TERCEIRO  ITINERÁRIO 

 

AO  SABOR  DO  DIA-A-DIA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha um número aleatório entre 109 e 188 inclusive.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

109 – Ao sabor do dia-a-dia

 

Ao sabor do dia-a-dia

Alinho em métrica certa,

A candeia ali desperta

Quebrando a monotonia.

 

O saber mede a fasquia

Da passada sempre alerta,

De ritmo e rima coberta

Como o cotio a media.

 

Contando cada degrau

Ando aqui trepando a escada

Por onde se entra na nau

 

Que navega a madrugada,

Da bandeira iço no pau

O estandarte da alvorada.

 

 

110 – Lubrificação

 

Honrarias, cortesia,

Dão a lubrificação

Aos atritos que haveria,

A não haver tal função.

 

E, quando um jovem condena

Por ridícula tal arte,

Lança areia (e é uma pena!)

Na engrenagem, o que a parte.

 

 

111 – Disparatada

 

A mais disparatada concepção,

A de que Deus requer adoração,

 

Se move por lisonjas e promessas,

Senão cospe-nos raios nas cabeças,

 

Sem ter qualquer vestígio de evidência,

Paga, com estipêndios de excelência,

 

A maior, a mais velha e improdutiva

Da História indústria que a promove altiva.

 

 

112 – Estereótipos

 

As frases “nós deveremos…”

Ou “isto não quer dizer…”,

“É evidente que sabemos…”

- São o alerta para ver

Pessoalmente o que há de facto.

Estereótipos tais,

Quando as fitas lhes desato,

Desmascaro e me precato,

Dão pistas com bons sinais.

Terei é de estar atento

A ver donde sopra o vento…

 

 

113 – Perícia

 

A perícia em campo dado

Não se transmite aos demais,

O perito é que é enganado,

Pensa sempre coisas tais.

E quão mais o campo estreita

Mais este erro então o espreita.

 

Ser perito não vacina

Das asneiras contra a sina.

 

 

114 – Dominadas

 

Divide-se a Humanidade

Nos que dominadas querem

Que as pessoas todas sejam

E nos que tal não desejam.

Aqueles da idealidade

De altos conceitos nos ferem,

Das grandes massas por bem.

Estes são mal-humorados,

Pessoalistas, desconfiados,

Têm daqueles o desdém…

- Agradáveis são bem mais

Estes vizinhos, porém,

Que aqueles serão jamais.

 

 

115 – Atalhos

 

Quem tem pedra no sapato

É que mete por atalhos,

É que faz o desacato

De ir alongando caminhos,

De imitar choros mimalhos

A ver se colhe carinhos.

 

Quem não tem, talha a direito

A via que mais der jeito.

 

 

116 – Conselhos

 

Conselhos é fácil dar,

Recebê-los é que não.

Se quem os der se guiar

Por eles, lá no lugar

Fica o mundo todo chão,

Todo chão de semear.

 

Conselhos é fácil dar,

Recebê-los é que não…

 

 

É que falta confirmar

Se dali nos vem o pão

E porque não é a primeira

No arrotear da jeira

A boca que os vier dar.

 

 

117 – Meças

 

Até onde é que teu sonho

Te tolheu tua riqueza?

Alegrar o que é tristonho,

Ao que é feio dar beleza,

 

A música, a poesia,

A solidariedade…

Pedir meças poderia

Ao que atira a identidade

 

Gingando nos calcanhares

Por sobre a conta bancária,

Tua bolsa de sonhares,

Vazia, tão solitária?

 

Poderias derribá-los,

A todos estes pedantes,

Mas não sentes nem abalos

De os ver ali tão impantes.

 

Tens o que sempre quiseste,

Não lamentas o caminho,

Arrependimento agreste

Nenhum te encrava um espinho.

 

Vitórias bem saborosas,

Não as colhidas a esmo,

São as deveras custosas

Obtidas sobre ti mesmo.

 

 

118 – Ouropéis

 

Muitas vezes só emigrando

Seremos reconhecidos.

Tudo o que é novo negando,

Os ouropéis adorando

De feitos de vez volvidos,

Os pretensiosos vão

Importar-nos mui festivos.

 

É uma homenagem do não

Aos que persistem ser vivos.

 

 

119 – Nómadas

 

Nómadas somo-lo todos

Enquanto temos alguém

Que ao colo nos leve, leves,

Rumo aos destinos e bodos.

 

Quando somos nós, porém,

Que temos de levar, breves,

Ao colo outra geração,

Tornamo-nos sedentários:

Sermos meio de transporte

Como enguiça o coração!

 

E dentre os sonhos mais vários,

Quero é ter a permissão

Dum porvir de melhor sorte:

Direito a me escapulir

E pôr-me a um canto a dormir!

 

 

120 – Casas

 

A maior parte das casas

São heranças que nos chegam.

Os sonhos a que se apegam

De soprarem novas brasas

Os novos em casas velhas

Valem em pouca medida:

São do rebanho as ovelhas

No aprisco alheio, à comida.

 

Doutrem para as decisões

Se transmudam sem querer,

Modos de achar soluções

Que não lembram a quenquer,

São roteiros, são andanças

Doutrem para as esperanças.

