Escolha aleatoriamente um número
entre 189 e 263 inclusive.
Descubra o poema correspondente
como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
189 – Germinam vida nos braços |
|
Germinam vida nos braços, |
Moldando no
tempo o ser, |
As palavras que tiver |
De pôr dentro
dos compassos. |
|
Então me lerão
nos traços |
O molde que se
impuser |
À estrutura de quenquer, |
Tudo igual em
iguais laços. |
|
Talharei do ser
a forma |
Nas palavras que entalhar, |
Poema tornado norma. |
|
E o ser que
sou, se calhar, |
À poesia se conforma: |
Sou verso, ao
bem reparar. |
|
|
190 – Autómato |
|
Se autómato
fora o homem |
Como o comportamentista |
Anda a querer
que nos tomem, |
Nem sequer tal cientista |
Iria constar da lista. |
|
Nem dá para refutar: |
Ele é uma prova
provada, |
De tal jeito ao
teorizar, |
De que errou
logo de entrada. |
|
|
191 – Deprecar |
|
Quem se recusa
a apoiar |
E defender um Estado, |
A protecção deprecar |
Dele depois, se calhar |
Não pode: toma cuidado! |
|
O anarquista, o pacifista, |
Se alguém os
quiser matar, |
Como incluir
este na lista |
Do crime a que
houver lugar |
Se toda a vida
afundaram |
A bóia a que se
agarraram? |
|
- Nunca pode bater certo |
Pôr longe o que
se quer perto. |
|
|
192 – Linguagem |
|
Linguagem: mecanismo |
Para exprimir pensamentos. |
Quando, porém, nela cismo |
Lá descubro os elementos |
Dum inteiro catecismo |
Onde só vira instrumentos. |
|
Linguagem são pensamentos, |
Pensamento é informação |
Que tomou
forma: os inventos |
Da forma são linguagem. |
Atinjo-lhe o coração |
Quando assim
completo a viagem. |
|
Tem um corpo o
pensamento: |
O da palavra
que invento. |
|
Neste som vai
mais que o vento, |
Vão as sementes
de mim, |
Vai de mim todo
o rebento, |
Vou eu do
princípio ao fim. |
|
|
193 – Paralelos |
|
A realidade e o
desejo |
São dois mundos paralelos |
Que nunca têm ensejo |
De entre si
soldar os elos. |
|
Tão impossível
é unirem-se, |
Muito embora
seja a meta, |
Como algum dia
fundirem-se |
Sombra e corpo
que a projecta. |
|
|
194 – Luzinha |
|
Ser apóstolo ou apóstata |
(E em todos
moram os dois) |
Pende da luzinha posta, |
Algures, a meia encosta, |
Surpreendida depois, |
Lá na dobra do
caminho, |
Por quem caminhar sozinho. |
|
Onde o luzeiro apontar, |
A escuridão a
que aponta, |
Eis o rumo em
que apostar, |
Eis o roteiro
que conta. |
Seja ou não ele
conforme |
À velha fé que
me informe, |
Para o caso
tanto monta. |
|
|
195 - Picada |
|
De muito passo miúdo |
É feita cada picada |
E de picadas
que grudo, |
Toda a largueza
da estrada. |
|
Sempre de pequenas contas |
Se encadeia este rosário |
Da vida que sobremontas, |
De Calvário
indo em Calvário. |
|
E só no fim da
cadeia, |
Remontando de
elo em elo, |
Verás como a
vida é cheia |
Em seu vazio singelo. |
|
|
196 – Sementeira |
|
A sementeira dos bens |
Do espírito são pobreza |
E humilhação que reténs. |
Sendo tu de
ambos a presa, |
Não adivinhas sequer |
Qual mais duro
é de roer. |
Quão mais
vazios os cofres, |
Mais cheios de
quanto sofres. |
Quão maior a humilhação, |
Mais, afinal, tens razão. |
|
Quanto maior
entre a gente, |
Por mais pequeno perpassas, |
Ignorado, indiferente |
À multidão que
enche as praças. |
|
- Quem o devido salário |
Te paga, te
paga um dia |
Neste mundo salafrário |
Como se te deveria? |
|
|
197 – Toque |
|
O toque é tão
basilar, |
Tanto o quer o
crescimento |
Como requer mantimento |
E ter onde se
abrigar. |
|
De aconchegos e carinhos |
Entre uma mãe e
a criança |
Se alam asas
pelos ninhos. |
