CANTO ONZE
ÀS PEDRAS FINDAM PRESOS
OS MEUS BRAÇOS
Escolha um número aleatório
entre 1256 e 1405 inclusive.
Descubra o poema
correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
1256 – Às pedras findam presos os meus braços
Às pedras findam presos os meus braços,
Sondo os veios, sondo os gestos
E os aprestos,
Registo em mim perfis e traços.
Os embaraços
Molestos
Torneio-os com deveres e os funestos
Efeitos devirão de vez escassos.
Interpreto e me proponho
Na postura em que darei corpo ao sonho
Num real de desafio e de promessa.
Leio-me no espelho do mundo
E quanto nele fecundo
É sempre no meu gesto que começa.
1257 – Primavera
Primavera, que enorme ânsia de
viajar,
Quanta jardinagem de fantasia!
E sempre um pequenino ressumar
De má poesia…
1258 – Dinheiro
O dinheiro traz acaso
Alguma felicidade?
A partir do prato raso
Querer mais é o que me invade…
1259 – Problemas
Sobre os problemas dormir
Mais valerá de antemão
Que insónias tarde curtir
Por mor da antecipação.
1260 – Decisões
Decisões de longo prazo
(E oxalá por elas vades!)
Trarão, quando lhes deis azo,
Logo aqui dificuldades.
1261 – Irado
Irado persistir
À lesão não me traz pensos,
Apenas me irá produzir
Músculos tensos.
1262 – Jornalismo
O jornalismo nas letras
É uma escultura de neve:
Inteiro ou com edecetras
Morre breve.
1263 – Gado
Comprar gado é exactamente
O mesmo que ir ao casino
Mas sem um bar que adormente:
- É tudo sorte ou destino.
1264 – Mandado
Meça
O mandado:
Ninguém que esteja com pressa,
Que baste é civilizado.
1265 – Humor
Sentido de humor é mais que
anseio
Ou conveniência,
É o pátio de recreio
Da inteligência.
1266 – Controla
Controla em teu dia-a-dia
Os efeitos das acções,
Sempre a História é melhor guia
Do que as boas intenções.
1267 – Questiona
Por trás dum "questiona
tudo",
Ergue-se logo um "por
quê?"
- Fica o mandamento mudo
Ou deixa de ser o que é.
1268 – Limpa
A maneira limpa, honesta,
De não ir pagar as contas
Ao fim do mês é sempre esta:
No início pagá-las prontas.
1269 – Humilde
Sempre humilde é quem é esperto:
Aprenda quanto aprender,
Pode um iletrado aberto
Mais ver que sempre quenquer.
1270 – Preocupação
Preocupação
É dar aos problemas que adregarem
Atenção,
Antes de eles chegarem.
1271 – Ausente
Como um filho ausente
Qualquer ideia opera:
Aparece de repente
Quando menos se espera.
1272 – Vale
Vale às vezes mais o olvido
Que ser lembrado:
- Mais vale ser esquecido
Que processado.
1273 – Vantagem
A vantagem da verdade
É que hipóteses tem mais
De ser o que persuade:
- É convincente demais.
1274 – Progride
O mundo progride e os bens
Abundam cada vez mais:
Mais hoje à loja te aténs
Que outrora às pompas reais.
1275 – Licença
Quando eu use uma caneta,
Acaso a morigerar-ma
É uma medida correcta
Licença de porte de arma.
1276 – Limite
Não há limite ao sucesso:
O júri fica de fora
Até darmos, no processo,
O último ai e ir embora.
1277 – Resto
Certos livros comprar, ler,
É tal como ao bolso lhe irem
E aspirarem-lhe qualquer
Resto de senso que virem.
1278 – Internet
Vive a Internet da escrita,
Descoberta doutra idade.
Se hoje um Camões a visita,
Dirá: "qual a
novidade?!"
1279 – Crítica
A crítica construtiva
Ninguém tal valor vê nela
Como aquele vê que a viva
Porque é quem anda a fazê-la.
1280 – Usamos
Usamos televisão
O cérebro a desligar
E um computador à mão
A ligá-lo em meio ao lar.
1281 – Comentário
Um comentário breve
Pode ser o fruto temporão
Que obteve
Uma longa deliberação.
1282 – Guerra
A Humanidade terá
De pôr fim, por fim, à guerra,
Ou a guerra o fim porá
À Humanidade na Terra.