 

É sempre outrem que se apura

Na casa que se acolheu,

Nunca lá me encontro eu,

Serei sempre uma mistura.

 

 

121 – História

 

Qual é a coisa, qual é ela:

Perde-se, não ofertada;

Renova-se, quando usada;

É só nossa na sequela

De nós a compartilharmos?

- É uma história que contarmos!

 

 

122 – Desertos

 

Abutres e colibris

Sobrevoam os desertos.

O abutre, de gostos vis,

Só procura a carne podre,

Tem os instintos despertos

Para comida de pobre.

 

O colibri busca a flor

Do deserto colorida

Que brota com esplendor

De espinheiros como a vida.

 

Vive aquele do passado,

Este o presente requer.

Cada qual tem encontrado

Dele o correcto comer.

 

Em redor procura bem:

Seja abutre ou colibri,

Dás com o que te convém,

Que em sorte couber a ti.

 

 

123 – Odeias

 

Odeias a sociedade

Porque te odeias a ti?

Tua revolta não há-de

Ir contra o que houver ali:

Contra ti te persuade!

 

Portanto, não te revoltas

Contra este mundo danado.

Por revolta andas às voltas,

És somente um revoltado!

 

 

124 – Mesa

 

À mesa do comandante

Se convidado a jantar,

Não é a glória que, distante,

Acabas de conquistar.

 

Lembra-te que continuas,

Para aprender a lição,

A jantar, mas de mãos nuas,

Só com a tripulação.

 

 

125 – Minoria

 

Ajudar quem não merece,

Só porque é da minoria

Liberal não me parece

Nem democrática via.

 

Premiar parasitismos,

Estimular a preguiça

Criam mais fundos abismos

Na margem que tudo enguiça.

 

 

126 – Recta

 

Por vezes a linha recta

Não é o mais curto caminho

Para se atingir a meta,

Mas a curva a que me alinho.

 

Chego ao ponto onde quiser

Na vida mais velozmente

Aquela curva ao fazer

Do que se cortar em frente.

 

Um qualquer plano de acção

Requer dados realistas,

Não uma mera intenção

Correndo utópicas pistas.

 

 

127 – Ambição

 

Qualquer homem de ambição

Fica desencorajado

Por vezes, de tão cansado:

Crê que tudo erros serão

E qualquer esforço, vão.

 

O que vale é que depois

Tudo lhe volta a sorrir

E os triunfos hão-de vir

Apos a noite, arrebóis

De já inesperados sóis.

 

A ambição mais que aconselha:

É da fogueira a centelha.

 

 

128 – Pacto

 

Muito mais fácil de facto

É ter fé noutra pessoa

Que consigo ter tal pacto.

 

Quando alguém escolhe à toa

Alguém em quem pode crer

Logo a fonte devém boa,

 

Não complica o que entender.

- Porém, a limitação,

A falha que nela houver,

 

Como abandonar no chão

Para apostar num poder

Que sabe não ter à mão?

 

 

129 – Matiz

 

Aprende a devir feliz,

Aprende a ver todo o bem

Que traça ao mundo um matiz

Entre os demais que ele tem.

 

Abraça os pequenos nadas

Que se perdem nos horários

Das freimas assoberbadas,

Dos passos atrabiliários.

 

Tua vida é de momentos,

Pequenas pepitas de oiro

No cascalho dos eventos.

- Que fazes ao teu tesoiro?

 

 

130 – Esgota

 

Esgota cada momento:

Em breve terá passado…

E, seja embora doirado

Ou dorido de tormento,

 

Nunca mais te volta, solto,

(Para se pôr ao dispor

De teu frio ou teu calor)

Do actual véu de tempo envolto.

 

 

131 – Ressentimento

 

Há muito ressentimento

Contra um vector da ciência

Que deveio num tormento,

Em arma, a todo o momento,

Apontada à consciência.

 

A ciência, idealizá-la

Quando me atira à cabeça,

Sem contribuir com a bala

Para a festa, para a gala,

Quem é que em tal não tropeça?

 

São da ciência os pecados

Cometidos em segredo,

Nas costas dos vitimados…

- Geremos eleitorados

Com saber e não com medo:

 

Científica cultura

E bem generalizada

É o que mais nos assegura

Contra qualquer ditadura

Que use a fada malfadada.

 

 

132 – Democracia

 

Se quero a democracia

E o pouco de liberdade

Que em mim sempre principia,

De que disponho hoje em dia,

Então hei-de ser a grade

 

Que alise fraudes e embustes

Por todo o campo da vida.

Se a reis e ricos te ajustes

Pagas as custas que custes,

Nada te fica em seguida.

 

Urge desmistificar

Por tua mão, pela minha,

Quanto abuso houver pelo ar,

Quem por sol nos dá luar,

Senão roubam-nos a vinha.

 

 

133 – Vimes

 

A ciência pelos crimes

Há-de responder também,

Dado que as obras sublimes

Sempre no feixe de vimes

Uma vara podre têm.

