CANTO TRÊS
COM BOM SENSO REPOUSO
EM MEDIANIAS
Escolha
um número aleatório entre 253 e 381 inclusive.
Descubra
o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
253 – Com bom senso repouso em medianias
Com bom senso repouso em medianias
O justo meio termo procurando,
Entre contrários o equilíbrio quando
Todas as frentes querem mais-valias.
Entre as águas convulsas navegando,
Nos turbilhões procuro as fugidias
Correntes que contornam as esguias
Arestas que em mouchões vão espiando.
E vou remando pelas regras, normas,
Esgueiro-me em provérbios e anexins,
Na busca duma foz que não tem formas,
Onde suspeito o fim para meus fins.
É neste navegar quotidiano
Que as velas solto contra todo o engano.
254 – Atenção
Quando centras a atenção
No que tens, todo o Universo
Abunda de quanto é bom
E mais te dá no reverso.
Se te concentras, porém,
No que não tens, logo à frente
Vês que assim nunca ninguém
Vai ter o suficiente.
255 – Tido
Para ser tido por rico
Quantos zeros no cifrão?
Mil contos? Por tal me fico,
Mas por mês? Semana? Então?…
Porém, olho a multidão
Que dispõe de muito mais
E lá ver não vejo, não
Que de feliz dê sinais.
Ao invés, vejo quem tem
Dificuldade em pagar
As contas e que, porém,
Vive bem, é um feliz lar.
Ao poderem partilhar
Entre marido e mulher
São mais ricos, se calhar,
Do que quem muito tiver.
Se olharmos por nossos pais
Retribuindo um tudo-nada
Quanto nos deram, bem mais
Enricamos a jornada.
Ao dispormos duma tarde
A passear um amigo
Somos ricos sem alarde,
Mais que os ganhos que persigo.
Depois, com sinceridade,
Se nada tenho a esconder,
Serei rico de verdade,
Bem para além de quenquer.
256 – Padrão
Um padrão mínimo as leis
Garantem socialmente.
O civismo não podeis
Delas crer que se alimente:
O que nas leis se disponha
Não pode substituir
O que a pública vergonha
Melhor há-de prosseguir.
257 – Vermos
Vermos bem as coisas feitas
É só não nos importarmos
Com quem fica (dentre as seitas
E sem votos disputarmos)
Com o crédito do jeito
De quem as houvera feito,
Sem dar campo algum à inveja
Que nos mata, salvo seja.
258 – Sermões
Eu não dou conselhos, prego
Sermões, ensino, incomodo:
Abaixo, que não sou cego,
Com a lamechice e o rogo!
Quanta postura ilegítima!
Acabem com a lamúria,
Deixem de fazer de vítima,
Que apenas mais é uma injúria!
Hão-de haver-se com problemas:
Pais à bulha, fuga ao lar,
Alcoólicos dilemas,
Divórcios e o que calhar…
Para alguns isto é muleta,
Em vez de irem para a frente.
Outros, porém, para a meta
Nisto treinam pata urgente:
Não se metem em sarilhos,
Florescem, falsos, na escola,
Cobram fuga aos empecilhos
Que o pé prendem que se atola.
Como podem pretender
Os mais que isto não acolhem
Convencer então quenquer
Das sérias pedras que os tolhem?
259 – Tráficos
Sempre alguns pais se intrometem
A livrar filhos de encrencas.
Como é que estes nos prometem
Coroar frontes de avencas,
Como irão ser responsáveis,
Se, para os livrar de apuros,
Há mil tráficos viáveis
De pagar sem custo ou juros?
Anda cada ferradura
Disfarçada em pai de gente
Que só um coice que perdura
Apura se é inteligente!
Alguns há que escrevem cartas
A mentir para encobrir
Listas de desaires fartas,
Erros que tolhem porvir.
Mesmo obrigações de casa
Chegam alguns a fazer…
- Como é que um filho acha a
brasa
Com que seu lume acender?
260 – Pequeninos
De pequeninos devemos
Conviver com os efeitos
Dos actos que pratiquemos.
Descobrimos os preceitos
Dos erros que então faremos
E apanharemos os jeitos
Do melhor que nós queremos.
Moldaremos os perfis
De vontades ter viris.
261 – Outra
Quer uma coisa a cabeça
E quer outra o coração?
Primeiro em si de ambos meça
Qual terá melhor condão.
Só depois então prossiga
Aquilo a que a escolha obriga.
262 – Condena
Condena quem faz o mal,
Mais aquele que impedi-lo
Pode e nada faz por tal.
O indiferente é do estilo
De lavar as mãos de vez,
Quaisquer que sejam os actos.
E, como Pôncio Pilatos,
Todo o crime, outrem o fez.
O gesto que o impedia
Ficou-lhe sempre adiado:
Do crime então que ocorria
Este, acaso, é o mais culpado.
263 – Internos
Quem internos e genuínos
Não cultivar seus valores
Vai nos externos factores
Amparar-se peregrinos,
Como a aparência, o estadão,
Para bem ficar consigo.
Tudo o que podem, farão,
A caraça a pôr de abrigo,
Em vez de desenvolver
Crescimento pessoal,
O valor do próprio ser
Com pegada individual.
Portanto, tu próprio sê!
Com máscaras não iludas
O que a vida põe de pé
E que te requeira mudas.
Às difíceis conjunturas
Com toda a dureza enfrenta,
Encara o real que apuras,
Sê um adulto que se inventa!
264 – Via
Muita via percorrer
Ainda falta até tornar
Seguro que agressor ser
Contra si a bomba é usar.
Como os assaltos armados
Diminuiriam se o fogo
Explodira nos costados
Dos que o atearem logo!
E, se o facto de explodirem
Conhecimento geral
For de quantos transgredirem,
Do porvir que bom sinal!
265 – Pior
Negociar, persuadir
São o melhor instrumento.
Forçar ou ser violento
São o pior por onde ir.
A natural insolência
Dos homens é desdenhar
O que é bom para a pendência,
Mal fica quem não ousar
Os maus meios ao alcance.
- Para obrigar ao juízo,
Que o que os busca perca o lance
Será sempre o que é preciso.
266 – Desacordo
Se entre os pais há desacordo,
Que o filho não se aperceba,
Ou logo, de bordo em bordo,
Faz que dum e doutro beba.
Em extremo inteligente,
Quem é o fraco e quem é o forte
Descobre imediatamente
E seu lado quem suporte.
A chantagem afectiva
Irá gerir e agravar
O conflito que ele aviva
Até seus pais comandar.
A questão é decidida
Pelos pais e nunca à frente
Da criança dividida
Entre quem pune e consente.
Planear uma estratégia
Um ao outro se apoiando,
Esta é, pois, a norma régia
Sempre e não de vez em quando.
267 – Mantenham
Que os pais se mantenham calmos
Se o filho está provocando.
Se esta coisa de três palmos
Se atira ao chão barregando,
Todo o teatro então ignorem,
Afastem-se e longe fiquem
Até se acalmar: não corem
Nem paliativos apliquem.
Numa fase posterior
Reduzam a birra ao lixo
Que ela sempre é de supor:
"Andas no chão como um
bicho?
Cuidado, que ainda te piso!"
Ou então: "Cantas tão bem!
Cantar bem é o que é preciso,
Mas quer juízo também!"
Não é para humilhação:
É ridicularizar
Ao limite a situação
Até o pateta acordar.
