QUINTO CANTO
NA QUADRA
POPULAR DE AMOR VIVIDO
Escolha aleatoriamente um
número entre 482 e 680 inclusive.
Descubra o poema
correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
482 - Na quadra popular de amor vivido
Na quadra popular de amor vivido
Eu canto o regular entrosamento
De mim contigo, ao entrançar sentido
Que nos guia as passadas pelo vento.
E neste singular cometimento
É que o porvir, num infantil vagido,
Decerto vislumbrar vou a contento
Através destes nós que atei, contido,
Tentando saborear-lhes o elemento
Que me dão convivente e solidário,
Pelo qual jamais sou medo e tormento.
No feixe que me prende a tudo o mais
Deixarei de adejar sem rumo e vário,
Traço meu norte contra os vendavais.
483 - Eixo
Se nada tens para dar,
Dá-te num gesto de amor
E até uma pedra, ao calhar,
No eixo o mundo te vai pôr.
484 - Prezamos
Nós prezamos sempre mais
Aquilo que não podemos:
É o espectro do jamais
Que mais faz que nós amemos.
485 - Jamais
Chego à Lua, atinjo Marte
E as profundas do oceano
E jamais conquisto a parte
Negra ao coração humano.
486 - Mortas
Quando um lar se destruiu
O casal rompeu comportas
Ao pior que em si nutriu:
- Se acusam de vidas mortas!
487 - Basilar
Jamais as pessoas mudam
No que são de basilar,
Adaptam-se quando acudam
Ao amor que aqueça o lar.
488 - Falha
Como pai ou como mãe
Uma falha a quenquer calha.
Só falha de vez, porém,
Quem se encalhar em tal falha.
489 - Bater
Bom será sempre bater
Antes de tentar entrar
Na mente doutro qualquer,
A ver se há mesmo lugar.
490 - Igual
Um é o ser, outro é o valor:
Aquele se impõe tal qual;
Este é amor e desamor,
Em ninguém vai ser igual.
491 - Melhor
Quando tento descobrir
O melhor que outrem tiver
Faço em mim sobressair
O melhor que em mim houver.
492 - Desculpas
As desculpas são os pregos
Usados em tempo escasso
A construir os refegos
Duma casa de fracassos.
493 - Emparceira
A moral é a vida inteira,
Dá-lhe a ética a razão:
- O dever nos emparceira,
Todo o mundo é meu irmão!
494 - Nível
Pessoas do mesmo nível
Pedirão umas às mais,
Que exigir não é credível
E acusações são demais.
495 - Desavenças
Em todas as desavenças
Cada lado tem razões,
Cada qual com suas crenças
É que é o fim das discussões.
496 - Valha
Não há fé pela qual valha
A pena matar quenquer
E de igual modo, se calha,
Vir por ela alguém morrer.
497 - Chicote
A obscura deferência
Do medo e da escravidão
Dos cães faz que a obediência
Não seja ao chicote em vão.
498 - Morto
Como ninguém pode amar
Nenhum morto eternamente,
Assim igualmente, a par,
A um vivo mas que não sente.
499 - Primeiro
Morre um homem condenado,
Então herói vem a ser:
Para às vezes ser amado,
Primeiro importa morrer.
500 - Doutrem
Com olhares bem diversos
Os males doutrem nós vemos
Do que vemos os adversos
Que sobre nós sentiremos.
501 - Piedoso
O religioso amador
É deveras mais piedoso
Que o profissional: o amor
Não é um ceptro religioso!
502 - Diferença
A principal diferença
Entre o amor e uma amizade
É que ao amor mais pertença
De ódio certa quantidade.
503 - Adeuses
Tristes são de amor adeuses,
Deitam fora coisas boas:
Os homens querem ser deuses
Como as mulheres, pessoas.
504 - Idiota
Se ela o acusa da desgraça
E depois nega e não nota,
Ser casado é ir à praça
Como um perfeito idiota.
505 - Ateus
A Lei diz: “amar a Deus,
Servi-lo do coração.”
Não diz para crer: ateus,
Vocês é que têm razão!
