QUINTO  CANTO

 

 

 

NA  QUADRA  POPULAR  DE  AMOR  VIVIDO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha aleatoriamente um número entre 482 e 680 inclusive.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                482 - Na quadra popular de amor vivido

 

                                                Na quadra popular de amor vivido

                                                Eu canto o regular entrosamento

                                                De mim contigo, ao entrançar sentido

                                                Que nos guia as passadas pelo vento.

 

                                                E neste singular cometimento

                                                É que o porvir, num infantil vagido,

                                                Decerto vislumbrar vou a contento

                                                Através destes nós que atei, contido,

 

                                                Tentando saborear-lhes o elemento

                                                Que me dão convivente e solidário,

                                                Pelo qual jamais sou medo e tormento.

 

                                                No feixe que me prende a tudo o mais

                                                Deixarei de adejar sem rumo e vário,

                                                Traço meu norte contra os vendavais.

 

483 - Eixo

 

Se nada tens para dar,

Dá-te num gesto de amor

E até uma pedra, ao calhar,

No eixo o mundo te vai pôr.

 

 

484 - Prezamos

 

Nós prezamos sempre mais

Aquilo que não podemos:

É o espectro do jamais

Que mais faz que nós amemos.

 

 

485 - Jamais

 

Chego à Lua, atinjo Marte

E as profundas do oceano

E jamais conquisto a parte

Negra ao coração humano.

 

 

486 - Mortas

 

Quando um lar se destruiu

O casal rompeu comportas

Ao pior que em si nutriu:

- Se acusam de vidas mortas!

  

 

487 - Basilar

 

Jamais as pessoas mudam

No que são de basilar,

Adaptam-se quando acudam

Ao amor que aqueça o lar.

 

 

488 - Falha

 

Como pai ou como mãe

Uma falha a quenquer calha.

Só falha de vez, porém,

Quem se encalhar em tal falha.

 

 

489 - Bater

 

Bom será sempre bater

Antes de tentar entrar

Na mente doutro qualquer,

A ver se há mesmo lugar.

 

 

490 - Igual

 

Um é o ser, outro é o valor:

Aquele se impõe tal qual;

Este é amor e desamor,

Em ninguém vai ser igual.

  

 

491 - Melhor

 

Quando tento descobrir

O melhor que outrem tiver

Faço em mim sobressair

O melhor que em mim houver.

 

 

492 - Desculpas

 

As desculpas são os pregos

Usados em tempo escasso

A construir os refegos

Duma casa de fracassos.

 

 

493 - Emparceira

 

A moral é a vida inteira,

Dá-lhe a ética a razão:

- O dever nos emparceira,

Todo o mundo é meu irmão!

 

 

494 - Nível

 

Pessoas do mesmo nível

Pedirão umas às mais,

Que exigir não é credível

E acusações são demais.

 

 

495 - Desavenças

 

Em todas as desavenças

Cada lado tem razões,

Cada qual com suas crenças

É que é o fim das discussões.

 

 

496 - Valha

 

Não há fé pela qual valha

A pena matar quenquer

E de igual modo, se calha,

Vir por ela alguém morrer.

 

 

497 - Chicote

 

A obscura deferência

Do medo e da escravidão

Dos cães faz que a obediência

Não seja ao chicote em vão.

 

 

498 - Morto

 

Como ninguém pode amar

Nenhum morto eternamente,

Assim igualmente, a par,

A um vivo mas que não sente.

 

 

499 - Primeiro

 

Morre um homem condenado,

Então herói vem a ser:

Para às vezes ser amado,

Primeiro importa morrer.

 

 

500 - Doutrem

 

Com olhares bem diversos

Os males doutrem nós vemos

Do que vemos os adversos

Que sobre nós sentiremos.

 

 

501 - Piedoso

 

O religioso amador

É deveras mais piedoso

Que o profissional: o amor

Não é um ceptro religioso!

 

 

502 - Diferença

 

A principal diferença

Entre o amor e uma amizade

É que ao amor mais pertença

De ódio certa quantidade.

