SEGUNDO  ITINERÁRIO

 

 

 

DO  AMOR, DEVIR  E  UTOPIA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha um número aleatório entre 56 e 108 inclusive.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

56 – Do amor, devir e utopia

 

Do amor, devir e utopia

Caminharei com a rima

E o metro que o povo encima,

Certos como horas do dia.

 

E com os mais tomo a lima

Que as arestas poliria

A cada dobra da via

A que a pegada se arrima.

 

O mais além a compasso

Vislumbro que me aparece

A definir cada traço

 

E mais e mais me apetece:

Mesmo a imensidão do espaço

Vejo que em mim acontece.

 

 

57 – Conta

 

De vez a vida largada,

A conta inteira é saldada:

 

Nem saudades, nem tormentos…

Nada também de lamentos!

 

A janela do infinito

Abre além de qualquer grito.

 

 

58 – Minoria

 

Se fores da minoria

Do trabalho criador,

Não forces a ideia-guia,

Não forces, que é bem pior:

Forçá-la, leva-a a abortar.

Com paciência, madura,

Deixa-a crescer devagar…

 

Aprende, aprende a esperar:

- É o porvir que te inaugura.

 

 

59 – Acode

 

Com passado nem Deus pode

Até porque já passou.

Futuro a ninguém acode,

Há-de vir e lá me vou.

 

Importa mesmo é contente

Tomar em mãos o presente.

E deixar-me ir deslizando

Do lado que for sonhando.

 

 

60 – Pulo

 

Se puderas realizar

Um bocadinho do sonho,

Que pulo o mundo ia dar,

De que tamanho medonho!

 

Do que te sentes capaz

Que é que fazes, que se faz?

 

 

61 – Acalentado

 

Há-de sempre haver um dia

Em que o sonho mais profundo

E acalentado irradia

Por sobre a casa do  mundo.

 

Reconhecer o momento

Requer nunca ter fadiga

Mais escapar ao tormento

De beco algum sem saída.

 

Teremos de acreditar

Sempre que somos capazes

Mal a uma esquina apontar

Um lume de que te abrases.

 

Creia o mundo o que ele crer

De nós e de nossos sonhos

Importa é agarrar qualquer

Fresta de amanhãs risonhos

Que nos venha a aparecer.

 

Quando ocorrer, não hesites:

- Agarra-a sem mais palpites!

 

 

62 – Macaco

 

A história conta às crianças

Do macaco malandrão

Que uma banana nas franças

Comeu e que atira ao chão,

Displicente, a casca inútil.

 

Se fazes o gesto fútil

De uma casca imaginária

Largar sobre uma cadeira,

E depois, na lida vária,

Te esqueces, de tal maneira

Que te acabas lá sentando,

Logo as crianças gritarão:

"Olhe as cascas que aí estão!"

 

Tal a força que tens quando

Um conto contas por dia:

- A vida inteira inventando

À vida emprestas um guia!

 

 

63 – Atento

 

Uma reunião ganha vida

Se uma história conta alguém,

Tudo de cabeça erguida,

Olho atento ao que lá vem.

 

E, quando houver um problema

Difícil a discutir,

Uma história ajuda ao tema,

Abre o rumo a decidir.

 

 

64 – Húmus

 

Quem é atento e dedicado

Ao bem alheio não morre:

Semente em húmus lavrado,

Escondida em terra, acorre,

- Dá o mundo fertilizado.

 

 

65 – Velocidade

 

Num mundo a se destruir

A toda a velocidade

Que resta a um homem? Fugir?

Para onde, de verdade?

 

Fica apenas a saída

De encontrar algo de seu,

Nunca o perder, de seguida,

E o trabalho que lhe deu

 

Desmultiplicar com força

Só para aquilo, por ele.

- É a semente que reforça

O ar que o porvir impele.

 

 

66 – Sentido

 

A vida tem um sentido:

Do opressor ao oprimido.