506 - Atenção
Dizer “amar” e não, “crer”,
Mantém-nos a atenção presa
No que houver a compreender:
- Que importa como alguém reza?
507 - Filho
Querias vir conversar
Para encontrar Deus por mim?
- É melhor ires tentar
Um filho teu ter por fim!
508 - Apenas
Bem melhor é ser mulher
Do que ser pessoa apenas.
Único modo de o ser:
- A um homem fundir as penas.
409 - Mortos
Todos vivemos com mortos,
Porém sempre atrás de nós,
Não à volta, já que os portos
Fecham-lhes a barra à voz.
410 - Recordar
Continua o coração
Dos homens a recordar
Muito após já ser em vão
Quanto a memória tentar.
411 - Ideal
Não há ideal de pobreza
Nem de riqueza a propor:
Mais vale amor sem riqueza
Que riqueza sem amor.
512 - Berma
Isto de ser professor
Requer a mão apurada:
Há tanta flor, tanta flor
Que toco à berma da estrada!
513 - Janela
Além do tecto, uma estrela,
Atrás do muro, a raiz…
- Bastaria uma janela
Para me fazer feliz!
514 - Disfarce
Quando ensinar for amar,
Ser um professor é dar-se…
- Como isto vai devagar,
O que demora o disfarce!
515 - Maricas
Tanto finges que não sentes,
Não vão ter-te por maricas,
Que a mentira que te mentes
É a verdade em que te ficas!
516 - Cansado
Não tenho mais que fazer,
Terei é muito que amar:
Se, de cansado, morrer,
Nada é vão em meu finar.
517 - Pele
Coração à flor da pele
E de nada então sou pobre:
Quer se alegre ou sofra ele,
Tudo o mais é o que me sobre.
518 - Companhia
Procuramos companhia,
Não por entre os que meditam,
Entre as crianças: a via,
Via dos que ainda acreditam!
519 - Leivas
Demos, demos coração
E mais àqueles que erraram,
Mas com este freio à mão:
- Se alinham as leivas que aram.
520 - Rapazes
Rapazes maus, não, não há:
Falta de boa vontade,
De amor do lado de cá,
É que afoga em tenra idade.
521 - Devagarinho
Viagem de saber ser gente
A falar devagarinho:
- De repente, de repente
Todo o mundo é meu vizinho!
522 - Tratamento
Da aldeia para a cidade
Se esfriou o tratamento:
Fica o “senhor”, gravidade,
Foi-se o “tio” que acalento.
523 - Lavado
Sou levado, sou levado,
Mas que importa? É uma ilusão!
Sou-o, mas fico lavado,
Quem me enganar é que não!
524 - Memória
Como os mais é uma pessoa:
Quer contar a sua história,
Não sabe ouvir, fala à toa…
- Não ficará na memória!
525 - Gaiola
Nas arestas destas casas,
Como a vida nos viola!
Quem é que nos corta as asas
À medida da gaiola?
526 - Mantida
A mulher a quem mantemos
Não nos parece mantida
Enquanto nós não sabemos
Que o é doutros toda a vida.
527 - Suprimir
Para a morte de meu bem
Suprimir meu sofrimento
Só se por fora me vem
Matar como fez por dentro.
528 - Ruptura
Minha ruptura com ela
Abre o campo do prazer?
- O quebrar duma janela
Não quebra as grades que houver!
529 - Muro
Dela a presença era o muro
Contra o meu gozo da vida?
- Abatido, me asseguro
Outra maldição erguida.
530 - Impede
Creio que a visita amável
Me impede de trabalhar?
- Ida embora, inexplicável,
Fica o vazio em lugar.
531 - Ciúme
Para o ciúme não há
Nem passado nem futuro,
O que ele imagina está
Sempre num presente apuro.
532 - Esperteza
Tua esperteza me agrada,
Que esperta em mim a doçura
Que à fruta é sempre apontada
Quando o paladar apura.
533 - Desatino
Má conversa, desconfiança,
Acaso algum desatino,
Que importam se ali se alcança
Um amor, esse, divino?
534 - Menospreza
Valorar a gentileza
Da mulher amada é um erro
Se ela nisto menospreza
O mundo que aparte encerro.
