NONO  TROVÁRIO

 

 

 

                 ATÉ  QUE  A  SER  AMOR  DE  VEZ  NOS  PERSUADE

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha ao acaso um número entre 887 e 993, inclusive.

Leia o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

                                             887 - Até que a ser amor de vez nos persuade

 

                                             Até que a ser amor de vez nos persuade,

                                             De metro e rima em quadra regularizada,

                                             Tudo aquilo que sou, na personalidade,

                                             Minha ausculta a fundura do amor que me invade,

                                             Ser e amor confundindo por igual na estrada.

 

                                             A quadra regular na concisão nos rima

                                             O ser que somos já, mais o que vem do fundo

                                             Dos corações pulsando e que um afecto encima

                                             Então a nos lavrar quaisquer vergéis do mundo.

 

                                             Com a métrica certa mais a rima firme,

                                             A quadra aponta em poema, lapidando o termo,

                                             Da estrutura os canais por onde o amor se afirme,

 

                                             O ser que em mim descubro a levar lento a termo:

                                             E assim é que jamais serei na vida enfermo.

 

 


888 - Lucidez

 

A lucidez é o acesso

Duma loucura ao contrário:

Loucura boa do avesso

Incontrolável e vário.

 

 

889 - Sentimento

 

É o sentimento a linguagem

Que o coração utiliza

Quando quer mandar mensagem,

Quando algum recado visa.

 

 

890 - Saudade

 

Momento que anda a fugir

Da lembrança e não consegue

É a saudade, ao me infligir

A perda que me persegue.

 

 

891 - Preocupação

 

Preocupação é cola

Que, no que não ocorreu

Ainda, a mente me atola,

Não desgrudo o que é de meu.

 

 

892 - Indecisão

 

Indecisão é sabermos

Muito bem o que queremos,

Julgando que é noutros termos

Que nós optar deveremos.

 

 

893 - Intuir

 

Intuir é o coração

Dar um pulinho ao porvir

E voltar rápido ao chão

Para a pegada a seguir.

 

 

894 - Ponto

 

Ponto de interrogação

Quando um sentimento cesse

Ou ponto de exclamação

- Eis por outrem o interesse.

 

 

895 - Escola

 

Se a vida nos acarinha,

Não há-de o Verão findar

Sem vir uma campainha

De escola a se ouvir tocar.

 

 

896 - Cair

 

Se alguém se preocupar

Em cair da bicicleta

Nunca nela vai andar

Nem na curva nem na recta.

 

 

897 - Segunda

 

Mais que a frescura louçã

De qualquer sábado à noite,

É segunda de manhã

Qualquer vida a que me acoite.

 

 

898 - Campo-santo

 

Toda aquela boa gente

No campo-santo enterrada,

Se lhe a história tenho em mente,

Vem comigo de jornada.

 

 

899 - Paramos

 

Não paramos de brincar

Porque nós envelhecemos;

Envelhecemos, a par,

De brincar quando paremos.

 

 

900 - Sorte

 

A boa sorte que temos

Em meio à desolação:

Uns dos outros não podemos

Ler mesmo no coração!

 

 

901 - Duplicar

 

Ceder às dificuldades

É lhes duplicar o peso.

Quem o faz perde as herdades,

Esmagadas por tal vezo.

 

 

902 - Luz

 

Apenas a luz velada

É a da verdadeira vida.

O corpo é crosta fanada,

É do imo que a luz convida.

 

 

903 - Energia

 

Da mãe vem calor de vida,

Força para produzir.

Da amada, a luz que em nós lida,

Energia a transfundir.

 

 

904 - Minúsculo

 

Bem longe nós precisamos

De nos pôr para nos ver

Na proporção que tenhamos

De ser minúsculo ser.

 

 

905 - Poder

 

Do poder a tentação

De acalcanhar vem que acuso

E quão maior posição,

Mais provável é o abuso.

 

 

906 - Espera

 

Quem espera um "obrigado!"

Não é nunca um benfeitor.

- É sempre, por este lado,

Apenas um vendedor.

 

 

907 - Neve

 

A primeira neve espanta,

Esculpe o mundo e após foge.

E que pressa, pressa tanta

Deste ontem mudando em hoje!

 

 

908 - Brilho

 

Aos homens o vulgo julga

Mais pelo brilho exterior

Que no meio se divulga,

Que pela luz interior.

 

 

909 - Apreço

 

De ser livre quando deixo

É que apreço a liberdade,

Ou se a logrei, seixo a seixo,

Na dor que todo me invade.