 

 

503 - Adeuses

 

Tristes são de amor adeuses,

Deitam fora coisas boas:

Os homens querem ser deuses

Como as mulheres, pessoas.

 

 

504 - Idiota

 

Se ela o acusa da desgraça

E depois nega e não nota,

Ser casado é ir à praça

Como um perfeito idiota.

 

 

505 - Ateus

 

A Lei diz: “amar a Deus,

Servi-lo do coração.”

Não diz para crer: ateus,

Vocês é que têm razão!

 

 

506 - Atenção

 

Dizer “amar” e não, “crer”,

Mantém-nos a atenção presa

No que houver a compreender:

- Que importa como alguém reza?

 

 

507 - Filho

 

Querias vir conversar

Para encontrar Deus por mim?

- É melhor ires tentar

Um filho teu ter por fim!

 

 

508 - Apenas

 

Bem melhor é ser mulher

Do que ser pessoa apenas.

Único modo de o ser:

- A um homem fundir as penas.

 

 

409 - Mortos

 

Todos vivemos com mortos,

Porém sempre atrás de nós,

Não à volta, já que os portos

Fecham-lhes a barra à voz.

 

 

410 - Recordar

 

Continua o coração

Dos homens a recordar

Muito após já ser em vão

Quanto a memória tentar.

 

 

411 - Ideal

 

Não há ideal de pobreza

Nem de riqueza a propor:

Mais vale amor sem riqueza

Que riqueza sem amor.

 

 

512 - Berma

 

Isto de ser professor

Requer a mão apurada:

Há tanta flor, tanta flor

Que toco à berma da estrada!

 

 

513 - Janela

 

Além do tecto, uma estrela,

Atrás do muro, a raiz…

- Bastaria uma janela

Para me fazer feliz!

 

 

514 - Disfarce

 

Quando ensinar for amar,

Ser um professor é dar-se…

- Como isto vai devagar,

O que demora o disfarce!

 

 

515 - Maricas

 

Tanto finges que não sentes,

Não vão ter-te por maricas,

Que a mentira que te mentes

É a verdade em que te ficas!

 

 

516 - Cansado

 

Não tenho mais que fazer,

Terei é muito que amar:

Se, de cansado, morrer,

Nada é vão em meu finar.

 

 

517 - Pele

 

Coração à flor da pele

E de nada então sou pobre:

Quer se alegre ou sofra ele,

Tudo o mais é o que me sobre.

 

 

518 - Companhia

 

Procuramos companhia,

Não por entre os que meditam,

Entre as crianças: a via,

Via dos que ainda acreditam!

 

 

519 - Leivas

 

Demos, demos coração

E mais àqueles que erraram,

Mas com este freio à mão:

- Se alinham as leivas que aram.

 

 

520 - Rapazes

 

Rapazes maus, não, não há:

Falta de boa vontade,

De amor do lado de cá,

É que afoga em tenra idade.

 

 

521 - Devagarinho

 

Viagem de saber ser gente

A falar devagarinho:

- De repente, de repente

Todo o mundo é meu vizinho!

 

 

522 - Tratamento

 

Da aldeia para a cidade

Se esfriou o tratamento:

Fica o “senhor”, gravidade,

Foi-se o “tio” que acalento.

 

 

523 - Lavado

 

Sou levado, sou levado,

Mas que importa? É uma ilusão!

Sou-o, mas fico lavado,

Quem me enganar é que não!

 

 

524 - Memória

 

Como os mais é uma pessoa:

Quer contar a sua história,

Não sabe ouvir, fala à toa…

- Não ficará na memória!

 

 

525 - Gaiola

 

Nas arestas destas casas,

Como a vida nos viola!

Quem é que nos corta as asas

À medida da gaiola?

 

 

526 - Mantida

 

A mulher a quem mantemos

Não nos parece mantida

Enquanto nós não sabemos

Que o é doutros toda a vida.

 

 

527 - Suprimir

 

Para a morte de meu bem

Suprimir meu sofrimento

Só se por fora me vem

Matar como fez por dentro.

