CANTO NOVE
DE NOVO COLHO A
ROBUSTEZ DOS LAÇOS
Escolha um número aleatório
entre 953 e 1114 inclusive.
Descubra o poema
correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
953 – De novo colho a robustez dos laços
De novo colho a robustez dos laços
Em cada tombo à curva do caminho,
Como quem colhe o próprio pão e vinho
Das gavinhas que prendem os abraços.
Dum amor decifro os traços,
Criança a quem o carinho,
Como num tonel o vinho,
Cor apura aos gestos baços.
Com os mais me enlaço,
Ao mundo me prendo
E no nó me caço
E me surpreendo.
Eu não sou eu, serei bem mais
Duma rede de ternuras os ramais.
954 - Afrodisíaco
Vinho não é dionisíaco,
Bem mais aqui tenho à mão:
- O melhor afrodisíaco
É o de abrir meu coração.
955 – Presença
A presença desejais
Na solidão doente,
- Até porque a presença é sempre
mais
Que estar presente.
956 – Amigo
O amigo da gente
Não é nunca, não,
De sangue parente,
Mas de coração.
957 – Quieta
Quieta,
Mexe a mãe de muitos modos:
Quando a mãe fica de dieta,
De dieta andarão todos.
958 – Dadas
Amar não será somente
Ir de mãos dadas quenquer,
É dar as mãos indo em frente
Para o que der e vier.
959 – Sem
Sem ter amigos, você
É como um livro no qual
Ninguém a pegar se vê:
- Nada vale!
960 – Brota
De mim brota um arrebol
Se em miúdo ouvi, em prece:
"És o meu raio de sol,
Alegras-me, se escurece."
961 – Faltar
Não anda o mundo perdido,
Como quer o perdedor,
O mundo vive exaurido
Só por lhe faltar amor.
962 – Água
Qualquer que seja a mágoa,
O amor que tens defronte
É como a água:
Não deve ficar na fonte.
963 – Rir
Os que não sabem chorar
Com todo o coração,
Rir, a par,
Também nunca aprenderão.
964 – Netos
Se nós víramos que os netos
Seriam tão divertidos,
Primeiro, em nossos projectos,
Haveriam de ser tidos.
965 – Deu
Um homem deu sempre a vida
Por amor, duma assentada,
E julga, na despedida,
Afinal, que não deu nada.
966 – Nem
Nem o amor convence,
Bem menos a glória:
- Ninguém nos pertence
Senão na memória.
967 – Limpa
Nunca recordarão
A casa limpa nas memórias:
Os miúdos lembrarão
É que lhes liam histórias.
968 – Exclamar
De que serve a maravilha
Que leva a exclamar de espanto
Se não há por toda a ilha
Ninguém que partilhe o encanto?
969 – Importará
Que importará que os mais velhos
Sobrevivam mais e mais
Se, mais novos, aos conselhos
Menos e menos ligais?
970 – Suprema
Arte suprema da guerra
Não é vencer a disputa,
O inimigo é pôr por terra
Sem ter, porém, de haver luta.
971 – Fornalha
Não aqueças a fornalha
Tão quente para o inimigo
Que te chamusque a acendalha
De esconjurar-te o perigo.
972 – Fraternidade
O grande perigo
A uma estranha beleza conduz:
A fraternidade do inimigo
Traz à luz!
973 – Inverno
O inverno nuclear não
Nos diz mais do que este facto:
Quando mato o meu irmão
A mim mesmo é que me mato.
974 – Longevidade
A longevidade
Apesar de tudo mente:
Um amor não tem idade,
Nasce continuadamente.
975 – Expectativa
Expectativa à vulgar
Paixão sempre diminui
Como eleva sem parar
À grande de que alguém frui.
976 – Abrigo
O lar
É o abrigo:
Podem-nos pouco os homens
importar,
Precisamos é dum amigo.
977 – Fundo
Não há lemas, de seguida,
Quando ao fundo tu desceres
Do abismo inteiro da vida:
- Ama e faz o que quiseres.