535 - Desenvolvimento
As criaturas vão ter
Desenvolvimento em nós
E fora de nós: viver
Dos dois lados tece o cós.
536 - Predestinada
Agindo, a imaginação
Extrai da mulher amada
De única ser tal noção
Que a torna predestinada.
537 - Quinhão
De certa idade é quinhão
Menos duma criatura
Se apaixonar que do vão
Que um abandono figura.
538 - Menção
Por condições sociais
Nem por menção do bom senso
O poder ninguém tem mais
Sobre quem amo e em quem penso.
539 - Empenhamento
Quando deixámos de amar,
O empenhamento desperto
Morre antes de se finar
Quem ele deixou deserto.
540 - Boreal
A minha recordação
É uma boreal aurora:
O tempo mata a função,
Sombra de amor mal demora.
541 - Revivescente
Saudade duma mulher
É um amor revivescente:
Igual na dor vai viver
Todo o fulgor que alimente.
542 - Física
Na dor física, escolher
Não se impõe à nossa dor.
No ciúme é que sofrer
Vem do que me queira impor.
543 - Figura
Ignoramos o sentir
Próprio duma criatura
Sem sequer o pressentir?
- Como lhe anulo a figura!
544 - Estrangeiro
Pelo pensar possuímos
As coisas, não porque as temos:
País onde residimos
É estrangeiro se o nem vemos.
545 - Conformado
Se um viúvo conformado
Quer fugir do inevitável
Com a cunhada casado,
Só prova que é inconsolável.
546 - Parco
Bem parco é o mundo exterior,
Em nós próprios é que há vida
E, se se tratar de amor,
Lá fora em nada se lida!
547 - Debilita
Não é porque outrem morreu
Que uma afeição dedicada
Se debilita: é porque eu
Morro, lento, pela estrada.
548 - Mentira
A mentira é essencial
E é tão grande o seu papel
Que um amor, no que mais vale,
É mentira todo ele.
549 - Versão
Começar a amar um ente,
De inocente que pareça,
É uma versão diferente
Dos vazios que em mim meça.
550 - Defesa
A mentira é a defesa natural,
De improviso ou mais bem organizada,
Do amor contra o perigo bem real
De a vida destruir duma assentada.
551 - Medíocre
A medíocre mulher,
Muito mais que a inteligente,
Eis a que um génio prefere,
Pois é quem mais o acrescente.
552 - Alvas
Cremos amar uma jovem,
Porém não amamos nela
Senão as alvas que a movem
A ser delas a janela.
553 - Homossexual
Era um homossexual
Do mundo o melhor marido
Se não imitara mal
Da mulher ser tão ferido.
554 - Interesse
O interesse ocupa-se?
Logo o amor reforma-se.
O interesse informa-se?
O amor preocupa-se…
555 - Carícia
Uma inocente carícia,
Depois do sexo que houver,
Perde o encanto de delícia,
Começa a empalidecer.
556 - Deserto
Deixámos de conversar:
Que longe estamos, tão perto!
Já começo a delirar,
De sede a morrer deserto.
557 - Linda
Ainda bem que me pediste:
“Confirma uma vez ainda…”
Descobri o que resiste,
- Descobri que és mesmo linda!
558 - Vinte
Apenas vinte minutos
Em comum para a partilha…
E, todavia, os produtos
Num lar tornam qualquer ilha.
559 - Equilíbrio
Se de ter tempo deixei
(Este é meu maior ludíbrio)
Para os amigos que amei,
- Perdi de vez o equilíbrio.
560 - Ditador
O poder dum ditador
Mais absoluto e caudilho
Acaba sendo inferior
Ao que um pai tem sobre um filho.
561 - Criança
Três coisas tem a criança
De aprender: quem é que manda,
Quais as normas com que avança,
Quem as firma em toda a banda.
562 - Honra
Se a honra não defender,
Os demais irão pensar
Que a honra que então tiver
Não a terei se calhar.
563 - Desgosto
Se tens um fundo desgosto
Que te tira o gosto à vida,
Junta-te a alguém de igual rosto
E conversai de seguida.