 

 

528 - Ruptura

 

Minha ruptura com ela

Abre o campo do prazer?

- O quebrar duma janela

Não quebra as grades que houver!

 

 

529 - Muro

 

Dela a presença era o muro

Contra o meu gozo da vida?

- Abatido, me asseguro

Outra maldição erguida.

 

 

530 - Impede

 

Creio que a visita amável

Me impede de trabalhar?

- Ida embora, inexplicável,

Fica o vazio em lugar.

 

 

531 - Ciúme

 

Para o ciúme não há

Nem passado nem futuro,

O que ele imagina está

Sempre num presente apuro.

 

 

532 - Esperteza

 

Tua esperteza me agrada,

Que esperta em mim a doçura

Que à fruta é sempre apontada

Quando o paladar apura.

 

 

533 - Desatino

 

Má conversa, desconfiança,

Acaso algum desatino,

Que importam se ali se alcança

Um amor, esse, divino?

 

 

534 - Menospreza

 

Valorar a gentileza

Da mulher amada é um erro

Se ela nisto menospreza

O mundo que aparte encerro.

 

 

535 - Desenvolvimento

 

As criaturas vão ter

Desenvolvimento em nós

E fora de nós: viver

Dos dois lados tece o cós.

 

 

536 - Predestinada

 

Agindo, a imaginação

Extrai da mulher amada

De única ser tal noção

Que a torna predestinada.

 

 

537 - Quinhão

 

De certa idade é quinhão

Menos duma criatura

Se apaixonar que do vão

Que um abandono figura.

 

 

538 - Menção

 

Por condições sociais

Nem por menção do bom senso

O poder ninguém tem mais

Sobre quem amo e em quem penso.

 

 

539 - Empenhamento

 

Quando deixámos de amar,

O empenhamento desperto

Morre antes de se finar

Quem ele deixou deserto.

 

 

540 - Boreal

 

A minha recordação

É uma boreal aurora:

O tempo mata a função,

Sombra de amor mal demora.

 

 

541 - Revivescente

 

Saudade duma mulher

É um amor revivescente:

Igual na dor vai viver

Todo o fulgor que alimente.

 

 

542 - Física

 

Na dor física, escolher

Não se impõe à nossa dor.

No ciúme é que sofrer

Vem do que me queira impor.

 

 

543 - Figura

 

Ignoramos o sentir

Próprio duma criatura

Sem sequer o pressentir?

- Como lhe anulo a figura!

 

 

544 - Estrangeiro

 

Pelo pensar possuímos

As coisas, não porque as temos:

País onde residimos

É estrangeiro se o nem vemos.

 

 

545 - Conformado

 

Se um viúvo conformado

Quer fugir do inevitável

Com a cunhada casado,

Só prova que é inconsolável.

 

 

546 - Parco

 

Bem parco é o mundo exterior,

Em nós próprios é que há vida

E, se se tratar de amor,

Lá fora em nada se lida!

 

 

547 - Debilita

 

Não é porque outrem morreu

Que uma afeição dedicada

Se debilita: é porque eu

Morro, lento, pela estrada.

 

 

548 - Mentira

 

A mentira é essencial

E é tão grande o seu papel

Que um amor, no que mais vale,

É mentira todo ele.

 

 

549 - Versão

 

Começar a amar um ente,

De inocente que pareça,

É uma versão diferente

Dos vazios que em mim meça.

 

 

550 - Defesa

 

A mentira é a defesa natural,

De improviso ou mais bem organizada,

Do amor contra o perigo bem real

De a vida destruir duma assentada.

 

 

551 - Medíocre

 

A medíocre mulher,

Muito mais que a inteligente,

Eis a que um génio prefere,

Pois é quem mais o acrescente.

 

 

552 - Alvas

 

Cremos amar uma jovem,

Porém não amamos nela

Senão as alvas que a movem

A ser delas a janela.

 

 

553 - Homossexual

 

Era um homossexual

Do mundo o melhor marido

Se não imitara mal

Da mulher ser tão ferido.