 

 

910 - Tristezas

 

As tristezas corriqueiras

Que as catastróficas menos

Ferirão, de tão useiras,

Mas moem mais os terrenos.

 

 

911 - Sabe

 

Um qualquer especialista

Que só da especialidade

Sabe quanto houver na lista

Nem dela sabe em verdade.

 

 

912 - Nostalgia

 

Nostalgia de eldorados

Que se esvaíram na bruma

Engana os factos passados

E o que foi vivido esfuma.

 

 

913 - Nascimento

 

A morte jamais é o fim,

É mera transformação:

Nascimento, no confim,

Do lado de lá do chão.

 

 

914 - Provável

 

O espírito não se engana.

Mais provável, na triagem,

É, no que de mim promana,

Entender mal a mensagem.

 

 

915 - Descobrimos

 

Descobrimos no fim da jornada

Que a vida como o amor são eternos.

E, mais, que sempre o foram, de entrada,

Só que antes nunca os vi a embeber-nos.

 

 

916 - Ouvir

 

Muito Deus nos deve amar

Para encher-nos de benesses.

Se um dia me castigar,

Vai ouvir as minhas preces!

 

 

917 - Dói

 

Nada nos dói mais que ver

Sofrer aqueles que amamos:

Uma criança a sofrer

É o peito que retalhamos.

 

 

918 - Perde-se

 

Tudo quanto não é dado

Perde-se ao fim fatalmente

E só perde, doutro lado,

Quem de dar só medo sente.

 

 

919 - Cortejando

 

Cortejando moça bela

É qualquer hora um segundo.

Segundo a arder, feito vela,

São horas de correr mundo.

 

 

920 - Como

 

Ficamos como os pais após jurado

Termos que o não faríamos jamais.

Depois de tudo dito e consumado,

Sigo-os como não sigo ninguém mais.

 

 

921 - Águia

 

A emoção mal resolvida

Cria em nós tal densidade

Que, águia embora a tocar vida,

Ninguém voa de verdade.

 

 

922 - Vistos

 

Medido pelos efeitos,

O que é sobrenatural,

Vistos em nós os trejeitos,

É mesmo bem natural.

 

 

923 - Hóspede

 

Aquilo que alguém mais preza

Não paga entrada, em surgindo:

Em todo o íntimo a beleza

É sempre hóspede bem-vindo.

 

 

924 - Engana

 

Quem com boas intenções

Se engana então combatido

Pode ser, mas tais lesões

Da estima não o hão banido.

 

 

925 - Atraente

 

Quando o tempo de encontrar

O amor a esgotar começa,

Então quem por perto andar

Faz que atraente pareça.

 

 

926 - Divórcio

 

O divórcio faz refém

Quem a lição dele esquece:

Deixará o doido que tem

Por doido que não conhece.

 

 

927 - Odiar

 

Odiar outro ser humano

É ter bactéria metida

Dum órgão vital no escano

Que então nos consome a vida.

 

 

928 - Céu

 

Poderemos meditar

Sobre o céu, no que há-de ser.

Nunca, porém, em lugar,

O podemos conhecer.

 

 

929 - Filhos

 

Ninguém nunca pode amar

Aqueles que declararem

Que só eles vão, sem par,

Filhos de Deus, Deus herdarem.

 

 

930 - Distingue

 

Injusto e justo, que verdade

No-los distingue em nossa reza?

- Justo é o que traz felicidade,

O injusto causa-nos tristeza.

 

 

931 - Silêncio

 

Qualquer silêncio, mantê-lo,

Se é dum saber, causa abalo:

Saber algo e não dizê-lo

Sempre em arma é transformá-lo.

 

 

932 - Tempo

 

A mentira é que elabora

Tempo demais a pensar,

A verdade não demora

Muito tempo a relatar.

 

 

933 - Seguir

 

Que fazer com um mau dia?

Ultrapassá-lo a esperar

Que o que a seguir principia

Melhor se venha a mostrar.

 

 

934 - Família

 

Ter uma família, um lar,

Com sangue a ver não tem, não,

Mas tem, se bem reparar,

Tudo a ver com coração.

 

 

935 - Nuvem

 

É nuvem de chuva a dor,

Mais cedo ou mais tarde passa.

É respirar com fervor,

Do tempo à espera da graça.

 

 

936 - Sorriso

 

Um sorriso é oferecer

Aos outros felicidade

Que até pode nem haver

Nos vergéis que a mim me grade.