268 – Birras
As crianças fazem birras
Intermináveis de noite
E as birras tão mais acirras
Quão mais dês o que as acoite.
Tentam monopolizar
A companhia dos pais.
Se a ti junto os vais deitar
Só por não ouvi-las mais,
É uma cedência mui cara:
Igual truque as noites todas
Doravante se prepara,
Vão dominar pais e modas.
Bem melhor era contar
Uma história para a deita.
"Dorme, que eu vou trabalhar
Um pouco e, depois de feita
Minha tarefa, também
Irei deitar-me igualmente."
Uma explicação cai bem,
Diz a família presente,
Nada mau vai ocorrer
E reconforta quenquer.
269 – Marcos
Para as birras evitar
Importa disciplinar.
Dois marcos fundamentais
Em que é de ser rigoroso:
As refeições que tomais
E o momento do repouso.
Ambos são horas sagradas:
Comer a todo o momento
Leva às refeições goradas;
Não dormir leva ao tormento
De ninguém se sentir bem,
Às aulas sem rendimento…
E a vida inteira devém
Vida dum mundo embirrento.
Postas em ordem as guias,
Tudo o mais segue estas vias.
270 – Vocação
Que os pais nunca se demitam
De exercer autoridade.
Sua vocação admitam,
Dever de à posteridade
Lançar filhos educados.
Expliquem-lhes claramente
Regras e limites dados,
Ninguém tem tudo o que tente.
Então irão conseguir
Lidar com as frustrações,
Equilibrados devir
Sem mais birras nem senões.
271 – Olhos
Por vezes, na vida,
É melhor manter
Olhos bem abertos.
Noutras, a medida
Meio abertos ter
É que os porá certos.
E noutras ainda
É tê-los fechados,
Como que sonhando.
Questão sobrevinda
É que jogo aos dados
Saber como e quando.
272 – Cuide
Há quem cuide em construir
Muros e manter distâncias,
Quem aprenda a discernir
Linhas-raia para as ânsias:
"Até aqui vou dar de mim,
Mais não, não aguentarei!"
Lidar com a dor sem fim
É criar (norma de lei)
Barreiras sem mais trespasse.
É a forma de definir
Terreno onde a vida passe
Para o fim dela cumprir.
273 – Disciplina
Disciplina é tirania
Quando for sem liberdade.
Se a liberdade porfia
Sem disciplina, a mania
Traz o caos à cidade.
Na vida é de equilibrar
Cada qual em seu lugar.
274 – Compre
Compre sempre boa cama
Como um bom par de sapatos:
Se dentro dum não se acama,
Dentro doutra tece a trama
Por onde vingam seus actos.
275 – Insuportável
Se é preciso tolerar
Fora, noutrem, quanto em nós
Proibimos que tome ar,
A vida seria após
Insuportável penar.
276 – Repara
Repara resplandecente
No mundo inteiro em redor.
O segredo mora ausente
Onde improvável mais for.
O que não crer em magia
Jamais a encontra algum dia.
277 – Caminhos
"Todos os caminhos
Irão dar a Roma"
- Termos comezinhos
Que um homem retoma
Se se perdeu e não quer
Dar nunca o braço a torcer.
"Quem tem boca vai a
Roma"
- É o que a mulher responde
Porque inquire e rumo toma
Sabendo então para onde.
278 – Contente
Contente de a ver ali
Por muito tempo não fiques.
Tempo não passa por ti:
Que imparável tu te apliques
Para que passes por ele!
Toma cuidado contigo,
Repara que tua pele
É teu derradeiro abrigo.
Contente de a ver ali,
Procura ser bem feliz,
Mas vê bem que por um triz
Não te apanhe o tempo a ti.
279 – Lugar
Quem vive preocupado
Com lugar de estacionar
Não pode ter reparado
No que em redor tem lugar.
Como pode ver além
Do túnel o que convém?…
280 – Escolha
Por quê tanta indecisão?
Porque nesta mão tens isto
E aquilo na outra mão.
Aperta-las, está visto,
E então nunca chega ao fim
A escolha entre o não e o sim.
281 – Fácil
Bem mais fácil é fugir
Dum passado doloroso
Do que enfrentar, a seguir,
Os problemas, desgostoso.
Mas ninguém pode apagar
O passado ao coração,
Está lá para ficar…
- Então que fazer, então?
A derradeira esperança
Para a verdadeira paz
É no pior que ele alcança
Enfrentá-lo e ser capaz
De ser perdoado, perdoar,
Reconciliar, corrigir…
- Mudo de tempo e lugar,
Vou ser eu, que estou a ir.
282 – Colinas
Nas cidades das colinas,
As longas horas na estrada
Dão o gosto de, às esquinas,
Ver paisagens deslumbradas.
Tal é meu custo a pagar
Por viver no que apelido
Duma região de Deus.
Compensará, se calhar:
Ao ver bem com que é que lido
Vejo territórios meus.
Já serão parte de mim
E da minha identidade:
Ganho meu sentido enfim
De pertença e qualidade.
Por vezes, olhar de artista,
De fotógrafo, poeta,
De forasteiro em revista
Requeiro para tal meta,
Para me mostrar o que há
Muito ando olhando sem ver.
Diverge a luz acolá?
Basta a me surpreender…
Depois de ver o lugar
Que é parte de minha vida
Com o amor com que o amar
Sempre dói a despedida.
Não só de Deus, também minha
Toda a terra se adivinha.
283 – Casa
Minha casa verdadeira
Será o momento presente.
É milagre ir de carreira
Sobre águas do mar dolente?
O milagre é caminhar
No planeta verde-azul.
Mora a paz de mim a par,
Basta que a mim me regule
Para aprender a alcançá-la
Em mim, nos outros, no mundo:
Sentir o que fundo cala,
De que, afinal, me fecundo.
Tenho apenas de trazer
Corpo, mente e coração
Para o presente que houver:
Não é fé, mas mera acção.
Então é que alcançarei
O que for revigorante,
Curativo em toda a grei:
A maravilha é o instante.
284 – Comida
Esta comida que tenho
É um dom do Universo inteiro,
Do céu, da terra, do empenho
Duro de tanto parceiro!
Vivamos de modo tal
Que seja merecedor
Da comida cada qual
Que lhe prove do sabor.
Transformemos a atitude
Desagradável que enguiça,
Negativa, sem virtude,
E mormente a de cobiça.
Comamos só uma comida
Que nos alimente e basta,
Fuja às doenças, prevenida,
De excesso e falta se afasta.
Esta comida aceitemos
Para pôr-nos a caminho
Do Amor com que nós sonhemos,
Do saber que aí adivinho.
285 – Naco
Comer um naco de pão
Ou uma colher de arroz
Em funda contemplação
É reparar logo após
Que cada bocado é um dom,
Vem de toda a Natureza.
- E é viver em profundeza.
286 – Rotulados
Mais que o eu e que o não-eu
Rotulados em conceitos,
Convém destes libertar-me.
Ter a doutrina de seu,
Com gestos a ela afeitos,
É nela ao fim amarrar-me.
Conceitos e teorias
Não são o mais importante.
O que aprendo do real,
Que lhe respondo, em que vias,
É o que pesa a cada instante.
O mais é loucura e mal.
287 – Olho
Se não olho para a vida,
Não posso ver o caminho.
Louvar um nome convida
A contentar-me, mesquinho,
Apenas com o louvor
De Jesus ou Maomé,
De Buda ou lá de quem for…
Ora, decerto não é
Isto com que aqui se lida
Praticar deles a vida.
