SEXTO  CANTO

 

 

 

 

OS  ROTEIROS  ENCONTRO  QUE  PROPONHO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha aleatoriamente um número entre 681 e 861 inclusive.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                681 - Os roteiros encontro que proponho

 

                                                Os roteiros encontro que proponho

                                                Na quadra popular que me projecta

Os rumos, os desejos, qualquer sonho

                                                Em busca da distante, ignota meta.

 

                                                Salpico de poesia, à quadra aponho

                                                Como a um marco na estrada, a minha seta,

                                                A indicar-me na recta o alvor risonho

                                                Cuja luz buscarei ao fim secreta.

 

                                                Se neste quase nada, quase tudo,

                                                Os buracos e as curvas no caminho

                                                Jamais serão descritos, sobretudo

 

                                                O que na quadra apuro, meu cadinho,

                                                São os oiros que o mundo põem mudo,

                                                Pois jóia rara a vida me adivinho.

 

 

 

682 - Sentido

 

Dizer não, sentido

Tem bem mais no fim

Se tiver sabido

Também dizer sim.

 

 

683 - Bicho

 

É o Homem um bicho

Que a armadilha monta,

Isca-a com um lixo

E cai nela à tonta.

 

 

684 - Bofetadas

 

Liberdade é ser capaz

De aguentar as bofetadas

Que sempre a vida nos traz

Pelas decisões tomadas.

 

 

685 - Futuro

 

Futuro apenas vai ter

Quem passado tiver tido:

Quem a identidade houver

Da história de que é nascido.

  

 

686 - Receita

 

De irritar um irritante

Eis a receita feliz:

Dar-lhe um sorriso galante

E escapar-lhe por um triz.

 

 

687 - Paz

 

Melhor a um homem deveras

É morrer em paz consigo

Que em guerra perdurar eras

Dele próprio sem o abrigo.

 

 

688 - Acção

 

As palavras, sim, serão,

Abundantes, belicosas,

Mas apenas uma acção

Cria as coisas preciosas.

 

 

689 - Sair

 

No smocking, mesmo lá dentro,

Mora em T-shirt um rapaz

Sempre a viver no tormento

De dali fugir em paz.

  

 

690 - Circo

 

O tempo é o circo ambulante

Sempre a ser alevantado

E a mudar, a cada instante,

A mudar para outro lado.

 

 

691 - Tarefa

 

Não é deixar-se viver

Tarefa de cidadão,

É os desempates que houver

Decidir com posição.

 

 

692 - Vergonha

 

Certifica que a criança

Que algum dia foste outrora

A vergonha a não alcança

Deste adulto que és agora.

 

 

693 - Vitórias

 

De ontem as minhas vitórias

Serão menos importantes

Do que os planos para as glórias

Que amanhã quero ter antes.

 

 

694 - Missão

 

Há vidas cuja missão

É um destino de tal sorte

Que se inaugura a função

Apenas depois da morte.

 

 

695 - Líder

 

Quem lidera é quem tiver

O mais longínquo horizonte:

Quem líder pretende ser

Terá que ser uma ponte.

 

 

696 - Poder

 

O verdadeiro poder

É sabermos que podemos

E, por respeito ao dever,

Todavia, não fazemos.

 

 

697 - Chafurdar

 

Aprender com o passado

É o que à sensatez impele.

Insensato e bem errado

É, porém, chafurdar nele.

 

 

698 - Espada

 

Se um valor não vale nada,

Se a autoridade não manda,

- Como irá deter-se a espada

Que a todos nos põe de banda?

 

 

699 - Quebra-cabeças

 

A vida é um quebra-cabeças

De unir linhas infinitas:

Só quando no fim as meças

É que teu desenho fitas.

 

 

700 - Monumento

 

Diminuído da usura

Do tempo de tal momento,

Resta sempre, da loucura

De sonhar, um monumento.

 

 

701 - Sério

 

A sério prezar a vida

No que ela for justamente

É abandoná-la, perdida,

Por um sonho que se tente.

 

 

702 - Ferramentas

 

Todos somos ferramentas

Mais ou menos resistentes.

Que mal há, se enquanto tentas,

Se quebre acaso, entrementes?