 

 

554 - Interesse

 

O interesse ocupa-se?

Logo o amor reforma-se.

O interesse informa-se?

O amor preocupa-se…

 

 

555 - Carícia

 

Uma inocente carícia,

Depois do sexo que houver,

Perde o encanto de delícia,

Começa a empalidecer.

 

 

556 - Deserto

 

Deixámos de conversar:

Que longe estamos, tão perto!

Já começo a delirar,

De sede a morrer deserto.

 

 

557 - Linda

 

Ainda bem que me pediste:

“Confirma uma vez ainda…”

Descobri o que resiste,

- Descobri que és mesmo linda!

 

 

558 - Vinte

 

Apenas vinte minutos

Em comum para a partilha…

E, todavia, os produtos

Num lar tornam qualquer ilha.

 

 

559 - Equilíbrio

 

Se de ter tempo deixei

(Este é meu maior ludíbrio)

Para os amigos que amei,

- Perdi de vez o equilíbrio.

 

 

560 - Ditador

 

O poder dum ditador

Mais absoluto e caudilho

Acaba sendo inferior

Ao que um pai tem sobre um filho.

 

 

561 - Criança

 

Três coisas tem a criança

De aprender: quem é que manda,

Quais as normas com que avança,

Quem as firma em toda a banda.

 

 

562 - Honra

 

Se a honra não defender,

Os demais irão pensar

Que a honra que então tiver

Não a terei se calhar.

 

 

563 - Desgosto

 

Se tens um fundo desgosto

Que te tira o gosto à vida,

Junta-te a alguém de igual rosto

E conversai de seguida.

 

 

564 - Ajudar

 

A forma mais excelente

De a ti próprio te ajudares

É de ajudar, competente,

Os mais com que deparares.

 

 

565 - Gratidão

 

Quem sentir a gratidão

Mas a não manifestar

Tem uma prenda na mão

E não a vai entregar.

 

 

566 - Humilhado

 

Ser humilhado deprime.

Porém, humilhar-se alguém

Diante de nós contém

A mágoa que nos redime.

 

 

567 - Idiotia

 

Política responsável

Sem amor universal,

Eis a idiotia viável:

Ser a meias um total!

 

 

568 - Acoime

 

A minha dor ou a tua

Pouco importa qual acoime,

Que ambas vão se ouvir na rua:

- Se tu sofres, isto dói-me!

 

 

569 - Pulsar

 

Ciclos que ritmam a vida

Estruturam a mulher

E unem-na, nesta medida,

Do mundo ao pulsar que houver.

 

 

570 - Sombra

 

Os que eu quisera ignorar

São sombra que pesa em tudo:

Fico condenado a olhar

O mundo inteiro que iludo.

 

 

571 - Vias

 

De Deus as estranhas vias

Em nós têm o fio atado:

“Tu não me procurarias,

Se não me houveras ao lado.”

 

 

572 - Asneira

 

Deus fez uma grande asneira

Ao livres nos programar…

- Levando a vida à ligeira,

Como vai ser isto: amar?

 

 

573 - Teia

 

Creio que há uma teia urdida

Ao ver alegres os potros

Pela campina em corrida…

- Crer na vida é crer nos outros!

 

 

574 - Esperança

 

Fundamento de esperança

É que outrem de mim precisa

E minha fome mo alcança

E atamo-nos desta guisa.

 

 

575 - Encontro

 

Pelo encontro é que existimos,

Somos mera relação:

Infeliz ou feliz, vimos

De elo em elo em comunhão.

 

 

576 - Polegar

 

Quenquer que passe por mim

Ou com que na vida esbarro

Põe-me a marca até ao fim

Como um polegar no barro.

 

 

577 - Ladeado

 

O caminho duma vida

É ladeado de gente:

Ao deserto nunca é ida,

É romaria fervente.

 

 

578 - Celebridade

 

Quando a fama a alguém acode

Ninguém pensa que é prisão:

- A celebridade pode

Condenar à solidão.