288 – Gerando
O Cristo vivo é o amor
Gerando amor tempo além.
A Igreja, quando em alguém
Compreende com fervor,
Tolera e, afectuosa,
É bondosa com as gentes,
É que então de Jesus goza
Vivo em todos os presentes.
Os cristãos testemunhar
Devem Jesus com a vida
Mostrando aos demais que amar
É a vereda prosseguida.
Isto não é conseguido
Só com livros e sermões,
Tem de ser mesmo vivido
Ou tudo serão senões.
289 – Sentir-me
O sentir-me bem ou não
Vem de quanto em harmonia
Comigo estou, com o chão
Que me cerca dia a dia.
Não tem a ver com a idade.
Bem me sinto se o problema
Me atinge em tal quantidade
Que o vou lidar sem que o tema.
Se de menos, me aborrece;
Demais, vou perder controlo…
A linha não transparece
No fio que desenrolo.
Equilibro-me no arame
Que do nascimento à morte
Devo correr sem gravame,
Sem jamais tombar à sorte.
Entre andar aborrecido
E ficar descontrolado
Fio ténue bem medido
É o que busco em todo o lado.
290 – Certifica-te
Certifica-te, ao partir,
De que deixas neste mundo
Mais que roupas de vestir,
Uma casa grande, ao fundo,
Acções muitas de investir…
- Ficas pouco, pouco ficas,
Se é tudo a que te dedicas.
291 – Forno
Quando no forno puser,
As instruções ande a ler.
Quando, porém, apurar,
Siga o próprio paladar.
Isto, porém, na comida,
Como em tudo o mais na vida.
292 – Nunca
Nunca saias dum lugar
Onde te estás divertindo
Para por outro o trocar
Onde só creias, a par,
Que ali melhor vá surtindo.
293 – Tentar
Apenas tentar, às vezes,
É já mesmo uma vitória:
Quem não desiste, os reveses
Não lhe beliscam tal glória.
E até, quando tu perderes,
Vencerás ao te venceres.
294 – Motivos
Para acalmarmos um homem
É de obrigá-lo a falar:
Os motivos que o consomem
Esvair-se-ão no ar,
Pela palavra se escoa
A carga emotiva à toa.
- Ao fim, descansado e calmo,
Da borrasca, nem um palmo.
295 – Inimigo
Se amas o teu inimigo,
Deixas de inimigo ter:
Mais um que vive a sofrer,
A requerer teu abrigo.
Bem mais fácil praticá-lo
É do que o imaginamos
E em nada nos ajudamos,
Porém, ao não activá-lo.
Se alguém na margem ficar
Para a contrária atingir,
Ou a nado trata de ir
Ou de barco a navegar.
Não vai lá se reza apenas:
"Ó margem, chega-te
aqui!"
Sem prática, orar, ali,
Ninguém ora em tais novenas.
Orar é reconverter
O modo de estar e ser.
296 – Preferências
Preferências pelos pobres,
Oprimidos, marginais,
Fará que de ricos sobres
E confundas os sinais.
É que o sofrimento, a dor,
Nunca discrimina assim:
Muito rico sofredor
Palmilha uma vida ruim.
Quem compreende deveras
Opta pelo sofrimento,
Faça ao pobre ele as esperas
Ou ponha o rico em tormento.
Quando este é nosso critério
É mera questão de facto
Mais pobres ver sob o império
Da dor sofrida acto em acto.
297 – Busca
A religiosidade
Cristã, judaica, budista,
Muçulmana, quer que invista
Na busca duma verdade,
Verdade acerca de nós,
De cada irmã, cada irmão,
Da comum situação,
Do que ata e desata os nós.
Ao olhar profundamente
Dentro de nós o mistério
Faço o trabalho mais sério
Que alguém pode ter em mente.
298 – Respeitar
Respeitar os ancestrais
De sangue e espirituais
Enraizados nos leva
A sentir, de leva em leva.
Se pudermos encontrar
Maneiras de apreciar,
De germinar, no final,
A herança espiritual
Evitaremos, por fim,
O tipo de alienação
Que anda a destruir, ruim,
Dos povos a coesão.
Voltaremos novamente
A ser um só, como um ente.
299 – Fé
Nossa fé tem de estar viva,
Nunca um rígido conjunto
Pode ser de quanto arquiva,
Crenças, noções que, por junto,
Acalmam, com meu apego,
Minhas ânsias de sossego.
A fé tem de evoluir
Toda a hora, cada dia,
E dar-nos paz para ir
Buscar o amor, a alegria
E, por fim, a liberdade
Que do acerto persuade.
Cuidam alguns que a oração
Ou meditar é da mente
E de nosso coração.
O que é, porém, mais urgente
É com o corpo rezar
A agir pelo mundo, a par.
300 – Vivendo
Não é deveras questão
Nem de haver renascimento,
Nem de reencarnação
Nem mesmo, a qualquer momento,
De aguardar ressurreição.
Vivendo conscientemente
Cada momento presente
Todo ele é renovação.
Ressuscitar para quê?
Poderei senti-Lo agora
Dentro em mim a tomar pé,
Buda, Jesus, Maomé,
Ao Deus que tanto demora.
É, deste lado de cá,
O germe do sempre-lá.
301 – Crente
O agricultor usa a alfaia
Para cultivar a terra.
O crente que a fé não traia
À meditação se aferra,
Cultivando a consciência.
A flor e o fruto germinam
Do solo de alma, evidência
Que, após, colheitas culminam.
O crente é o agricultor
Do espírito que lhe as lavras
Arroteia no suor
Dos actos e das palavras.
302 – Progredir
Progredir com a cultura
Mui tranquilo e corajoso,
Só com passado gostoso
E o que o porvir prefigura
Em equilíbrio seguro.
Tal harmonia atingida,
Tanto na morte me apuro
Quanto em mim apuro a vida.
303 – Desejo
Desejo de preservar
Um Estado secular
E liberdade de culto
Não é proibir, inulto,
Exprimir religião
Em pública dimensão.
Impor fé religiosa
É uma ameaça gravosa
À liberdade geral.
Duma fé qualquer sinal
Que alguém queira partilhar,
Sem outrem encurralar,
Ao invés, é a liberdade
Vivida pela cidade:
Aqui não há uma ameaça,
É um atilho que congraça.
304 – Interesse
O interesse nacional
É o que quero do político.
E qual é o meu principal?
O dum egoísta somítico
Ou tomo o mundo em geral
Como horizonte meu mítico?
Se for o meu bem mesquinho,
Mesmo o da minha família,
Imaturo me adivinho,
Entro com tudo em quezília,
Assim é que o narcisista
Acaba fora da lista.
305 – Hábitos
Se o mundo alma quiser ter
Há-de os hábitos mudar,
Tem de parar de correr,
De novo a se equilibrar.
Os problemas sociais
Quando desacelerar
A vida, logo os focais
Com outro ritmo e lugar.
Já menos eficiente,
Nada nos carris de agora,
Fenece a ideia vigente,
O funcional rei de outrora.
Mesmo à produtividade
Quem é que vai conferir
Aquela prioridade
Que os pés nos anda a ferir?
306 – Preferir
Preferir andar,
De carro em vez de ir
A qualquer lugar,
É bem decidir.
Largar de navio
Em vez de avião,
Dar volta ao rossio,
Palmilhar o chão,
Em vez de tomar
A via mais curta,
A nos demorar,
Se tempo nos furta
Mais nos faz ganhar.