 

Quem a quer encaminhar

Contra aquele irá lutar.

 

Se é o judeu que é fuzilado,

Do judeu vais pôr-te ao lado.

 

Quando ele é um explorador,

Vais, explorado, te opor.

 

Se é um regime comunista,

Põe-lo em tua negra lista.

 

Se é o capital que amarfanha,

Sujeita-lo à tua sanha.

 

Quando for um ditador,

Não terá sorte melhor.

 

Se é o branco que oprime o negro,

Na luta deste te integro.

 

Mulher que é discriminada,

Com ela irás de mão dada.

 

Regime patriarcal?

- Liquidá-lo-ás por igual.

 

Adulto que a criança explora

Não perde pela demora!

 

Todo o abuso do poder

Contigo tem de se haver.

 

Se é um neo-colonialismo,

Tramas lançá-lo no abismo.

 

Norte rico contra o Sul?

- Talhas drenos ao paúl.

 

E, se for a corrupção,

Não lhe concedes perdão.

 

Quando alguém pear alguém,

Tua mão este sustém.

 

A vida tem um sentido:

Tu és a voz do oprimido.

 

Se trocaste a barricada,

Não és Homem. Não és Nada!

 

 

67 – Futuro

 

É uma estupidez viver

Toda a vida no futuro

Quando pode não haver

Futuro algum a viver

Neste dia que inauguro.

 

Colhe sempre muito bem

Um futuro planear,

Mas não consinta ninguém

Que o plano que futurar

Acabe por afastar

De hoje o pouco que contém.

 

Mas que ninguém corra agora

O risco de fazer quanto,

Feliz nem sendo na hora,

Acabe numa demora

De que reste o desencanto

 

E que mate o que inauguro,

Sem jamais termos futuro.

Se algo tiver de sofrer,

Que sofra então o presente

Para poder ir em frente

Rumo a um futuro qualquer.

 

E que não estrague a pressa

Tudo o que aqui for promessa.

 

 

68 – Aposta

 

Nunca poderás viver

Tu para a posteridade,

Que desta a moralidade

Será sempre outra qualquer

Que aquela que fantasias

Na aposta que apostarias.

 

Se forem bens que lhe deixas,

Todos do campo do ter,

Quando muito não tens queixas.

Que lá o que fará do ser

O porvir que acontecer

Com teu manado de reixas

Nem ele o sabe sequer.

 

 

69 – Cem

 

O pouco que vais poder

Contribuir para mudar,

Cem anos após morrer

É que se irá revelar.

 

Tira-te, pois, de cuidados:

- Não verás os resultados!

 

 

70 – Coisas

 

Tens até coisas demais.

Já que tua vida é boa,

Onde à vida os gestos leais

De mais longe pôr sinais

A que rumes tua proa?

 

É que tens a obrigação

De a tornar sempre melhor.

Porque se cada qual não

Der nada de si, então,

Escarnece do valor

 

De tudo o que lhe foi dado.

Será mesmo uma ironia

Que te esqueças do cuidado

Com que avós hão trabalhado

Para o que tens hoje em dia!

 

 

071 – Errado

 

Se dizes algo de errado,

Podes sempre desdizê-lo.

Se escreves algo de errado,

Podes certo reescrevê-lo.

- Sempre reverdece o prado

Sem com tal ter qualquer elo.

 

Mas se algo errado fizeres

Permanecerá contigo

Para sempre, nem que esperes

De vez fechar-lhe o postigo.

 

Qualquer acto entra no mundo:

Dele o entreteço e, por bem

Ou por mal que dali vem,

Sempre o enveneno ou fecundo.

 

 

72 – Torrão

 

Uma vida tem valor?

Não por ela própria, não!

Tudo vem de que projecto,

Ao virar cada torrão,

Lhe acabarei por impor.

 

É, pois, quando me intrometo,

Porque sou um responsável,

Quando edifico meu tecto,

Que o valor devém viável.