 

É imperfeita, mas que instância

Melhor pode controlar

Nosso pendor de ganância

Que nos mata e destrói de ânsia

Sem as jóias nos salvar?

 

 

134 – Relativa

 

A vantagem relativa

Devir pode, no imediato,

Bem mais útil a que viva

Que a absoluta, sempre esquiva

E a fugir, mal me precato.

 

Dois viandantes perseguidos

Por um lobo pertinaz

Fogem logo, espavoridos,

Daquela boca voraz.

Até que um deles comenta:

“Lá fugir, bem que se tenta.

 

Toda a gente, porém, sabe

Que ninguém corre jamais

Mais que um lobo, até que acabe

Nos colmilhos canibais.”

O outro retruca, veloz,

A perder fôlego e voz:

 

“Não me importa correr mais

Do que ele pode correr.

Já que tão depressa vais,

Mais que tu basta-me ver

Que consigo sempre eu ir

Para lhe lograr fugir.”

 

 

135 – Arma

 

Se de arma na mão abordo

Na rua alguém exigindo

“A bolsa ou a vida!”, acordo

Um dia à prisão caindo.

 

Se eu a abordar desarmado:

“Dê-me a bolsa ou meu irmão

Matá-lo-á baleado!”,

Preso sou por extorsão.

 

Se for à televisão

Exigir da tropa os contos,

Não vá de Espanha o vilão,

Que terá os gatilhos prontos,

 

Vir e matar-nos a todos,

Serei grande patriota

Promovido em muitos modos…

- Será que o mundo é idiota?!

 

 

136 – Erudito

 

O sábio mais erudito

Pode ser bem limitado

Nos saberes do distrito

Que lhe fica mesmo ao lado.

 

O maior especialista,

Por muito que impressionante

Seja em credenciais a lista,

É, no resto, um ignorante.

 

Fica sempre maltratado

Quem não tiver isto em conta

E seguir aconselhado

Por um ignaro ao que aponta.

 

 

137 – Destrutivo

 

O cientista destrutivo

Pode ser quando balança

Para além do só motivo

Onde afina o pé de dança.

 

Quando o pé lhe pisa a raia

Do que jamais estudou

É bem raro que não caia

Pisando aquilo que sou.

 

 

138 – Marginais

 

Os marginais em aumento

E nada, nada os acalma!

A falta de sentimento

É tuberculose de alma.

 

A do corpo ainda se cura.

Alguém à de alma, porém,

Uma mezinha depura

Que o mal vença que ela tem?

 

 

139 – Ridículo

 

Toda a moda masculina

Não é de te pôr à moda:

O ridículo declina

Inteiro a evitando toda.

 

Modelo sofisticado

Se te expõe, cava-te o abismo.

Convém-te o de encapuçado

Que te esconda em cinzentismo.

 

A moda o que te ensinou

É que era um jogo de enganos:

Hoje o que é moda acabou,

De ridículo, em cinco anos.

 

 

140 – Mudar

 

Importante no desporto,

Quando se perde, é mudar:

Se o jogo resultar morto,

Urge logo o transformar.

 

Mudar tácticas de jogo

Quando este nos faz perder

É na vida o desafogo

Que nela busca quenquer.

 

Se vivemos a perder,

O que nos destrói obramos,

Por mal dormir, mal comer

Ou se demais laboramos…

 

Ao gerir o tempo mal

Logo aqui nos derrotamos:

Adio, só dou sinal

Nos derradeiros reclamos

 

Ou perco tempo demais

Em tarefas de somenos…

Sobrecargas laborais

E sentir o tempo a menos

 

São as queixas principais,

São males nada pequenos.

Estranho é que, sendo reais,

De nós derivarão plenos.

 

Vão desde os perfeccionistas,

Tão meticulosamente,

Aos fura-vidas nas pistas

Obrando afanosamente:

 

Vivem para trabalhar,

Depois perguntam, erguidas

As mãos perante um altar,

Que lhes acontece às vidas!

 

E quem muda o carro em arma,

Sempre tão competitivo,

Com tanta pressa, que o karma

O agredirá, de agressivo…

 

E o zeloso por excesso,

Perenemente ocupado

Doutrem a cuidar expresso

E sem ter de si cuidado…

 

E os ansiosos de agradar

Que não sabem dizer não,

Que assumem vender luar

Sem ver que nunca o terão…

 

Estabelece limites,

Aprende a dizer que não!

Vê se ao labor não permites

Que te invada o teu serão.

 

Faz pausas: a maior parte

Julga poder trabalhar

Todo o dia e não reparte

Labor e lazer a par,

 

Crê que assim trabalha bem

E vai gostar do que faz.

Um intervalo convém

A agir bem e pôr-te em paz.

 

Um cochilo ou um passeio,

Sonhar um pouco acordado,

Trocar tarefas a meio

Que não requeiram cuidado,

 

Música ouvir, conversar

Sobre até coisa nenhuma,

- São pausas de modelar

O que recompõe, em suma.

 

E dá lugar ao lazer!

Muitos julgam-se culpados

Se nada estão a fazer,

Que de egoísmo são traslados.