Conviver com estrangeiros,
Sejam os doutro país,
Sejam do bairro parceiros,
Enrica-nos a matriz.
Comer deles as comidas,
Não as nossas desgastadas,
Nos recantos as delidas
Marcas doutrem adoradas
Preservar tais quais as querem,
Sem pretendermos impor
Nosso costume e valor,
São os gestos que os não ferem
E as fontes de encantamento
Dão-nos em troca em aumento.
Uniformizar o globo
À maneira ocidental
Acaba por ser um roubo
E eu a vítima mortal.
Receio que no futuro,
Onde quer que a gente vá,
Encontrará (é o que auguro)
A nós tudo igual por lá.
307 – Deleito-me
Deleito-me com frequência
De vítima no papel.
E fora da residência
Procuro alguém doutra pele,
Doutra classe, doutra aldeia,
Qualifico-o de agressor.
O masoquismo, que ideia
Cuidar que é o gesto maior
Que realiza cada qual!
Todos temos de ao combate
Aderir, pois, por igual,
Antes que a sorte nos mate.
Contra tal, ser agressivo
É cada um se exprimir,
Deixar a marca de vivo,
Grande ou pequena, a fulgir.
Então sempre é positivo
Este agressivo existir.
Não lhe dar o que é devido
É o risco de provocar
A erupção do reprimido,
Fatal, tudo a incendiar.
As guerras e a violência
São à letra o fruto disto.
Se lhe presto reverência,
Curo-me: lanceto o quisto.
Em lugar do perigoso
Dá-me a vida o que é gostoso.
308 – Ceder
Às almas ceder espaço
Para a revelar-se virem
Cativa e corta o embaraço,
Ei-las então a existirem.
Uma ensina, outra inicia,
E, se andarmos à procura,
Efectua a terapia
Mal um sonho se inaugura.
Um sonho interpreta a vida
E a conversa tida então
As teorias com que lida
São o magma do vulcão.
Nós somos interpretados
Pelos sonhos que vão vindo,
Por doenças decifrados,
Mesmo o sofrimento advindo
Germina em nós mil ideias
E teorias às mancheias.
309 – Superar
Superar o narcisismo,
Terapia urgente e válida,
É largar de vez a pálida
Tara de tombar no abismo
De ser o centro do mundo,
Onde toda a actividade
Neurótica serve, em fundo,
A mera necessidade
De ocupar de vez o topo
Da hierarquia dos seres.
Se me furto a tal escopo
Abro o campo dos prazeres:
O mundo pode cantar,
Pode cantar mesmo então
E podemos desfrutar
Nós, por fim, de tal canção.
310 – Carro
Quando o carro já perdeu
Todo o poder de encantar,
Algo errado aconteceu
E a perda vai-me afectar.
Se não houver restaurantes
Nem lojas encantadoras,
Há deficiências gritantes
Neste lugar onde moras.
Se não há ruas de encanto
Onde é um prazer caminhar,
O terapeuta, entretanto,
É o momento de chamar.
Cuidamos tarefa nossa
Reparar o que quebrou.
Qualquer alma a cura endossa:
Busca sempre o que encantou.
A cidade não funciona?
Se é lugar de encantamento
Não é grave nem na zona
Cuidados quer o momento.
Pode água canalizada
Casa de encanto não ter,
Na cidade fascinada
Nem transporte mesmo haver,
Como alguém encantador
Pode andar desempregado
E não perderá valor
Se cai doente acamado…
O bom funcionamento
Não é o valor principal
Na vida a todo o momento
De alma impregnada total.
311 – Conto
Quando conto história antiga
Enfatizo a eficiência
Ou o encanto é que me liga?
Será limpeza, decência,
Que me leva em carripana
Deserto além à aventura?
Será conforto que emana
Da Antárctida ao que a procura?
E uma receita da avó
É de ternura e sabor
Ou copio-a porque só
De gordura olho o teor?
O que as almas satisfaz
É aquilo que é cativante,
O que encanto mais nos traz,
Não o que nos leva adiante.
Temos de saber travar
Para a vida saborear.
312 – Tantos
Com tantos livros à volta
Vemo-los como banais,
Do livro no livro à solta
Já não vislumbro os sinais.
Do que me computa os dias
E me regista os mistérios
Sei lá bem, nas livrarias,
Quais os termos e quão sérios!
Era preciso o secreto
Dum cubículo e dum tecto.
313 – Fim
Quando à ideia eu escapar
De que o fim de ler, reler,
É o de informações trocar,
Vou descobrir o poder
De encantar livros e cartas.
Da parafernália fartas
Que nos rodeia os escritos,
- Bibliotecas, livrarias,
Papéis e tipografias… -
Trocam as almas de fitos:
Qualquer dia toda a gente
Dirime então os conflitos,
Verá tudo diferente.
Duma página a magia
Acaba os mais a encantar
Como a mim me encanta um dia
A magia que haveria
Nas palavras que inventar
Um conto de fantasia.
Tenho à ideia de escapar
De que a informação é a via,
Para abrir a porta à fada
Que em livros semeie a estrada
De encantos que sonharia.
314 – Vazio
Quão mais vazio um lugar,
Mais presença espiritual.
Ao que é simples obrigar
Ninguém pode cada qual,
Mas podemos convidar
A descobrir a riqueza
Em quanto estiver à mão.
Ser simples não é pobreza,
É ser rico doutro chão,
É a plenitude que brota
Se paro de abarrotar
O mundo sem tomar nota,
Até não haver lugar.
Se sentir textura e cor
Não precisarei jamais
De seja lá do que for
Além duns poucos sinais.
315 – Perspectiva
Na perspectiva astrológica,
Podemos ver para além
De nós próprios o que tem
O mundo, na busca ilógica
De sinais que nos indiquem
Por onde ir e o que fazer,
As sugestões atender
Do mundo que se me apliquem,
De que faço parte plena,
Em vez de iniciar tudo
Na vontade em que me escudo,
Da consciência na cena.
Ética em vida encantada:
Aprofundar a moral
Aprendendo no bornal
Da natureza velada.
316 – Gesto
O gesto de receber
Importa tanto ao porvir
Como a tarefa a fazer,
As artes de construir.
Construímos a cultura,
Erigimos um futuro.
Ninguém hoje se inaugura
Num gesto passivo puro.
Quero a realização
E valorizo o fazer.
Não falo jamais de quão
Avancei no receber
O influxo da natureza
E do saber ancestral.
Tudo em nós ao fim despreza
A influência como um mal.
Não sendo recarregados,
Não somos mais naturais…
- Como ninguém foge aos fados,
Acordamos animais.
317 – Miúdos
Os miúdos vêem o anjo
Tão real como outro facto.
Que importa se os dentes ranjo
Sem lograr comigo o pacto?
Convencer-me da existência
Pela lógica, a razão,
Na busca duma evidência?
- Não preciso disto, não:
Num universo encantado
Ninguém cuida que a magia
Corra de andar obcecado
Por certezas que não via.
318 – Margem
O encantamento acontece
À margem, mui facilmente,
Entre gente que aparece
Tida em geral por refece,
Num acto surpreendente.
Não há, contudo, razão
De não ampliar a raia
Da vida mentida em vão,
Na actividade um travão
Lhe impondo, para que caia
Numa indolência de encanto
Que o encantamento quer.
Da simplicidade o canto
De entulhos livro entretanto
Que a vida de hoje impuser.