1283 – Improbabilidade
Tentando as vezes bastantes,
Uma improbabilidade
Devém, hoje como dantes,
Inevitabilidade.
1284 – Nuclear
Recorrer ao nuclear
É a tragicómica peça
Em que acabamos por dar
Tiros na própria cabeça.
1285 – Medir
Só quem é louco é que tenta
Medir o fundo revés
Do abismo de águas que enfrenta
Lá metendo ambos os pés.
1286 – Incapacidade
A vera incapacidade
Da vida tem a virtude
De nos dar esta verdade:
- É só uma errada atitude.
1287 – Sesta
A sesta não paga imposto,
É como a vida nos preza.
E quanto este mês de Agosto
É a sesta da natureza!
1288 – Vigilância
A vigilância constante
A segurança assegura
Mas o reverso é alarmante:
Superprotecção é pura.
1289 – Fortuna
A fortuna dá-nos azo
A descobrir que a fortuna
Não é sempre obra de acaso
Por mais que acasos reuna.
1290 – Rodeiam
Assim como ao Deus dos céus
Dos anjos envolvem hinos,
Ao ditador corifeus
O rodeiam, paladinos.
1291 – Excepto
Os livros ele depura,
Analisa, veste de gala,
Tudo sabe de literatura,
- Excepto apreciá-la!
1292 – Miolos
Metes livros na cabeça.
Cuidado, ao se ali meterem,
Que os miolos, peça a peça,
Não saiam p'ra lá caberem!
1293 – Mandamentos
Dez mandamentos não têm
Prefácio: "se te
apetece…".
- Só aquilo que te convém
Não se impõe, que não te esquece.
1294 – Destruir
Destruir uma cultura
Não é de os livros queimarem,
Basta as pessoas deixarem
De os ler, que isto o prefigura.
1295 – Dinheiro
O dinheiro, uma fortuna
Ao indivíduo não mudam,
Sublinham, erguendo a duna,
O que ele é quando lhe acudam.
1296 – Erro
O maior erro – ouve o segredo –
Em que alguém pode tombar
É viver sempre com medo
De errar!
1297 – Espírito
Espírito manter
Durante cada jornada
É cultivar e obrigar a crescer
A insolência educada.
1298 – Humor
Sentido de humor é rir
Se tua melhor piada
Alguém furta e leva a ir
Para além da cumeada.
1299 – Pensa
Pensa em tudo o que perpassa
E pensa bem.
O homem não passa
Dos pensamentos que tem.
1300 – Nada
Quando digo não é nada,
Não é nada o que se vê:
Recordei-me, de assentada,
De algo que não sei o que é.
1301 – Muro
Aqui vou, jogado à sorte,
Mas quem regou minhas hortas?
Interrogo-me, que a morte
É sempre um muro sem portas.
1302 – Fantasma
Não há fogo ou tempestade
Capazes de competir
Com um fantasma, se invade
Quanto na mente bulir.
1303 – Algures
Na maior escuridão
Sempre algures há uma luz.
Que mais não seja, na mão,
A que a lanterna produz.
1304 – Sinais
Nos sinais repara tu
Que afloram logo aos começos:
- É difícil o menu?
Mais elevados os preços!
1305 – Significam
Preço e valor significam
O mesmo, se justapostos.
"Sem preço" e "sem
valor" ficam
Contraditórios, se opostos.
1306 – Igualitário
Deus é igualitário, apuro
Que nunca requer o passe,
Nem se viaja mais seguro
Por ir em primeira classe…
1307 – Faísca
Por que tens alta tensão?
Se faísca, és um torresmo!
Consumas-te tu ou não,
No fim tudo dá no mesmo…
1308 – Cometer
Podes, sim, cometer erros,
Mesmo perder o feitiço,
Que ninguém te põe a ferros,
Nem finda o mundo por isso.
1309 – Contrário
Ao contrário do bom vinho,
A emoção engarrafada
Não se apura no cadinho
De anos que viva trancada.
1310 – Sabedoria
Sabedoria é saber
O que fazer a seguir.
A virtude de quenquer
É fazê-lo então advir.
1311 – Domínio
Domínio melhor ninguém
Há-de ter da linguagem
Que aquele que se mantém
Calado ouvindo-lhe a imagem.
1312 – Esforço
Se não conseguir brilhar
Pelo talento, então vença
Pelo esforço que empregar
Até que o mundo convença.
1313 – Melhor
De tudo aquilo que come
Olhe o que por fim recolho:
- A fome
É o melhor molho.