E o infinito
isto alcança |
|
Naquele aperto de mãos |
Dum filho ao
pai moribundo, |
A tactear outros chãos, |
Não deste, já
doutro mundo. |
|
Quando Deus
estende a mão |
E toca a mão
estendida |
Que do chão lhe
estende Adão, |
- É do toque o
dom da vida. |
|
|
198 – Pés |
|
Se o cérebro é
comandante, |
O coração, bombeador, |
O pulmão, respirador, |
- Recorda-te, a
cada instante, |
Que atrás deles
se recortam |
Teus pés que
tudo suportam. |
Isto serve de medida |
A tudo o que
houver na vida. |
|
|
199 – Milionário |
|
Um milionário, seguro, |
Tranca a porta
do escritório, |
Pisa a rua com
apuro, |
Ruma ao bólido
do empório. |
|
Dá, contudo, de repente, |
Com um vulto de
capuz, |
De manto negro
e corrente, |
Cujo olhar
cintila à luz. |
|
O ricaço olha, irritado, |
O encapuçado, surpreso. |
Breve em pânico mudado |
Fica o que
sente tal Creso, |
|
Pois que
estivera a fixar |
O rosto da
morte e leu |
Que, se lhe não
escapar, |
Morrerá. Logo entendeu: |
|
Corre ao carro
e o motorista |
Manda para o aeroporto. |
Freta um avião
na pista, |
Descola, de medo morto. |
|
Uma noite voa inteira |
E um helicóptero aluga, |
Nas serras foge
à clareira |
Onde a andar
quenquer se estuga. |
|
Contrata, por
fim, um guia |
Que o leve a um
vale distante. |
Enquanto o sol
lá nascia, |
Na gruta que
tem diante |
|
Se esonde na escuridão. |
“Nunca a Morte
há-de encontrar-me |
Aqui neste paredão!” |
- Ri, saboroso
e com charme. |
|
Porém, logo um
dedo ossudo |
Nos ombros lhe
toca leve. |
“Parabéns!” – a
voz de mudo |
Da Morte lhe
anota, breve. |
|
“É que era
nosso destino |
Encontrar-nos nesta gruta |
Hoje, ao alvor.
Eu me inclino |
À tua enorme labuta |
|
Por, do outro
lado do mundo, |
Chegar a tempo
– que sorte! – |
A teu encontro fecundo |
Finalmente com a Morte.” |
|
|
200 – Caranguejos |
|
Vê a caixa dos
caranguejos, |
Nunca precisa de tampa. |
De saltar fora
os desejos |
Se algum levam
pela rampa, |
|
Logo os demais
se lhe atracam, |
Lançam-no outra
vez abaixo. |
- Más companhias atacam |
E apagam do
fogo o facho. |
|
E pior é quando
o mal |
Ataca todo um país, |
Como acaso em Portugal, |
Sonho arrancado à raiz. |
|
|
201 – Mente |
|
Quem tem a
mente fechada |
Não tem a mente
vazia, |
Trancou-lhe a
porta de entrada, |
Não cresce mais
hoje em dia. |
|
Mente de quem principia, |
De vazia e preparada, |
Atende à voz do
vigia |
Em cada nova jornada. |
|
Toda a possibilidade |
Mora no principiante. |
Do especialista, em verdade, |
Já nada resta diante. |
|
|
202 – Imateriais |
|
As coisas de
que gostaste |
Foram sempre em demasia |
Fantasmas imateriais, |
Ideais em que penduraste |
Chuva e sol de
cada dia. |
|
Sofres dos mesmos sinais |
Da doença de
que, infecundo, |
Se anda a
destruir o mundo. |
|
|
203 – Letra |
|
Fora a vida, em
certas delas, |
Como uma letra
a vencer, |
Sem furacões nem procelas, |
Indiferente ao que houver, |
|
Devagar, sem calafrios, |
Como humana divindade |
A ver
esgotar-se os fios |
Do prazo de validade. |
|
Depois, a vida acabada, |
Dos deuses fica
uma estrada. |
|
|
204 – Analfabeto |
|
O que é ser
analfabeto! |
Bem via as
coisas, bem via… |
Não descobria correcto |
Ao certo o que
acontecia. |
|
Sabia tudo, sabia |
Só de abrir
olhos e ver. |
Porém, eis que
me ocorria |
Que não sabia saber. |
|
Menino que come
a fruta |
E sabe o gosto
que tem |
Mas que, nele
se matuta, |
Não vê nunca
donde vem. |
|
Eu sei das
coisas, eu sei, |
Mas preciso de aprender |
O porquê do que
encontrei: |
Só então é que
vou saber. |
|
|