Então o mundo escondido
Na actividade e objectos
Respira desoprimido
E revela, agradecido,
Que em seu reino há muitos tectos
E mostra como é um ser vivo
Que encanta, convidativo.
319 – Trabalho
Num mundo desencantado
O artista trabalha a estética
E visa fins expressivos,
Analíticos, por fado.
Num encantado, a poética
Mantém-lhe os aprestos vivos,
É aprendiz de feiticeiro,
Cria imagens de magia.
Qualquer um, vivendo inteiro,
Engenhoso, cada dia,
Vai encher então a vida
Da força do imaginário:
Fica a distância delida
Entre o eu e o mundo vário.
Quebrando assim meu enguiço
Toda a vida tem feitiço.
320 – Ouvi-los
Para os outros persuadir
Sempre ouvi-los é o melhor.
Um bisbilhoteiro ouvir,
Falar doutrem é supor
E um chato só fala dele…
Um conversador brilhante
Toca-te na própria pele,
Nunca te passa adiante,
Vai falar de ti apenas
E escuta a tua resposta:
- As reservas bem pequenas
Irão ser dele à proposta.
321 – Recusem
É fácil aos pais dizer:
- Recusem o sexo, filhos!
Mais difícil de entender
É o porquê de tais cadilhos.
E é muito simples, contudo:
Com menores sexo é crime;
O jovem é, sobretudo,
Sem constância a que se arrime,
O imaturo emocional;
O risco de gravidez
Sem condições será um mal:
E doenças são revés
Sexualmente transmissível…
Tudo explicar é importante:
Quando é tudo compreensível
Pode o jovem ir avante
Com facilidade mais
Pelo trilho conveniente,
Com escolhas racionais
Que a ele próprio apresente.
322 – Fixa
Qualquer livro de ficção
É uma fixa bicicleta
Para treinar a razão:
Não leva a nenhum lugar
Mas não tomba na valeta
E pode tonificar
Daquela forma discreta
Os músculos que teremos
Na razão em que apostemos.
323 – Sacralizamos
Sacralizamos o "Eu"
Como o "Tu"
reconhecemos.
Que força de Prometeu
Importa que implementemos
Para não continuar
Qualquer "Nós" sempre a
ignorar?
324 – Masoquismo
O sexo é prejudicado
Por masoquismo profundo
Que satisfaz-se, entortado,
Mondando desejo ao mundo.
É uma forma destrutiva
De renúncia mal aceite.
Em vez de empregar-se viva
Nas paixões, mal as suspeite,
Permitindo que a emoção
Siga um rumo natural
Pelo corpo e coração,
Generosa a dar-se real,
Antes de vez renuncia
Na vida a toda a alegria.
Obedece à autoridade
Qualquer com que deparar.
Ora, não são raridade
Muitas que irão condenar
Em nós anseio e prazer
Como um pecado qualquer.
Mondando desejo ao mundo,
No amor o sexo é infecundo.
325 – Coração
Há, no coração do sexo,
Uma afirmação de vida
Com o motivo conexo
Que a vivermos nos convida
Com optimismo, energia.
Em tal etapa, porém,
Isto prejudicaria
O medo que tenha alguém
De toda a vitalidade,
Ou de suspeitar na vida
De alguma incapacidade
Noutrem e em nós escondida.
Dizem-nos para implantar
Um limite para o eros,
Para nos não entregar
À paixão (são ventos meros…).
Se, porém, prestar ouvidos,
Com bem pouco autodomínio
Findarei em meus olvidos,
À custa de meu fascínio.
Fica o eros enterrado
Sem já mais paixão da vida,
Um desejo amordaçado,
Ardente chama escondida,
E a superfície dos dias,
Mecânica e controlada,
Triste e sem graça, vazias
Estende à volta as estradas.
326 – Casal
Será o sexo curativo
Quando o casal o exibir
Dum ao outro, íntimo e vivo.
Ajuda a restituir
A saúde a um casamento
Ao manter estimulado
O par, momento a momento,
Antes que haja estiolado.
Não é por causa do facto
De que isto, enfim, lhes agrade,
- É que os mantém em contacto
Com sua imortalidade.
327 – Terra
As almas encontram cura
Quando os homens e as mulheres
Colhem da terra a figura
Nas ideias, ideais:
- É que estes são os talheres
Apenas dos comensais.
328 – Toque
Toque é mágica palavra
A falar-nos de ternura.
No toque o mistério lavra,
O afago a magia apura.
Muscular relaxamento
Não basta para explicar
Todo este apaziguamento,
A alegria de tocar.
Desejar ser protegido,
Mimado, acariciado,
É de adulto com sentido
E não infantilizado.
Dar e receber ternura
É a melhor maturação
A que aspira quem perdura:
Recebe e dá coração.
329 – Fantasias
Fantasias sexuais
Criam uma nova vida
Sob novas formas reais
Em que vai ser prosseguida.
O motivo que as reprime
Não é consciência moral,
É o medo do que é sublime,
Desta fartura real
Da vida que tal se exprime
Que ameaça mesmo afogar
O incauto que se jogar,
Sem mais bóia a que se arrime,
Nos macaréus deste mar.
330 – Momentâneo
O amor e o sexo requerem
Momentâneo afastamento
Do ambiente onde estiverem,
Da moral que há no momento.
É semeado e floresce
O amor em jardim selado,
Alma é o que primeiro cresce,
A vida febril de lado.
Tender para o isolamento
No amor e sexo é bem mais
Por de alma ser o momento
Do que por constrangimento
De o mostrar ante os demais.
Pode, aliás, ser importante
Ter em segredo as lembranças,
O que for dito perante
Alguém, mesmo que garante
De todas as confianças.
Durante o namoro, o par
Guarda às vezes o que sente,
Que as almas querem lugar
Reservado e singular
Onde germine a semente.
Nesta caverna distante
Pode fermentar o amor,
Ou uma culpa hesitante,
Manipulação adiante,
- O sombrio do fulgor.
A caverna dos amantes
Tem de luz e sombra instantes,
Mas nela é que se cultiva
Tudo aquilo por que viva.
331 – Sexismo
O sexismo é intolerável
Num indivíduo e num grupo,
Mas tem a raiz provável
Na vida imoral que ocupo.
A atitude mais sexista
Não só difama a mulher
Desconsidera na lista
Quanta deusa em mundo houver.
É aquele estilo de vida
Dividido e limitado
Que rejeita sem medida
A deusa que me há tocado.
A igualdade da mulher
Não basta: a contemplação,
Dom duma deusa qualquer,
Reprimida, é compulsão.
Agora adoramos sonhos
Apenas e é uma sorte
Se pesadelos medonhos
Não nos evocam só morte.
332 – Exuberante
Nossa cultura requer
A exuberante bacante,
Nossa cabeça a pender
Para a entrega à vida hiante,
Em lugar de controlá-la
De mil conceitos na tala.
Teor de vida fluída
A intensificar o drama,
Mil personagens na vida
Onde o multiforme acama.
Vida inebriadamente
Com a consciência ausente,
Com meu ego a se afastar,
Para que a imaginação
Venha, enfim, a liderar
O aval dando e aceitação
Aos convites tão constantes
Que me fazem os instantes.
Só então sigo a intuição
A que inclina o coração.
333 – Deixar
Viver muito vivo o amor
É a vida ser sexual:
Deixar o corpo propor
Dos actos todo o estendal,
Dar às paixões e desejos
Em tudo quanto fazemos
O papel em mil ensejos
É o que importa que operemos.