1314 – Rota
A rota da aprendizagem
Requer ouvir e aplicar,
Mais esquecer na viagem
E após voltar a lembrar.
1315 – Verdadeiro
Ser verdadeiro sabendo
Que tal irá ter um custo
Da honestidade que aprendo
Será o teste vero e justo.
1316 – Como
Se demais como ao almoço,
Ao sono a tarde me inclina.
Se for ao jantar, remoço,
Toda a noite em espertina.
1317 – Grande
Grande verdadeiramente
É uma individualidade
Que nos dê como presente
A nossa oportunidade.
1318 – Diversas
Por diversas na maneira
E na medida,
Jamais confunda carreira
Com vida.
1319 – Porco
Olha bem pelo teu mérito
E conta bem teu dinheiro,
Um porco comprado a crédito
Grunhe, grunhe um ano inteiro.
1320 – Convém
Convir, convém, mas ouvidos
Antes empresta à decência:
Se há princípios envolvidos,
Sê surdo à conveniência.
1321 – Tudo
Tudo ninguém pode
Ter.
Se tal acode,
Onde o íamos meter?
1322 – Seco
Não sabemos o valor
Das águas até que o poço
Esteja seco e o calor
Dobre a fundura do fosso.
1323 – Dizer
Não dizer nada, nem sempre
Significará, de entrada,
Que não se esteja, é evidente,
Propriamente a dizer nada.
1324 – Estrada
Estrada que trepa muita
Ladeira de encumeada,
Quando a pé, não é gratuita,
É rua muito pesada.
1325 – Ti
Bate em ti como a uma porta,
Vai por ti, ruma a direito:
Não perde quem tal se porta,
No que abrir abre-se a eito.
1326 – Sentado
Não, não julgues que eu não sei
Que é que dizes na jornada
Se aí ficas, feito rei,
Sentado sem dizer nada!
1327 – Perseverar
Perseverar não garante
Só por si vencer na vida.
Não o ter é que adiante
É derrota garantida.
1328 – Cardíacos
Os cardíacos ataques
Nunca os houve inesperados,
Requerem, antes dos baques,
Vir de longe preparados.
1329 – Graças
Não é a pequena oração
À refeição proferida
Uma acção de graças, não:
- É que é uma forma de vida.
1330 – Errou
Quando que errou pressentir,
Repare o que fez, premente:
É mais fácil engolir
Um sapo quando ainda quente.
1331 – Coisas
As coisas, quando a alegria
Cá de dentro as não sentir,
Desmerecem cada dia
A ponto de nem bulir.
1332 – Lamentos
Lamentos vãos
Nunca resolveram um problema,
O que importa é o lema:
- Toma teu destino em tuas mãos!
1333 – Precipícios
Precipícios são problema,
Não, porém, por serem altos:
É que de os transpor o lema
Não é jamais em dois saltos.
1334 – Saúde
Em saúde sempre é um erro
Demais nela confiar:
Quem tem saúde de ferro
Há-de um dia enferrujar.
1335 – Impressões
Actos de que me arrependo
São tão pessoais, tão pessoais,
Que são tal qual, bem o vendo,
Como impressões digitais.
1336 – Implica
O trabalho manual
Não rejeite tão depressa,
Jamais implica, afinal,
Que não use da cabeça.
1337 – Cautela
O século derradeiro
Se algo ensinou de credível
É a ter cautela, primeiro,
Com a palavra
"impossível".
1338 – Jeito
Quando é que o jeito se apura?
É bom que o rumo decore:
Não é ideal a conjuntura?
Faça então o seu melhor.
1339 – Existe
Não existe bem nem mal
Na realidade,
Apenas no sinal
Da vontade.
1340 – Corre
A vida corre e me espanta
No que diz e no que cala,
A história me desencanta
Quando insisto em explicá-la.
1341 – Nunca
A vida demais a sério
Não tomes, que à despedida,
Teu embora seja o império,
Nunca a largarás com vida.
1342 – Chávena
Não se perde a utilidade
Com a imperfeição notada?
- Bebamos chá de verdade
Duma chávena lascada.
1343 – Morra
É sempre o ressentimento
Como tomar o veneno
E aguardar, em tal momento,
Que outrem morra no terreno.
1344 – Burocrata
Quem no burocrata aposta
Não resolve nada, não.
Burocracia é resposta
Para a falta de paixão.