978 – Doce
Doce é aquilo que me dizes,
Mais doce é o beijo, porém,
Que te roubei aos matizes
De teus lábios de cecém.
979 – Instante
Nossas vidas um instante
Se encontraram…
- Foi o bastante:
As almas se incendiaram.
980 – Economiza
Um amor é o que me avisa
Do que é o infinito inteiro,
Um amor que economiza
Não é um amor verdadeiro.
981 – Ri
Ri, que então todos rirão
Contigo e dão-te carinho.
Ressona como um vilão
E então dormirás sozinho.
982 – Laço
A amizade é mais que algum
Traço que a um laço persuade:
Um inimigo comum
Não faz a vera amizade.
983 – Cidade
Muito a saber nós ficamos
Acerca duma cidade,
Como ela trata se olhamos
O visitante que a invade.
984 – Única
Amamos
Porque se apura
Que, após todos os reclamos,
Esta é a única aventura.
985 – Aproxime
Nunca deixe que ninguém
Se aproxime de si sem
Se ir embora mais feliz,
Melhor em qualquer matiz.
986 – Diferenças
Casais felizes enfrentam
Diferenças com humor,
As decepções condimentam
De si rindo até o sol-pôr.
987 – Morrer
Ao morrer ninguém lamenta
Não ter trabalhado mais.
Se horas mais a vida inventa
Vão ser de quem mais amais.
988 – Amar
Amar é depositar
A minha felicidade
Na felicidade a dar
A quem amo de verdade.
989 – Certo
Num amor quem entristece
Por certo que não arrisca
E quem arrisca apetece,
Não entristece, petisca.
990 – Topadas
Por mais que haja escolhos,
Topadas no chão,
Quem ama não vê dos olhos,
Vê sempre do coração.
991 – Puro
O amor traz sempre sinais,
Sinais de sentido:
Pelo amor puro jamais
Ninguém é traído.
992 – Corre
Para a vida poder ser
O ser de todo o regalo
Deixa o coração correr
E corre atrás a alcançá-lo.
993 – Incapaz
Incapaz de amar deveras,
Quenquer que jamais amou
Como afirma, sem quimeras,
Mundo além, um qualquer voo?
994 – Âmago
No âmago do coração
Há trevas numa tal teia
Oculta e fora de mão
Que o próprio nem faz ideia!
995 – Lágrimas
Lágrimas em teus olhos, não!
Que é que importam os assuntos?
- O tempo que nos resta é tão
Pouco para estarmos juntos!…
996 – Beijo
Um beijo pede outro beijo,
Quer seja a mim, quer a ti.
Nunca a vida perde o ensejo,
Tudo quer juntar a si.
997 – Desejar
Desejar ardentemente
Nunca alguém deseja, não,
Quando o desejar somente
Com a razão.
998 – Beijos
Tuas palavras são doces
Mas mais doce o que encontrei
Foram mil beijos precoces
Que de teus lábios roubei.
999 – Esteio
Um esteio de oiro
Sempre leva a palma
E é o bordão de agoiro
De aleijados de alma.
1000 – Sábios
Os mais felizes dos reinos
De sábias mentes não são,
Combinam sábios e leinos:
São os da mais sábia mão.
1001 – Leves
Quando à dúzia é mais barato,
Que direi do quarteirão?
- Quando aos teus meus anos ato,
Quão mais, menos custarão.
1002 – Infância
Por sons, imagens e cheiros
A infância nos é medida,
Do escuro ante os atoleiros
Da razão, mal é nascida.
1003 – Bate
O que jamais bate certo
É haver gente de eleição
Que não é eleita decerto
Em nenhum cargo ou função.
1004 – Amigo
Um amigo é aquele alguém
De que gostas ou não gostas
Que de ti, nas tuas costas,
Sempre andar a dizer bem.
1005 – Espírito
Casa do espírito é a biblioteca
E, mais que da lareira a brasa
Na lenha seca,
É o espírito da casa.