 

 

937 - Véu

 

Por detrás do véu de tule,

O mistério da procura:

Há sempre résteas de azul

Na vil alma mais escura.

 

 

938 - Beijo

 

O caminho é sempiterno

Entre a luz que mal fulgura

E o beijo é o encontro terno

Após a longa procura.

 

 

939 - Notas

 

Quer com acordes de dor,

Quer com notas de harmonia,

As canções fundas do amor

Tornam maior a alegria.

 

 

940 - Resta

 

Além da contradição,

Do que é ilógico ou incrível,

Resta sempre o coração:

- Quem ama crê no impossível.

 

 

941 - Entusiasmar-se

 

Não há metro de o medir

Nem a medida tem réguas:

Sempre há-de amar ser agir

E entusiasmar-se sem tréguas.

 

 

942 - Mudar

 

Mudar o mundo na escrita,

Mudar o mundo na acção…

- Só quem no amor acredita

É que o nunca muda em vão.

 

 

943 - Tempestade

 

Tempestade de prazer

Mais o encanto da doçura

É sempre um amor qualquer,

Seja quem for que o apura.

 

 

944 - Jovem

 

Mais jovem o coração

Torna o beijo de verdade.

Mais ainda: na função,

Deveras apaga a idade.

 

 

945 - Fora

 

Em si não há conjuntura

Positiva ou negativa,

Somos nós quem o inaugura

No que fora nos motiva.

 

 

946 - Duráveis

 

Importa falar aos filhos

Mas também, para os atar

Com bem duráveis atilhos,

Os silêncios respeitar.

 

 

947 - Imagens

 

Ser bom ou mau pai depende

De o jovem ver com problemas

Ou problema que a ser tende:

Duas imagens, dois lemas.

 

 

948 - Amuo

 

O amuo de ontem à noite

Deixa mais que olhar de lado:

O corpo que a cura acoite

Fica, da zanga, atrasado.

 

 

949 - Correr

 

A verdadeira questão

É que ninguém faz ideia

De como as coisas irão

Correr da vida na teia.

 

 

950 - Doce

 

De noite ou madrugada,

Agora como dantes,

Doce é sempre a alvorada

Que ilumina os amantes.

 

 

951 - Base

 

Como em si noutrem fiar,

Eis a base inalienável

Da relação a criar

Numa relação saudável.

 

 

952 - Ganho

 

Estar vivo tem a ver

Com ganhar experiência,

Não com erro ou não viver:

Erro ou não, ganho ciência.

 

 

953 - Dá-lhes

 

Dá-lhes teu tempo e atenção,

Neles dá-te a ti também.

Amor é sempre isto então

E é o que a teu lar mais convém.

 

 

954 - Lavrando

 

A criança é sempre um rei

Lavrando num camponês

Sempre encarado, por lei,

Como um escravo, uma rês.

 

 

955 - Abismo

 

O teu fundo abismo intui

Donde tudo tem sentido:

Um amor nunca possui

Nem vê bem ser possuído.

 

 

956 - Trata

 

Trata teus filhos por sócios

Ao educar no trajecto.

Dum lar para bons negócios

Não vais ter como este aspecto.

 

 

957 - Água

 

Para quem procura abrigo

Do mal ante o fogo aberto,

Na vida ter um amigo

É mesmo água no deserto.

 

 

958 - Importa

 

Não importa nunca tanto

O que como pai fizer,

Mais sempre importa, entretanto,

Quem sou no inteiro meu ser.

 

 

959 - Noite

 

O amor à noite me entrou

Em meus sonhos de magia

E o mais estranho do voo

É que já me amanhecia.

 

 

960 - Cultivado

 

Dentro de vós existe um superior poder

Que pode cultivado ou ampliado ser,

 

Que sempre conhecido terá sido então

(Qualquer que seja o nome) como uma oração.

 

 

961 - Distingue

 

O que distingue uma prenda

Dum presente são os laços:

Um abraço a que me renda,

Que os nós desate aos baraços.

 

 

962 - Curiosidade

 

Aprender sempre conjuga

Curiosidade ante o novo

Com do medo toda a fuga

Ante do ignoto o renovo.

 

 

963 - Espontâneo

 

Aprendem mais no recreio

Porque lá quem lhes ensina

De explicar nunca tem meio,

Espontâneo talha a sina.

 

 

964 - Empurra

 

A escola que sempre ilude

Música do coração,

Atira nosso alaúde

Para a estupidez do chão.