Pela racionalidade
No mundo proeminente
Não é correr de verdade,
É um dom dar-me de presente.
Não é apenas literal,
É um amor inteligente,
Adequado a cada qual
E acolhido socialmente.
334 – Menos
Qualquer desenvolvimento
É menos certo, informado,
Que tudo o que nele invento.
Tem um destino fadado
À ignorância, estupidez,
Não à minha inteligência.
Tenho de aprender de vez
A permitir a evidência
De que nele a sensação
Sempre obscureça a razão.
O meu desenvolvimento
É ser cómico e mundano
Mais e mais cada momento.
Saúde em que não me engano
Com o corpo é ter contacto
E enfim ser determinado
Pelo prazer por um pacto
Em que ao fim sou eu mandado.
Minha derradeira lei:
- No fundo, não mandarei…
335 – Vale
Vale a recomendação
De me não preocupar
Em demasia com sexo,
Pode ser uma obsessão:
O sexo anda-nos a par,
Com tudo e todos conexo.
Estabelecer limites
Não tem, porém, de ser feito
Da repressão por palpites,
Por defesa psicológica,
Por desviado trejeito
De feitura demagógica.
Um ego pode, engenhoso,
Delimitar o erotismo
Sem dele perder o gozo
Nem descambar neste abismo
De sempre andar desconfiado,
Não vá o sexo ser pecado.
336 – Cambiantes
O espírito em nós respeita
A princípios como a factos.
Alma às cambiantes é atreita,
Com as imagens tem pactos,
Busca nas artes caminhos
De implicações adivinhos.
Um casado pode ser
Deveras tentado a um caso.
Descobre, afinal, que quer
É à liberdade dar azo,
Sem que obrigatoriamente
O sexo extra experimente.
Mas pode, por outro lado,
Interpretar o desejo
Como o convite acabado
De pôr fim sem qualquer pejo
À relação opressiva
Que lhe proíbe que viva.
Pode tempo ser preciso
A separar moralismo
Da decisão com aviso
Das paixões em que me abismo.
337 – Desejos
Se os desejos tomo a peito,
Não, porém, literalmente,
Serei guiado a preceito
À vida tranquilamente,
Às vezes bem criativa,
Mas sem da luta o complexo
Que tanto em nós se cultiva
Entre moralismo e sexo.
Quando eros não é inimigo,
O moralismo ao fim há-de
Poder mudar-se no abrigo
Que é sempre a moralidade.
338 – Fontes
Qualquer alma não é apenas
Emoção e fantasia,
Tem as próprias fontes plenas
De introspecção e valores
E a que mais se pronuncia
É a consciência que fores.
O lado espiritual
Serão princípios, ideias.
O de alma é sentimental,
De empatia, compaixão,
E tem do remorso as teias
E o apelo da emoção.
Entre eros e consciência
Diálogo íntimo se trava:
Um instiga com premência
Sexualmente a ir avante,
O outro avalia o que achava
Daquilo que tem diante.
É do equilíbrio entre os dois
Que me encontro ou não depois.
339 – Velho
Quão mais velho, mais consciente
Do valor das intuições.
Vê-las-ei mas sigo em frente
E perco as ocasiões.
É, afinal, quando as persigo
Que encontro porto de abrigo.
Minha vida melhorou,
Da atenção que lhes prestei,
E quanto em mim despontou
Dantes nem o suspeitei.
Como as sexuais fantasias
Em grande número vêm
E seguem múltiplas vias,
A consciência que se tem
A separá-las ajuda
E a confusão logo muda.
Entre a mente e o coração
Faz-se a ponte de união,
Fico logo mais leveiro
Quão mais vou ficando inteiro.
340 – Melhorar
Melhorar a vida erótica
Não é de técnicas novas,
De electrónicas ajudas
Ou mecânica robótica.
Precisamos é de mudas
Nas maneiras e nas provas,
Naquilo que imaginamos
Na vida que, enfim, nos damos:
Viver como narcisista,
Visando realizar
As fantasias em vista,
Ou generoso se dar,
Com um coração aberto
E imaginário desperto?
Amor, imaginação
Andam juntos e, em geral,
Geram deveras visão
Que deveras é moral.
Criam sensibilidade
Que vai dar ao sexo vida,
Vêem com urbanidade
A que limites convida
Os que andam nele envolvidos
Sem freio de reprimidos.
É sempre neste equilíbrio
Que serei eu sem ludíbrio.
341 – Cuidando
Cuidando que o casamento
É um mero pacto de vida,
Muitos casais tal intento
Enfrentam com má medida.
Fundamente perturbados,
Ficarão surpreendidos
Ao ver de quantos cuidados
Precisarão os feridos
Neste campo de trabalho
Em que as almas, numa arena,
Dobram a dureza ao malho
Da provação que entre em cena.
Viram então as comédias
Muitas vezes em tragédias.
Bom era que prevenidos
Foram antes de envolvidos!
342 – Ambição
Aos de ambição motivados,
De desregrado trabalho
E de prazer apertados,
O que lhes sai no baralho
Dos instintos genesíacos
São mais ataques cardíacos.
Não é o empenho em cumprir
Objectivos que conduz
À doença que os punir,
É ser hostil que o produz:
Num diagnóstico clínico,
Ser mal-humorado e cínico.
Se o stresse é tão grande em si
Que desatou a implicar
Com todos que encontra aí,
Melhor é se perguntar:
Vale a pena ter o ataque
Por mor do que dali saque?
343 – Connosco
É connosco satisfeitos
Que teremos de viver,
Mas nossa vida tem jeitos
De depender dos trejeitos
Que de nós outrem fizer.
É urgente a equilibração
Então entre o sim e o não.
344 – Altamente
Podemos imaginar
O sexo nesta medida:
Como uma parte da vida
Altamente refinada
E assim capaz de mudar
Tudo o mais, duma assentada,
Com dele a graça, o poder.
Neste sentido é que o sexo
O elemento acaba a ser
Dentro em nós mais importante,
Da vida inteira no amplexo:
Muda tudo dele em diante.
Se libertar de ansiedade
A nossa sexualidade,
Tudo em vida pode ser
Agradável criação.
Se grosseiro a mantiver,
Sofre a vida o afloramento
Deste perpétuo aleijão:
Falta-lhe refinamento,
Vai-me arrastar pelo chão.
345 – Abandonar-nos
Às éticas laborais
Ao abandonar-nos presos,
Devotos exagerados
De mentes conceptuais,
Terminaremos ilesos
Num mundo em todos os lados
Funcionando em pleno e bem,
No qual, contudo, ninguém
Há-de gostar de viver.
Como negligenciar
Pudemos de tantos modos
Nosso eros como qualquer
Dos mil jeitos que há de amar,
De fruir do sexo os bodos?
Felizmente ainda haverá
Gentes e comunidades,
Culturas acaso já,
Em que as sexualidades
Não se limitam às meras
Físicas da medicina
Nem à psíquica união
Em que ninguém é deveras,
Antes tudo ali se inclina
A dar ao cosmos o chão
De carne e sangue, de sexo,
Para lhe fruir do amplexo.
Era simples permitir
Que o sexo deste Universo
Fora visto a reflorir,
Apreciá-lo no mundo,
Em lugar de vê-lo adverso,
De o rejeitar como imundo.
