fundo de mim, em meu templo,

Eu não actuo, contemplo.

 

 

850 - Absoluto

 

O desejo de ser normal

Não é problema,

Mas antes tomá-lo por lema

Absoluto e final.

 

Ao mundo que nos rodeia

Dever-nos-emos adaptar

Como viver na colmeia

De cada si-próprio singular.

 

Aspirar à normalidade

Oculta um desejo mais fundo:

Evitar o peso da individualidade,

Consumar o ideal

Da plenitude individual

No mundo

A que pertencemos

E de que participemos.

 

O que de normalidade

Não tem nada, de verdade.

 

 

851 - Importe

 

Talvez importe mais estar desperto

Que ser bem sucedido, equilibrado ou saudável,

Ter um imaginário vivo e aberto,

Prestável,

 

Reagir honesta e corajosamente

Às oportunidades em frente,

 

Evitar a tentação de seguir, definitivos,

Meros hábitos ou valores colectivos.

 

Indivíduos é sermos com frontalidade,

A todo o momento manifestando

A originalidade

De quem somos, ao fogo ou em lume brando.

 

Forma suprema de criatividade,

É viver do que me fecunda:

Minha fértil alma profunda.

 

 

852 - Ideal

 

Nosso ideal de indivíduo perfeito

É do bem adaptado, criativo,

Que a paixão não destruiu de nenhum jeito,

Que a dependência não deixou de manter, vivo,

E que é bem sucedido, em pleno,

Por qualquer padrão terreno.

 

Há, porém, outro ideal,

O de quem não se agarra, persistente,

A valores colectivos, seu fanal,

Inconsciente.

Quem assim for compreende

Que do ego a satisfação

Que o êxito, a auto-estima subentende

Não traz

A paz

Nem a libertação

Do desejo que nos atormente

Mais profundamente.

 

O desperto sabe que a sintonia

Com ele próprio e suas leis,

(Que não é independente dos anéis

Com a comunidade e mundo natural)

É a melhor via

Para a felicidade real.

 

 

853 - Rezem

 

Rezem, pode não resultar!

A oração é alternativa

Ao árduo labor que, a par,

Se impuser, de forma altiva,

Para obter

Aquilo que se quiser.

 

Eventualmente, acabamos

Por descobrir que o que queremos

Corresponde, tanto  quanto veremos,

Àquilo de que não precisamos.

 

Rezem, pois, e nada mais,

Não esperem algo nunca,

Não esperem mesmo nada.

De expectativas reais

A oração nos livra e junca

De cada dia nossa estrada

Com nova potencialidade:

Permite o aparecimento

Da sagrada vontade,

Da providência com seu intento,

De toda a resma

Da vida nela mesma.

 

Haverá melhor maneira

De compensar à medida

A canseira dispendida

Ou a não-canseira?

 

 

854 - Abdica

 

Quando o educador abdica da compaixão

Em prol de princípios, ambição, competição,

 

A frágil alma fica-lhe pulverizada

Por ânsia de vitória desajustada.

 

Quando de alguém a individualidade

É subjugada à generalidade

 

Dos princípios do todo,

O imo começa a diluir-se deste modo.

 

Os princípios, o futuro, então,

E o totalitarismo se instalam

No húmus do chão,

Cavando os abismos para onde resvalam.

De cuidar de alma quando se trata,

O mais difícil é aprender

Que nossa melhor e mais cara ambição desata,

Quando a persigo,

A ser

De mim próprio o pior inimigo.

 

 

855 - Acreditam

 

Crentes, seguidores, convertidos,

Os que acreditam no valor espiritual,

Correm o risco de tentar, descomedidos,

Que quantos os rodeiam, no final,

Sejam tão perfeitos

Como aquilo a que eles próprios são atreitos:

 

Urge este livro ler,

Ouvir aquele orador,

Ir a um lugar qualquer,

Devir isto ou aquilo com fervor…

 

O espírito, quando se apodera

Dum indivíduo a quem vença,

Impele-o, no que o altera,

A converter todos à própria crença.