564 - Ajudar
A forma mais excelente
De a ti próprio te ajudares
É de ajudar, competente,
Os mais com que deparares.
565 - Gratidão
Quem sentir a gratidão
Mas a não manifestar
Tem uma prenda na mão
E não a vai entregar.
566 - Humilhado
Ser humilhado deprime.
Porém, humilhar-se alguém
Diante de nós contém
A mágoa que nos redime.
567 - Idiotia
Política responsável
Sem amor universal,
Eis a idiotia viável:
Ser a meias um total!
568 - Acoime
A minha dor ou a tua
Pouco importa qual acoime,
Que ambas vão se ouvir na rua:
- Se tu sofres, isto dói-me!
569 - Pulsar
Ciclos que ritmam a vida
Estruturam a mulher
E unem-na, nesta medida,
Do mundo ao pulsar que houver.
570 - Sombra
Os que eu quisera ignorar
São sombra que pesa em tudo:
Fico condenado a olhar
O mundo inteiro que iludo.
571 - Vias
De Deus as estranhas vias
Em nós têm o fio atado:
“Tu não me procurarias,
Se não me houveras ao lado.”
572 - Asneira
Deus fez uma grande asneira
Ao livres nos programar…
- Levando a vida à ligeira,
Como vai ser isto: amar?
573 - Teia
Creio que há uma teia urdida
Ao ver alegres os potros
Pela campina em corrida…
- Crer na vida é crer nos outros!
574 - Esperança
Fundamento de esperança
É que outrem de mim precisa
E minha fome mo alcança
E atamo-nos desta guisa.
575 - Encontro
Pelo encontro é que existimos,
Somos mera relação:
Infeliz ou feliz, vimos
De elo em elo em comunhão.
576 - Polegar
Quenquer que passe por mim
Ou com que na vida esbarro
Põe-me a marca até ao fim
Como um polegar no barro.
577 - Ladeado
O caminho duma vida
É ladeado de gente:
Ao deserto nunca é ida,
É romaria fervente.
578 - Celebridade
Quando a fama a alguém acode
Ninguém pensa que é prisão:
- A celebridade pode
Condenar à solidão.
579 - Devorador
O apelo do solitário,
Como ele é devorador!
Vive, no grau mais primário,
A aurora quando é sol-pôr.
580 - Pequeno
Pelo Amor apelo e peno
Mas quando chega sou grito:
Sou vaso demais pequeno
Para conter o Infinito!
581 - Liberdade
O belo da liberdade
Livrar-me de não é tanto,
Livrar-me para, em verdade,
Do Amor é que traz o encanto.
582 - Côncavo
Há um grande côncavo em mim
Tão vazio como os céus.
Tu enche-lo um pouco. Enfim,
Acaba de enchê-lo Deus.
583 - Barco
Cá vou eu no barco à vela,
A retesar o cordame,
E o vento que sopra nela
Será Deus quando me chame.
584 - Pendente
Quando dou a mão a um pobre,
A outra não cai pendente,
Já que outra mão a recobre,
A de Deus ali presente.
585 - Infinito
Se o Infinito é o amor,
Ninguém aceita entendê-lo
Senão de actos em que for
Transformando-se em apelo.
586 - Primeiro
No fundo, viver é amar.
Porém, amar é servir,
Tendo, em primeiro lugar,
Ao que mais sofrer de ouvir.
587 - Invulgar
Isto de um homem se dar
É tão invulgar que esquece:
Acontece, se calhar,
Que o verbo amar envelhece…
588 - Pousada
A minha casa é a pousada,
Nas pegadas de granito,
Dos trilhos da cumeada
A caminho do Infinito.
589 - Confidência
A riqueza de avós novos,
Quando deles há frequência,
É o lugar ser dos renovos
Porque ali há confidência.
590 - Doente
Uma mãe fica doente
Com a doença do filho.
Quando é que o mundo consente
Com cada qual tal cadilho?
591 - Doutrem
Caridade é mais que dar,
É sentir doutrem a dor
E juntos o mal curar:
O teu de meu toma a cor.
592 - Tino
Se os destinos são fatais,
É que o amor perdeu tino:
O amor é livre, jamais
Se submete ele ao destino.