Era um pouco de lazer
E menos exploração;
Respeito à natura haver;
Tempo na laboração
Para livre respirar;
Espaço de espreguiçar
Como um animal qualquer;
Acaso algum abandono
Do meramente sadio,
Conveniente do alimento;
A casa à imagem do dono,
Imaginosa e com brio;
Uns jardins em seguimento;
Uns velhos prédios mantidos,
Puro gozo dos sentidos…
- Tudo, em todo e qualquer lado,
Tudo é sexo que reparto
Directamente ligado
Ao que acontece no quarto.
346 – Meio
Tudo me faz tanta pena,
Sendo, aliás, indiferente…
Como a gente é tão pequena
No meio do mundo ingente!
Tanto faz sim como não,
Parar, estar de partida:
Vim para aqui sem razão
Como, aliás, tudo na vida.
Fico tão incomodado
E, afinal, qual é o cuidado?
347 – Consciência
Em mim foi sempre menor
O vigor da sensação
Que da consciência o vigor
Com que a tenho sempre à mão.
Sempre me doeu bem mais
A consciência de ir doendo
Do que a dor doeu jamais
De que consciência vou tendo.
A vida das emoções
Às salas do pensamento
Se mudou: dele aos balcões
Vivo mais conhecimento.
E, quando alberga a emoção,
O pensamento se torna
Bem mais exigente então.
Dele ali recebo a jorna
Na maneira como sinto,
Muito mais quotidiana,
Mais epidérmica a pinto,
Que em carne viva me dana.
Criei-me abismo pensando,
Eco em mim multiplicado,
Fui-me lento aprofundando,
Dor de eterno parto adiado.
348 – Vencer
Conformar-me é submeter-me
E vencer é conformar-me:
Ser vencido logo em germe.
Por isso toda a vitória,
Só por requerer que eu me arme,
É grosseria, vanglória.
Perde sempre o vencedor
Vantagens do desalento
Com o presente, ao lhe impor
Que à luta vá, corra ao vento,
E que a vitória lhe deu.
Fica muito satisfeito
E satisfeito é o sandeu
Que no fundo, pelo jeito,
Já de raiz se conforma,
Não tem mente vencedora.
Vence apenas quem, por norma,
Não atinge, fica fora.
Apenas quem desanima
Forte há-de vir sempre, forte,
Quem abdicar ante a sina,
Quem já nem ligar à morte.
O Império supremo
É o do imperador
Que abdicar no extremo
Da vida que for
Tida por normal,
Dos outros, dos mais,
Em quem o sinal
Dos cumes reais
Nem pesa as tramóias
Do fardo das jóias.
Liberto de tudo,
O mundo põe mudo.
349 – Salgueiro
Salgueiro que verga
Ao sopro do vento,
Por muito que se erga,
Não quebra ao tormento.
Um rígido galho
Contra o vento em luta,
De inflectir-se falho,
Quebra na disputa.
350 – Saúde
Se tua saúde é de oiro,
Cuida bem de teu tesoiro.
351 – Modos
Há dois modos de estudar
As voláteis borboletas:
Com a rede i-las caçar
E depois inspeccionar,
Em cadáver, que detectas;
Ou sentar silencioso
Num jardim a observar
O bailado gracioso
Entre as flores do lugar.
Escolha que dita a sorte:
- Sabes da vida ou da morte?
352 – Longe
Bem longe da multidão,
Mas que beleza de ideia!
Lembra-me a grande evasão,
O isolamento com veia,
Lembra-me o espaço vital,
Fuga para a quietude,
Férias de tempo estival
Com as quais quenquer se ilude…
Quando, ao cabo de onze meses
No bulício da cidade
Não se aguentam mais reveses,
- Quero a ilusão: persuade.
353 – Problemas
Os problemas resolvidos
Podem ser com sofrimento
Ou antes serenidade.
Depende de si: gemidos
É o que quer cada momento
Ou antes paz de verdade?
354 – Pessoas
Pessoas… Quem vale a pena?
Por quê toda a correria?
Há que viver dia a dia,
Que a vida é muito pequena?
Estariam bem melhor
Mortas, não passam de esterco.
Quando cada à guerra for
Do bom senso aí me acerco?
Muitos nem voltam sequer.
E os mais são mais ponderados?
De modo nenhum, quenquer
Mais dentes traz acerados.
No fundo são carniceiros.
Se a vida dá para o torto,
Uivam, lobos, e os cordeiros
Já cada qual ficou morto.
355 – Questão
Se não puder dar-te um sim,
Vou além para ajudar.
Por que terei de matar
Homens por quem nunca vim
E que jamais conhecemos,
Para conseguir a tal
Côdea de pão mais frugal?
É a questão que nunca vemos.
Matar é mais importante
Que quem é que pagará
Ou quanto é que custará,
Nisto aqui passo adiante:
"Ir agora me ralar
Só por um custo qualquer!
- Estou cá para viver
E não para calcular…"
356 – Vivem
Vivem os homens a sós,
Uns com outros sem falar,
Porque inventam dominós
Da morte demais a par.
É um autómato hoje a morte
Que anda a reger-nos o mundo
Dum activismo sem norte
Que tudo torna infecundo.
A morte é silenciosa,
Jamais ela terá boca,
Nem exprime o que descosa,
Nenhum som lhe sai da toca.
Também algo é numinosa:
Depois da vida vivida,
Quem sim disse nela goza
Da resposta merecida.
Pode-lhe abrir bem os braços
E nenhum medo sentir,
É o abraço dos abraços
No Universo a se fundir.
357 – Consolar-me
Consolar-me deste exílio,
Do exílio da eternidade,
Do desterro sem auxílio
Que desceuzado degrade…
Procuro e, portanto, escrevo
E escrevo do que escrever,
Criar de criar o enlevo,
Deus de Deus a acontecer.
É sombra, evidentemente,
Mas já o ausente presente..
Mas ausente, ai, mas ausente…
358 – Estado
Sou contra o estado do mundo
Mas não por ser moralista,
Porque quero rir, jucundo,
Quero rir sem fim à vista.
A barrigada de riso
Não é Deus, não é, decerto,
Mas rir de perder o siso
Rirei se O quiser mais perto.
A minha meta na vida
É chegar perto de Deus:
É tomar minha medida,
- Meus tornar os campos meus.
359 – Padre
Padre cristão que anda a ler
Versículos do Corão
Que sentido anda a viver
De apostolado em acção?
Deveras pode ajudar
Alguns destes muçulmanos
A lograrem apurar
A fé deles sem enganos.
Um padre destes, decerto
É um dos padres melhores,
Que procura no deserto
Quem procura outros alvores.
360 – Mudo-lhe
Se quero que o homem mude,
Então mudo-lhe a estrutura,
Todo o quadro social.
Isto, porém, nos ilude:
Mudado o que o configura
Fica ele tal e qual.
Mudam regimes, países,
E mesmo é o homem que dizes:
Chegado o escravo ao poder,
Se mantém alma de escravo,
Nova escravatura quer
Implantar, de cenho bravo.
Urge então mudar o homem
Para alterar estruturas.
Nesta fé tudo consomem
Da igreja as almas mais puras.
No fim é a desilusão:
Perpetuaram, reforçaram
A prévia dominação.
Pior é que a caucionaram,
Auxiliando-a a reinar
Sobre almas, corpos e mentes.
Se as duas vias mudar,
Com ambas interagentes,
Então algo é de esperar,
No alvor mais eficientes.
361 – Mergulho
Agir moderadamente
Vem da radicalidade.