205 – Acriançado |
|
Todo o ser é
acriançado |
Para o adulto,
dia a dia. |
Mas o mundo
haver olhado |
Como a criança
o faria, |
Isto é já sabedoria. |
|
|
206 – Valida |
|
Quem invalidar a vida |
É que as vidas
não perdeu |
De quem lhe a
vida valida, |
Senão via-a, de
seguida, |
Como uma prenda
do céu. |
|
Maravilha tão precária |
Como crê-la secundária, |
Como em cima
pôr-lhe um véu? |
|
207 – Mal-estar |
|
Mal-estar adolescente |
É não lograr esconder |
O sentimento que sente |
A quem ele o
pretender |
|
E ao invés não
revelar |
A quem busca
que o conheça |
O sentimento a lavrar |
Um sonho que
lhe amanheça. |
|
Mal-estar adolescente… |
- Não será que
mais além, |
Por dentro de
toda a gente, |
É o que ao fim
todos contêm? |
|
|
208 – Recente |
|
És, como espécie, recente, |
És muito novo, ignorante. |
Tem cuidado, de repente |
Numa verdade empolgante |
|
Crês com toda a
ingenuidade. |
Vês depois que
és enganado. |
Doravante a realidade |
Pode andar-te
sempre ao lado. |
|
Precisarás deste alerta |
Sempre dentro da consciência. |
E quem por
norma o desperta |
É a pegada da
ciência. |
|
|
209 – Crente |
|
O crente diz:
quero a regra |
E não pensar
mais no assunto. |
Crendo então
que assim se integra |
No mundo
inteiro por junto. |
|
Quer a certeza absoluta, |
Só que o mundo
não foi feito |
Com esta forma impoluta, |
Vai-se
apalpando e com jeito. |
|
Não opera nem jamais |
Desta maneira operou |
Nem operará,
que os sinais |
São que incerto
vais e vou. |
|
Apenas, pois, poderemos |
Apostar, não na verdade |
De que ao fim
pouco sabemos, |
Mas na probabilidade. |
|
O bem e o mal
não são lemas, |
São, antes de
mais, problemas. |
210 – Fonte |
|
Tanto o Mar da
Galileia |
Como o Mar
Morto igual fonte |
Do Monte Hebron
sempre cheia |
Têm por trás do
horizonte. |
|
Por que é que
só aquele é vivo? |
Porque tem uma saída, |
Açude convidativo |
Das planícies
para a lida: |
|
As verduras do Jordão |
Nele bebem para
a rega. |
No Mar Morto é
que isto então |
Nunca acontecer adrega. |
|
E todos somos assim. |
Uns obtêm para terem: |
Como o Mar
Morto, no fim, |
Sem jamais acontecerem. |
|
Obtém outro para dar, |
Como o Mar da
Galileia, |
E o mundo vira
um pomar |
E há sempre
festa na aldeia. |
|
|
211 – Trás |
|
Quando olhamos para trás, |
Se esfuma ao
longe a paisagem |
Da vida que se
desfaz |
No tempo, em
lenta viagem. |
|
De entrada,
desde o relvado, |
À colina e à
montanha, |
Até ao longínquo prado, |
- Mais longe,
menos se apanha. |
|
O que há mais
tempo ocorreu |
Não é nunca o
que foi dantes, |
Lento e lento
se esvaiu: |
- Nadas insignificantes… |
|
Pior é que o
que foi bom |
Mais rápido se dilui |
E o que rói o
coração |
É o mal que,
sem solução, |
Dele em pus
eterno flui. |
|
|
212 – Carácter |
|
Teu carácter é
o que resta |
De holofotes desligados, |
Dos aplausos terminados, |
Quando ninguém
diz se presta |
A função de
teus cuidados. |
|
Carácter é o
teu fazer |
Quando só te
resta ser. |
|
|
213 – Nunca |
|
Nunca o vi,
ouvi falar. |
Um eco ouvi,
não o tiro. |
Antes de a
porta fechar |
Não entro, por
tal suspiro… |
|
A vida é meia
verdade |
E, mesmo assim, persuade, |
|
Só que nunca a
porta aberta |
Encontro que me desperta. |
|
Que será que
mora atrás |
Do que, enfim,
é tão falaz? |
|
|
214 – Imprudente |
|
O imprudente
que a um ofício |
Ou arte
qualquer se vota, |
Sem de vocação resquício |
Para o que a
função denota, |
|
Só colhe, em
toda a carreira, |
Desengano e sofrimento. |
Nada a terra
nos joeira |
De dificuldade isento, |
|
Mas a vontade e