1006 – Vizinho
Bom vizinho é quem
Nos sorri de lá da vedação.
Jamais, porém,
A salta para o nosso chão.
1007 – Frases
Estas frases que trocamos
São inúteis por completo,
O mais belo que evocamos
É sempre mudo e discreto.
1008 – Decerto
Se um homem, frequentemente,
Diz que a ama, veemente,
Então é que nalgum lado
Algo decerto anda errado.
1009 – Pior
A pior das solidões
Pelo coração se acama
De quem vigia, aos serões,
Muito longe de quem ama.
1010- Prazer
O prazer da companhia
Com teu filho saboreia
E a confiança te cria
De ser pai que tal ateia.
1011 – Delicado
Verdadeira intimidade
Será não ser delicado?
Só quem queira, em realidade,
Ser de vez abandonado.
1012 – Condições
Todo aquele que for bom
Vê condições para dar.
E por dar sem condições
Sempre acaba quem amar.
1013 – Emigrante
É o emigrante um herói
A viver uma aventura
Em nome de quem não foi
Nunca na vida à ventura.
1014 – Amável
Amável, um termo pode,
Terno,
Aquecer a quem acode
Três meses de Inverno.
1015 – Família
Que família divertida,
Humor por todos os lados.
- E quando tal for a vida
Somos mesmo abençoados.
1016 – Sinal
Que em sinal, no Ano Novo, de
amizade
Se estenda sempre tua mão direita
E nunca então, desta feita,
Por necessidade.
1017 – Saudade
Saudade não quer dizer
Estar longe, num deserto,
Mas que um dia, ou nem sequer,
Estivemos mesmo perto.
1018 – Limpar
Limpar a casa na altura
Dos filhos ainda a crescer
É um jardim com água pura
Regar, de céu a chover.
1019 – Humor
Um toque de humor vivido
E logo outro ser humano
Por trás dum desconhecido
Vibra sem lugar a engano.
1020 – Sozinho
Tenta em boa companhia
Ficar,
Mesmo quando o dia-a-dia
Sozinho te obrigue a andar…
1021 – Ar
O amor é uma brisa
Benta e sem juízo
Dum ar que desliza
Pelo paraíso.
1022 – Restaurante
Não continues namoro
Com quem é mal-educado
No restaurante e o decoro
Perca com um empregado.
1023 – Saudável
As palavras cruciais
Da saudável relação:
"Desculpa!" e as
triviais
Pouco ouvidas "tens
razão".
1024 – Abranda
Abranda e deixa passar
Os idiotas com pressa
Mesmo que já vás a andar
Por ti bastante depressa.
1025 – Fundo
Apareça,
Preste muita atenção,
Fale do fundo do coração…
- E não se preocupe com o que
aconteça!
1026 – Nunca
Porque os sonhos se consomem
Por tudo e nada também,
Nunca cases com um homem
Que detesta a própria mãe.
1027 – Cuidado
Cuidado, vê como medras,
Não sejamos nós a dar
Aos outros aquelas pedras
Com que nos vão atirar.
1028 – Acredita
Se ele te contar que és boa
Para ele em demasia,
Não, não creias que é uma loa,
Acredita e fica fria.
1029 – Fibra
Dos homens o coração,
Seja embora a fibra dura,
Há-de ter sempre um desvão
Por onde lhe entra a ternura.
1030 – Mente
A mente é a base da acção:
Se creio que meu caminho
É o único, a morte então
Aos milhões é o que adivinho.
1031 – Conta
Tomar bem conta de nós
E de toda a natureza
É o modo que mais retesa
Do amor a Deus quaisquer nós.
1032 – Ilha
Como ilha sê para ti,
Em ti, pois, te refugia
E em mais nada: então, daí,
Contempla o nascer do dia.
1033 – Atrai
Atrai os homens pelo que tenham
de melhor,
Mandes ou não mandes.
Não é um pormenor:
É a dádiva dos grandes.