1345 –Fase
Da vida cada fase é um mundo
E não resulta tentar saltar
Duns para os outros, jucundo:
- Apenas este agora é meu lugar.
1346 – Relação
Ao homem civilizado
O laço que o mediria
É o que tem à livraria
Que no lar haja alinhado.
1347 – Sorte
Não se obter aquilo
Que às vezes se quer,
Confesso, tranquilo:
- Muita sorte é ter!
1348 – Menos
No momento em que aceitar
Menos do que merecer
Ainda menos a colher
Que o que aceita vai findar.
1349 – Sempre
Sempre a Lua tem inveja
Da luz e calor do dia
Como o Sol o que deseja
É o negror que enoitecia.
1350 – Pressa
Há quem de fúria se roa
De a vida andar devagar?
A pressa apenas é boa
Para as pulgas apanhar.
1351 – Avaliar
Avaliar a coragem
Sem passar pelo perigo
Que ateou fogo à voragem
Não consegues nem consigo.
1352 – Pressão
Há quem creia que uma chave
É a pressão para nós sermos.
Pressionarem não é grave,
O grave é se nós cedermos.
1353 – Câmara
Montar a câmara no lugar
Que do teatro é o emblema
Não é a melhor maneira de criar
Cinema.
1354 - Provoca
O que provoca ansiedade
Não é a própria situação
Mas o que dela nos há-de
Contar a interpretação.
1355 – Demasiada
Em geral,
Por mor da ânsia,
As coisas apenas correm mal
Quando lhes damos demasiada
importância.
1356 – Ângulo
Algo de errado em mim?…
- Concluo que sou diferente,
O que é grave em nosso mundo,
enfim,
Qualquer que seja o ângulo por
que o enfrente.
1357 – Alimento
Deus deu alimento às aves
Mas não lho jogou no ninho.
Têm de sair das caves
A bicar seu bocadinho.
1358 – Coragem
A coragem se revela quando temos
medo
E, logo a seguir,
Na boca com o credo,
O trabalho continuamo-lo a
cumprir.
1359 – Conservador
O conservador maior
Não é o que à ordem presta
preito:
- Não há pior conservador
Que um revolucionário satisfeito.
1360 – Urgente
É urgente uma guerra santa
Contra a religião sem nome
Que o deus oculto do crescimento
implanta
E lhe sacrifica meio mundo à
fome.
1361 – Armas
As armas, embora sofisticadas,
Perdem a eficácia quando
As hostes que as manejam não
forem dominadas
Pela fé que as venha alimentando.
1362 – Sorte
Sorte também se fabrica,
Para tanto há um bom motivo:
Sempre a boa sorte implica
Pensamento positivo.
1363 – Tentadoras
A estrada do sucesso
Anda cheia, a todo o momento,
Em excesso,
De tentadoras áreas de
estacionamento.
1364 – Mínimo
Para em nada depender,
Só com as necessidades
Ao mínimo que puder
E sem liberalidades.
1365 – Metro
Pouco importa a tua pressa,
Mas que chegue para tudo,
- Eis o metro que te meça
Se tens ou não conteúdo.
1366 – Perda
A perda dum homem
Guarda-chuva pode
Ser dos que retomem
O abismo que engode.
1367 – Bomba
É uma bomba o que nos pega?
- Toda a poeira não chega
Para toldar de verdade
Nosso amor à liberdade.
1368 – Descida
Quanto mais trepando for
No que desejo saber,
Tanto a descida é maior
No que entretanto souber.
1369 – Nascer
No que nascer o que nasce
Vê-lo tanto vou poder
Como pensar que ali pasce
Aquele que irá morrer.
1370 – Domámos
Domámos o mar de outrora,
Físico e universal.
O mar é psíquico agora:
- É o da cultura, é mental.
1371 – Sei
O que sei é aquela esfera
Que quanto mais se alargar
Em mais pontos contactar
Com o que não sei se espera.
1372 – Faço
A vida é o que faço dela,
Viagens são viajantes,
O que vejo é só janela,
Ou nem vejo: é o que sou antes.
1373 – Engano
Engano é se investi
Apenas financeiramente.
Investe algo de ti:
Recompensado és finalmente.
1374 – Orgulho
O orgulho garante
A destruição que suceda:
Um espírito arrogante
Prepara a queda.
1375 – Visceral
Da visceral, primária fundação
Da magia,
É a música maior revelação
Que a filosofia.