 

Ao invés, a grácil alma refreia

A tendência de clonagem

De nossa própria veia,

Das línguas de fogo de nossa viagem.

 

O imo respeita a tentativa falhada

Doutrem na busca da perfeição,

A resistência alargada

Dele ao saber mais chão,

 

A ignorância total, na conduta,

Da verdade absoluta,

 

Os insensatos afectos vulneráveis,

Os labirintos inextricáveis…

 

Qualquer alma um prosélito converte

Num amigo tão brando

Que até por respeito hesita quando

Apenas me adverte.

 

 

856 - Confissão

 

Pouco importa pertencer a uma religião,

Ter uma confissão particular,

Mas antes ter na vida orientação

E uma participação nos mistérios dela singular.

 

Quenquer pode ser pagão

Ao afirmar a vida como totalidade,

Cristão,

Ao afirmar o amor em comunidade,

 

Judeu na afirmação

Do teor sagrado da família humana,

Budista na constatação

Do vazio que do imo emana,

 

Tauista afirmando

O paradoxo em qualquer área de meu comando…

 

- Todas as margens então concilio

No remanso de meu rio.

 

 

857 - Deter-nos

 

Ao vivermos uma vida melodiosa,

Imitando o canto,

Podemos deter-nos numa vivência gostosa,

Num recanto,

Num indivíduo ou recordação

E criar uma rapsódia na imaginação.

 

Uns gostam de meditar ou contemplar,

Preferem outros desenhar, construir,

Pintar ou dançar

E o motivo é que ousam

Ir

Por onde os olhos lhes pousam.

 

Viver por episódios, em caminhada sucessiva,

É uma vivência

Por excelência

Produtiva.

 

Ao determo-nos, porém,

Para usufruir

Da melodia que ao imo convém,

Daremos à fiel alma a razão de existir.

 

 

858 - Erguer-me

 

Ao erguer-me às primeiras horas do alvor

Tomo parte na glorificação

Da madrugada

E no estupor

Que dela retiro, em função

Do esplendor

De minha quotidiana jornada.

 

De fronteira neste lugar,

Entre os sonhos e a vida

No limiar,

Entre o sono e o despertar,

Entre as trevas e a luz do sol erguida,

Encontramos uma entrada especial

Para a ladeira do eterno, do espiritual.

 

É só um instante procurar

De espiritual maturação

E aos eflúvios dele abrir o coração.

 

 

859 - Leitura

 

Pratica o monge a leitura espiritual:

O livro não é fonte de informação,

Antes uma forma de oração.

E se lêramos nós, por igual,

Tal se uma prece rezáramos,

Se cada livro fora uma sacra escritura,

Quer se um romance manuseáramos,

Quer um científico tratado, quer a pura

Teológica reflexão

Ou qualquer ficção?

 

A mente libertar-se poderia

De alguma autoridade

E então menos influía

Na vida que invade,

O que permitiria

Ao coração

Um novo desenlace,

Que doutra reflexão

Se alimentasse:

A do pão

Da poesia.

 

É um livro o mundo:

Como desvendá-lo

Sem como informação apenas processá-lo,

Apenas meio fecundo,

Quando tem a virtude

De me abrir à plenitude?

 

 

860 - Peso

 

A religião deve caminhar

O peso do dogma e autoridade,

O do colectivo e da crença a atenuar,

Para dar prioridade

Ao recrudescer de rituais quotidianos,

Da poética teologia,

Do comprometimento social em mil e um planos,

Da contemplação que extasia,

Da procura da verdadeira palma:

- O sentido de alma.

 

O monasticismo,

Mais espírito doravante que instituição,

Contribuirá para a afirmação

De vida centrada em alma, cujo abismo

Convida a beleza e a cultura

A partilhar, com audácia,

Dum mundo que hoje configura

Apenas pragmatismo e eficácia.

 

 

861 - Descrever

 

Descrever podemos nosso desespero,

Pintá-lo, esboçá-lo num poema.