593 - Beijo
Como à bela adormecida,
Vai ser o teu beijo, amor,
Que a uma passageira vida
De imortal empresta a cor.
594 - Impede
Se à mulher um homem quede
Fiel por toda uma vida,
Outra de gozos impede
Mas ganha a vida perdida.
595 - Paixão
A paixão só é defeito,
A paixão só é virtude
Quando é tão levada a peito
Que só de extremos se ilude.
596 - Expectativa
Diminui a expectativa
À paixão que for vulgar.
À grande, porém, altiva,
Vai ao píncaro elevar.
597 - Raridade
É bem raro o vero amor.
Porém, esta raridade
É, se calhar, bem menor
Do que a da vera amizade.
598 - Dificuldades
Os amigos têm idades
Do tamanho dos perigos,
Já que é nas dificuldades
Que descubro meus amigos.
599 - Confraternizar
Confraternizar é um vício
Tão humano, tão humano
Que em virtude mais indício
Do que em pecado o dimano.
600 - Inveja
Filha a inveja é da impotência
Mas às vezes tem à mão
Ser a mãe, pela evidência,
Da perfeita admiração!
601 - Humilhação
A humilhação de nascer
Sem amar uma alma viva!
Do mundo como qualquer,
Quem da pátria ao fim me priva?
602 - Prisão
A prisão no mundo menos
Privada é viver restrito
Só com meus meios pequenos,
Sem rivais ter a meu grito.
603 - Desperdícios
Deita à rua o que te sobra:
Se os desperdícios imolas,
Já quem deles se recobra
Não viverá mais de esmolas.
604 - Igreja
O amor não se vai buscar,
Pequeno ou grande que seja,
À magia dum lugar,
Nem mesmo sequer à igreja.
605 - Inefável
O amor é incomunicável,
Todavia, a fé no amor
É um saber tão inefável
Que a todos pega o fervor.
606 - Desgostos
Se os desgostados se vão
E ficam só desgostantes,
Só desgostos medirão
Os desgostosos restantes.
607 - Previsível
Detesta sempre a mulher
O homem demais previsível:
Se é surpresa o que ela quer,
Que surpresa é repetível?
608 - Eficácia
O que se faz não é tão
Importante como a crença
Na eficácia que terão
Os gestos de quem convença.
609 - Soldado
Um soldado derrotado,
Se sob o próprio comando,
Não devém escravo a mando,
De pé se mantém soldado.
610 - Lema
Hesitar nunca devemos
Qualquer lema em adoptar
Do inimigo que tivemos
Se bom for a nosso lar.
611 - Formiga
A formiga hiperactiva
Ainda arranja, enquanto fiques,
O tempo de ficar viva:
- Tempo de ir aos piqueniques!
612 - Cura
A cura definitiva,
Para não ser demagógica,
A origem no amor tem viva,
Não tem origem na lógica.
613 - Cuidado
Se o cuidado é permanente,
É a cura definitiva.
Alma a doer em carne viva
É a vida inteira carente.
614 - Fachada
A família, na fachada
Se aparenta ser feliz,
Tem uns podres quando a enxada
Lhe escava um pouco a raiz.
615 - Substitutos
Evocar o pai profundo
É não ficar satisfeito
Com substitutos, no fundo
Vazios, se o tomo a peito.
616 - Riscos
A maternidade plena
Requer que a cada criança
Autorize, sem ter pena,
Ao risco correr que a cansa.
617 - Material
Sou feito de material,
De coisas e qualidades…
Amando as coisas tal qual
Amo em mim minhas verdades.
618 - Açude
O amor é pai do vazio
E também da plenitude:
Ambas as margens do rio
Erguem, fatais, meu açude.
619 - Elo
O amor deseja a união
Com alguém que seja belo
Para o eterno ter à mão
Preso ao tempo por este elo.
620 - Tristeza
À tristeza o amor contém,
Não ao fracasso absoluto.
Quem tal o vê, vê também
Como vai da festa ao luto.
621 - Desajustado
O amor é desajustado.
Porém, isto complementa
A emoção de ser alado
Numa imperfeição atenta.