 

 

703 - Intervalo

 

Este homem, um falso deus,

Não vais conseguir matá-lo:

Se morrer, nesse intervalo,

Triunfará pelos céus.

 

 

704 - Esperança

 

Todas as coisas se somem,

A questão é como ser

E a esperança do homem

É a razão de ele viver.

 

 

705 - Vitória

 

Não veremos a vitória

Mas teremos contribuído.

Jamais é vã a memória

Se o que sou é de haver sido.

 

 

706 - Conturbado

 

O futuro conturbado

Futuro é desconhecido:

Este obscurecido dado

Morre à espera de sentido.

 

 

707 - Instrumento

 

Toda a vida é um instrumento

Inesperado da sorte:

É que a vida é um alimento,

- É o alimento da morte!

 

 

708 - Carácter

 

O carácter, de embrulhada,

Tão complexo é que se perde?

- Todo o fio da meada

Finca na estação mais verde.

 

 

709 - Traço

 

Filosofia na História:

- Foi real, foi fantasia,

Mero traço de memória,

Ou renasce em cada dia?

 

 

710 - Margens

 

Primeiro perguntámos pela Terra

E depois perguntámos pelo Homem:

Entre ambas estas margens se nos ferra

O dente das questões que nos consomem.

 

 

711 - Caminho

 

Do ser ao conhecimento

É o caminho do que sou,

Até devir o momento

De ser o que alguém sonhou.

 

 

712 - Fracturas

 

No século dezanove

Quantas fracturas avançam

Que o vinte depois promove!

- Os homens nunca descansam!

 

 

713 - Ovelha

 

Que importa uma vida velha

De olhos a arrastar no chão?

Valem cem anos de ovelha

Menos do que um de leão.

 

 

714 - Medo

 

Ter medo não é cobarde:

A coragem vem do medo,

Quantas vezes, quando ele arde

E foi vencido em segredo!

 

 

715 - Promessa

 

O futuro é uma promessa

Que muitos crerão que é vã,

Mas a promessa começa

A sério mesmo amanhã.

 

 

716 - Mistério

 

A vida não é, bem sério,

Um problema a resolver:

A nossa vida é um mistério,

É mesmo o mistério a ser.

 

 

717 - Senão

 

Para reter o lugar

Onde não haja senão

É preciso acreditar

Que as questões têm solução.

 

 

718 - Enquanto

 

Se não lograr uma coisa,

Abandono-a, enquanto novo,

O bastante para à loisa

Outra tentar em que aprovo.

 

 

719 - Crença

 

Quem se não crê deus-com-amos

À vida quer os extremos:

Não é a crença o que julgamos

Mas aquilo que fazemos.

 

 

720 - Singularidade

 

Nossa singularidade

É que há biliões que embebe

Quem uma ideia concebe,

A ideia que persuade.

 

 

721 - Presidir

 

Todo o fim da caridade,

Longe duma ostentação,

É duma boa cidade

Presidir à construção.

 

 

722 - Parar

 

Não podemos parar para pensar,

Teremos de pensar quando vivemos,

Que a vida continua a amarinhar

E, se paramos, logo então perdemos.

 

 

723 - Quimeras

 

Se estamos vivos deveras,

Antes do tempo colhidos

Somos todos e às quimeras

Nem dá tempo a dar ouvidos.

 

 

724 - Teima

 

Por quê continuar a teima

Se ela ao fim nada resolve?

- Aprendi algo que queima

E à frente há mais que me absolve.

 

 

725 - Raízes

 

Não se alongam as raízes

Andando-as a procurar,

Delas formam-se as matrizes

Fixando-me num lugar.

 

 

726 - Vasculhamos

 

A origem do grande evento

É como a origem do rio,

Vasculhamos terra e vento

E ninguém lhe encontra o fio.

 

 

727 - Nomes

 

Qualquer homem tem dois nomes:

Tem o nome que lhe deram

Mais o que aos frios e fomes

Rouba aos tempos que o toleram.

 

 

728 - Justiça

 

Quando a justiça é o que sai

Da espada nas mãos dum rei,

Que juiz é que não cai,

Bem e mal terão que lei?