 

 

579 - Devorador

 

O apelo do solitário,

Como ele é devorador!

Vive, no grau mais primário,

A aurora quando é sol-pôr.

 

 

580 - Pequeno

 

Pelo Amor apelo e peno

Mas quando chega sou grito:

Sou vaso demais pequeno

Para conter o Infinito!

 

 

581 - Liberdade

 

O belo da liberdade

Livrar-me de não é tanto,

Livrar-me para, em verdade,

Do Amor é que traz o encanto.

 

 

582 - Côncavo

 

Há um grande côncavo em mim

Tão vazio como os céus.

Tu enche-lo um pouco. Enfim,

Acaba de enchê-lo Deus.

 

 

583 - Barco

 

Cá vou eu no barco à vela,

A retesar o cordame,

E o vento que sopra nela

Será Deus quando me chame.

 

 

584 - Pendente

 

Quando dou a mão a um pobre,

A outra não cai pendente,

Já que outra mão a recobre,

A de Deus ali presente.

 

 

585 - Infinito

 

Se o Infinito é o amor,

Ninguém aceita entendê-lo

Senão de actos em que for

Transformando-se em apelo.

 

 

586 - Primeiro

 

No fundo, viver é amar.

Porém, amar é servir,

Tendo, em primeiro lugar,

Ao que mais sofrer de ouvir.

 

 

587 - Invulgar

 

Isto de um homem se dar

É tão invulgar que esquece:

Acontece, se calhar,

Que o verbo amar envelhece…

 

 

588 - Pousada

 

A minha casa é a pousada,

Nas pegadas de granito,

Dos trilhos da cumeada

A caminho do Infinito.

 

 

589 - Confidência

 

A riqueza de avós novos,

Quando deles há frequência,

É o lugar ser dos renovos

Porque ali há confidência.

 

 

590 - Doente

 

Uma mãe fica doente

Com a doença do filho.

Quando é que o mundo consente

Com cada qual tal cadilho?

 

 

591 - Doutrem

 

Caridade é mais que dar,

É sentir doutrem a dor

E juntos o mal curar:

O teu de meu toma a cor.

 

 

592 - Tino

 

Se os destinos são fatais,

É que o amor perdeu tino:

O amor é livre, jamais

Se submete ele ao destino.

 

 

593 - Beijo

 

Como à bela adormecida,

Vai ser o teu beijo, amor,

Que a uma passageira vida

De imortal empresta a cor.

 

 

594 - Impede

 

Se à mulher um homem quede

Fiel por toda uma vida,

Outra de gozos impede

Mas ganha a vida perdida.

 

 

595 - Paixão

 

A paixão só é defeito,

A paixão só é virtude

Quando é tão levada a peito

Que só de extremos se ilude.

 

 

596 - Expectativa

 

Diminui a expectativa

À paixão que for vulgar.

À grande, porém, altiva,

Vai ao píncaro elevar.

 

 

597 - Raridade

 

É bem raro o vero amor.

Porém, esta raridade

É, se calhar, bem menor

Do que a da vera amizade.

 

 

598 - Dificuldades

 

Os amigos têm idades

Do tamanho dos perigos,

Já que é nas dificuldades

Que descubro meus amigos.

 

 

599 - Confraternizar

 

Confraternizar é um vício

Tão humano, tão humano

Que em virtude mais indício

Do que em pecado o dimano.

 

 

600 - Inveja

 

Filha a inveja é da impotência

Mas às vezes tem à mão

Ser a mãe, pela evidência,

Da perfeita admiração!

 

 

601 - Humilhação

 

A humilhação de nascer

Sem amar uma alma viva!

Do mundo como qualquer,

Quem da pátria ao fim me priva?

 

 

602 - Prisão

 

A prisão no mundo menos

Privada é viver restrito

Só com meus meios pequenos,

Sem rivais ter a meu grito.

 

 

603 - Desperdícios

 

Deita à rua o que te sobra:

Se os desperdícios imolas,

Já quem deles se recobra

Não viverá mais de esmolas.