O sentimento de vazio considero

Que directamente atrema

Com a vacuidade da vida,

A individual que levamos,

Como a da cultura poluída

Em que vivamos.

 

Na depressão, parte do sofrimento

É da incapacidade

De a descrever em palavras de lógico pensamento,

Em imagens de objectividade.

 

Sendo algo de vago, sem significado,

Não sabemos dela o que fazer

Dado

Que o que é não sabemos sequer.

 

Se formos capazes de exprimir

As imagens do desespero e da tristeza,

Talvez o significado se vislumbre a seguir

Suportáveis devirão com certeza.

 

Precisamos então

De cumprir o desafio

Duma estética da depressão,

Duma qualquer arte do vazio.

 

 

862 - Pede-nos

 

Pede-nos a sabedoria,

Não só que não façamos,

Mas que deixemos que nos seja feito:

Permitir que a graça da magia

Penetre por entre nossos ramos,

Que a vontade de Deus seja o rio de meu leito.

 

Ser influenciado,

Permitir a mudança,

Deixar a vida acontecer

Com todo o inesperado

Que alcança,

Venha donde vier.

 

Querer mudar muitos afirmam,

Fazer as mudas que preferem,

E querer fazê-las confirmam

Da maneira que entenderem.

 

Do coração a muda vera, todavia,

Pode ir no rumo contrário

À nossa vontade e ao que a mente veria

Dela no afluente tributário.

 

Nem sempre logramos imaginar

O melhor modo

De mudar,

Nem, qualquer que seja o cuidado,

Conseguiremos prever de todo

O melhor resultado.

 

 

863 - Caminham

 

Beleza e prática espiritual

Caminham de mãos dadas.

Música, arquitectura, vitral,

Decoração, língua de palavras apuradas,

Jardins e bibliotecas florescem

Onde os espíritos se tecem.

 

A vida em comunidade é primordial

E saber, estudo, leitura,

Conservar livros com cordura,

Integram a prática espiritual.

 

Quando duma qualquer

Das componentes abdicamos,

A nós próprios nos colocamos,

Pelo pendor que o espírito tiver,

Numa conjuntura traída

Da fundura da vida.

 

Quando a beleza devém

Sentimentalidade ou propaganda,

Quando a literatura e outras artes

Inconscientes se mantêm

Ou, tidas por secundárias, cada qual anda

A comunicar por apartes,

Quando ignoramos o peso

Da aprendizagem permanente,

Como suporte ileso

Onde a vida espiritual assente,

 

Quando à espiritualidade o apego

O deturpo na criação

Duma qualquer feição

Do ego,

- Então a autêntica interioridade em mim

Chegou ao fim.

 

 

864 - Talvez

 

Talvez não realizemos na vida

Nada heróico e grandioso.

Fama e glória podem não ser

O destino que nos convida

A cada amanhecer

De dor e gozo.

 

Talvez nos baste estar presentes,

Abrir o coração,

Aceitar o que de cotio é ofertado,

Darmos o contributo, eficientes,

Que nos esteja à mão,

Ao nível

Graduado

Que nos for possível,

E partir, no fim da instância,

Com humilde elegância.

 

Cada vida vem equipada,

Desde o berçário,

Com ritmo, passada

E seu próprio calendário.

 

Viver uma vida plena

Pode implicar um quotidiano

De mortalidade serena,

Uma permanente morte na vida,

Em todo e qualquer plano

Inserida.

 

Sinto a presença comum da morte

Em mortificações que chegam

À sorte,

Inesperadas, e me pegam

Com regularidade premente,

Mais que suficiente:

 

Um projecto falha,

Deixo ficar mal um amigo quando calha,

 

Esqueço um dado importante,

Digo o que não devo a cada instante,

 

Meu labor não fica à altura do esperado,

Não presto atenção nem trato meu lar

Com o envolvimento desejado,

Numa nuvem findo a mergulhar,

Fatigado o coração,

De neurótica tensão…

 

- E é com estas pequenas mortes ao morrer

Que aprendo deveras a viver.