 

 

729 - Ave

 

Ave que foge à prisão,

Que para longe esvoaça,

Por que atrás já corre em vão

A esmagar-se na vidraça?

 

 

730 - Génios

 

Não, os génios não os quero:

É que o fim de meus convénios

É pôr fim ao desespero,

- É que todos sejam génios!

 

 

731 - Ganância

 

A ganância não tem fé,

Quer ter os olhos na boca

E pouco importa o que vê,

- Dela importa é o que nos toca!

 

 

732 - Quase

 

Chega um dia e serei quase,

Quase mesmo um Professor.

Pois não é que nesta fase

Findo quando quase o for?!

 

 

733 - Sina

 

O que é preciso ensinar

É aquilo que não se ensina:

Ir sendo, bem devagar,

Quem se impõe a própria sina.

 

 

734 - Falsificador

 

“Não,  porque parece mal”

Torna-nos em maus poetas:

Já ninguém vale o que vale,

Falsificador de metas.

 

 

735 - Reguada

 

Um risco sobre o trabalho

A sangrar de bem vermelho:

Reguada em almas que eu malho,

Reguada com que as engelho!

 

 

736 - Denega

 

Aprender como se faz

É mais luta que ciência:

Deus, que me denega a paz.

Deu-me em troca paciência.

 

 

737 - Prescrita

 

Má lição ou lição boa

Vem da fonte não prescrita:

Eu ser lição em pessoa,

Não o papel onde é escrita.

 

 

738 - Enviesado

 

“Cuidado com este aluno!”

- Rosna o mau mestre enviesado.

E ao invés eu me reúno

Com este aluno cuidado.

 

 

739 - Errando

 

Errando é que alguém aprende,

Não acertando à primeira:

Corrigindo é que se entende

A falsa frecha e a certeira.

 

 

740 - Produtivo

 

O prazer do sacrifício

Troca-o, vazio e cativo,

Pelo livre benefício

Do trabalho produtivo.

 

 

741 - Gala

 

Tomada uma decisão,

Visto-me logo de gala

E já nem reparo então

Quanto falta executá-la.

 

 

742 - Cheio

 

A vida cheia de nada,

Na desilusão ferida,

Pode ser, por fim, a entrada

A um nada cheio de vida.

 

 

743 - Sombra

 

Outrora se desvanece

Neste agora que existir,

Como uma sombra se esquece

Nas ondas de luz a vir.

 

 

744 - Fadário

 

Em troca do imaginário

Que tentamos descobrir,

Dá-nos a vida um fadário

Que ninguém vai vera vir.

 

 

745 - Sujeição

 

Nós não temos liberdade

De deixar de forjar dor:

É vã a nossa vontade

De aos mais sujeição impor.

 

 

746 - Jeiras

 

Do lado aqui da realidade funda

Restam mentiras que serão verdade

Do lado além que ignoto nos fecunda

Nas jeiras do destino que nos grade.

 

 

747 - Esferas

 

Não conhecemos deveras

Senão aquilo que é novo,

O que nos muda de esferas:

- O hábito não choca o ovo.

 

 

748 - Sofrimento

 

Livrar-me dum sofrimento

Requer que nele me grude,

Que vem dele o apagamento

De vivê-lo em plenitude.

 

 

749 - Sintomas

 

Nossas impressões, ideias,

De sintomas têm valor:

Sondo, médico,  nas veias

As causas do que isso for.

 

 

750 - Frívola

 

Vida frívola e mundana

Põe-nos os sentidos tortos,

Mata o poder que em nós mana

De ressuscitar os mortos.

 

 

751 - Pico

 

Não é por sorte ou azar

Que falho o pico da serra:

Quero aprender a voar

Conservando os pés em terra!

 

 

752 - Desejo

 

O desejo engendra a crença

E, se em tal não reparamos,

É que ele não tem detença

Senão quando nos finamos.

 

 

753 - Fadiga

 

A fadiga da velhice

Ao recordar o passado

Dificulta que emergisse

Do presente algum bocado.

 

 

754 - Deprimente

 

Nada é tão deprimente

Como quando nos propomos

Ser pessoa diferente

Daquela que a sério somos.