 

 

604 - Igreja

 

O amor não se vai buscar,

Pequeno ou grande que seja,

À magia dum lugar,

Nem mesmo sequer à igreja.

 

 

605 - Inefável

 

O amor é incomunicável,

Todavia, a fé no amor

É um saber tão inefável

Que a todos pega o fervor.

 

 

606 - Desgostos

 

Se os desgostados se vão

E ficam só desgostantes,

Só desgostos medirão

Os desgostosos restantes.

 

 

607 - Previsível

 

Detesta sempre a mulher

O homem demais previsível:

Se é surpresa o que ela quer,

Que surpresa é repetível?

 

 

608 - Eficácia

 

O que se faz não é tão

Importante como a crença

Na eficácia que terão

Os gestos de quem convença.

 

 

609 - Soldado

 

Um soldado derrotado,

Se sob o próprio comando,

Não devém escravo a mando,

De pé se mantém soldado.

 

 

610 - Lema

 

Hesitar nunca devemos

Qualquer lema em adoptar

Do inimigo que tivemos

Se bom for a nosso lar.

 

 

611 - Formiga

 

A formiga hiperactiva

Ainda arranja, enquanto fiques,

O tempo de ficar viva:

- Tempo de ir aos piqueniques!

 

 

612 - Cura

 

A cura definitiva,

Para não ser demagógica,

A origem no amor tem viva,

Não tem origem na lógica.

 

 

613 - Cuidado

 

Se o cuidado é permanente,

É a cura definitiva.

Alma a doer em carne viva

É a vida inteira carente.

 

 

614 - Fachada

 

A família, na fachada

Se aparenta ser feliz,

Tem uns podres quando a enxada

Lhe escava um pouco a raiz.

 

 

615 - Substitutos

 

Evocar o pai profundo

É não ficar satisfeito

Com substitutos, no fundo

Vazios, se o tomo a peito.

 

 

616 - Riscos

 

A maternidade plena

Requer que a cada criança

Autorize, sem ter pena,

Ao risco correr que a cansa.

 

 

617 - Material

 

Sou feito de material,

De coisas e qualidades…

Amando as coisas tal qual

Amo em mim minhas verdades.

 

 

618 - Açude

 

O amor é pai do vazio

E também da plenitude:

Ambas as margens do rio

Erguem, fatais, meu açude.

 

 

619 - Elo

 

O amor deseja a união

Com alguém que seja belo

Para o eterno ter à mão

Preso ao tempo por este elo.

 

 

620 - Tristeza

 

À tristeza o amor contém,

Não ao fracasso absoluto.

Quem tal o vê, vê também

Como vai da festa ao luto.

 

 

621 - Desajustado

 

O amor é desajustado.

Porém, isto complementa

A emoção de ser alado

Numa imperfeição atenta.

 

 

622 - Imo

 

Vive o corpo em comunhão

Com todo o corpo do mundo:

Do imo nesta relação

A saúde encontro e fundo.

 

 

623 - Reflectida

 

Frutos de nosso trabalho

São a imagem reflectida

No lago de quanto valho:

- Amo-me neles e à vida.

 

 

624 - Deveras

 

Uma relação deveras

Quer disponibilidade

E a vulnerabilidade

De acolher mudanças de eras.

 

 

625 - Poisa

 

Se eu não amar cada coisa,

Não irei gostar do mundo,

Que ele em cada coisa poisa

E fora é tudo infecundo.

 

 

626 - Inteira

 

Uma casa verdadeira

É um lugar particular

E também a Terra inteira,

Tudo um só e o mesmo lar.

 

 

627 - Assegurado

 

Se um coração o quiser,

Envolvido, apaixonado,

Salvar um lugar qualquer

Fica logo assegurado.

 

 

628 - Riqueza

 

Das coisas riqueza

Não é do dinheiro,

É o que delas reza

O meu imo inteiro.

 

 

629 - Vendedor

 

O instinto do vendedor

É tentar a persuasão.