 

Quando às costas ergo a vida

É que poderei mudar

Não só a minha: de seguida,

Ponho o mundo inteiro a andar!

 

 

73 – Abismal

 

Entre o facto e a teoria

Há diferença abismal:

O facto a natura o cria,

A teoria é mental.

 

Deter a capacidade

De criar a teoria

É mera oportunidade

De me explicar o que via.

 

Isto cria alternativas,

O facto, não, que é só um.

Ao aluno as forças vivas

Matarei quando nenhum

 

Facto lhe puser diante

Mas apenas um modelo

Que o explica doravante

Sem agravo nem apelo.

Ao que era mais excitante,

A hipótese formular,

Fechei-lhe a porta, imperante.

- Agora, com que sonhar?

 

 

74 – Prólogo

 

Seja qual for tua idade

Um prólogo é teu passado:

Nada ainda, em realidade,

Viste do que te é fadado.

 

Mesmo na hora da morte,

Quando de vez tudo passa,

Adivinhas lá que sorte

Pode esconder a desgraça!

 

 

75 – Desperdiçados

 

Tantas horas, tantos dias

Desperdiçados, perdidos

Para sempre, em agonias

Das zangas de tempos idos!

 

E a vida tão passageira

E nós do fim distraídos

E entretanto tão à beira…

- Um nada e eis-nos sumidos!

 

 

76 – Diferido

 

Um triunfo diferido

Infalível garantir

Mais vale ter no sentido

Que o talento possuído

Esbanjar sem mais porvir.

 

É que hoje não volta mais

E aos amanhãs que vierem

Não escapamos jamais

No que de nós requererem.

 

 

77 – Educa

 

O dever de quem educa,

Mais que do erro preservar,

É, àquele que se extravia

Por qualquer trilha caduca,

Reconduzi-lo ao lugar

Onde recta corre a via.

 

Educar é prevenir

E também remediar.

E acompanhar o porvir

Na pegada a desenhar.

 

 

78 – Pára-brisas

 

Olha pelo pára-brisas

A vida que haja em redor.

Importa a que em frente visas,

Não aquela que divisas

No espelho retrovisor.

 

 

79 – Pipocas

 

A criança que haja em ti

Nunca devias perder:

Come pipocas, sorri,

E as utopias vão ser!

 

Pois viver sem a criança

Que dentro de nós emana,

Se é rosto que nunca alcança

A vida quotidiana,

 

É máscara de viver

Numa carranca barroca,

Dia a dia a envelhecer

Aprisionada na toca.

 

 

80 – Impulso

 

Pode servir-te de ajuda

Duplo impulso haver em nós:

Um que trepa e tudo muda,

Outro que ao lado ata os nós.

 

Um que visa a transcendência,

A ambição, a claridade,

Outro que, na obscuridade,

Desce ao fundo, até à essência.

 

Aquele traz novidade,

Este prende-te ao comum

Mas, nesta vulgaridade,

Do múltiplo faz sempre um.

 

 

81 – Solitário

 

Solitário que me esforço

A fugir das relações,

Sou da natureza o escorço

Protegido da cultura,

Virgem livre de uniões

A retornar às raízes

Em vez de rumar à altura.

 

Ao retomar as matrizes

Tudo melhor se depura:

Sou árvore, pedra, chão,

Sou animal e mais nada.

 

- Com meu fundo em comunhão

Sou a partida e a chegada.

 

 

82 – Ritmo

 

Resolvo o ritmo abrandar

E pensar na Primavera,

Nas flores, filhos, no lar…

- Nos inocentes da era

Que daqui hoje inauguro,

Contratos da nossa espera,

Contratos com o futuro.

 

 

83 – Curiosidade

 

No que fiz de qualidade

Tudo foi curiosidade.

 

É uma chave de abrir portas:

Aquelas com que te importas

 

São a escolha singular

Por onde na vida entrar.

 

 

84 – Regiões

 

No mundo porque haverá

Regiões ricas, regiões pobres?