 

Ora, de seguida,

Descubro acaso, na sequela, que a morte derradeira

É, consumada então, a vida

Verdadeira.

 

 

865 - Libertar

 

Para libertar alma

Podemos ter de ser trabalhados

Pela dor, problemas, das chagas a palma,

De espinhos coroados.

 

Em lugar de reforçar o controle,

Rendamo-nos à vitalidade

Que tenta exprimir-se e nos bole

De algum modo com aquilo que nos invade.

 

Em vez de entender nossos sonhos,

Sejamos por eles entendidos,

Reimaginemos a vida, nos cantos mais medonhos,

Pelas imagens deles estimulantes de sentidos.

 

Em vez de a vida organizar,

Podemos autorizá-la a seguir seu caminho

E a organizar-nos de modo singular,

Numa surpresa que nem adivinho.

 

A vera força pessoal

Não é duma vontade de ferro,

Duma mente superiormente intelectual.

É a da disponibilidade a que me aferro,

De deixar a vida invadir-me,

Abrindo caminho por dentro de mim,

Firme

E sem fim.

 

Coragem é abrirmo-nos a uma alquimia natural

De transformação pessoal

(E não fecharmo-nos, a sós)

Procedendo a mudanças de rigor,

Após,

Pelo que julgamos que é o melhor.

 

O pensamento

É de traição

O vento

Contra o momento

Que me agita o coração

À espera, sempre à espera doutro alimento.

 

 

866 - Monges

 

Os monges rumaram ao deserto

Em busca do vazio.

Hoje a vida é tão cheia que, decerto,

Teremos de enfrentar o desafio

De formas encontrar

De para o deserto partir

E abandonar,

Sem qualquer pena sentir,

A abundância

De que nos vive a ganância.

Nossas cabeças estão

Saturadas de informação,

 

Nossas vidas fervilham

De actividade em que se envencilham,

 

Nossas cidades debicam apinhadas

De automóveis às ninhadas,

 

O imaginário perde a viagem

Saturado de fotografias e de imagem,

 

As relações com novos e velhos

Andam vergadas aos molhos de conselhos,

 

Nossos empregos são plurivalências

Duma lista intérmina de novas competências,

 

Nossas casas prendem os artelhos

A tantas máquinas e aparelhos…

 

À produtividade o culto é tal

Que alguém ou um dia improdutivos

São fracassos vivos,

A incarnação do Mal!

 

Ora, o monge é o perito em nada fazer

E zela pela cultura deste vazio,

Como um fermento:

Sem querer,

Poderá salvar-nos do universal fastio,

Do esgotamento.

 

 

867 - Monásticas

 

As monásticas construções

Mostram como a intensa vida interior

Pode gerar de arte, de labor e de atenções

Uma rica forma exterior:

Uma vida simples e desprendida

Produz uma notável herança

Constituída

Por uma milenar entretecida

Trança

De livros, iluminuras,

Arquitectura, música, esculturas,

Teologia,

Místicos testamentos,

Filosofia,

Mil e um de alma frumentos.

O culto da vida interior

Transborda em manifestações externas

De beleza e riqueza supernas

Com fértil vigor.

 

A vida monástica,

Longe do afastamento da vida activa,

É uma alternativa

À hiperactividade perifrástica

Que rasteira a perna

À vida moderna.

 

O monge actua numa frente

Polivalente:

 

A vida interior fomenta,

Compromete-se na vida em comunidade,

Produz uma tormenta

De palavras, imagens e sons

Que invade

Em variegados tons,

De significado e beleza extraordinários,

Os cotios mais precários.

 

E muito mais inventa

No campo, na mesa

E na mezinha,

Com que atento mais atenta

No que a comunidade humana preza,

Ao perder-se das freimas pela vinha.

 

É o que hoje em dia a civilização

Mais requer:

O inadiável pão

Para sobreviver.

 

 

868 - Praticar

 

Podemos do mundo o afastamento

Praticar todos os dias.

Completaremos então um movimento

De que a plena entrada na vida

É apenas uma parte, nas periferias

Envolvida.

