Escolha um número aleatório entre
56 e 108 inclusive.
Descubra o poema correspondente
como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
56 – Do
amor, devir e utopia |
|
Do amor, devir
e utopia |
Caminharei com a rima |
E o metro que o
povo encima, |
Certos como
horas do dia. |
|
E com os mais
tomo a lima |
Que as arestas poliria |
A cada dobra da
via |
A que a pegada
se arrima. |
|
O mais além a
compasso |
Vislumbro que me aparece |
A definir cada traço |
|
E mais e mais
me apetece: |
Mesmo a
imensidão do espaço |
Vejo que em mim
acontece. |
|
|
57 – Conta |
|
De vez a vida
largada, |
A conta inteira
é saldada: |
|
Nem saudades, nem tormentos… |
Nada também de lamentos! |
|
A janela do infinito |
Abre além de
qualquer grito. |
|
|
58 – Minoria |
|
Se fores da minoria |
Do trabalho criador, |
Não forces a
ideia-guia, |
Não forces, que
é bem pior: |
Forçá-la,
leva-a a abortar. |
Com paciência, madura, |
Deixa-a crescer devagar… |
|
Aprende, aprende a esperar: |
- É o porvir
que te inaugura. |
|
|
59 – Acode |
|
Com passado nem
Deus pode |
Até porque já passou. |
Futuro a ninguém acode, |
Há-de vir e lá
me vou. |
|
Importa mesmo é contente |
Tomar em mãos o
presente. |
E deixar-me ir
deslizando |
Do lado que for
sonhando. |
|
|
60 – Pulo |
|
Se puderas realizar |
Um bocadinho do sonho, |
Que pulo o
mundo ia dar, |
De que tamanho medonho! |
|
Do que te
sentes capaz |
Que é que
fazes, que se faz? |
|
|
61 – Acalentado |
|
Há-de sempre
haver um dia |
Em que o sonho
mais profundo |
E acalentado irradia |
Por sobre a
casa do mundo. |
|
Reconhecer o momento |
Requer nunca ter fadiga |
Mais escapar ao tormento |
De beco algum
sem saída. |
|
Teremos de acreditar |
Sempre que somos capazes |
Mal a uma
esquina apontar |
Um lume de que
te abrases. |
|
Creia o mundo o
que ele crer |
De nós e de
nossos sonhos |
Importa é agarrar qualquer |
Fresta de amanhãs risonhos |
Que nos venha a
aparecer. |
|
Quando ocorrer, não hesites: |
- Agarra-a sem
mais palpites! |
|
|
62 – Macaco |
|
A história
conta às crianças |
Do macaco malandrão |
Que uma banana
nas franças |
Comeu e que
atira ao chão, |
Displicente, a casca inútil. |
|
Se fazes o
gesto fútil |
De uma casca imaginária |
Largar sobre uma cadeira, |
E depois, na
lida vária, |
Te esqueces, de
tal maneira |
Que te acabas
lá sentando, |
Logo as crianças gritarão: |
"Olhe as
cascas que aí estão!" |
|
Tal a força que
tens quando |
Um conto contas
por dia: |
- A vida inteira inventando |
À vida
emprestas um guia! |
|
63 – Atento |
|
Uma reunião ganha vida |
Se uma história
conta alguém, |
Tudo de cabeça erguida, |
Olho atento ao
que lá vem. |
|
E, quando
houver um problema |
Difícil a discutir, |
Uma história
ajuda ao tema, |
Abre o rumo a
decidir. |
|
|
64 – Húmus |
|
Quem é atento e
dedicado |
Ao bem alheio
não morre: |
Semente em húmus lavrado, |
Escondida em terra, acorre, |
- Dá o mundo fertilizado. |
|
|
65 – Velocidade |
|
Num mundo a se
destruir |
A toda a velocidade |
Que resta a um homem? Fugir? |
Para onde, de verdade? |
|
Fica apenas a saída |
De encontrar
algo de seu, |
Nunca o perder,
de seguida, |
E o trabalho
que lhe deu |
|
Desmultiplicar com força |
Só para aquilo,
por ele. |
- É a semente
que reforça |
O ar que o
porvir impele. |
|
|
66 – Sentido |
|
A vida tem um
sentido: |
Do opressor ao oprimido. |
|
Quem a quer encaminhar |
Contra aquele irá lutar. |
|
Se é o judeu
que é fuzilado, |
Do judeu vais
pôr-te ao lado. |
|
Quando ele é um
explorador, |
Vais, explorado, te opor. |
|
Se é um regime
comunista, |
Põe-lo em tua
negra lista. |
|
Se é o capital
que amarfanha, |
Sujeita-lo à
tua sanha. |
|
Quando for um ditador, |
Não terá sorte melhor. |
|
Se é o branco
que oprime o negro, |
Na luta deste
te integro. |
|
Mulher que é discriminada, |
Com ela irás de
mão dada. |
|
Regime patriarcal? |
- Liquidá-lo-ás
por igual. |
|
Adulto que a
criança explora |
Não perde pela demora! |
|
Todo o abuso do
poder |
Contigo tem de
se haver. |
|
Se é um
neo-colonialismo, |
Tramas lançá-lo
no abismo. |
|
Norte rico
contra o Sul? |
- Talhas drenos ao paúl. |
|
E, se for a
corrupção, |
Não lhe concedes perdão. |
|
Quando alguém pear alguém, |
Tua mão este sustém. |
|
A vida tem um
sentido: |
Tu és a voz do
oprimido. |
|
Se trocaste a barricada, |
Não és Homem.