Da inteligência que lá

Houvera nunca será,

De diversa que a descobres:

Muita estupidez é rica

E inteligência sem nada.

Que é que então nos pontifica

As mais-valias de entrada?

 

Os recursos naturais

Também não são o segredo:

Os mais ricos dão sinais

De os não terem nem no credo.

 

É bem simples a resposta,

Basta da História a lição

Secularmente proposta

E que sempre acaba à tona:

Quer acreditem, quer não,

O mercado funciona.

 

Opera, na dominante,

Gerando bens e serviços,

Partilhando-os adiante,

E são estes os enguiços.

Quão mais isto tenha entraves

E mais suspeitas levante

Mais acontece que encraves

O mundo que tens diante.

 

Países de liberdade

Individual garantida

Enricam de idade a idade,

Têm fartura sem medida.

 

Mercado livre pondera

Que em todo o mundo a pessoa

Direito inato ao que opera

Tem como uma coisa boa,

Tem direito de dispor

Dos frutos como entender,

Se com tal não vem impor

Nefasto efeito a quenquer.

 

Há quem jamais creia nisto.

Uns preferirão roubar

Doutrem quanto houverem visto,

Desde que doutro lugar,

Doutra língua, religião,

Ou então duma aparência

Que tenha o grave senão

De outra ser por excelência.

Foram reis, imperadores,

Que o mundo assim governaram,

Sempre se crendo senhores

Do que os mais edificaram.

 

Porém, a razão comum

De neste livre mercado

Não crer dos homens algum,

Por injusto é que ele é dado:

Socialistas e outros ramos

Dum certo igualitarismo

Clamam que, se retiramos

Aos ricos e se entregamos

Aos pobres, acaba o abismo.

É um erro e bem milenar.

É que tudo é subjectivo:

No montante a calcular,

Desde o zero até o milhar

Qualquer fundamento é esquivo.

 

Se alguém tiver mais dinheiro,

Não leva um outro a ter menos.

A riqueza, por inteiro

É criada nos terrenos:

Quando não há pão que chegue

Não se comem as masseiras,

No mangual cada qual pegue,

Nova fornada às fogueiras

Leve pronta a cozinhar

- Então há mais pão a dar.

 

Os ricos ficam mais ricos,

Ficam mais ricos os pobres,

Todos chegam a mais velhos.

Se a uns tirar, em fanicos

Ficam do esquema os alfobres,

Prendem-se-nos os artelhos.

E, se ao pobre dou dinheiro,

Logo este perde o valor,

Não há compras no celeiro

Nem mais quem lavre o suor.

 

O problema é haver pobreza

E não uma diferença

Entre pobreza e abundância.

E quem a solução preza

Dois caminhos tem que vença

Para cobrir a distância:

Instituir livre mercado

Mais Estados de direito.

Que preguiça os põe de lado,

Que poder à gula atreito?

 

É muito boa a igualdade

No casamento e na creche,

Mas só de oportunidade

Quando em política mexe.

 

No Decálogo o saber

Diz no final mandamento:

“Não cobices a mulher

Do próximo, nem jumento,

Nem dele a rês, o criado,

Nem nada que lhe pertença.”

Se queres disto o traslado

Em vida que nos convença,

Não te queixes do que têm

Os do outro lado da rua:

Arranja o que te convém,

Faz pela vida que é tua!

 

Pobreza não é curada

Redistribuindo riqueza,

De economia igualada,

Com pedinchice ao vizinho…

Eis que o Mandamento reza:

- Isto é do Inferno o caminho!

 

 

85 – Sucesso

 

O caminho do sucesso

Não é qualquer coisa pôr

A cem por cento melhor:

- Duma vitória o processo

É cem coisas neste intento

Melhorar em um por cento.

 

 

86 – Burro

 

Burro que saltitas atrás da cenoura

Que em frente ao focinho esperto dependuro

Atrás abandonas toda a manjedoura

Que borda o caminho de pasto seguro.