1034 – Listas
Cuidado com tua alfombra,
Vê quem listas em teu rol:
O falso amigo é uma sombra,
Só acompanha enquanto há sol.
1035 – Firmeza
Firmeza tens de imprimir,
Senão teus filhos arriscas,
Firmeza não tem de vir
Da cela com fato às riscas.
1036 – Convite
Um amor não fica à espera
De convite para vir,
Vem sempre por sorte mera
E instala em nós o porvir.
1037 – Todos
Todos nós, com ou sem credo,
Livres embora ou reféns,
Todos, mais tarde ou mais cedo,
Citamos as nossas mães.
1038 – Pegada
Mantenha-se atento, à escuta,
Olhe a pegada em que vou,
Pense, quando comer fruta,
Em quem fruteiras plantou.
1039 – Conflito
Não poderemos dizer
Que conhecemos alguém
Se com ele não se tem
Um conflito sequer.
1040 – Tempo
A pontualidade
É arte de não fazer
Contra vontade
Mais tempo aos outros perder.
1041 – Mãe
Uma mãe é um coração
Que tem olhos, mais uns olhos
Que têm lábios logo à mão,
Tudo a operar sem escolhos.
1042 – Amante
Um amante o que apresenta
É sempre alma da beleza
E a beleza que ele ostenta
É a de alma que alguém lhe preza.
1043 – Brilho
Do rosto o brilho tanto importa
ao sexo
Que da ternura nos apogeus
O que vislumbro no amplexo
É Deus.
1044 – Centelha
O verdadeiro ritual ensina
Que o horizonte do sexo é a
apoteose
Em que duma centelha divina
Finalmente goze.
1045 – Tipos
Dois tipos, a vida além,
A vida falham presente:
Os que não ouvem ninguém
Mais os que ouvem toda a gente.
1046 – Preocupar
De nada vale dizer:
- Não te preocupes, porém!
Melhor modo nem sequer
Há de preocupar alguém.
1047 – Esconde
Quem a generosidade
Dele esconde prazeroso
Então é que de verdade
Duplamente é generoso.
1048 – Cuida
O amor com fervor
Cuida em ti que o sagres,
Onde há muito amor
Há sempre milagres.
1049 – Honrar
Honrar dum filho a memória
É sorrir e ser feliz
Para lhe darmos a glória
De sermos o que ele quis.
1050 – Vidro
Os que em casa vão viver
Com paredes de vidro, por sinal,
Nunca logram ter
Grande vida sexual.
1051 – Conta
A sexualidade só é completa
Quando leva em conta todos os
terrenos:
A vida erótica dos objectos
grandes ou pequenos
Que enchem o mundo e a vida nos
entregam repleta.
1052 – Melhor
Nem regime dietético
Nem fortuna persuade:
O melhor cosmético
É a felicidade.
1053 – Vida
Ao jovem jamais acode
A vida que ao velho cabe.
Jovem não sabe o que pode,
Velho não pode o que sabe.
1054 – Questões
Em questões de sentimento
Quão mais a palavra é grada
Menor nos vem de tal vento
A verdade procurada.
1055 – Íntimo
Se o eu não fora imperceptível,
Apenas em meu íntimo vivido,
Há muito, por outrem atingível,
Teria sido destruído.
1056 – Nunca
Nunca saberemos o que o homem
mais mesquinho
Poderá fazer por nós um dia.
Ninguém chega, sabemos, todavia,
A lado nenhum sozinho.
1057 – Aperfeiçoar
Aperfeiçoar a mente, não,
Não é viável aperfeiçoá-la:
- Olhem para o coração,
Nele é que a mente faz sala.
1058 – Acontecimentos
É primeiro antropológica
Dos acontecimentos a verdade:
Não falo lógica,
Falo generosidade.
1059 – Oiro
Cheia de oiro refulgente
Anda a rua onde viver,
Mas nem toda a gente
Tem olhos para o ver.
1060 – Dois
Tu e eu somos dois lados
Unidos da mesma folha.