622 - Imo
Vive o corpo em comunhão
Com todo o corpo do mundo:
Do imo nesta relação
A saúde encontro e fundo.
623 - Reflectida
Frutos de nosso trabalho
São a imagem reflectida
No lago de quanto valho:
- Amo-me neles e à vida.
624 - Deveras
Uma relação deveras
Quer disponibilidade
E a vulnerabilidade
De acolher mudanças de eras.
625 - Poisa
Se eu não amar cada coisa,
Não irei gostar do mundo,
Que ele em cada coisa poisa
E fora é tudo infecundo.
626 - Inteira
Uma casa verdadeira
É um lugar particular
E também a Terra inteira,
Tudo um só e o mesmo lar.
627 - Assegurado
Se um coração o quiser,
Envolvido, apaixonado,
Salvar um lugar qualquer
Fica logo assegurado.
628 - Riqueza
Das coisas riqueza
Não é do dinheiro,
É o que delas reza
O meu imo inteiro.
629 - Vendedor
O instinto do vendedor
É tentar a persuasão.
Com ele aprendeu o amor:
Mais vale um “talvez” que um “não!”
630 - Tronco
Não nos esqueça um instante
Distinguir tronco de ramos:
Na vida o mais importante
São as pessoas que amamos.
631 - Máquinas
Há os que com razão conspiram
Contra os que imitam um lar:
Estes máquinas admiram,
Não quem as faz funcionar.
632 - Humaniza
Refute-o quenquer
Com forças que o domem,
No fim é a mulher
Que humaniza o homem.
633 - Impreterível
Qualquer médico é possível
Que venha a curar doentes
Sem amor impreterível,
- Não o educador de gentes!
634 - Ridículo
Bem sei que fico no aprisco
Mesmo após aberta a grade:
Será o ridículo o risco
De toda a fidelidade.
635 - Definição
Do amor a definição
Trata apenas de saber
Por quem estamos ou não
De vez prontos a morrer.
636 - Errados
Quando todos têm razão
E o sangue escorre dos lados,
É porque todos então
Estarão decerto errados.
637 - Montra
Julguei prolongar a infância,
Boneca exposta na montra.
Não se prolonga tal ânsia:
A infância se reencontra.
638 - Indiferente
Morrer é-me indiferente:
Ter medo é ofender a Deus;
Ter inveja, inversamente,
Ofende homens irmãos meus.
639 - Fósforos
A criança se anima
Com fósforos que alcança?
- Os fósforos suprima,
Não suprima a criança!
640 - Troféus
Os violentos não tratam,
Registam troféus nas loisas:
Os violentos maltratam
As pessoas como coisas.
641 - Decisivos
Nos momentos decisivos
Algo não é que se passa,
Alguém perpassa entre os vivos,
Para a graça ou a desgraça.
642 - Sorriso
Um sorriso ao desgraçado,
Quer adulto, quer petiz,
Diverso o muda um bocado
Num bocado mais feliz.
643 - Ausência
Posso conhecer alguém
Por mero efeito de ausência:
- Pelo vazio que tem
Sem ele minha vivência.
644 - Refeição
A refeição em família
É que faz a diferença:
Por ele um filho em vigília
Sente então a bem-querença.
645 - Conversa
A conversa paralela
Ao fazer coisas vulgares,
Dos pais aos filhos apela,
Cria laços singulares.
646 - Aliado
Todo o jovem se retrai
Quando um pai lhe dá conselho:
Um chefe não quer do pai,
Quer um aliado mais velho.
647 - Afasta
Se um filho jovem se afasta
Os pais nunca entendem bem
Que não queira pôr em hasta
Que os pais se afastem também.
648 - Presente
Se tens pouca informação
De teu filho adolescente
Partilha o que põe à mão
Tal se te dera um presente.
649 - Guia
O adolescente requer
Alguém que sirva de guia:
Quando ajuda requiser,
O bom-senso tem magia.
650 - Compensação
A maior compensação
De ser pai é ver crescer
O rebento desde o chão
Até sombra lhe fazer.
651 - Calma
Fale com calma, jamais
Seu cônjuge desafie:
As angústias falam mais
Quando o respeito as desfie.