 

O isco farejando de efémera glória

Que a fortuna ameia perante o nariz,

Do lucro a verdura a prometer vitória

Que a bocarra alcança quase por um triz,

 

Como o amor buscando num raio fugaz,

- No fim do caminho descubro seguir

O que pouco vale, deixando lá atrás

O que afinal vale todo o meu porvir:

 

Saúde, trabalho, repouso, lazer,

Bem-estar em casa, no país, no mundo,

Conversar à mesa com minha mulher,

- Isto é que são gestas que daqui fecundo.

 

 

87 – Despender

 

Viver vida sem sentido

É só despender esforço

Para escapar ao desforço

Dos problemas que haja havido.

 

Viver sentidos, porém,

É lutar por atingir

Objectivos no porvir

Melhor que a todos convém.

 

Com tamanho empenhamento

Logo brotará quem quer

A vida estabelecer

Nas leiras de tal invento.

 

 

88 - Chave

 

Sempre uma tecnologia

Cria a forma pela qual

A realidade se via.

É a chave que abre o portal

Por onde a compreensão

Desvenda a vida mental

E social em função.

 

Uma técnica neutral,

Só se debaixo de mão

Escamoteia o que vale,

Que dela sempre o sinal

É a cultura em convulsão

A romper, sempre hesitante,

O porvir que haja adiante,

Para o bem ou para o mal.

Só que é branda, levemente,

Que muda o instante presente.

 

- Por isso muitos não vêem:

São lidos, porém não lêem.

 

 

89 – Global

 

A global economia

Sem a cultura global

Como se sustentaria?

Quem tal corrige algum dia

Quando esta, de mundial,

Só rasgões ostentaria

Sem de novas dar sinal?

 

É que um rasgão cultural

Sangra sempre a Humanidade.

E quem é que persuade

O punhal do carniceiro

A ganhar não só dinheiro

Mas também a olhar em volta

Quando andar o diabo à solta?

Quem é que trocar vai o alvo

Quando o campo em sementeira

For mero deserto calvo,

Já nem restar uma leira?

 

 

90 – Função

 

Quando a função cognitiva

Com a participativa

Uma com outra interferem,

Logo a percepção nos ferem:

 

Devirá tão imperfeita

Que, por mais que ande desperto,

Fica o resultado incerto,

Nada à verdade se ajeita.

 

Ao intervir no que vejo

Devém facto o meu desejo.

 

 

91 – Conoto

 

Nossa falibilidade

Conoto de negativa,

Sem lhe ver a perspectiva

Em que melhor persuade.

 

Tem a aresta positiva

Em que é mais estimulante:

- Do que é imperfeito deriva

Que há-de melhorar adiante.

 

Compreensão imperfeita

Permite-nos modelá-la,

Requer só de quem a aceita

Que, ao vê-la tal, não abala.

 

À crítica abre caminho,

Não havendo mais limites

De entender para o cadinho

Do que encontres ou suscites.

Eis a sociedade aberta:

A desperta, dia a dia,

Para a meta sempre incerta

Em busca de melhoria.

 

 

92 – Oportunidade

 

Só porque é mesmo imperfeita

É a vida a oportunidade

De tentar tecer completa

A  esteira da liberdade.

 

Hora de aperfeiçoar

Compreensão e saber,

De o mundo melhor tornar

Para todos e quenquer.

 

Perfeição é inatingível.

O que é de vez imperfeito

É aquilo que é susceptível

De melhorar a preceito.

 

 

93 – Ignotos

 

Há, por um lado, os conceitos

E as condições materiais

À dialéctica afeitos

Em paralelos canais.

 

Há, depois, no campo humano

A interacção entre os dois:

Solta a dialéctica o pano

Rumo a ignotos arrebóis.

 

A interacção é importante

Porque não se correspondem:

Na ideia de cada instante

Erros múltiplos se escondem.