 

 

755 - Inseguro

 

O que hesita ao fazer planos

É que se sente inseguro

Do poder de, em vez de danos,

Se destacar com apuro.

 

 

756 - Assustadora

 

Se não tentar conhecer

Gente doutra raça ou fé,

Assustadora a vou crer,

De pôr-me o cabelo em pé!

 

 

757 - Limite

 

Decide rápido qual

É teu limite no evento.

Não transgridas o sinal,

Depois, em nenhum momento.

 

 

758 - Zero

 

Se tiver de ser um zero

Mais vale zero p’ra vinte

Do que zero para zero:

- Ao menos sonho o requinte!

 

 

759 - Crédito

 

É vital ceder-me o crédito

Da adversidade vencida,

A que tenho jus por rédito

Do que ultrapassei na vida.

 

 

760 - Comportamento

 

Ao olharmos para a História,

O comportamento humano

Mais fácil é de memória

Prever que do tempo o dano.

 

 

761 - Travessia

 

travessia do deserto,

De opções pobre e de esperança…

- Não te percas, que estás perto,

O que importa é quem não cansa!

 

 

762 - Exercício

 

O exercício nos liberta

Do sofrer que há na cabeça

E o corpo o sentido acerta

Com o pé que o chão nos meça.

 

 

763 - Renuncia

 

A minoria é dever

Do que a ser não renuncia,

Por isso é tão fácil ser

O que for a maioria.

 

 

764 - Indignação

 

A indignação facilmente

Dará boa consciência

Mas rápida se desmente

Se de agir não leva à urgência.

 

 

765 - Pegada

 

Conserva no coração

A impaciência de fazer,

Com a indignação na acção

Da pegada a não perder.

 

 

766 - Procurar

 

À força de procurar

Caminho em rota perdida

Algum dia hei-de encontrar

As referências da vida.

767 - Curso

 

O papel do ser humano

é provar que neste chão

Está mesmo em curso um plano:

Nada, nada é sem razão.

 

 

768 - Heroísmo

 

O heroísmo da perfeição

Importa tê-lo visível

Mas só crer na imposição

Do humanamente possível.

 

 

769 - Solução

 

Eutanásia, talvez não,

Mas terapêutico afã

Sem vislumbrar solução

Não traz nenhum amanhã.

 

 

770 - Pátria

 

Pela pátria fazem guerra

E muita paixão se ateia,

Quando a pátria fora a terra

Que se antes de mais semeia.

 

 

771 - Trapaça

 

Há quem chore uma desgraça,

A consciência a seduzir,

E me engane na trapaça…

- Chorar, não: não é agir!

 

 

772 - Prata

 

Se o sonho não for jucundo,

Olha a paz, olha o calor:

Nem tudo é oiro no mundo,

Também prata tem valor.

 

 

773 - Tentação

 

A tentação do perigo

Rodeia cada mortal

Desde o berço em que é nascido

À tumba que é seu final.

 

 

774 - Caminhar

 

Quando não dá para agir,

Já me contento em pensar:

A questão é que é o porvir

Que anda aí a caminhar.

 

 

775 - Promessas

 

Desatamos a embarcar

Em promessas de amanhã

E o dia-a-dia a afundar,

Noite, noite sem manhã…

 

 

776 - Constância

 

Num mundo sempre em mudança

A constância significa,

Muitas vezes, que o que alcança

Mudar de ideias implica.

 

 

777 - Tranquilidade

 

Encontrar tranquilidade

Torna, ao princípio, feliz,

Mas jamais, ao fim, condiz

Com o que é felicidade.

 

 

778 - Contente

 

Contente com o que tem,

Que ora é demais ou de menos,

Não vive nunca ninguém,

Do maior aos mais pequenos.

 

 

779 - Reparo

 

Não fiz as coisas por mim.

As coisas que aconteceram,

Se reparo bem, no fim,

Elas é que me fizeram.

 

 

780 - Drenos

 

O problema não é sermos

Maiores ou mais pequenos,

É vivermos noutros termos:

- Sejamos fontes, não drenos!

 

 

781 - Fugidia

 

Fugidia, a ideia nova,

Se a não prendes, se afigura

Ilusão e põe à prova

O teu poder de captura.