652 - Golpes
Como os mortos não existem,
É a nós mesmos que batemos
Se na memória persistem
Os golpes que aos mortos demos.
653 - Caminho
Razão que só pensa, cai,
Não pesa as pedras do chão:
Longo é o caminho que vai
Da razão ao coração.
654 - Sina
É o amor uma má sina
Contra a qual nada se pode:
Um encantamento inclina
E o mundo inteiro sacode.
655 - Simplicidade
A pretensão se avizinha
Do que é mera estupidez.
A simplicidade adivinha,
Se esconde e agrada de vez.
656 - Altruísmo
Todo o altruísmo fecundo
Cresce de modo egoísta,
Dum egoísmo em que o mundo
Corre inteiro em sua pista.
657 - Amigo
É para sempre um amigo,
Não é para a ocasião:
- De amizade só um mendigo
Compra amigos a tostão.
658 - Amizade
É um prazer uma amizade
E um prazer que nada custa:
Quando é plena a lealdade
Nada em dívida se ajusta.
659 - Lar
Um povo vivificar,
Só tocando o coração:
Da integridade do lar
É a força duma nação.
660 - Progenitor
Das vidas há quem dador,
Cumprido o papel, se vai.
- Ser mero progenitor
Não será nunca ser pai.
661 - Presente
Primeiro dever do pai
É o dever de estar presente
A cada nada que vai
Um lar fazer que cimente.
662 - Presenças
A teia que ata as presenças
É que te germina o bem
Com que venças e convenças
Em teus laços com alguém.
663 - Equação
A desconsideração
É, afinal, ter-me esquecido
Que sou parte de equação
E outrem vai nisto envolvido.
664 - Perspectiva
De manter no casamento
Difícil é a perspectiva,
De tempo falta-lhe unguento,
Falta a distância que arquiva.
665 -Hesitante
Os casados há bastante
Conseguirão mesmo ouvir
O sentimento hesitante
Na voz do par que o nem vir.
666 - Mágico
O mágico resultado,
O mais vivo que vivi,
É que não vivo a teu lado,
Vivo mais dentro de ti!
667 - Nós
Tu em mim e eu em ti
Tanto nos enlaça a voz
Que é bem mais o que anda aqui,
É um terceiro: é sermos Nós!
668 - Demora
Perdi-me de mim em ti,
Perdeste-te por mim fora:
Já noutro mundo nasci,
Se calhar Deus não demora.
669 - Mar
Amo-te e serei a estrada,
Amo-te e sou peregrino:
Vela eterna desfraldada
Rompendo o mar do destino.
670 - Grilhão
O mundo anda preso a nós
Como um grilhão das galés.
- O coração como após
Pode erguer-se além dos pés?
671 - Pastora
A noite é boa pastora,
traz a casa e aos currais
Todos que foram embora:
- Os homens e os animais.
672 - Primeiro
Para alguém me perdoar
Hei-de perdoar-me primeiro
E alguém me terá de amar
Senão nem do amor me abeiro.
673 - Discussão
A discussão não tem mal
Quando puder dizer tudo.
Logo volta o principal:
- Eu a ti num Nós me grudo.
674 - Baldões
No país do amor, problema
É que é local de ilusões:
Quando abandonado, o lema
É a vida andar aos baldões.
675 - Suportável
É o amor que torna a vida
Suportável deste lado,
O amor que for encontrado
Na trilha sempre perdida.
676 - Espera
É bom ter uma mulher
De quem nós nos apartamos
Porque à espera quem nos quer
Estará quando voltamos.
677 - Gaiola
Quantos pássaros morrem
Se os metem na gaiola
E como os homens correm
Contra a grade que isola!
678 - Perfume
Ofereço-te um perfume
E tão estranho é o odor
Que não é cheiro mas lume
Que ateia no nosso amor.
679 - Pesca
Damos-te a cana de pesca,
Damos-te um sonho a caminho:
Neste anzol o que mais resta,
Não é peixe, mas carinho.
680 - Amigos
Dois amigos, talvez haja
Força bem mais poderosa.
Mais tenaz e que encoraja
Ninguém mais nenhuma goza.