 

Mesmo um, se é preconcebido

Nos históricos agentes,

É força causal, sentido

Que o porvir traça das gentes.

 

Enganos e falsidades,

Os erros das concepções,

São nas historicidades

Genéticas mutações.

 

Ao invés da natureza

Que anula o que a desconhece,

Tais erros a história preza,

- São a história que acontece!

 

 

94 – Equilíbrio

 

Uma sociedade aberta

É um equilíbrio precário

Entre a fechada que a aperta

E a mercantil, só cenário.

 

Desequilíbrio dinâmico

Ou desequilíbrio estático,

Do mercado aquele é o pânico,

Este, o ditador errático.

 

Ambos fecham o porvir:

O tirano cerra a porta;

O mercado, ao competir,

Do ideal faz letra morta.

 

Uma sociedade aberta

É aquela que entre os extremos

Se mantém sempre desperta

Aos sonhos por que vivemos.

 

 

95 – Ameaçada

 

Uma sociedade aberta

Vive sempre ameaçada

Da instabilidade herdada

Ou da ditadura esperta

Que a mantém acorrentada,

Tão dócil que não desperta.

 

Hoje é uma incapacidade

De partilhar dos valores

Que geram comunidade,

Não repressivos horrores,

O que lhe mata a verdade,

Por falta de identidade.

 

A crença no capital

Faz que a falta de valores

Se transforme num ideal.

Ora, aquilo que é crucial

É quem distinga os sabores

Do certo e do individual

E ao certo dê seu aval,

Mesmo se não convier

Às vantagens que quiser.

 

Não pode justificar-se

Por motivos calculistas.

Um egoísmo sem disfarce

Riscá-lo-ias das listas.

Eis o preço de alcançar-se

O horizonte além das vistas.

 

- Meu verdadeiro interesse

Afinal não será esse?

 

 

96 – Mercantil

 

A cultura mercantil

Sofre de insuficiência

De valores, já que o vil

Dinheiro lhe esgota a essência.

 

Não tem peso social,

A comunidade é a presa

Em que cevará o ideal

De ir lucrando sem surpresa.

 

A comunidade aberta

Eliminaria a falha,

Embora de forma incerta,

Que é falível, se atrapalha.

 

Falibilidade implica

Que inatingível função

É a busca que se complica

De atingir a perfeição.

 

O que nos fica ao alcance

É a segunda melhor via:

- O imperfeito onde me lance

Sempre aberto à melhoria.

 

 

97 – Agente

 

Como agente do mercado

Satisfaço o que me importa.

Não me importa nem bocado

Ser só agente do mercado,

Que fecho em mim toda a porta

Que se abrir para outro lado.

 

 

98 – Embarcar

 

O que é certo, o que é errado,

Se se lhes perde o sentido,

Como embarcar, de que lado,

No rio que vai parado

Por dentro do mar perdido?

 

O impulso tem de partir

De quem age por valores,

Sem pelos outros medir

O traçado dos lavores.

 

Tem sempre de haver alguém

Que se levante em defesa

Dos sonhos que vão além,

Mais quem mundo além o preza

Por operá-lo tão bem.

 

É o que basta a melhorar

O clima que houvera no ar.

 

 

99 – Quanto

 

Quanto se tem determina

O que for padrão de vida.

A qualidade confina

Com quanto com tal se envida.

 

O padrão de vida mede

O que for o crescimento.

A qualidade o que pede

Será desenvolvimento.

 

Quanto mais padrão de vida,

Mais qualidade é visável

E, quão mais desenvolvida,

Mais do mesmo é realizável.

 

 

100 – Saberes

 

Desenvolver é questão

De saberes, não de haveres.

E o saber é educação,

A educação que tiveres.

 

É por isso que educar,

Para o desenvolvimento,

É o caminho do lugar

Que o quiser sempre em aumento.

 

Como aprender é a raiz,

Por outrem ninguém o faz,

Quem segura o pau de giz

É o próprio ou não é capaz.