 

Ora, um lazer é uma escolha,

Um acto de liberdade,

Do dever oposto à folha

Que à obrigação persuade.

 

Que é que te governa a vida?

Se tens tão pouco lazer

É que a vida tens perdida,

De to proibir de o ter.

 

O dinheiro não é tudo,

Nem sequer o principal.

Endividar-se a miúdo

É jogar no que não vale.

 

Muda a forma de encarar

O dinheiro, que te ajuda.

A fome após saciar

E o conforto, fica muda

 

A alegria de gastar:

Morre o prazer à medida

Que mais tu compras a par,

Que precisas, de seguida,

 

Para então viver deveras?

Não são fortunas, repara,

É ver bem o que é que esperas,

O que quer coisa tão rara.

 

A ti te conhece a fundo.

Teu emprego é identidade?

Vê lá, não percas o mundo

Se a trocá-lo te persuade…

 

De igual modo, a tua imagem

Se for tão profissional,

É para o inferno a viagem

Um dia que corra mal.

 

O teu trabalho é o que fazes,

Não é nunca o que tu és.

Quando teus filhos abrases

Driblando a bola a teus pés,

 

Não és médico, empregado,

És a pessoa que queres:

Se o labor tombar de lado,

És tu sempre, não diferes.

 

O estresse é uma realidade

Da vida descomedida:

Não precisa, na verdade,

De ser um modo de vida.

 

Pois se a maior parte dele

Seremos nós que o criamos,

A chave é arrancar-lhe a pele

E descobrir quando estamos

 

A jogar para perder,

Para termos vida viva

O que importa é conceber

A adequada alternativa.

 

 

141 – Prazer

 

O prazer só um atractivo

Mantém se, de longe em longe,

O experimento e cultivo,

Com contenção, feito monge.

 

Qualquer homem é criança:

Nunca aprecia contente

O bem sereno que alcança,

Que desfruta diariamente.

 

É só quando lhe falece,

Seja o dos bens de fortuna,

Seja o do amor que o esquece,

Vê quanto a falha importuna.

 

 

142 – Atmosférico

 

Toda a vida verdadeira,

Como o atmosférico dia,

Menos é brisa leveira

Que nevoeiro que embacia,

 

Momento baço e cinzento

Que me embruma a natureza

Mais que sol brilhando atento

Que o campo alegre embeleza.

 

É depois por minha mão,

Ao ligá-la à mão dos mais,

Que me conjuro um Verão

E me furto aos vendavais.

 

 

143 – Apostas

 

É melhor ser conhecido

Por dez pessoas naquilo

Em que revês teu sentido

Do que manter-te em sigilo

Ante dez milhões talvez

Que apoiem o que não crês.

 

Aquilo de que não gostas

Não serve tuas apostas.

 

 

144 – Prioridades

 

Mais que três prioridades

Ninguém logrará manter.

Tens labor de que te agrades?

É a primeira a te reter.

 

Se uma família tiveres,

Tens a segunda ocupada.

Resta a terceira, se queres

Em tempo livre empreitada:

 

Pode ser manutenção,

Voluntariado, ler,

De amigos conversação,

Ir o mundo conhecer…

 

Não compliques o que invades,

Em ti tem mão e no apresto,

Descobre as prioridades

E diz não o tudo o resto.

 

 

145 – Barranco

 

Quando eu era uma criança,

Brincávamos num barranco

Cheio de árvores, de arbustos…

Na Primavera era a dança

Das margaridas de encanto,

Colhidas a cada canto,

A marralharmos os custos.

 

Num ribeiro ao fundo havia

Um fundão para nadar

E a pedra donde os rapazes

Mostravam a artilharia

Pronta sempre a bombardear

As moças que, se calhar,

Os não julgavam capazes.

 

Apanhávamos girinos

Que arrumávamos em casa

Em frascos desalinhados.

Dentre nós os mais ladinos

Duma frança armavam asa

Dum choupo que ao sol em brasa

Refrescava os afogueados.

 

E, por detrás do salgueiro,

Havia aquela caverna

A abrigar-nos repentina.

Um carvalho ali cimeiro

Era uma casinha terna

Ao lado tendo a caserna

Onde um clarim desafina.

 

Alguém tinha abandonado

Um sofá velho e cadeiras

Lá no barranco esquecido.

Tínhamo-los arrastado

Para as festas mais fagueiras

De imaginações parceiras

Que alguma vez se há vivido.

 

Um dia uma vedação

De rede foi presa em volta

De meu antigo barranco.

Escavadoras o chão

Esventram em terra solta,

Cresce a aldeia desenvolta

Vestida de ponto em branco.

 

Num resquício de relvado

Instalaram um baloiço,

O escorrega, um carrossel…

Quando foi inaugurado,

Parece que ainda o oiço,

Ao da Câmara, em retoiço:

- Da criança visto a pele,

 

Pois dantes, neste lugar,

Não havia onde brincar!

 

 

146 – Ambição

 

A ambição mais facilmente

Toma conta dos pequenos

Que dos grandes: de repente

O fogo ateia os terrenos

Onde enxameiam choupanas,

Mas não do palácio os drenos

Onde mal chegam praganas.