Não és Nada! |
|
|
67 – Futuro |
|
É uma estupidez viver |
Toda a vida no
futuro |
Quando pode não haver |
Futuro algum a viver |
Neste dia que inauguro. |
|
Colhe sempre muito bem |
Um futuro planear, |
Mas não consinta ninguém |
Que o plano que
futurar |
Acabe por afastar |
De hoje o pouco
que contém. |
|
Mas que ninguém
corra agora |
O risco de
fazer quanto, |
Feliz nem sendo
na hora, |
Acabe numa demora |
De que reste o
desencanto |
|
E que mate o
que inauguro, |
Sem jamais termos futuro. |
Se algo tiver
de sofrer, |
Que sofra então
o presente |
Para poder ir
em frente |
Rumo a um
futuro qualquer. |
|
E que não
estrague a pressa |
Tudo o que aqui
for promessa. |
|
|
68 – Aposta |
|
Nunca poderás viver |
Tu para a posteridade, |
Que desta a moralidade |
Será sempre outra qualquer |
Que aquela que fantasias |
Na aposta que apostarias. |
|
Se forem bens
que lhe deixas, |
Todos do campo
do ter, |
Quando muito
não tens queixas. |
Que lá o que
fará do ser |
O porvir que acontecer |
Com teu manado
de reixas |
Nem ele o sabe
sequer. |
|
|
69 – Cem |
|
O pouco que
vais poder |
Contribuir para mudar, |
Cem anos após morrer |
É que se irá
revelar. |
|
Tira-te, pois,
de cuidados: |
- Não verás os resultados! |
|
|
70 – Coisas |
|
Tens até coisas demais. |
Já que tua vida
é boa, |
Onde à vida os
gestos leais |
De mais longe
pôr sinais |
A que rumes tua
proa? |
|
É que tens a
obrigação |
De a tornar
sempre melhor. |
Porque se cada
qual não |
Der nada de si,
então, |
Escarnece do valor |
|
De tudo o que
lhe foi dado. |
Será mesmo uma ironia |
Que te esqueças
do cuidado |
Com que avós
hão trabalhado |
Para o que tens
hoje em dia! |
|
|
071 – Errado |
|
Se dizes algo
de errado, |
Podes sempre desdizê-lo. |
Se escreves
algo de errado, |
Podes certo reescrevê-lo. |
- Sempre reverdece o prado |
Sem com tal ter
qualquer elo. |
|
Mas se algo
errado fizeres |
Permanecerá contigo |
Para sempre,
nem que esperes |
De vez
fechar-lhe o postigo. |
|
Qualquer acto
entra no mundo: |
Dele o
entreteço e, por bem |
Ou por mal que
dali vem, |
Sempre o
enveneno ou fecundo. |
|
|
72 – Torrão |
|
Uma vida tem valor? |
Não por ela
própria, não! |
Tudo vem de que
projecto, |
Ao virar cada torrão, |
Lhe acabarei por impor. |
|
É, pois, quando
me intrometo, |
Porque sou um responsável, |
Quando edifico meu tecto, |
Que o valor
devém viável. |
|
Quando às
costas ergo a vida |
É que poderei mudar |
Não só a minha:
de seguida, |
Ponho o mundo
inteiro a andar! |
|
|
73 – Abismal |
|
Entre o facto e
a teoria |
Há diferença abismal: |
O facto a
natura o cria, |
A teoria é mental. |
|
Deter a capacidade |
De criar a teoria |
É mera oportunidade |
De me explicar
o que via. |
|
Isto cria alternativas, |
O facto, não,
que é só um. |
Ao aluno as
forças vivas |
Matarei quando nenhum |
|
Facto lhe puser diante |
Mas apenas um modelo |
Que o explica doravante |
Sem agravo nem apelo. |
Ao que era mais
excitante, |
A hipótese formular, |
Fechei-lhe a
porta, imperante. |
- Agora, com que sonhar? |
|
|
74 – Prólogo |
|
Seja qual for
tua idade |
Um prólogo é
teu passado: |
Nada ainda, em realidade, |
Viste do que te
é fadado. |
|
Mesmo na hora
da morte, |
Quando de vez
tudo passa, |
Adivinhas lá que sorte |
Pode esconder a desgraça! |
|
|
75 – Desperdiçados |
|
Tantas horas, tantos dias |
Desperdiçados, perdidos |
Para sempre, em agonias |
Das zangas de
tempos idos! |
|
E a vida tão
passageira |
E nós do fim
distraídos |
E entretanto
tão à beira… |
- Um nada e
eis-nos sumidos! |
|
|
76 – Diferido |
|
Um triunfo diferido |
Infalível garantir |
Mais vale ter
no sentido |
Que o talento possuído |
Esbanjar sem mais porvir. |
|
É que hoje não
volta mais |