 

 

965 - Reprime

 

Se ao corpo reprime a escola,

Se inibe a imaginação,

Se todo o brincar imola,

- De quem pensa é punição.

 

 

966 - Agenda

 

Muitos filhos não porão

Os pais na agenda do dia:

Quem quiser vinculação

Tem de dar autonomia.

 

 

967 - Paternalismo

 

O paternalismo alista

Nele a pobreza de mente:

Se não for paternalista,

Fico mais inteligente.

 

 

968 - Vencer

 

Muita gente se consome

A tentar vencer a vida

E, de não vivê-la à fome,

Por ela acaba vencida.

 

 

969 - Fugir

 

Não fujas de alguém que for

De deixar de vez ali:

Fugir de alguém é a melhor

Forma de o prender a ti.

 

 

970 - Âncoras

 

A vida é desconcertante:

Nem ventos, marés do mar,

Mas âncoras é que adiante

Nos permitem navegar.

 

 

971 - Morre

 

Morrem se nos decepcionam

E, para perplexidade,

Morre o que nos não abonam

Um pouco em nós de verdade.

 

 

972 - Tarde

 

Jamais é tarde demais

Quando ouvir não é escutar,

Se nos olhos escutais

O coração a falar.

 

 

973 - Maioria

 

O amor é de olhos nos olhos.

E eu que a maioria acolho,

Ante o amor e dele escolhos,

Só pelo canto do olho!

 

 

974 - Furor

 

Só o furor duma paixão,

Violando o que nos regule,

Sem-razão sendo razão,

Faz que o medo capitule.

 

 

975 - Namorar

 

Ao namorar se enamora

E jamais pára a corrida?

Quem para sempre namora

É que casa com a vida.

 

 

976 - Adeus

 

Embora familiar,

O adeus é um imperativo

Corações a amachucar,

De dor mudados em crivo.

 

 

977 - Amachuca

 

Todo o adeus amachuca o coração,

Por mais que o nós tomemos em família,

E a memória mudou na evocação

Em perfeito o imperfeito da vigília.

 

 

978 - Esqueceste

 

Quando esqueceste teus pais,

Questão não são rapapés:

É que esqueceste bem mais,

Esqueceste quem tu és.

 

 

979 - Maneiras

 

As boas maneiras são

Óleo que a cada momento

Às células da nação

Mantém em funcionamento.

 

 

980 - Sorriso

 

Não há presente melhor

Do que um sorriso sincero.

Lembra-te, seja onde for,

E a vida será um esmero.

 

 

981 - Cordialidade

 

Cordialidade é uma prenda

Que se pode oferecer

A alguém que nos surpreenda

Na hora de o conhecer.

 

 

982 - Pena

 

Não há uma dor a doer,

Alguma pena a penar

Quando de partir tiver

Quenquer de qualquer lugar?

 

 

983 - Mendigar

 

A vida tem ensinado

Que quem mendigar amor

Não recebe por contado

O que feliz o há-de pôr.

 

 

984 - Esperamos

 

É porque fomos amados

Que esperamos que nos amem

Quando nos pomos, doados,

Num amor que em nós conclamem.

 

 

985 - Tristeza

 

A tristeza é natural

Como o ar que respiramos,

Depois de assustar a mal,

Ajuda a que nós cresçamos.

 

 

986 - Pareço

 

Estar pareço mais perto

De quem mais longe estiver

E mais longe, quando é certo

Que mais perto está quenquer.

 

 

987 - Morre

 

Se uma pessoa querida

Morre, com ela também

Morre em parte minha vida,

Que ela em parte ma contém.

 

 

988-Fizer

 

Toda a vida é um bomerangue

Na lógica que a atravessa:

O que eu fizer, riso ou sangue,

Pelos mais a mim regressa.

 

 

989 - Lei

 

Mais misericordioso

É Deus, quenquer que Ele seja,

Que a lei, dogma que lhe coso

Na fé de qualquer igreja.

 

 

990 - Atarmos

 

De serem filhos os filhos

Não vem de que os nós amamos,

Mas de atarmos os cadilhos

Quando anos fora os criamos.

 

 

991 - Consciência

 

A consciência da ignorância

É da dúvida o inicio,

Da sabedoria infância,

Germe e primeiro resquício.

 

 

992 - Trilha

 

Das religiões o sendeiro

Um rumo trilha que aterra:

Sofrem mártires primeiro

E depois geram a guerra.

 

 

993 - Frio

 

Não perde em nada o fervor

A idade que o frio finge:

Quão mais tarde chega o amor,

Mais forte ele nos atinge.