 

É que este ergue-se na altura

E aqueles se afundam lassos

Nos barrancos mais escassos

Onde morrem de secura.

Que admira se pegam fogo

Ao primeiro raio logo?

 

 

147 – Filme

 

Por acaso até prefiro

Filme que é uma porcaria:

Descubro que não deliro,

Que a vida que ali tropeça

Não anda assim tão vazia

Nem a correr tão depressa!

 

- E escapei do dia-a-dia

Só por uma mão travessa,

Já respiro fantasia

E arejei minha cabeça.

 

 

148 – Medo

 

O medo do comunismo,

Agora o medo do Islão…

- No mental esquema cismo

Duma demonização

Dos outros onde o mal crismo.

 

É o sinal da decadência.

Não são forças generosas

Nem de dom com apetência

As sociais que tenebrosas

Dos medos colhem premência.

 

O xenófobo, o racista,

Preso na concha é uma aldeia

Medrosa misoneísta,

Não é cidade que alteia

Aos horizontes a vista.

 

Quando muito é um arrabalde

Mas que aldeia se pretende.

Civilização debalde

Rica de força compreende,

Que o borralho a não escalde.

 

A política do medo

Não há nada que alicerce,

É tribal como um degredo.

Quando sobre alguém se exerce

Logo o prende no segredo.

 

 

149 – Medicina

 

Progressos da medicina…

O mais extraordinário

É que a cura não atina

Com do velho o aniversário:

 

Se com tal data parasse

Não havia mais trespasse…

 

- O sonho da juventude

Como eterno nos ilude!

 

E como, se um dia fora,

A desilusão ferira

O sonhador, sem demora,

No chão raso em que se vira!

 

 

150 – Lerda

 

Quem teu braço põe madraço,

Lerda a perna em pura perda?

Em demasia é o cansaço

Ou, de jovem, outro espaço

Ainda o coração não te herda.

 

 

151 – Culpam

 

Quando todos culpam todos,

Desde os pais até o Governo,

Pelos falhanços e os modos

Próprios de perder engodos,

Quem trepa ao cume superno

 

De vítima não aceita

Sequer a mentalidade:

Se há um culpado, esta desfeita

Encontra a vontade afeita

À responsabilidade.

 

Dirá sempre: a culpa é minha!

Verá que culpar alguém

Pela falha que adivinha

É aquilo que não convinha:

Doutrem ter vida refém.

 

Era como se afirmara:

Eu sou aquela pessoa

Que a mim sou tão pouco cara

Que nem sequer controlara

Esta minha vida à toa.

 

Aquele que trepa ao cimo

Não o remete a ninguém,

Nele próprio toma arrimo,

A força lhe vem dum imo

Que em si lavra o que convém.

 

 

152 – Ninharias

 

“Não ligues a ninharias”,

- Se é regra mal aplicada

Justifica as fantasias

Duma vida desregrada.

 

Pode ser um bom conselho

Quando se aconselha alguém

A defender seu cortelho,

Ou a não ir raiva além…

 

Empregue levianamente

Deixa de ser directriz

Para uma vida decente,

Que perco minha raiz.

 

 

153 – Fábrica

 

A fábrica na qual todos

A todo o tempo laboram

Falhará de muitos modos,

- Porém todos no-lo ignoram!

 

 

A escola em que os professores

A tempo inteiro labutam

Quebra em todos os vectores.

- Quantos cidadãos o escutam?

 

É que importa respirar,

Espreguiçar o lazer,

Senão vão asfixiar

Os sonhos todos que houver.

 

 

154 – Estúpida

 

Por estúpida que fora,

Não há ideia para a qual

Um professor, sem demora,

Se não encontrara tal

Que nela creia na hora.

 

Homem vulgar de hoje em dia

É um crédulo medievo:
Em religião este cria,

Aquele em ciência que cevo.

Ambos andam por igual

Longe do que é racional.

 

 

155 – Sirva

 

A informação é um perigo

Quando não tem aonde ir,

Uma teoria de abrigo,

Um padrão a confluir,

Nem um projecto elevado

A que sirva por seu fado.

 

Mais que informação inerte,

Quando à solta e sem fanal,

Nada em nós há que desperte,

Pode à vida ser fatal.

 

 

156 – Medida

 

A tecnologia aumenta

A informação disponível

E, à medida que a acrescenta,

Todo o controlo é risível.

 

Sem defesa, já ninguém

Terá como descobrir

Que significado tem

Qualquer rumo que seguir

 

E perde a capacidade

De recordar o passado

E aumenta a dificuldade

Dum porvir imaginado.

 

No caos informativo

Não há semente que valha,

Não restam húmus no arquivo

E amanhã germina palha.

 

 

157 – Ignorante

 

O técnico tende a ser

Ignorante das questões

Que não tenham nada a ver

Com suas intervenções.

 

Contudo, ele reivindica

Estender-se por mais ramos,

Morais, sociais… Implica

Novos peritos, mais amos.

 

Hoje em dia, tem cuidado,

Que dar um passo na vida

Requer um técnico ao lado,

Mesmo espirrar quer medida!