Não podem ser separados:
Quem te olha a ti, a mim olha.
1061 – Conjunto
Em vez de tentar converter,
De reduzir o outro a mim,
Aprender a crescer
Em conjunto até ao fim.
1062 – Radicam
Linhas Maginot, dissuasões
nucleares, mísseis novos,
Radicam no postulado reles
De que se podem defender os povos
sem os povos
Ou até, eventualmente, contra
eles.
1063 – Resolve
Resolve cada problema ao nível
dele,
Com a participação de todo aquele
A quem tal decisão
Comprometa o destino na função.
1064 – Altura
Há uma altura em que à paixão
Dos primeiros dias ardo.
É dos dias a erosão
Que acaso a transmuda em fardo.
1065 – Dentro
Há quem dentro de si guarde
segredos
Que apenas problemas e problemas
acamam
Sobre os que, apesar dos medos,
Injustiçados os amam.
1066 – Crianças
As crianças têm uma vantagem
Perante os adultos, permanente:
- A coragem
De perdoar rapidamente.
1067 – Tragédia
Aqueles com quem pensamos
Em quem pensamos nunca são.
A tragédia humana que gritamos
Toda radica neste senão.
1068 – Sofre
Quem sofre muito, deveras
Não forma plebe ou conjunto:
Quem sofre, através das eras,
Sofre sozinho, não junto.
1069 – Sentido
São coisas bem pequenas
Que dão sentido ao ser.
Amámos apenas?
- Podemos morrer!
1070 – Outros
Os outros precisar de dominar
É dos outros precisar,
Obviamente:
- O chefe é um dependente.
1071 – Roubar
Roubar-me busca meu bem
De meu tempo um bocadinho.
Roubar não deixo, porém,
Dou-lho todo: é o que é o
carinho.
1072 – Opressão
Se tua própria liberdade
Queres mesmo preservar,
A opressão hás-de poupar
Do inimigo que te invade.
1073 – Chocolate
Chocolate com recheio,
Que gostosura de vida:
Sabe a coração no meio,
Do amor é o resto a medida!
1074 – Coração
Ao coração quem se apega,
Não tarda, bate no fundo.
Coração não se navega
Como os mais mares do mundo.
1075 – Amigos
Os bons amigos ficar
Longe uns doutros deverão,
Senão, como ondas do mar,
Vão bater no paredão.
1076 – Valores
Valores não se equivalem
Numa balança pendente,
As pessoas valem
O que vale a afeição da gente.
1077 – Meio
Em meio à grande alegria
Não prometas a ninguém
E em meio ao que te enfuria
Nada respondas também.
1078 – Enquanto
Enquanto pais, o que é claro
É que ter filhos implica
Termos surpresas, não raro:
- É o que viver significa.
1079 – Calor
O calor, roupa invisível,
Dá vontade de o tirar,
Como se fora despível
Um coração a pulsar.
1080 – Rede
Dá-te a mão para a viagem
Toda a teia parental
E a paixão, não a linhagem,
É que vence no final.
1081 – Trilho
Quando o trilho do coração bate
certo,
É a paz de espírito, a alegria.
Quando desemboca no deserto,
Angustia.
1082 – Verdadeiros
Os verdadeiros amigos
Como as estrelas são.
Não os vemos aos postigos?
- Mas sempre lá estão!
1083 – Qualidade
A qualidade do coração
De alguém não é uma sorte,
É a decisão
De escolher a vida em lugar da
morte.
1084 – Amor
Já que tudo o mais é fantasia
Em tudo o que é vivido,
Que encontres o amor um dia
Para tua vida ter sentido.
1085 – Entrego
Quando tenho mais ideias do que
os mais,
Aos mais entrego tais ideias.
Se as acolhem, se as tomam como
ideais
- É o que é comandar, por muito
que o não creias.
1086 – Próprios
Nunca pode haver amor
Se não formos cada qual
Nós próprios, com o fervor
De ao divergir ser igual.