Ao crer eu convictamente,
Mergulho profundamente:
Modero-me a actividade,
Que a verdade é relativa
Quão mais com ela conviva.
Quem não está bem seguro
Daquilo que afinal quer
É que na acção devém duro
Tapando a nudez que houver.
362 – Milionário
O milionário não temas,
Não crê que a posteridade
Dele aprecie os poemas:
Nunca os escreve, em verdade.
Como o caixeiro de praça
Que o futuro se deleite
Não crê no quadro que abraça
Só no sonho onde se deite.
Como um rei ou presidente,
Nenhum vai ser recordado
Por um romance que invente,
Nunca escrito em nenhum lado.
Aquilo que tu deixares
É que marca onde passares.
363 – Cravo
Perde o exército uma guerra
Por mor dum cravo que falta,
Quando o comandante salta,
Na pata onde a égua aterra.
Nenhum pormenor
Pode ser tomado
Como pré-marcado
De ínfimo teor.
Parece insignificante
E, ao não ser verificado,
Compromete logo adiante
Tudo o que se houver tentado:
No dia-a-dia, um país
Como uma vida em família,
Perdem sempre, por um triz,
Do que escapou à vigília.
364 – Estratego
Sou o estratego sombrio
Que, perdidas as batalhas,
Traça, de fio a pavio,
Para que não haja falhas,
No papel, gozando o esquema,
A retirada final,
Com o pormenor por lema,
Saboreando o que é fatal,
- Traça-a, sem qualquer dilema,
De véspera e mal acate
Cada vindoiro combate.
365 – Conta
Tu verás mas não reparas,
Reparas mas não observas.
Mesmo se bates de caras,
Darás conta com reservas.
O teu erro capital
É teorizar sem dados.
Distorces qualquer sinal,
Quando são desajustados,
Para, ao fim, os adaptar
À teoria já feita.
- Em lugar de i-la ajustar,
Aos factos tendo-a sujeita.
366 – Grades
Quem na pátria permanece,
Bem real ou figurada,
Talvez nunca chegue a nada,
Nas grades de que se esquece.
É que é preciso escavar
Pelo terreno ignorado,
Que o comum a todo o lado
Vai-se apenas revelar
Do nómada à nua vista
Que, por sem tribo, o conquista.
367 – Pensamento
Pensamento elevação
Pode ter sem elegância.
Perderá, na proporção,
Sobre outrem qualquer acção.
A força pejada de ânsia
Sem destreza que desperte
É impotente massa inerte:
Incapaz, morre na infância,
Sem que para nada alerte.
368 – Bêbado
Se um homem só escreve bem
Quando bêbado ficar,
Embebedar-se convém.
Se é fígado o que o retém,
Que é que ele lhe há-de importar?
Fígado morre também
Na hora de se finar.
Mas poema que escrever,
Afinal, pode durar
Sempre enquanto mundo houver.
369 – Cela
Se a vida nos não oferta
Mais que a cela da prisão,
Tal como se fora aberta
Ornamentemos-lhe o chão,
Mais não seja, com as sombras
De nossos sonhos despertos,
Virentes ecos de alfombras
A espalhar-se nos desertos.
Vamos esculpir sentido
Pela parada bruteza
Dos muros que hajam prendido
O fumo lá da Beleza.
370 – Mister
Tem qualquer mister problemas
E o problema das escolhas
É escolher entre teus lemas
Que problemas lá recolhas.
É que o lema duma vida
É de o problema escolher
Que a toda a vida convida
Por gostar de o resolver.
371 – Pedra
A vida me joga,
Pedra pelo ar.
E a pedra que voga
Ouço-a comentar:
"Aqui vou mexendo!"
Nada, ao fundo, actuamos:
Em tudo vou sendo
Voz de ignotos amos.
Faço teatro e neste mimo
Sob o sol, sob as estrelas,
De o saber não desanimo:
Mal despidas as farpelas,
Do teatro aberta a porta,
Se no além há vida, vivo,
Se não, serei coisa morta.
E nada do que cultivo
Na comédia a tal importa.
372 – Mede
Quem nos mede sem medida,
Nos mata mesmo sem ser?
Será que o tempo tem vida,
Será que existe sequer?
Sinto-o como uma pessoa
Implacável e maldita
E quero dormir à toa.
Que desdita, que desdita!
Nele não há porta aberta,
Que importa ficar alerta?
373 – Tédio
O tédio não é aborrido
Por nada ter que fazer.
Bem mais fundo ele é sentido
Por nada a pena valer.
Então, ao nada valer,
Não há por onde fugir:
Quanto mais há que fazer
Maior o tédio a sentir.
374 – Frasco
Enche o frasco de calhaus,
A seguir, põe-lhe gravilha,
De areia lhe atulha os vaus,
Rega, no fim, a vasilha.
- Isto é o tempo. Que provamos?
- Que, qualquer que seja a
agenda,
Sempre a lá caber forçamos
Algo mais, por encomenda.
- Não, o que isto nos ensina
É que, se não colocamos,
Primeiro, o que mais combina,
As pedras grandes, findamos
Por não poder colocá-las
Depois, ao voltar atrás.
Quais são elas, as das galas
Do melhor que a vida traz?
São o marido, a mulher,
Nossos filhos, os amigos,
Os sonhos que alguém tiver
E da saúde os abrigos.
Ponham-nos sempre primeiro,
Que o resto então encontrar,
Depois do lugar cimeiro,
Há-de sempre o seu lugar.
375 – Mentiroso
Mentiroso bem treinado
Crêem que logra enganar.
O mais experimentado,
Muitas vezes, em lugar,
Apenas a si consegue
Enganar no que prossegue.
Àquele que toda a vida
Da verdade foi convicto
É que a mentira, em seguida,
Já que ali nada foi ficto,
Uma vez posta em função,
Tem rápida aceitação.
376 – Conquista
Só com autodisciplina
Se conquista a liberdade.
Numa tigela que inclina
Água deite a que lhe agrade
E então poderá bebê-la.
Inteira se escoaria
Sem da vasilha a parcela.
É tigela a disciplina
Que assegura cada dia,
No-lo guarda na lei dela.
Só depois a liberdade
É beber dela à vontade.
377 – Rocha
Na rocha do coração
Grava o bem que receberes,
Grava na areia do chão
O mal que doutrem houveres.
Quem isto fizer, condiz
Com quem acaba feliz.
378 – Movem
Frequentemente as empresas
Que movem as engrenagens
Do mundo, em suas devesas,
Executam-nas triagens
De inúmeras mãos pequenas
Que as têm de efectivar.
Aos grandes nunca dão penas,
Que sempre andarão a olhar
Atentos a outros lados.
E acabam por ter à mão
Sempre os melhores bocados,
Queira ou não queira a razão.
379 – Começar
Começar é pretensão
Excessivamente grande,
Qualquer que seja a moção,
Quenquer que seja que mande.
Em todos os grandes feitos
Pequeníssimo papel
Assenta do herói nos peitos,
Tudo o mais não provém dele.
Nos ombros doutrem apoia
Os pés nulos de gigante
E assim é que dele a jóia
Refulge mais adiante.
380 – Palavra
De quanta palavra um homem
Precisa para passar
Aos actos que enfim o movem!
É mesmo de lamentar,
Pois depois, de impaciente,
A Humanidade é doente…
381 – Emociona
O que eu descubro sozinho
Emociona como um cântico,
O doutrem, alheio vinho,
É um cantar meio engasgado:
É como entre o amor romântico
E um casamento arranjado.