 

 

782 - Individual

 

Um estímulo não há-de

Fazer nunca nenhum mal,

Mas a criatividade

É sempre individual.

 

 

783 - Fortuna

 

A fortuna é dos audazes,

Dos tímidos, a má sina:

Será conforme o que fazes

Que tua vida se inclina.

 

 

784 - Indescoberto

 

Sempre o mundo é indescoberto,

Por mais que, descobridor,

Cada qual fique mais perto:

- Além fica sempre o alvor.

 

 

785 - Grau

 

Dos ódios o grau mais alto

Não é o que frustra o que quero,

é o que tenho ao que me falto:

- De mim mesmo é o desespero.

 

 

786 - Peito

 

Um homem nunca foi feito

Para ter tranquilidade,

Mas para, de peito feito,

Germinar paz e verdade.

 

 

787 - Adense

 

Esta terra nem me vence

Nem me deixa desistir,

Onde há pátria que se adense

É que balança o porvir.

 

 

788 - Figos

 

No dia em que houver porvir

E nós nele bem seguros,

As estrelas vão cair,

Vão, como figos maduros!

 

 

789 - Ressentimento

 

Reincidimos naquilo

Que nos deu ressentimento

E até na Fé me perfilo

O liame ao violento.

 

 

790 - Mister

 

Esperar o sol mister

É de pessoas bem cheias

Com o trânsito que houver

Grande das grandes ideias.

 

 

791 - Fuga

 

Toda a fuga é uma recusa:

Tudo é melhor do que aquilo!

A certeza humana inclusa

É que a um facto outro há a segui-lo.

 

 

792 - Perdigoto

 

Perdigoto disparado,

Pelos matos me fugi

Logo que da mãe saí…

- E assim destinei meu fado!

 

 

793 - Demais

 

Trabalho todos os dias

Para nunca trabalhar

Demais minhas fantasias

Nem demais ter de suar.

 

 

794 - Centro

 

Por que te custa aceitar

Que não és centro do mundo?

Na terra, no mar e no ar

A fundo o que importa é o fundo.

 

 

795 - Dédalo

 

Em tal dédalo de estradas

O homem moderno anda preso

Que o não levam, palmilhadas,

A lado nenhum ileso.

 

 

796 - Distante

 

Quando te calhar o inferno,

Toca a vida para diante:

Quando principia o Inverno

Que Primavera é distante?

 

 

797 - Parada

 

Nem queiras sequer supor

O que é uma vida parada,

A vida vive o melhor

Ao viver vida agitada!

 

 

798 - Coleccionador

 

Um homem, quando homem for,

Não é um animal de excesso,

Antes coleccionador

De esperanças em processo.

 

 

799 - Invés

 

O invés da oportunidade

É a tentação que nos tece:

- Outra hipótese nos há-de

Vir à mão e a de hoje esquece.

 

 

800 - Ócio

 

É impossível desfrutar

Plenamente qualquer ócio

A menos que imenso a obrar

Se haja feito no negócio.

 

 

801 - Importa

 

Preocupar-me com tudo?!

Como permanecer são?

Se nada importa, contudo,

Não há de humano mais chão.

 

 

802 - Acordo

 

Pouco importa se concordo

Com o que dizes sequer,

Mas luto (que importa o acordo?)

Para que o possas dizer.

 

 

803 - Através

 

Caminho através do mundo

É que é difícil deveras,

Que além dele é o infecundo

Devaneio das esperas.

 

 

804 - Redor

 

Em vez de me redimir

O melhor é respeitar

O que em redor existir:

- Do céu a terra é um lugar!

 

 

805 - Servo

 

Um servo da natureza

Não é seu dono e senhor:

Só cura quem nela preza

Obedecer-lhe a primor.

 

 

806 - Meço

 

Na vida que existe em mim,

Quando o fundo daqui meço,

Não lhe encontro jamais fim,

Pois todo o fim é um começo.

 

 

807 - Odisseia

 

A verdadeira odisseia

Não é um monte de experiências:

Viagem de riscos cheia,

Do imo é gerar existências.