E aos amanhãs
que vierem |
Não escapamos jamais |
No que de nós
requererem. |
|
|
77 – Educa |
|
O dever de quem
educa, |
Mais que do
erro preservar, |
É, àquele que
se extravia |
Por qualquer trilha caduca, |
Reconduzi-lo ao lugar |
Onde recta
corre a via. |
|
Educar é prevenir |
E também remediar. |
E acompanhar o porvir |
Na pegada a desenhar. |
|
78 – Pára-brisas |
|
Olha pelo pára-brisas |
A vida que haja
em redor. |
Importa a que
em frente visas, |
Não aquela que divisas |
No espelho retrovisor. |
|
|
79 – Pipocas |
|
A criança que
haja em ti |
Nunca devias perder: |
Come pipocas, sorri, |
E as utopias
vão ser! |
|
Pois viver sem
a criança |
Que dentro de
nós emana, |
Se é rosto que
nunca alcança |
A vida quotidiana, |
|
É máscara de viver |
Numa carranca barroca, |
Dia a dia a
envelhecer |
Aprisionada na toca. |
|
|
80 – Impulso |
|
Pode servir-te
de ajuda |
Duplo impulso
haver em nós: |
Um que trepa e
tudo muda, |
Outro que ao
lado ata os nós. |
|
Um que visa a
transcendência, |
A ambição, a claridade, |
Outro que, na obscuridade, |
Desce ao fundo,
até à essência. |
|
Aquele traz novidade, |
Este prende-te
ao comum |
Mas, nesta vulgaridade, |
Do múltiplo faz
sempre um. |
|
|
81 – Solitário |
|
Solitário que me esforço |
A fugir das relações, |
Sou da natureza
o escorço |
Protegido da cultura, |
Virgem livre de uniões |
A retornar às raízes |
Em vez de rumar
à altura. |
|
Ao retomar as matrizes |
Tudo melhor se depura: |
Sou árvore, pedra, chão, |
Sou animal e
mais nada. |
|
- Com meu fundo
em comunhão |
Sou a partida e
a chegada. |
|
|
82 – Ritmo |
|
Resolvo o ritmo abrandar |
E pensar na Primavera, |
Nas flores,
filhos, no lar… |
- Nos inocentes da era |
Que daqui hoje inauguro, |
Contratos da nossa espera, |
Contratos com o futuro. |
|
|
83 – Curiosidade |
|
No que fiz de
qualidade |
Tudo foi curiosidade. |
|
É uma chave de
abrir portas: |
Aquelas com que
te importas |
|
São a escolha singular |
Por onde na
vida entrar. |
|
|
84 – Regiões |
|
No mundo porque haverá |
Regiões ricas, regiões pobres? |
Da inteligência que lá |
Houvera nunca será, |
De diversa que
a descobres: |
Muita estupidez é rica |
E inteligência sem nada. |
Que é que então
nos pontifica |
As mais-valias
de entrada? |
|
Os recursos naturais |
Também não são
o segredo: |
Os mais ricos
dão sinais |
De os não terem
nem no credo. |
|
É bem simples a
resposta, |
Basta da
História a lição |
Secularmente proposta |
E que sempre
acaba à tona: |
Quer acreditem, quer não, |
O mercado funciona. |
|
Opera, na dominante, |
Gerando bens e serviços, |
Partilhando-os adiante, |
E são estes os
enguiços. |
Quão mais isto
tenha entraves |
E mais suspeitas levante |
Mais acontece que encraves |
O mundo que
tens diante. |
|
Países de liberdade |
Individual garantida |
Enricam de
idade a idade, |
Têm fartura sem medida. |
|
Mercado livre pondera |
Que em todo o
mundo a pessoa |
Direito inato
ao que opera |
Tem como uma
coisa boa, |
Tem direito de dispor |
Dos frutos como entender, |
Se com tal não
vem impor |
Nefasto efeito a quenquer. |
|
Há quem jamais
creia nisto. |
Uns preferirão roubar |
Doutrem quanto houverem visto, |
Desde que doutro lugar, |
Doutra língua, religião, |
Ou então duma aparência |
Que tenha o
grave senão |
De outra ser
por excelência. |
Foram reis, imperadores, |
Que o mundo
assim governaram, |
Sempre se crendo senhores |
Do que os mais
edificaram. |
|
Porém, a razão comum |
De neste livre mercado |
Não crer dos
homens algum, |
Por injusto é
que ele é dado: |
Socialistas e outros ramos |
Dum certo igualitarismo |
Clamam que, se retiramos |
Aos ricos e se
entregamos |
Aos pobres,
acaba o abismo. |
É um erro e bem
milenar. |