 

 

158 – Crescendo

 

Crescendo, a burocracia

Produziu logo adiante

O perito que seria

Perito-enquanto-ignorante.

 

Em queda o tradicional

Laço em cada instituição,

O vulgo perde, fatal,

Toda a fé na tradição.

 

A torrente das notícias

Impossibilita a alguém

Escapar-lhe das sevícias,

É um nada o que ao fim retém.

 

E lá vamos na levada,

Folhas de acaso em torrente,

Sem aonde ir na jornada

Mas sempre a correr em frente.

 

Menos vejo, se mais cismo,

Como escapar ao abismo…

 

 

159 – Magia

 

A magia nos dirige

A atenção ao lado errado,

O espanto é o que nela vige

E compreender é gorado.

 

Dos feitos maravilhosos

Das máquinas rodeados,

Tanto retiramos gozos

Que, deles encorajados,

 

Ignoramos as ideias

Nas técnicas embutidas,

Cegos ficamos às veias

Que nos abrem iludidas,

 

E depois a hemorragia

Quem há-de estancá-la um dia?

 

 

160 – Máquinas

 

A tecnocracia pende

De nós máquinas nos crermos

E de confiado havermos

Que qualquer máquina entende,

Como nosso substituto,

Muito melhor o produto.

 

Desconfiamos da ideia

E da subjectividade,

Em tudo, verdade meia.

Sem emoções nem a teia

Duma arbitrariedade,

 

Não há mais valor nem fé:

Fica a técnica de pé.

…Sai à porta, entra à janela,

A fé que hoje ponho nela!

 

 

161 – Problemas

 

Nossos problemas mais sérios

Não são técnica, informática.

Nem nenhuma questão prática,

Seja a dos voos sidéreos,

Catástrofe nuclear,

A fome a roer o mundo,

Desintegração do lar,

Infantil mau trato imundo,

O crime que aterroriza,

A educação impotente…

- Nada disto se enfatiza

Por ser insuficiente

A informação disponível.

 

É que a ninguém é credível

Que as equações matemáticas,

As moles de informação,

Veloz comunicação,

Resolvam as questões práticas:

Só livres opções morais

Destinam enquanto tais.

 

O computador é inútil

Ao tentar resolver isto,

Sucata de todo fútil

Do mundo ante qualquer quisto.

 

 

162 – Foros

 

A estrutura da pergunta

É tão sem neutralidade

Como o tema que lhe junta

Foros de seriedade.

 

Uma forma ou facilita

Ou nos levanta barreiras:

Um nada muda e suscita

Antitéticas maneiras.

 

- Posso fumar quando rezo?

- Não! - dirá qualquer dos crentes,

Que era votar ao desprezo

Coisas santas, entrementes.

 

- Ao fumar, posso rezar?

- Claro! – logo acudirão,

Já que a oração tem lugar

Em qualquer ocasião.

 

A forma duma questão

Pode mesmo bloquear

De encontrar a solução

Óbvia noutro questionar.

 

 

163 – Meio

 

Se pergunto à multidão

Se quer que no meio ambiente

Continue a poluição

- Uma resposta é evidente.

 

Se lhe pergunto, porém,

Se é mesmo primordial

Preservar como convém

- Logo é diverso o sinal.

 

E bem mais diverge ainda

Se inquirir se importa mais

Que a segurança na vinda

Para o lar doutros locais.

 

Eis como ao mesmo problema

Diversifica a opinião

O modo bem como o esquema

No qual é posta a questão.

 

 

164 – Ignoram

 

As sondagens em geral

Ignoram o que é que sabem

(Do problema sobre o qual

Interrogam) os que cabem

No seu rol de interrogados.

 

Medir e classificar

Saltam montes e valados

Mas dá muito que pensar.

Setenta por cento crê

Que devemos retirar

A nossa ajuda à Guiné?

 

Contudo, se a maioria

Disser que é um país da América,

No centro de Ásia estaria,

Ou que é terra periférica

Da Antárctida à zona fria,

E, depois, “que australianos

Paguem pelos próprios danos”…

 

Se, além disto, acrescer que eles

Nem sabiam que ajudamos

E os mais ignaros, imbeles,

Ficaram de boca muda

Quando nós lhes perguntámos

O que é económica ajuda…

 

- Depois disto que será

Do prestígio, do poder

De quanta sondagem há

Marcando quanto vier?

Ante a maciça ignorância,

Não será de ter mais fé

No pouco em que tomo pé,

Em vez de em números crer

Deles só pela elegância?

 

 

165 – Gestão

 

A gestão, tecnologia

Subversiva e poderosa,

Cria dela o novo guia

A que uma empresa se entrosa.

 

Aquela é que assim o quer,

Não foi desta a precisão:

É a lógica a se inverter,

A cauda a abanar o cão!

 

 

166 – Submissa

 

A técnica compreender

Donde vem, para que serve,

Torna-a visível: vai ser,

Sem nada que se reserve,

Submissa, como devia,

À nossa soberania.

 

 

167 – Instância

 

Economia global

Quer instância a decidir

No planeta por igual.

 

Um Estado, não, que ouvir

Uma só voz, afinal,

Aquilo será trair.