 

 

808 - Rumo

 

Desfechos e recompensas

Na busca do rumo certo

Nunca autorizam dispensas,

Que o longe nunca está perto.

 

 

809 - Ressurreição

 

Tema da ressurreição:

- Na vida sobrevivi

A uma fase de tensão

E hoje melhor eis-me aqui!

 

 

810 - Expor-me

 

Expor-me perante a vida

Ameaça de verdade

Mas é, na mesma medida,

A minha oportunidade.

 

 

811 - Desaprender

 

Temos sempre de encontrar

Modos de desaprender

O que nos tapa o lugar

Para a verdade que houver.

 

 

812 - Narcisismo

 

A cura do narcisismo

Vem da aspiração de eu ser

A pessoa com que cismo

Mais que outro sonho qualquer.

 

 

813 - Perigo

 

O perigo de Narciso

É sempre o da rigidez:

Ser maleável é de aviso

A quem queira ser de vez.

 

 

814 - Ónus

 

Se as ambições são demais

Pagam os ónus do jogo

Com dificuldades tais

Que ao dar-lhes corpo me afogo.

 

 

815 - Gozo

 

O prazer terreno

Convida à vivência

Doutro gozo pleno

Que é eterno de essência.

 

 

816 - Fulcral

 

A questão fulcral da vida

Não é da vitória a palma,

É fabricar, à medida

De cada qual, sua alma.

 

 

817 - Desfecho

 

A meta como o desfecho

Valem por imaginados,

Já que, quando neles mexo,

Não são nunca consumados.

 

 

818 - Alterar

 

De qualquer alma o percurso

É o de sentir a existência,

Não de lhe alterar o curso

Das lutas pela excelência.

 

 

819 - Errância

 

Deambulações, errância,

São de minha alma o percurso,

Tanto feito de ignorância

Como de excelso recurso.

 

 

820 - Pequenos

 

Repara nas coisas menos

Pelo lado da função

E mais por estes pequenos

Belos nadas do que são.

 

 

821 - Inventos

 

A natureza exploramos,

Cheios de novos inventos.

Dominados acabamos,

De em nosso imo andarmos lentos.

 

 

822 - Médico

 

Quando um médico é preciso,

A ajudar-te ajuda-o bem:

Ajuda com mais juízo

Quem se ajuda a si também.

 

 

823 - Regular

 

O exercício regular

A depressão e ansiedade

Reduzir-nos-ão a par

Da festa que nos invade.

 

 

824 - Rumo

 

Às vezes fico bem perto,

Mas perco o rumo aos assuntos:

Nenhum de nós tão esperto

É como todos nós juntos.

 

 

825 - Pergunta

 

Não perguntes ao país

Que pode fazer por ti,

Antes te pergunta aqui

Que dás por tua raiz.

 

 

826 - Grito

 

Quem tem medo do infinito

Encolhe-se no seu canto,

Se alguém mexe solta um grito,

Mata quem lhe oferta o espanto.

 

 

827 - Partidário

 

Como crer em meu sentido

Sem devir incendiário,

Como irei tomar partido

Sem tornar-me partidário?

 

 

828 - Imola

 

Uma ideia e já consola

Da morte, dos afazeres…

- Por que é que à ideia se imola

A preferência que queres?

 

 

829 - Repugna

 

Se me repugna a violência,

Então deixar-me matar

É a maneira de a decência

Dignamente protestar.

 

 

830 - Preciso

 

Não é deixar-se matar,

Importa mesmo é vencer:

Preciso é não se enganar

Na vitória a promover.

 

 

831 - Pressa

 

Erguer os olhos, mas como

Com tal pressa olhar o fundo?

- É pena que tal assomo

É que hoje conduza o mundo!

 

 

832 - Consciência

 

Nunca se pratica o mal

Tão completa e alegremente

Como quando ele, afinal,

Em consciência se implemente.

 

 

833 - Físsil

 

Inteiro ante um mundo físsil,

Tormento entre os mais tormentos,

Não violento é o mais difícil

De ser entre os violentos.

 

 

834 - Armado

 

Se qualquer homem armado

Aparecer, não como alvo,

Mas fraco e bem mal dotado,

Então fica o mundo salvo.