 

Desenvolvimento assim

Auto-desenvolvimento

Será do princípio ao fim,

De fora só o implemento.

 

Se aprender é necessário,

Ser ensinado, não é,

Por isso acaso um primário

É o mais culto em que ter fé.

 

 

101 – Perguntas

 

Com perguntas principia

A que não sei responder

Tudo aquilo que aprender.

Como aprender findaria

Com perguntas que sabemos

Porque um dia por tal demos.

 

Então a sabedoria

Reside mais nas perguntas

Do que na resposta certa:

Vai passar despercebida,

Jamais é tema que assuntas,

Ante a visão de fugida

Para tal nada desperta.

 

- E assim perde a porta aberta.

 

 

102 – Mundivisão

 

Educar será crescer

Até uma mundivisão:

Dos dados à informação,

De informar a conhecer,

Deste até compreender,

Para eventualmente um dia

Chegar à sabedoria.

 

Só tal conversão garante

Uma evolução constante.

 

 

103 – Profissional

 

Profissional eficaz

Não age sobre os clientes.

Interactua e capaz

É de efeitos surpreendentes

Por agir com os clientes.

 

Inaugura um mundo em paz

Nos gestos eficientes;

Não quer manter entre os dentes

A presa inerme, voraz.

Ajuda os passos doentes

Com um jeito perspicaz

Até que lestos, contentes,

Rasguem trilha contumaz

Rumo à festa que nos traz

Futuros independentes.

 

 

104 – Progresso

 

O progresso principia

Ao apreender a verdade

Sobre mim, em cada dia,

Seja embora fealdade.

 

Infelizmente, porém,

Tão difícil pouco existe

De atingir a vida além,

Como o que de mim registe.

 

Talvez pior porventura

Seja no rumo indicado

Mudar-me pela figura

Da imagem que houver captado.

 

 

105 – Alternativa

 

Para nós, compreender

Leva primeiro a aplicar:

Qualquer ciência que houver

Tem tecnologia a par.

 

Depois, uma exploração,

Uso do mundo demais,

O abuso que vai do chão

Aos homens e aos animais.

 

Em alternativa, o inverso

Traduz ciência em espanto

E cada gesto num verso

E o mundo devém de encanto.

 

 

106 – Endeusada

 

Endeusada a evolução,

Já não científica lei

Mas antes fatalidade,

Já não pode haver travão,

Nunca mais a deterei

Nem lhe mudo a identidade.

 

Da responsabilidade

Abdico de a humanizar,

À inexorabilidade,

Inconsciente, ao apelar.

 

Não é apenas teoria,

Tornou-se no imperativo

Que ninguém questionaria

E que é de vez opressivo.

 

Vítimas pareceremos,

Feixes evolucionários,

Não criadores extremos

Nem os artistas primários

 

De nossa própria cultura:

Mas sou, além dos fadários,

- Quem a vida configura!

 

 

107 – Reencantar

 

Reencantar as nossas vidas

Pode bem ser similar

Dum Éden a retomar

As estranhas avenidas.

 

Trabalhar no que deleite

O coração fatigado,

Morar no lugar fadado

Que os sentimentos me aceite,

 

 

Que nos acalme emoções,

Serene os corpos cansados,

Loucos sonhos deserdados

À luz traga dos fundões…

 

Por quê sofrer agonias

Por não entrar no jardim

Se ao fim é só lá que a mim

Semeio todos os dias?

 

 

108 – Perfeita

 

Uma casa jamais será perfeita,

Dado que a perfeição é um ideal

E a uma aproximação a casa é atreita

Dum sonho jamais pleno, no final.

 

Uma casa perfeita não queria,

Não mora encantamento em perfeição

E quem esta buscar perde a alegria

Que aquele nos redobra de ilusão.

 

Prefiro me manter sempre encantado

Trepando os degraus lentos para a meta.

Jamais perfeito sou, mas o meu fado

No infinito apostou que me intrometa.