o amor |
Levam a saltar
o muro |
Que usa mísero
se opor |
Aos que fogem
do monturo. |
|
Quem o infindo adivinhado |
Que o espírito executa |
Nele não sente exaltado |
É que seu deus
não escuta. |
|
Dele a faísca divina, |
Então jamais avivada, |
Sob as cinzas
se amofina |
E finda nele apagada. |
|
|
215 – Cúmplice |
|
O mundo que não
é causa |
De nenhum bem
e, ao invés, |
Cúmplice é de
qualquer pausa |
De desgraça e
de revés, |
|
Depois, despontado o mal |
Que chocou maternalmente, |
Renega-o,
quando é real, |
Dele se vinga, demente. |
Quem no mundo
se confia, |
Como a palha em
fogo vivo, |
Se brilha
vívido um dia, |
De cinzas breve
é motivo. |
|
|
216 – Código |
|
Que código, instituição |
Evita o crime moral |
Que mata, com
arma não, |
Com a palavra banal? |
|
É o defeito da
justiça: |
Entre o povo e
os de alta roda |
A diferença que enguiça |
Ninguém a vê
nunca toda. |
|
O povo é franco
deveras, |
Esta é hipócrita demais. |
Ele é a faca
das esperas, |
Ela, a poção
dos sinais, |
|
Das palavras, das ideias. |
Ele é morte de
verdade, |
Ela, no enleio
das teias, |
Sempre ao fim é
impunidade. |
|
|
217 – Produtivos |
|
Produtivos mais seremos |
Quando nós cooperamos |
E demonstramos que temos |
Pensamento positivo, |
O empenhamento que damos |
Quando uns com
outros falamos |
Não tem medos
nem é esquivo, |
Quando agimos com sentido |
Na responsabilidade |
E com imaginação. |
|
O intelecto é comedido, |
Requer outra faculdade |
A dar conta da
missão: |
É o ser humano
total |
Com laços comunitários |
E com vida emocional. |
|
- Da História
nos traços vários |
É pela primeira vez |
Que aparece à
luz do dia |
O Homem da
cabeça aos pés |
No centro da economia. |
|
|
218 – Apego |
|
Do apego à melancolia, |
O bolor emocional, |
Irei lento cada dia: |
É minha alma
que passeia |
Nas veredas que tacteia |
Dos vales que
ela aprecia. |
|
Se à melancolia não |
Acolho atempadamente, |
Dela mais fere
o aguilhão, |
Magoa então
quem a sente. |
É que lhe
fechei a porta |
E a mim a
fechei talvez |
Ao que mais
fundo me importa, |
O chão onde
apoio os pés. |
|
É que sempre a
caminhada |
Larga atrás minha pegada |
|
E este bocado
de mim |
Ata-se-me até
ao fim. |
|
|
219 – Viagem |
|
Sonhamos com a viagem, |
Põe-se o barco
a navegar. |
Porém, desfeita a miragem, |
Quem ao fim
navega é o mar. |
|
E nós, mirando
o que esconda, |
Vamos ao sabor
da onda. |
|
Tudo o mais é
uma ilusão |
De quem tem
curta visão. |
|
|
220 – Diário |
|
Diário, migalhas de pão |
Pelos trilhos da floresta |
A jurar que me
darão, |
Perdido em
teias no chão, |
Retorno, ao
fim, ao que presta. |
|
|
221 – Barro |
|
Qualquer homem, quando nasce, |
Como o barro é
maleável, |
Antes que seque
ele faz-se, |
Enquanto for modelável. |
|
Convém saber
como e quando, |
Porque depois… só quebrando! |
|
|
222 – Luz |
|
Se a luz vinda
das estrelas |
A quilómetros trezentos |
Mil por segundo viajando |
Leva a
atingir-me as janelas |
Milhões de anos
de tormentos, |
Como é que
nossa alma e quando, |
Da terra
rompido o véu, |
Consegue atingir o céu?… |
|
- É a língua
que é traiçoeira |
Ou a nossa confusão |
Não vislumbra outra maneira |
Senão a de
pôr-lhe um chão |
Ao que em chão
nenhum tem leira? |
- Alma é ideia
e coração, |
Não tem de
espaço menção. |
|
|
223 – Motivação |
|
Sempre automotivação |
É a motivação inteira. |
Família, chefe, colegas |
Podem dar-me coração, |
Que até que
decidir queira |
O que pretendo,
ando às cegas: |
Por mais que
venha de lá, |
Morrem todas as achegas, |