 

Como para levedar

Precisa de ar o pão,

Tudo o que fizermos tem de abrigar

No âmago um vazio,

Um chão

De pousio.

 

Que paz revigorante a de cada momento

Comum de afastamento

 

Que me esquiva

Da vida activa!

 

É fazer a barba, tomar um duche,

Ler um livro, não fazer nada,

Caminhar para onde me puxe,

Ouvir rádio, conduzir na estrada…

 

Tudo pode dirigir a atenção

Para dentro, a contemplação.

 

O afastamento do bulício

Pode criar uma espiritualidade sem barreiras,

Dele no resquício,

A partir-lhe das fronteiras,

 

Que explícita não tenha ligação

A nenhuma igreja ou tradição.

 

Ioga farei nadando piscinas,

Tomando um sumo da varanda às esquinas,

Para o afastamento

Tudo são verdes campinas:

Limpar um armário, livros ofertar,

Dar um passeio pela mata ao vento,

A secretária arrumar,

Desligar a televisão,

Fazer um convivial serão,

Um convite recusar

A quenquer

Para o que calhar em alternativa empreender…

 

Ante o nada que nos preenche,

De júbilo qualquer alma se enche.

 

 

869 - Métodos

 

Os métodos antigos de manter contacto

Com a vida interior

Passaram de moda, perdido o tacto

E o sabor.

 

Diários, cartas e conversas profundas

Ajudam a centrar a atenção

Nos desenvolvimentos e matérias fecundas

Que sob a epiderme jazerão.

 

Ainda há cem anos,

Sem máquina de escrever nem computador,

Muitos mantinham agendas de planos

E diários cuidados

Com íntimo calor,

Longos e pormenorizados.

 

Trocámos tais métodos de reflexão

Por tecnologias orientadas para a acção.

Poesia e literatura sérias

Poder-nos-ão aconselhar,

As férias

São de alma um lugar.

 

De bons livros qualquer mancheia

Frequentemente ensinaria

Melhor

Sobre a vida interior

Que qualquer tratado de psicologia.

As literaturas antigas

De muitas tradições

Permitem compreender as brigas

Da interioridade e suas convulsões.

Podem ensinar-nos a esboçar

As paciências

Duma autobiografia interior

Com seus pactos,

Em lugar

Dum currículo de competências,

De suor

E de factos.

Mostram que nos encontramos num odisseia

E que quem participa em nossa vida

E os eventos com que esta nos ameia

Um significado fundo têm com que se lida,

Em norma tributário

Do simbólico e do imaginário.

 

Alma nenhuma evolui nem cresce,

Cíclicos movimentos efectua e torções,

Repete e retome, sobe e desce,

Ecoando temas antigos comuns aos serões

De todo o ser humano,

Da História ao tecer o pano.

 

Não pára de voltas descrever

Em torno da casa que tiver.

 

As lendas falam da saudade

Da flébil alma,

De aspirar na intimidade

A um território próprio de calma

Cujo impacto

Não é o dos mundos do facto.

 

A odisseia dela

É andar

À deriva no oceano,

Caravela

A flutuar

Rumo ao lar

A todo o pano,

E não

Evoluir para a perfeição.

 

Perfeito

É outro lado, o da razão e do ego,

Quando, com apego,

De vez lhe ganha a ela o pleito,

Quando, ao ganhar, assim me perde

Para tudo o que meu íntimo em mim herde.

 

 

870 - Monge

 

A vida do monge é dedicada

Ao desapego.

Não implica que não vá na peugada,

Não aprecie nem cultive

Muito apego.

 

Tal espírito (celibato em que vive,

Não casamento)

Mesmo a meio da superabundância

De momento,

É mesmo um espírito, uma liminar ânsia

Que não precisa de dominar

Para das profundezas influenciar.

 

Talvez devamos

Celibatários ser nos gestos protagonizados

Relativamente a tudo aquilo com que estamos

Na vida casados.

 

 

871 - Avaliação

 

Pouco importa a avaliação moralista

Do tempo desperdiçado.