Com ele aprendeu o amor:

Mais vale um “talvez” que um “não!”

 

 

630 - Tronco

 

Não nos esqueça um instante

Distinguir tronco de ramos:

Na vida o mais importante

São as pessoas que amamos.

 

 

631 - Máquinas

 

Há os que com razão conspiram

Contra os que imitam um lar:

Estes máquinas admiram,

Não quem as faz funcionar.

 

 

632 - Humaniza

 

Refute-o quenquer

Com forças que o domem,

No fim é a mulher

Que humaniza o homem.

 

 

633 - Impreterível

 

Qualquer médico é possível

Que venha a curar doentes

Sem amor impreterível,

- Não o educador de gentes!

 

 

634 - Ridículo

 

Bem sei que fico no aprisco

Mesmo após aberta a grade:

Será o ridículo o risco

De toda a fidelidade.

 

 

635 - Definição

 

Do amor a definição

Trata apenas de saber

Por quem estamos ou não

De vez prontos a morrer.

 

 

636 - Errados

 

Quando todos têm razão

E o sangue escorre dos lados,

É porque todos então

Estarão decerto errados.

 

 

637 - Montra

 

Julguei prolongar a infância,

Boneca exposta na montra.

Não se prolonga tal ânsia:

A infância se reencontra.

 

 

638 - Indiferente

 

Morrer é-me indiferente:

Ter medo é ofender a Deus;

Ter inveja, inversamente,

Ofende homens irmãos meus.

 

 

639 - Fósforos

 

A criança se anima

Com fósforos que alcança?

- Os fósforos suprima,

Não suprima a criança!

 

 

640 - Troféus

 

Os violentos não tratam,

Registam troféus nas loisas:

Os violentos maltratam

As pessoas como coisas.

 

 

641 - Decisivos

 

Nos momentos decisivos

Algo não é que se passa,

Alguém perpassa entre os vivos,

Para a graça ou a desgraça.

 

 

642 - Sorriso

 

Um sorriso ao desgraçado,

Quer adulto, quer petiz,

Diverso o muda um bocado

Num bocado mais feliz.

 

 

643 - Ausência

 

Posso conhecer alguém

Por mero efeito de ausência:

- Pelo vazio que tem

Sem ele minha vivência.

 

 

644 - Refeição

 

A refeição em família

É que faz a diferença:

Por ele um filho em vigília

Sente então a bem-querença.

 

 

645 - Conversa

 

A conversa paralela

Ao fazer coisas vulgares,

Dos pais aos filhos apela,

Cria laços singulares.

 

 

646 - Aliado

 

Todo o jovem se retrai

Quando um pai lhe dá conselho:

Um chefe não quer do pai,

Quer um aliado mais velho.

 

 

647 - Afasta

 

Se um filho jovem se afasta

Os pais nunca entendem bem

Que não queira pôr em hasta

Que os pais se afastem também.

 

 

648 - Presente

 

Se tens pouca informação

De teu filho adolescente

Partilha o que põe à mão

Tal se te dera um presente.

 

 

649 - Guia

 

O adolescente requer

Alguém que sirva de guia:

Quando ajuda requiser,

O bom-senso tem magia.

 

 

650 - Compensação

 

A maior compensação

De ser pai é ver crescer

O rebento desde o chão

Até sombra lhe fazer.

 

 

651 - Calma

 

Fale com calma, jamais

Seu cônjuge desafie:

As angústias falam mais

Quando o respeito as desfie.

 

 

652 - Golpes

 

Como os mortos não existem,

É a nós mesmos que batemos

Se na memória persistem

Os golpes que aos mortos demos.

 

 

653 - Caminho

 

Razão que só pensa, cai,

Não pesa as pedras do chão:

Longo é o caminho que vai

Da razão ao coração.

 

 

654 - Sina

 

É o amor uma má sina

Contra a qual nada se pode:

Um encantamento inclina

E o mundo inteiro sacode.

 

 

655 - Simplicidade

 

A pretensão se avizinha

Do que é mera estupidez.