É que tudo é
subjectivo: |
No montante a calcular, |
Desde o zero
até o milhar |
Qualquer fundamento é esquivo. |
|
Se alguém tiver
mais dinheiro, |
Não leva um
outro a ter menos. |
A riqueza, por inteiro |
É criada nos terrenos: |
Quando não há
pão que chegue |
Não se comem as
masseiras, |
No mangual cada
qual pegue, |
Nova fornada às fogueiras |
Leve pronta a cozinhar |
- Então há mais
pão a dar. |
|
Os ricos ficam
mais ricos, |
Ficam mais
ricos os pobres, |
Todos chegam a
mais velhos. |
Se a uns tirar,
em fanicos |
Ficam do
esquema os alfobres, |
Prendem-se-nos
os artelhos. |
E, se ao pobre
dou dinheiro, |
Logo este perde
o valor, |
Não há compras
no celeiro |
Nem mais quem
lavre o suor. |
|
O problema é
haver pobreza |
E não uma diferença |
Entre pobreza e abundância. |
E quem a
solução preza |
Dois caminhos
tem que vença |
Para cobrir a distância: |
Instituir livre mercado |
Mais Estados de direito. |
Que preguiça os
põe de lado, |
Que poder à
gula atreito? |
|
É muito boa a
igualdade |
No casamento e
na creche, |
Mas só de oportunidade |
Quando em política mexe. |
|
No Decálogo o saber |
Diz no final mandamento: |
“Não cobices a mulher |
Do próximo, nem jumento, |
Nem dele a rês,
o criado, |
Nem nada que
lhe pertença.” |
Se queres disto
o traslado |
Em vida que nos
convença, |
Não te queixes
do que têm |
Os do outro
lado da rua: |
Arranja o que
te convém, |
Faz pela vida
que é tua! |
|
Pobreza não é curada |
Redistribuindo riqueza, |
De economia igualada, |
Com pedinchice ao vizinho… |
Eis que o
Mandamento reza: |
- Isto é do
Inferno o caminho! |
|
|
85 – Sucesso |
|
O caminho do sucesso |
Não é qualquer
coisa pôr |
A cem por cento
melhor: |
- Duma vitória o processo |
É cem coisas
neste intento |
Melhorar em um
por cento. |
|
|
86 – Burro |
|
Burro que
saltitas atrás da cenoura |
Que em frente
ao focinho esperto dependuro |
Atrás abandonas
toda a manjedoura |
Que borda o
caminho de pasto seguro. |
|
O isco
farejando de efémera glória |
Que a fortuna
ameia perante o nariz, |
Do lucro a
verdura a prometer vitória |
Que a bocarra
alcança quase por um triz, |
|
Como o amor
buscando num raio fugaz, |
- No fim do
caminho descubro seguir |
O que pouco
vale, deixando lá atrás |
O que afinal
vale todo o meu porvir: |
|
Saúde, trabalho, repouso, lazer, |
Bem-estar em
casa, no país, no mundo, |
Conversar à
mesa com minha mulher, |
- Isto é que
são gestas que daqui fecundo. |
|
|
87 – Despender |
|
Viver vida sem sentido |
É só despender esforço |
Para escapar ao desforço |
Dos problemas
que haja havido. |
|
Viver sentidos, porém, |
É lutar por atingir |
Objectivos no porvir |
Melhor que a
todos convém. |
|
Com tamanho empenhamento |
Logo brotará quem quer |
A vida estabelecer |
Nas leiras de
tal invento. |
|
|
88 - Chave |
|
Sempre uma tecnologia |
Cria a forma
pela qual |
A realidade se via. |
É a chave que
abre o portal |
Por onde a compreensão |
Desvenda a vida mental |
E social em função. |
|
Uma técnica neutral, |
Só se debaixo
de mão |
Escamoteia o que vale, |
Que dela sempre
o sinal |
É a cultura em
convulsão |
A romper, sempre hesitante, |
O porvir que
haja adiante, |
Para o bem ou
para o mal. |
Só que é
branda, levemente, |
Que muda o
instante presente. |
|
- Por isso
muitos não vêem: |
São lidos,
porém não lêem. |
|
|
89 – Global |
|
A global economia |
Sem a cultura global |
Como se sustentaria? |
Quem tal
corrige algum dia |
Quando esta, de mundial, |
Só rasgões ostentaria |
Sem de novas
dar sinal? |
|
É que um rasgão
cultural |
Sangra sempre a Humanidade. |
E quem é que
persuade |
O punhal do carniceiro |
A ganhar não só
dinheiro |
Mas também a
olhar em volta |
Quando andar o