 

Interesses colectivos

Que ultrapassam as fronteiras

Requerem mãos e ouvidos

À medida das asneiras:

Direito internacional,

Instituições com recursos

Cuja teia o mundo iguale,

Soberania sujeita

Por adequados percursos

Às malhas que isto lhe ajeita…

 

Só com este contrapolo

Nas aranhas não me enrolo.

 

 

168 – Acaso

 

Acaso fora perfeito

Este meu conhecimento,

A interacção que a preceito

Tiver com qualquer evento

 

Bem a pudera ignorar:

Ao pensar, pensava o facto,

Meu agir é pô-lo em acto,

Meu porvir é o que ansiar.

 

Toda a indeterminação,

A inexacta expectativa,

O acaso que lhe deriva,

Nunca ali tivera chão.

 

- Como inverso é que me pinto,

Sempre inseguro me sinto.

 

 

169 – Contudo

 

A realidade existe.

Contudo, porque incorpora

O pensar que em mim subsiste,

Imperfeito a toda a hora,

 

Devém sempre inexplicável

E, portanto, imprevisível.

- Não é grato ou agradável,

É, porém, o que é vivível.

 

 

170 – Derivados

 

Toda a construção mental

Como os actos derivados,

De efeitos inesperados,

Vão fazer que, tal e qual,

Estes sejam imprevistos

Na altura em que são criados.

Sendo embora malfadados,

Sempre antes foram benquistos.

E ninguém prevê tais fados.

 

 

171 – Benefícios

 

Nas ciências naturais

Meus benefícios aumento

Se primeiro for que os mais

A lograr conhecimento:

Ninguém me alcança jamais.

 

Nas ciências sociais

Tenho a reflexividade:

É um atalho em que erros reais

Afectarão de verdade

Comportamentos vitais.

 

Seja falsa ou verdadeira,

Aqui qualquer teoria

Afecta uma vida inteira:

 - É só mesmo crer na asneira

Nem que seja por um dia!

 

 

172 – Extremista

 

O extremista de mercado

Diz que interesse comum

É muito mais bem guardado

Quando o que for procurado

For o próprio, mais nenhum.

 

A busca desenfreada

Dum interesse egoísta

Não prejudicava nada

Se aquele ponto de vista

Nos confirmara a conquista

Do comum, na deprecada.

 

Ora, a individual premência

É que, afinal, prevalece,

A colectiva é uma ausência

Que em tal contexto fenece.

- E assim de vez arrefece

A pretendida evidência.

 

 

173 – Económica

 

A actividade económica

É apenas uma faceta

Da vida humana concreta,

Da mais ínfima à astronómica.

 

Além dela outros aspectos

Não podem ser ignorados:

Da política os legados,

Familiares afectos,

 

Todo o individual carinho,

Como o sagrado e o profano…

- Quando a tudo isto me irmano

Nenhum preço lhe adivinho.

 

Quando apenas o dinheiro

É o valor de toda a vida

O que irei ser de seguida

É moeda de troca inteiro.

 

 

174 – Sós

 

Económicos valores

Por si sós não são pilar

Que nos possa sustentar

À sociedade os pendores.

 

Eles exprimem apenas

Que um qualquer participante

Por livre troca garante

Pagas de algo e bem pequenas.

 

Tudo o mais que não tem preço

É aquilo que nos sustenta,

O que humano a mim me inventa

E com que por fim me meço.

 

 

175 – Ângulo

 

Dum ângulo individual

Pouco importa ser honesto

Para a vitória final,

Pode até ser um apresto.

 

E quanto mais se adoptar

O sucesso por critério

Doutrem para avaliar,

Menos há moral a sério.

Com a moral ir de acordo

Importava colocar

As metas comuns que mordo

Sempre em primeiro lugar.

 

Bem à frente do interesse

Próprio, por nobre que seja.

Quando a liberdade aquece,

A norma já não viceja,

 

Devém menos compulsiva.

Se então a conveniência

Se tornar a norma viva,

Da sociedade é a falência.

 

Entre público e privado,

Sem que haja qualquer ludíbrio,

Por igual um e outro lado

Devem manter o equilíbrio.

 

 

176 – Sucesso

 

Se além do próprio interesse

Não há princípios quaisquer,

O sucesso que acontece,

Admirado, não esquece,

Sem conta em mais nada ter.

 

O político é estimado

Por conseguir ser eleito,

Não pelo ideal clamado,

Pelo princípio trilhado

Que bem ao povo haja feito.

 

Os homens da economia

Serão tidos em apreço

Pela riqueza vazia.

Da probidade a magia

Aqui não encontra acesso.

 

O que está certo é sujeito

A quanto for eficaz,

O êxito, portanto, é atreito

A não lidar mais de jeito

Com o correcto e veraz.

 

Mora aqui grave perigo

Em qualquer comunidade:

Fica sem nenhum abrigo

Contra o fim do que persigo,

- É o fim da estabilidade.

 

 

177 – Benefício

 

O benefício inerente

Ao dinheiro é do dispêndio:

Apenas meio eficiente

De o fim lograr do estipêndio.