1087 – Ergueres
Se ergueres um muro
Agora,
Pensa nos que ficam no escuro
Do lado de fora.
1088 – Palavras
Sendo embora sempre iguais,
As palavras do amor
Dos lábios donde saem, literais,
Tomam o privado e secreto sabor.
1089 – Adeus
Quão mais forte for o laço
Que com teu filho manténs
Mais do adeus te dói o abraço,
Mais um doutro sois reféns.
1090 – Juntos
Netos e avós, com amor,
Juntos a dormir os pus:
Os velhos querem calor
Como nós deles, a luz.
1091 – Pior
O pior da solidão
É de andarmos convencidos
De únicos sermos que vão
Dela sofrendo os gemidos.
1092 – Diferença
Entre um amor e a amizade
A lonjura que eu acoite
Não é uma vulgaridade,
É como o dia da noite.
1093 – Conselho
O conselho é perigoso,
Mesmo de sábio a sábio:
No roseiral mais frondoso
O espinho te rasga o lábio.
1094 – Cuidado
Cuidado com a traição:
Qualquer arma traiçoeira
Um perigo contra a mão
Que a pegar logo emparceira.
1095 – Fiel
O fiel sempre confia,
Em pedra firme assentado.
O traidor desliza, enguia:
Traidor é desconfiado.
1096 – Termos
Diz os termos agradáveis
Mesmo a quem neles não pensa.
É que o louvor dos louváveis
É o melhor da recompensa.
1097 – Servo
Mesmo se dos serviços o tramo
São temores que o medo empesta,
O servo tem direitos sobre o amo
Pelos serviços que presta.
1098 – Rebelde
Não confundas, como ao mel,
Uma insipidez com míngua:
Coração fiel
Pode ter rebelde língua.
1099 – Orgulho
Era o orgulho desatino
Se desdenhara da ajuda
Ou do conselho mais fino,
Se o que urge é que alguém acuda.
1100 – Horas
Nas horas desesperadas,
Toda a bondade e brandura
Podem pagas e apagadas
Ser com morte prematura.
1101 – Traidor
Um traidor é bem capaz
De a si próprio se trair
E deste modo no traz
Um bem de que há que fruir.
1102 – Sofrimento
De sofrimento e desgraças
Anda o mundo sempre cheio,
Dispensa as guerras que faças
A aumentá-los de permeio.
1103 – Leis
Tanto o amor como o carinho
São as leis do coração,
Nem bruxo nem adivinho
Delas nunca escaparão.
1104 – Fatia
Fatia do mesmo bolo
É o amor em qualquer lábio:
Sabedoria do tolo
Como tolice do sábio.
1105 – Olhos
Que me importa se convém
Neste ou naquele lugar:
- Os olhos que amam não têm
Vergonha de olhar.
1106 – Pagar
Pretendemos construir
Pagando o preço que houver,
- Do amor iremos fruir,
Sem ele não há viver.
1107 – Beijo
Da vida me desencontro,
Chispa nela uma luz brusca:
O teu beijo é o doce encontro
Após uma longa busca.
1108 – Laço
Se um laço perde fervor
Da lonjura com as ânsias,
O verdadeiro amor
Não conhece distâncias.
1109 – Julgamento
Se um julgamento condena,
Ao julgar nós condenamos.
Em amor era uma pena,
Não se julga a quem amamos.
1110 – Milagre
Do amor o que recolheres
Não cai do céu de mansinho,
No milagre não esperes,
Antes lhe aplana o caminho.
1111 – Lareira
À lareira, instantes
Sopramos calor:
As rixas de amantes
Renovam o amor.
1112 – Linguagem
A linguagem mais conversa
Que a conversa a que convida:
- É uma linguagem diversa
Diversa visão da vida.
1113 – Fascínio
Ao amar, a vida é breve
No fascínio de viver.
Alonga-a quem tal não teve:
Não amar, longo morrer.
1114 – Grande
Entre nascimento e morte
Há ser amado e há o amar.
O grande vinho é mais forte
Com o tempo que passar.