diabo à solta? |
Quem é que
trocar vai o alvo |
Quando o campo
em sementeira |
For mero deserto calvo, |
Já nem restar
uma leira? |
|
|
90 – Função |
|
Quando a função cognitiva |
Com a participativa |
Uma com outra interferem, |
Logo a
percepção nos ferem: |
|
Devirá tão imperfeita |
Que, por mais
que ande desperto, |
Fica o resultado incerto, |
Nada à verdade
se ajeita. |
|
Ao intervir no
que vejo |
Devém facto o
meu desejo. |
|
|
91 – Conoto |
|
Nossa falibilidade |
Conoto de negativa, |
Sem lhe ver a
perspectiva |
Em que melhor persuade. |
|
Tem a aresta positiva |
Em que é mais
estimulante: |
- Do que é
imperfeito deriva |
Que há-de
melhorar adiante. |
|
Compreensão imperfeita |
Permite-nos modelá-la, |
Requer só de
quem a aceita |
Que, ao vê-la
tal, não abala. |
|
À crítica abre caminho, |
Não havendo mais limites |
De entender
para o cadinho |
Do que
encontres ou suscites. |
Eis a sociedade aberta: |
A desperta, dia
a dia, |
Para a meta
sempre incerta |
Em busca de melhoria. |
|
|
92 – Oportunidade |
|
Só porque é
mesmo imperfeita |
É a vida a
oportunidade |
De tentar tecer completa |
A esteira da liberdade. |
|
Hora de aperfeiçoar |
Compreensão e saber, |
De o mundo
melhor tornar |
Para todos e quenquer. |
|
Perfeição é inatingível. |
O que é de vez
imperfeito |
É aquilo que é
susceptível |
De melhorar a preceito. |
|
|
93 – Ignotos |
|
Há, por um
lado, os conceitos |
E as condições materiais |
À dialéctica afeitos |
Em paralelos canais. |
|
Há, depois, no
campo humano |
A interacção
entre os dois: |
Solta a
dialéctica o pano |
Rumo a ignotos arrebóis. |
|
A interacção é importante |
Porque não se correspondem: |
Na ideia de
cada instante |
Erros múltiplos se escondem. |
|
Mesmo um, se é
preconcebido |
Nos históricos agentes, |
É força causal, sentido |
Que o porvir
traça das gentes. |
|
Enganos e falsidades, |
Os erros das concepções, |
São nas historicidades |
Genéticas mutações. |
|
Ao invés da natureza |
Que anula o que
a desconhece, |
Tais erros a
história preza, |
- São a
história que acontece! |
|
|
94 – Equilíbrio |
|
Uma sociedade aberta |
É um equilíbrio precário |
Entre a fechada
que a aperta |
E a mercantil,
só cenário. |
|
Desequilíbrio dinâmico |
Ou desequilíbrio estático, |
Do mercado
aquele é o pânico, |
Este, o ditador errático. |
|
Ambos fecham o porvir: |
O tirano cerra
a porta; |
O mercado, ao competir, |
Do ideal faz
letra morta. |
|
Uma sociedade aberta |
É aquela que
entre os extremos |
Se mantém sempre desperta |
Aos sonhos por
que vivemos. |
|
|
95 – Ameaçada |
|
Uma sociedade aberta |
Vive sempre ameaçada |
Da instabilidade herdada |
Ou da ditadura esperta |
Que a mantém acorrentada, |
Tão dócil que
não desperta. |
|
Hoje é uma incapacidade |
De partilhar dos valores |
Que geram comunidade, |
Não repressivos horrores, |
O que lhe mata
a verdade, |
Por falta de identidade. |
|
A crença no capital |
Faz que a falta
de valores |
Se transforme num ideal. |
Ora, aquilo que
é crucial |
É quem distinga
os sabores |
Do certo e do
individual |
E ao certo dê
seu aval, |
Mesmo se não convier |
Às vantagens que quiser. |
|
Não pode justificar-se |
Por motivos calculistas. |
Um egoísmo sem disfarce |
Riscá-lo-ias
das listas. |
Eis o preço de
alcançar-se |
O horizonte
além das vistas. |
|
- Meu verdadeiro interesse |
Afinal não será esse? |
|
|
96 – Mercantil |
|
A cultura mercantil |
Sofre de insuficiência |
De valores, já
que o vil |
Dinheiro lhe
esgota a essência. |
|
Não tem peso social, |
A comunidade é
a presa |
Em que cevará o
ideal |
De ir lucrando
sem surpresa. |
|
A comunidade aberta |
Eliminaria a falha, |
Embora de forma incerta, |
Que é falível,
se atrapalha. |
|