 

 

835 - Demasiado

 

Mudo mal se equilibrado

Não mudo quando me mudo,

Esforço demasiado

Acaba estragando tudo.

 

 

836 - Falésia

 

Da falésia sempre à beira,

Precisamos de saltar.

- De cair isto é maneira,

Ou maneira de voar?

837 - Recuo

 

O mundo novo construo

Dos antigos, peça a peça,

Não há fuga nem recuo

De nossa própria cabeça.

 

 

838 - Vendam

 

Quão mais tempo há-de correr

Até que todos entendam

Que por si pode quenquer

Mais fazer que o que outros vendam?

 

 

839 - Feixe

 

Que sujeitar-se a um regime

Difícil será bem mais

Contê-lo, em feixe de vime,

E não impô-lo aos demais.

 

 

840 - Raio

 

Muitos séculos depois

Do sujeito que emanava

Ainda escutamos Camões,

Ainda a Terra um raio a grava!

 

 

841 - Controlo

 

Reclamo, requeiro

Mais que o cheiro ao bolo…

- Perco se primeiro

Perder o controlo.

 

 

842 - Rir

 

Ri-te, que passa a teu lado

Muita freima desprezível:

Rir e estar preocupado

Ao mesmo tempo é impossível.

 

 

843 - Véu

 

Neste mundo fervilhante

Como levantar o véu

Que nos tapa sempre adiante

Qualquer nesga que há no céu?

 

 

844 - Cais

 

Da vida perante o ataque,

Prepara o rumo em que vais.

Queres que o navio atraque?

- Tens de construir-lhe um cais.

 

 

845 - Novo

 

Faz qualquer coisa de novo,

Por mais pequeno que seja,

Cada dia, que deste ovo

Nasce o porvir que se almeja.

 

 

846 - Aberta

 

Onde houver grande procura

A correspondente oferta

Tarde ou cedo lhe assegura,

Para as compras, porta aberta.

 

 

847 - Rasgar

 

Formação elementar

Não promete situação,

Vale a pena muscular

Quem queira rasgar o chão.

 

 

848 - Tomos

 

Somos aquilo que somos

Por termos o que teremos,

Ou antes lemos nos tomos

Que somos o que fazemos?

 

 

849 - Crime

 

Sobre a terra quanto crime

Que não fora consumado

Se o gesto honesto, sublime,

Se tivera sublevado!

 

 

850 - Desertos

 

Montes e plainos desertos

São de quantos se perderam,

São os caminhos incertos

Que foram e não vieram.

 

 

851 - Coisa

 

É o fazer que me interessa,

Não o ser que dele vem,

Quando este acaba e começa

Nas coisas, não em alguém.

 

 

852 - Horizontes

 

Há quem mude de horizontes

E desde então ande errado

Crendo que ao mudar de montes

Foi ele que foi mudado.

 

 

853 - Desatar

 

Que mediação hei-de ter

Para desatar o voo

Entre o que queria ser

E o que afinal sei que sou?

 

 

854 - Confuso

 

Para o espírito confuso

Não existe duradoiro

Paraíso para uso,

Só cacos de mau agoiro.

 

 

855 - Ecologia

 

A vida respeitas, amas,

Mas ecologia é morte

Se em mundo pequeno acamas

Infindas vidas à sorte.

 

 

856 - Cura

 

Paciência, paciência,

Usa o tempo sem usura,

Olha que a melhor ciência

É que exige tempo a cura.

 

 

857 - Subviver

 

Há quem creia que o sentido

Seja o de sobreviver

E nem veja que é mentido:

- Será sempre subviver.

 

 

858 - Andorinha

 

A humanidade andorinha,

Se o ninho se lhe destrói,

Volta ao beiral que convinha,

De penas o reconstrói.

 

 

859 - Credo

 

Quando acredita num credo,

Toda a Humanidade corre.

Mas onde se instala o medo,

Onde há medo tudo morre

 

 

860 - Humilhante

 

É humilhante descobrir

A própria insignificância

Em meio ao grande devir

Que nos chama da distância.

 

 

861 - Fogueira

 

Na fogueira moribunda

Em vão tentam surpreender

Chamas do amanhã que abunda…

- Só da cinza há renascer!