Tempo desperdiçado é tempo que eu invista

Bem empregue, em norma, em alma ao lado.

 

Uma vida regulada, todavia,

Frutífera pode ser particularmente,

Uma temporal fantasia

Em que a regularidade

Uma prisão não invente,

Antes um terreno de liberdade.

 

Do tempo a qualidade ritualista

Distribuído por actividades com rosto

Liberta-nos do fardo à vista

Pelo livre arbítrio imposto.

 

 

872 - Estudamos

 

Estudamos

Para obter diplomas,

Graus académicos,

Certificados,

E nem vislumbramos

Uma vida dedicada aos tomos

Com objectivos sistémicos

De nos educarmos em inesperados.

 

Ter educação é uma exigência

Diversa de andar informado

Ou de adquirir experiência

Da vida num dado.

 

É o génio extrair

Da natureza e do coração

Que dentro em nós deve existir

No mais abscôndito desvão.

 

Manifestação de nosso imo,

Exposição de nossas capacidades,

Revelação das possibilidades,

Da base ao cimo,

Até ao momento escondidas

Nas dobras das vidas,

 

- Eis do estuda as finalidades

Do ponto de vista

Do indivíduo que nele invista.

 

Por outro lado, o estudo amplifica

Do mundo a música e o discurso

Até que presente fica

De modo mais palpável da vida no percurso.

 

Baseada em alma, a educação

Conduz ao encantamento

Do mundo feito caução

E à individual harmonia

Traz a magia

De cada momento.

 

 

873 - Arco

 

O arco romano preserva a eternidade.

Sem ele, nós, pobres e humildes criaturas,

Transpomos diariamente a opacidade

De portais aplanados em cima e em baixo,

Quais sepulturas

Onde confortável não me encaixo.

Quem sob o arco romano a entrada percorreu,

Não deixa de passar

Através da terra e do céu,

Este no lugar

Da abóbada perenemente

Presente

Sob a qual

Todos vivemos no horizonte mundial.

 

Mesmo sem o dedo dos coruchéus,

O arco é uma abóbada bidimensional

E a abóbada, um sinal

Dos céus.

 

A vida moderna perdeu

Da abóbada o significado

E em vez dela o céu expandiu

No traço

Das profundezas infindas do espaço.

 

A contrariar

O vácuo deste vazio

Que por efeito correspondente vem a tornar

Ocas as coisas da terra em que confio,

Teremos de reconstruir a abóbada então

Em nossa imaginação.

 

Doutro modo, ainda quebro o fio

De meu equilíbrio precário

E estatelo-me raso no chão

De meu fadário.

 

 

874 - Grilhões

 

Não é pelo facto de se encontrar

Da noite para o dia liberto

Dos grilhões profissionais

Que vai saber nadar

No vasto mar aberto

Do tempo livre, sem mais:

Contraíram-se-lhe as raízes

E o primeiro passo a dar

É desatá-las nas matrizes.

E reaprender leva

Tempo demais até a luz fender a treva.

 

 

875 - Levas

 

Atende ao que levas às costas

Ao atravessar a ponte.

Encontrar-te-ás na outra margem

Com as apostas

E o horizonte

Que levares na bagagem.

 

A carga que levas contigo

É que irá dar o tom

De abrigo ou desabrigo

Às primeiras pegadas da nova nação.

 

E, se o desejo de partir friamente

Ou com estrondo te atinge

Ou atinge tua gente,

Ignora-o, doutra cor teu fato tinge:

 

De preferência

Pensa na imagem individual com afã

De que, para construir tua nova existência,

Precisarás amanhã.

 

 

876 - Terramoto

 

Aceitar

Ver-se tal qual se é

E tal qual se é visto

É a melhor maneira de mudar,

Mantendo-se de pé

No terramoto previsto.

 

 

877 - Respostas

 

"Do velho sábio não temos precisão.

As respostas é no futuro sonhado

Que estão,

Não no passado."

- Eis como, arrancadas as raízes,

De qualquer presente perdemos as matrizes.