Falibilidade implica |
Que inatingível função |
É a busca que
se complica |
De atingir a perfeição. |
|
O que nos fica
ao alcance |
É a segunda
melhor via: |
- O imperfeito
onde me lance |
Sempre aberto à melhoria. |
|
|
97 – Agente |
|
Como agente do mercado |
Satisfaço o que
me importa. |
Não me importa
nem bocado |
Ser só agente
do mercado, |
Que fecho em
mim toda a porta |
Que se abrir
para outro lado. |
|
|
98 – Embarcar |
|
O que é certo,
o que é errado, |
Se se lhes
perde o sentido, |
Como embarcar,
de que lado, |
No rio que vai
parado |
Por dentro do
mar perdido? |
|
O impulso tem
de partir |
De quem age por
valores, |
Sem pelos outros medir |
O traçado dos lavores. |
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Tem sempre de
haver alguém |
Que se levante
em defesa |
Dos sonhos que
vão além, |
Mais quem mundo
além o preza |
Por operá-lo
tão bem. |
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É o que basta a
melhorar |
O clima que
houvera no ar. |
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99 – Quanto |
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Quanto se tem determina |
O que for
padrão de vida. |
A qualidade confina |
Com quanto com
tal se envida. |
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O padrão de
vida mede |
O que for o
crescimento. |
A qualidade o
que pede |
Será desenvolvimento. |
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Quanto mais
padrão de vida, |
Mais qualidade é visável |
E, quão mais desenvolvida, |
Mais do mesmo é
realizável. |
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100 – Saberes |
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Desenvolver é questão |
De saberes, não
de haveres. |
E o saber é
educação, |
A educação que tiveres. |
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É por isso que
educar, |
Para o desenvolvimento, |
É o caminho do
lugar |
Que o quiser
sempre em aumento. |
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Como aprender é
a raiz, |
Por outrem
ninguém o faz, |
Quem segura o
pau de giz |
É o próprio ou
não é capaz. |
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Desenvolvimento assim |
Auto-desenvolvimento |
Será do
princípio ao fim, |
De fora só o
implemento. |
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Se aprender é necessário, |
Ser ensinado, não é, |
Por isso acaso
um primário |
É o mais culto
em que ter fé. |
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101 – Perguntas |
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Com perguntas principia |
A que não sei
responder |
Tudo aquilo que aprender. |
Como aprender findaria |
Com perguntas que sabemos |
Porque um dia
por tal demos. |
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Então a sabedoria |
Reside mais nas perguntas |
Do que na
resposta certa: |
Vai passar despercebida, |
Jamais é tema
que assuntas, |
Ante a visão de
fugida |
Para tal nada desperta. |
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- E assim perde
a porta aberta. |
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102 – Mundivisão |
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Educar será crescer |
Até uma mundivisão: |
Dos dados à informação, |
De informar a conhecer, |
Deste até compreender, |
Para eventualmente um dia |
Chegar à sabedoria. |
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Só tal conversão garante |
Uma evolução constante. |
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103 – Profissional |
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Profissional eficaz |
Não age sobre
os clientes. |
Interactua e capaz |
É de efeitos surpreendentes |
Por agir com
os clientes. |
