OITAVO  CANTO

 

 

 

IRREGULAR  CAMINHO  MEU  MEDONHO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha aleatoriamente um número entre 1044 e 1106 inclusive.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                1044 - Irregular caminho meu medonho

 

                                                Irregular caminho meu medonho

                                                Na quadra irregular eu fixarei:

                                                O que sou, o que sei,

                                                O que transponho.

 

                                                Minha lei

                                                Há-de ser buscar o sonho

                                                E perdê-lo naquilo em que eu o ponho.

                                                O porquê de tal nunca o saberei.

 

                                                Mas sei que sonho e que a sonhar andei

                                                Ínvios caminhos quase sem notar,

                                                Ao compasso da humana grei.

 

                                                É o que importa registar.

                                                Para que do luar haja uma história,

                                                Se lhe não perca a senda da memória.

 

1045 - Cínico

 

Um cínico é,

Afinal,

Se o vemos ao pé,

Um mero sentimental.

 

 

1046 - Invenção

 

Nem sempre o coração

Alcança,

Mas nada espicaça mais a invenção

Que a esperança.

 

 

1047 - Assinatura

 

Arte é aquilo que te cura,

Te modela o coração:

Arte é assinatura

De civilização.

 

 

1048 - Actos

 

Deixa que tua acção

Por ela fale:

- É de ti que teus actos acabarão

Falando, afinal!

  

 

1049 - Música

 

Dançar

Uma melodia

Prová-lo-ia:

- A música podemo-la desenhar!

 

 

1050 - Alcance

 

Onde nada de homem existir

Faz ao teu alcance o que estiver

Para dele um homem devir,

Nunca outra coisa qualquer.

 

 

1051 - Matrizes

 

Quando as matrizes invades

Começas a ficar perto:

- O polimento virá das cidades,

A sabedoria, do deserto.

 

 

1052 - Abuso

 

O perigo te invade

Por este caminho escuso:

- Do desejável a proximidade

Tenta ao abuso.

  

 

1053 - Herói

 

O desastre mais terrível

Que sempre pela nossa história dói

É que todo o mundo cai, insensível,

Nas mãos do Herói.

 

 

1054 - Mortezinha

 

Uma mortezinha aceitar

É pior sorte

Que o verdadeiro lugar

Da morte.

 

 

1055 - Desperdiçado

 

Nenhum arrependimento ilimitado

Pode compensar de forme devida

O momento desperdiçado

Duma oportunidade na vida.

 

 

1056 - Génio

 

O génio de escrever

É o de repetir coisa já dita

De modo tal que quem a ler

É a primeira vez que a fita.

 

 

1057 - Presumem

 

Idólatras e ateus

Um ponto em comum os tem unido:

Ambos presumem que Deus

Pode ser compreendido.

 

 

1058 - Sina

 

Quando alguém que nos é caro morre,

A triste dita da sorte

É que o tempo mais e mais depressa corre

Para a nossa própria morte.

 

 

1059 - Senso

 

A morte não faz sentido algum,

Senão, para que vivi?…

-  Deus, espero que tenha senso para Ti,

Para mim não tem nenhum!

 

 

1060 - Papel

 

Dar o exemplo é devir pessoa,

Não é um gesto a granel

E menos, desempenhar à toa

Qualquer papel.

 

 

1061 - Mistério

 

De teias que não urdo

Vivo sob o império:

A única alternativa ao absurdo

É o mistério.

 

 

1062 - Solidão

 

No meio da multidão

Procuro o recanto que a cala

E aí a solidão

Fala!

 

 

1063 - Cúmplice

 

O pior mal não é o momento

Da bílis que se entorna,

O escândalo está no esquecimento

Que cúmplice me torna.

 

 

1064 - Partilha

 

Querendo pôr fim à iniquidade,

Vemos na igualdade a maravilha.

A injustiça não é desigualdade,

É ausência de partilha.

 

 

1065 - Arrimos

 

A quem precisar dá e dá-te!

A quem requerer arrimos,

Se em nossos bens nada restar para abate,

Mostremos-lhe ao menos que o vimos!

 

 

1066 - Demagogo

 

Ante a incompetência, a falta de coragem,

Volta o povo ao demagogo:

É, perante as carências, a voragem

De atear o fogo!

 

 

1067 - Alta

 

O melhor é o que não deixa de sentir

Em alta

O sofrimento daqueles a que o porvir

Falta.

 

 

1068 - Opinião

 

Somos a pública opinião

E, em democracia, o poder

É o que a opinião pública com razão

Quiser.

 

 

1069 - Convencer

 

Para convencer

Os argumentos são fundamentais.

Os actos, porém, irão sempre ser

Muito mais!

 

 

1070 - Perco

 

De açúcar se faz o mundo.

Por ele me perco

Sem reparar que, lá no fundo,

Tem esterco.

 

 

1071 - Montanha

 

Quando o pai é uma planta,

Árvore quer que o filho seja.

Se é uma pedra, o que o encanta

É a montanha que no filho almeja.

 

 

1072 - Decente

 

Jura um homem ser decente…

Vai a vida,

Demais crê que é impertinente

E prega-lhe uma partida!