Só num aspecto o dinheiro

É meta fundamental:

Quando o que visar primeiro

For acumular riqueza.

 

Mas de que serve afinal

Se ela me não serve à mesa?

 

 

178 – Serviço

 

Se um serviço é de servir

Por que é que tão raramente

O faz, e se adrega de ir,

Irá relutantemente?

 

O empregado do sistema,

Imune ao inconveniente

Que parece ter por lema,

Nenhum escrúpulo sente.

 

A forma então de sacar

Serviço em casos que tais

É da força que empregar

A arredar tais animais!

 

 

179 – Viabilizam

 

As leis e os regulamentos

Viabilizam viver,

Mas são em muitos momentos

Pretexto de não fazer.

Chega então deles o fito

A ser corpo de delito.

 

- Que forte a burocracia

Que faz noite todo o dia!

 

 

180 – Criatividade

 

Mato a criatividade

Um aluno ao induzir

À resposta que ele vir

Que ao professor persuade.

 

A verdade não agrada

Mas tem força coerciva:

- Uma resposta esperada

Não pode ser criativa!

 

 

181 – Parte

 

Duma parte dum sistema,

Sem lhe ver a interacção,

Compreender um problema,

É querer que minha mão,

Do resto do corpo aparte,

Cumpra igual com sua parte.

 

E, quando isto é educação,

O diplomado tem arte

Para qualquer solução?

 

Um estudante não sabe,

O diplomado, também!

Saber que não sabe, bem,

A este, porém, não cabe,

Antes tão inchado vem

Que naturalmente advém

Que a cegueira não lhe acabe!

 

Avança com a parcela

Que toma em lugar do todo

E, quando estala a procela

Que sempre, de qualquer modo,

Lhe há-de entrar pela janela,

Aqui d’el-rei! Que é de mim?!

O mundo chegou ao fim!

 

 

182 – Bastante

 

Aprendo bastante mais

Com minha própria experiência

Do que aprenderei jamais

Com o saber e a ciência,

Embora muito eminentes,

De pessoas experientes.

 

 

183 – Julgados

 

Todos devem ser julgados

Pelo seu próprio valor,

Não dos modos por traslados,

Pela aparência ao se expor,

Por quenquer que se conhece,

Com quem se dá ou se esquece…

 

Mas estes são os critérios

Com que em comum nos julgamos.

Findamos com os mistérios

E ao fim só nos enganamos.

 

 

184 – Magia

 

Eu levo a magia a sério

Como fonte eficiente

Num mundo que é mais mistério

Do que a ciência consente.

 

Palavra, gesto ou imagem

Podem ser mais poderosos

Que do argumento a engrenagem

A medir freimas e gozos.

 

Cerimónia ou ritual

À comunidade humana

Mais benefício real

Podem trazer que o que emana

 

Duma máquina qualquer,

Dum técnico inovamento…

Um imaginário ter

Rico e fundo é o elemento

 

Que devém mais desejável

Do que ser bem informado,

Até do que ser saudável

Ou político versado.

 

É que só com fantasia

A vida que vale a pena

Se encherá de poesia.

- E só então não é pequena!

 

 

185 – Oceanos

 

Os oceanos mais às almas

Do que aos corpos oferecem,

Neles o espírito acalmas,

Desde então já não te esquecem:

Por aqui a ecologia

Talvez os salve algum dia.

 

 

186 – Árvores

 

Árvores rudimentar

Lição sobre o encantamento

Podem-nos sempre ofertar.

Que importa nos agarrar,

De ansiedade e enervamento,

 

A nós próprios, ao desejo,

À vontade que decide?

Árvores dão-me um ensejo

De confiar no que vejo

E que em redor me convide.

 

Contam-me o que dá prazer,

Dão-me tantos benefícios

Que não há razão qualquer

Para ali me não render

Delas sempre aos bons auspícios.

 

Podemos sentar no galho,

Recostar no tronco forte,

Dos frutos comer o orvalho,

À sombra talhar meu soalho,

Dançar com o vento à sorte…

 

Qualquer árvore lições

Poderá dar-me infinitas

E alegrias, emoções,

Inefáveis borbotões

De bênçãos as mais benditas.

 

 

187 – Plantarei

 

“Plantarei árvores novas”

- Dirão eles em defesa.

Como se matar crianças

As retirasse das covas

Quando de gerar se preza

Outras, a trocar de tranças

Nas famílias enlutadas,

O das selvas arrancadas.

 

Quando a planta não é filha,

O predador nada sente,

Esbate-se a maravilha,

Morre-lhe à mão toda a gente.

 

 

188 – Significativo

 

Labor significativo

Quer dizer muito dinheiro.

Se me quiser manter vivo

Hei-de ir por outro carreiro.

 

Vou satisfazer minha alma,

Não pelos canais da mente,

Mas daquilo que me acalma:

Usar minha mão que sente.

 

Se minha mão abolir,

Serei o trabalhador

De engrenagem dente, a ir

Duma máquina ao sabor.

 

Serei a peça jogada,

O jogo jamais quem joga.

De alma então amaldiçoada,

Quem a besta prende à soga?