1376 – Objectivos
Só resulta por objectivos gerir
Se, primeiro, tratar
O alcance de lhes definir
- E é o que nunca tem lugar.
1377 – Querer
Meu Deus, dá-me querer mudar,
Se errar, e, se tiver razão,
Dá-me determinação para continuar
Com minha afirmação.
1378 - Importante
Para além de queixa e pranto
O importante é o que fazemos
(E tanto o quê, quanto o quanto)
Com aquilo que sabemos.
1379 – Medo
A maior dificuldade
Que enfrentamos nesta vida
Forjo-a de vacuidade,
De nosso medo à medida.
1380 – Inverno
Quando calço a luva
E o Inverno me devora,
O céu não manda chuva,
Chora.
1381 – Estranho
Pela morte há o temeroso respeito
Como ante o estranho ilustre mas
indesejado
Que tomou a peito
Visitar onde resido o povoado.
1382 – Morte
Na várzea maninha
Germina-te, ajustada a ti como
uma luva,
A morte: erva daninha,
Não precisa de chuva.
1383 – Hábito
Quando hábito algo devém,
Arredio à verdade
Logo se mantém:
Nenhum facto persuade.
1384 – Erróneo
Quão erróneo mostra ser
O livro, por mais profundo,
Quando aplicado se houver
À vida que vai no mundo!
1385 – Infâmia
Sob a severa aparência
Da justiça e da bondade que o
tomem
Encobre-se a eterna e profunda
infâmia, essência
Do Homem.
1386 – Parte
A mentira, a um problema,
Eterniza-o no futuro.
A verdade inverte o lema,
Ao passado o dependuro.
1387 – Atalho
Um atalho compromete
Quem promete ir por atalhos,
Pois quem no atalho se mete
Logo se mete em trabalhos.
1388 – Canções
As canções são como árvores de
fruto,
No tempo delas amaduram, delas à
maneira,
E, por vezes, sem produto
Prematuras nos murcham mesmo à
beira.
1389 – Risco
Enfrenta o risco e te aplica
A ultrapassá-lo depois.
O que foge multiplica
Cada inimigo por dois.
1390 – Tesoiro
O que um tesoiro, incapaz
For de largar, se preciso,
Andou-se-lhe a acorrentar:
Crê ter e não tem juízo.
1391 – Factos
Deixa os factos decorrer
Como ocorrem de verdade,
Ninguém tem necessidade
De atrás deles ir correr.
1392 – Bem
Faz o bem, é o principal,
E não ligues aos reveses.
Repara que o mal, às vezes,
Prejudica o próprio mal.
1393 – Queimada
Mão queimada ensina logo
Muito melhor a lição:
A advertência sobre o fogo
Vai direita ao coração.
1394 – Máscara
Busca a vera identidade,
Não a máscara que ameia:
Para os vesgos, a verdade
Apresenta a cara feia.
1395 – Gesto
Nunca um gesto generoso
Em nós deve ser contido
Por conceito que lhe entroso,
Que é um juízo arrefecido.
1396 – Necessidade
À necessidade que arde,
A demora é garra adunca,
Contudo, mais vale tarde
Que nunca.
1397 – Jóias
Só queremos luz e água:
Água limpa e luz do dia
Veras são jóias na frágua
Que a vida burilaria.
1398 – Mentira
Mentira uma vez na vida
Não convence, é necedade.
A mentira repetida
Ganha foros de verdade.
1399 – Negócios
Dos negócios pelo mundo
O espelho retrovisor
Sempre vê mais claro e fundo
Que o pára-brisas melhor.
1400 – Horas
Não são horas que dedicas
A teu trabalho que contam,
É o trabalho que dedicas
Às horas que a ti to apontam.
1401 – Mente
Não fuja à dor, atravesse-a,
Não finja que não existe,
Deixe-a invadi-lo, que néscia
Mente é que em fuga persiste.
1402 – Dura
Nem sempre dura um Inverno
E mesmo assim há Natal.
O sucesso não é eterno
E falhar, não é fatal.
1403 – Dom
Dá valor ao dom que tens
E não fiques infeliz
Por voz não ter noutros bens,
Por não ser doutro matiz.
1404 – Poder
Para o poder ser prestante
Elimina-lhe o que é fútil:
A hierarquia é uma estante,
Quão mais alta, mais inútil.
1405 – Jacaré
Usa de esperteza e manha
Se na vida apostas,
Em rio com piranha
Jacaré nada de costas.