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Inaugura um
mundo em paz |
Nos gestos eficientes; |
Não quer manter
entre os dentes |
A presa inerme, voraz. |
Ajuda os passos doentes |
Com um jeito perspicaz |
Até que lestos, contentes, |
Rasguem trilha contumaz |
Rumo à festa
que nos traz |
Futuros independentes. |
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104 – Progresso |
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O progresso principia |
Ao apreender a verdade |
Sobre mim, em
cada dia, |
Seja embora fealdade. |
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Infelizmente, porém, |
Tão difícil pouco existe |
De atingir a
vida além, |
Como o que de
mim registe. |
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Talvez pior porventura |
Seja no rumo indicado |
Mudar-me pela figura |
Da imagem que
houver captado. |
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105 – Alternativa |
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Para nós, compreender |
Leva primeiro a aplicar: |
Qualquer ciência que houver |
Tem tecnologia a par. |
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Depois, uma exploração, |
Uso do mundo demais, |
O abuso que vai
do chão |
Aos homens e
aos animais. |
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Em alternativa, o inverso |
Traduz ciência em espanto |
E cada gesto
num verso |
E o mundo devém
de encanto. |
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106 – Endeusada |
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Endeusada a evolução, |
Já não científica lei |
Mas antes fatalidade, |
Já não pode
haver travão, |
Nunca mais a deterei |
Nem lhe mudo a
identidade. |
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Da responsabilidade |
Abdico de a humanizar, |
À inexorabilidade, |
Inconsciente, ao apelar. |
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Não é apenas teoria, |
Tornou-se no imperativo |
Que ninguém questionaria |
E que é de vez
opressivo. |
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Vítimas pareceremos, |
Feixes evolucionários, |
Não criadores extremos |
Nem os artistas primários |
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De nossa própria cultura: |
Mas sou, além
dos fadários, |
- Quem a vida configura! |
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107 – Reencantar |
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Reencantar as nossas vidas |
Pode bem ser similar |
Dum Éden a retomar |
As estranhas avenidas. |
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Trabalhar no que deleite |
O coração fatigado, |
Morar no lugar fadado |
Que os
sentimentos me aceite, |
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Que nos acalme emoções, |
Serene os corpos cansados, |
Loucos sonhos deserdados |
À luz traga dos
fundões… |
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Por quê sofrer agonias |
Por não entrar
no jardim |
Se ao fim é só
lá que a mim |
Semeio todos os dias? |
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108 – Perfeita |
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Uma casa jamais
será perfeita, |
Dado que a
perfeição é um ideal |
E a uma
aproximação a casa é atreita |
Dum sonho
jamais pleno, no final. |
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Uma casa
perfeita não queria, |
Não mora
encantamento em perfeição |
E quem esta
buscar perde a alegria |
Que aquele nos
redobra de ilusão. |
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Prefiro me
manter sempre encantado |
Trepando os
degraus lentos para a meta. |
Jamais perfeito
sou, mas o meu fado |
No infinito
apostou que me intrometa. |