A simplicidade adivinha,

Se esconde e agrada de vez.

 

 

656 - Altruísmo

 

Todo o altruísmo fecundo

Cresce de modo egoísta,

Dum egoísmo em que o mundo

Corre inteiro em sua pista.

 

 

657 - Amigo

 

É para sempre um amigo,

Não é para a ocasião:

- De amizade só um mendigo

Compra amigos a tostão.

 

 

658 - Amizade

 

É um prazer uma amizade

E um prazer que nada custa:

Quando é plena a lealdade

Nada em dívida se ajusta.

 

 

659 - Lar

 

Um povo vivificar,

Só tocando o coração:

Da integridade do lar

É a força duma nação.

 

 

660 - Progenitor

 

Das vidas há quem dador,

Cumprido o papel, se vai.

- Ser mero progenitor

Não será nunca ser pai.

 

 

661 - Presente

 

Primeiro dever do pai

É o dever de estar presente

A cada nada que vai

Um lar fazer que cimente.

 

 

662 - Presenças

 

A teia que ata as presenças

É que te germina o bem

Com que venças e convenças

Em teus laços com alguém.

 

 

663 - Equação

 

A desconsideração

É, afinal, ter-me esquecido

Que sou parte de equação

E outrem vai nisto envolvido.

 

 

664 - Perspectiva

 

De manter no casamento

Difícil é a perspectiva,

De tempo falta-lhe unguento,

Falta a distância que arquiva.

 

 

665 -Hesitante

 

Os casados há bastante

Conseguirão mesmo ouvir

O sentimento hesitante

Na voz do par que o nem vir.

 

 

666 - Mágico

 

O mágico resultado,

O mais vivo que vivi,

É que não vivo a teu lado,

Vivo mais dentro de ti!

 

 

667 - Nós

 

Tu em mim e eu em ti

Tanto nos enlaça a voz

Que é bem mais o que anda aqui,

É um terceiro: é sermos Nós!

 

 

668 - Demora

 

Perdi-me de mim em ti,

Perdeste-te por mim fora:

Já noutro mundo nasci,

Se calhar Deus não demora.

 

 

669 - Mar

 

Amo-te e serei a estrada,

Amo-te e sou peregrino:

Vela eterna desfraldada

Rompendo o mar do destino.

 

 

670 - Grilhão

 

O mundo anda preso a nós

Como um grilhão das galés.

- O coração como após

Pode erguer-se além dos pés?

 

 

671 - Pastora

 

A noite é boa pastora,

traz a casa e aos currais

Todos que foram embora:

- Os homens e os animais.

 

 

672 - Primeiro

 

Para alguém me perdoar

Hei-de perdoar-me primeiro

E alguém me terá de amar

Senão nem do amor me abeiro.

 

 

673 - Discussão

 

A discussão não tem mal

Quando puder dizer tudo.

Logo volta o principal:

- Eu a ti num Nós me grudo.

 

 

674 - Baldões

 

No país do amor, problema

É que é local de ilusões:

Quando abandonado, o lema

É a vida andar aos baldões.

 

 

675 - Suportável

 

É o amor que torna a vida

Suportável deste lado,

O amor que for encontrado

Na trilha sempre perdida.

 

 

676 - Espera

 

É bom ter uma mulher

De quem nós nos apartamos

Porque à espera quem nos quer

Estará quando voltamos.

 

 

677 - Gaiola

 

Quantos pássaros morrem

Se os metem na gaiola

E como os homens correm

Contra a grade que isola!

 

 

678 - Perfume

 

Ofereço-te um perfume

E tão estranho é o odor

Que não é cheiro mas lume

Que ateia no nosso amor.

 

 

679 - Pesca

 

Damos-te a cana de pesca,

Damos-te um sonho a caminho:

Neste anzol o que mais resta,

Não é peixe, mas carinho.

 

 

680 - Amigos

 

Dois amigos, talvez haja

Força bem mais poderosa.

Mais tenaz e que encoraja

Ninguém mais nenhuma goza.