 

 

878 - Efeito

 

O efeito da maturidade

É aceitar que em constante mudança

Esteja a realidade

E aceitar, consequentemente,

O que isto alcança:

- Nada dura eternamente!

 

 

879 - Acaba

 

Acaba sempre o combate

Por falta de combatentes

E para bater-se quem se bate

Tem de haver ao menos dois, frente a frente.

Pára com teus caprichos e manias,

É um jogador a menos em tais vias.

 

 

880 - Cultivar

 

É indispensável começar

A cultivar o espírito positivo,

Cada qual a se habituar

A ver em cada dia, cativo,

O segredo da luz que trouxe bela,

O raio de sol que veio pousar

À sua janela.

 

 

881 - Moral

 

Quando a moral está diminuída,

É forçoso acreditar

Que a vida vale a pena ser vivida

Intensamente, a compensar.

 

Que da vida o sabor

Pode ser alcançado,

Que seja qual for

A conjuntura presente deste lado,

 

À mão terei sempre medidas

Para uma vida com minhas cores preferidas.

 

 

882 - Resignação

 

Da resignação é próprio perder

Motivação para edificar.

Da maturidade o efeito é compreender

Que terreno e planos que escolhera, se calhar,

Não são, ponderados

Os pendores

Inesperados,

Certamente os melhores.

 

Não lamentes nem murmures:

- Constrói outro sonho algures.

 

 

883 - Equilíbrio

 

Se souber a que agarrar-se,

Acabará sempre, apesar da turbulência,

Por reencontrar o equilíbrio sem que se esgarce

E a interior coerência.

 

No auge da tempestade,

Do afogamento iminente,

É bom ter o apoio que lhe agrade:

Agarre-se-lhe solidamente,

Em corpo, em afectividade

E em mente,

Que jamais o perigo então o invade.

 

 

884 - Contrariando

 

Nada ocorre como estava à espera:

É o ensinamento

Do evento,

Contrariando minha quimera.

 

Há uma discrepância

Entre a imagem ideal

E o real,

Com pesada relevância.

 

Devo aceitar a diferença,

Recuar para encontrar as razões

Que me obrigam à sentença

De na vida caminhar aos baldões,

 

Usando sapatos

De tamanho errado

Em todos os actos.

Se fico desorientado

 

Com a mudança,

É que me preparei demasiado

Ou não me preparei de todo para o que ela entrança.

 

Não terei, porém, esquiva

De aceitar ao fado,

Se pretender que eu sobreviva.

 

Ao acolhimento

Não descubro alternativa,

Ou trair-me-ei a cada momento.

 

 

885 - Mudança

 

Para bem iniciar

Uma mudança de vida

Repare no que se passar,

No que lhe ocorre e o convida,

Sem sobre a quanto monta tal cota

Fazer nunca batota.

 

É, para o que for vital,

A regra fundamental.

 

Está numa terra

Inteiramente desconhecida.

Precisamente aqui, no que se lhe aferra,

A oportunidade está requerida

 

A que se agarrar.

Dar-se-á conta de que o quotidiano

Que banal se acabara por tornar,

Pode tornar-se de fundo o pano

 

Pejado de recursos

Para uma nova peça.

Mas, para além dos discursos,

Este acordar apenas começa

 

Se em profundidade se aplicar.

Se na nova vida

Se instalar

Com todos os tiques da antiga,

 

Arrisca-se, com tal traslado,

A passar-lhe ao lado.

 

 

886 - Avanço

 

Quão mais avanço na idade,

Mais requeiro a confiança irmã da fé.

Tenho necessidade

De que minha vida, para ter-se de pé,

 

Tenha sentido

E minha busca toca muitas vezes

O domínio preterido

Do espiritual,

Qualquer que ele seja, na aposta e nos reveses

De meu fanal.

 

É indispensável confiar na vida,

Senão, porquê construir,

Ter um projecto na terra revolvida,

Empreender, criar, gerir?...

 

Utiliza o dia que vem

A reforçar tua convicção

Na coexistência com este além

Que eternamente semeia o teu chão.