 

 

1073 - Perigo

 

Perigo não é se me iludi

Com os sinais.

Perigo é cada um falar para si

Junto com todos os demais.

 

 

1074 - Amigo

 

Podem os homens,  podem

Bem pouco nos importar,

Que dum amigo, quando nos sacodem,

Vamos sempre precisar!

 

 

1075 - Tudo

 

O amor é tudo!

E é tudo o que sabemos.

…Sobretudo

Do amor que temos.

 

 

1076 - Vagidos

 

O amor é a carne da magia,

São ternos vagidos,

- O amor é a poesia

Dos sentidos.

 

 

1077 - Medida

 

O amor, primeiro,

É vida.

O amor verdadeiro,

Por isso, ama sem medida.

 

 

1078 - Algo

 

Dum grande homem há sempre algo a aprender

Em qualquer sentido, em qualquer lado,

Mesmo quando, como um qualquer,

Esteja calado.

 

 

1079 - Indefinível

 

O amor é!

E o mais incrível

É que, após me pôr de pé,

Continua indefinível.

 

 

1080 - Bordel

 

Um bordel mais que um convento

Mora, de verdade,

(Soprando onde sopra o vento)

Mais perto do que é a realidade.

 

 

1081 - Alcançá-lo

 

Deixa o coração

Correr à tua frente e, sem abalo,

Procura então

Alcançá-lo!

 

 

1082 - Interesses

 

O problema dos ideais políticos

É que te esqueces,

Não de que são monolíticos,

Mas políticos interesses.

 

 

1083 - Jornalismo

 

Se o jornalismo

É uma vocação,

De literatura quando o crismo

Então não é mais que frustração.

 

 

1084 - Coração

 

Mulher é bom coração

E é mulher ter má memória:

Daí, então,

O homem cantar vitória!

 

 

1085 - Quilate

 

Se o amor é de bom quilate,

É muito mais que desejos:

- Quando me bate,

Sabe-me a beijos!

 

 

1086 - Medida

 

Sempre o amor é inteiro

Na fatia repartida

E amor verdadeiro

Jamais conheceu medida.

 

 

1087 - Paciência

 

Não há tempo que sobre

A quem é pobre de essência:

Mede-se o tempo do pobre

Pela paciência.

 

 

1088 - Treva

 

A experiência só eleva

Quem não cair no vulgar.

Ao jovem é que, vindo da treva,

Ela nunca rouba lugar.

 

 

1089 - Delida

 

É vida delida

Ver sem ver quenquer:

- Amar a vida

É saber ver!

 

 

1090 - Sofá

 

Como um instrumento

O tempo se usará:

Não é adormecimento

Num sofá.

 

 

1091 - Tragédia

 

Quanta tragédia é precisa

Para apurar a devida

Perspectiva que visa

Correctamente a vida!

 

 

1092 - Rebento

 

Segura entre as mãos um rebento:

Recorda que a vida conserva

Da fecundidade o elemento

Da morte entre a daninha erva!

 

 

1093 - Madrasta

 

Não quero morrer,

Madrasta sorte,

Duma doença qualquer:

- Quero morrer da morte!

 

 

1094 - Senões

 

Por que é que só vejo de verdade

Quando me atingem os senões?

O preço da eternidade

São as mortificações.

 

 

1095 - Base

 

A melhor forma de encontrar a base

Que no espírito cremos envolta

Poderá consistir apenas quase

Ao espírito em darmos rédea solta.

 

 

1096 - Construtivas

 

A crença como a dúvida construtivas

Ambas são parte duma fé harmoniosa,

Equilibrada da vida real nas mãos vivas

Que apenas então de confiança goza

 

 

1097 - Mortal

 

O pior mal

É o que não é da vontade:

Sofro duma doença mortal

- A Humanidade!

 

 

1098 - Loisas

 

O homem, realmente, é a medida das coisas.

O problema da vida

Não é registá-lo nas loisas,

- É saber em que medida!

 

 

1099 - Fruto

 

Por que luto?

- Principiar uma acção não chega.

Uma planta, quando pega,

É para dar fruto.

 

 

1100 - Dói-me

 

Dói-te alguma coisa?

- Perguntas de fugida.

Aponta aí na loisa:

Dói-me a vida.

 

 

1101 - Regime

 

Um regime político não basta

Para o mundo transformar,

- Só do homem a casta

Mudar!

 

 

1102 - Curta

 

O tempo a vida te encurta

E é mesmo uma pena:

É a vida por demais curta

Para ser pequena!

 

 

1103 - Amado

 

O ser amado é o bem

E o mal:

É o veneno principal

E o remédio que o detém.

 

 

1104 - Apego

 

Questão não é ter ou não ter tecto,

O problema é o amor:

É sempre o apego ao objecto

Que traz a morte ao possuidor.

 

 

1105 - Fortaleza

 

O corpo encerra o espírito numa fortaleza.

Cercada por todos os lados, qualquer

Muralha em breve será presa:

- E o espírito terá de se render.

 

 

1106 - Fugir

 

Fugir

É a melhor saída

Quando é a maneira de descobrir

A vida.