Nunca nada ocorrerá… |
Tudo me pende
da mão, |
Conforme meu
sim ou não. |
|
|
224 – Aprendiz |
|
Aprendiz de feiticeiro, |
Inunda-me a informação. |
Para escapar do atoleiro |
Só a vassoira
resta à mão. |
|
Uma informação de lixo, |
Incapaz de responder |
Às questões que
há no meu nicho, |
A nada serve a
quenquer. |
|
Acreditámos que, amiga, |
A falta dela
era dor |
Mas dilúvio que fustiga |
É veneno bem maior. |
|
|
225 – Vencida |
|
Uma cultura vencida |
Pela informação que gera |
A tecnologia mera, |
Busca a cura,
de seguida, |
|
Na mesma tecnologia, |
Quer dali orientação, |
Sonho humano no desvão |
Daquilo em que
outrora cria. |
|
Tirar da doença
a cura, |
Só quando a
tenha em respeito. |
- Como tê-la
quando o peito |
Me comeu e desfigura? |
|
|
226 – Destrói |
|
Um sistema imunitário |
Destrói quanto é indesejado. |
A sociedade é o
traslado, |
A triar, no
curso vário |
|
Dos renovos, o equilíbrio |
Entre o velho e
a novidade, |
O sentido e a
necedade, |
Matando quanto é ludíbrio. |
|
Instabilizada a vida |
Com elos enfraquecidos, |
É de a
informação perdidos |
Ver seus dados,
na medida |
|
Em que perde a
utilidade |
E é fonte de
confusão. |
E a coerência
já não |
Nos vem de tal
entidade. |
|
Então a comunidade |
Tem de podá-la,
premente, |
Não fique de
garra assente |
Nas gargantas
que ela invade. |
|
|
227 – Teorias |
|
A função das teorias |
É supersimplificar |
Para os crentes ajudar |
A organizar, ponderar, |
Excluir de suas vias |
Dados que são fantasias. |
|
Daí lhes vem o
poder |
Como igualmente a fraqueza. |
Ferida do que despreza, |
Qualquer dado externo entesa |
A besta que a
vai fender |
E a teoria vai
morrer. |
|
No trajecto percorrido |
Perdeu de vez o
sentido. |
|
|
228 – Burocracia |
|
Deixou a burocracia, |
Serva das instituições, |
De as servir,
já que hoje em dia, |
É senhora dos patrões. |
|
Agora já não resolve |
Os problemas,
pois os cria. |
Quanto mais
neles se envolve |
Mais por ela os
principia. |
|
E, dela na perspectiva, |
São, à primeira evidência, |
Jamais a
angústia que eu viva, |
Só eficácia, eficiência. |
|
|
229 – Burocrata |
|
A palavra burocrata |
Passou a significar |
Quem sofre da malapata |
De o que é
humano descurar. |
|
Por inteiro é indiferente |
Ao conteúdo no total |
Do problema que
alguém sente, |
Não vê nele o
bem e o mal. |
|
O que implica a
decisão |
Apenas pesa à medida |
Em que afecta a
operação |
Eficaz com que
ele lida. |
|
A responsabilidade |
Não assume pelo efeito |
Que tem sobre a
humanidade |
Aquilo que toma
a peito. |
|
Quando Eichmann foi acusado |
De ter sido um
genocida, |
Diz que dum a
um outro lado |
Só levou gente
com vida. |
|
A razão da transferência, |
Irem ser exterminados, |
Não é de sua
pendência: |
“Vão jogá-la
nos culpados! |
|
Não sou eu o
responsável |
Pelos efeitos humanos |
De ser, enfim,
tão prestável, |
Para que não
haja danos. |
|
Eu só posso responder |
Pela eficácia do canto |
Em que luto por
manter |
Sempre a postos
o que implanto!” |
|
230 – Estetoscópio |
|
O estetoscópio difunde |
Duas ideias-padrão: |
Doravante não confunde |
Doença e doente, não. |
|
Medicina trata doença, |
Não mais
importa o doente. |
E o que este
sabe é sentença |
Irrelevante, que assente |
|
É o que a
máquina disser. |
- E ninguém
repara que isto |
Leva o mundo a
adoecer |
Muito mais do
que o previsto. |
|
|
231 – Termóstato |
|
Um termóstato acredita |
Nestas três coisas, enfim: |
O calor que
aqui crepita, |
O frio que além
palpita |
E que bom agora
assim! |
|
A crença deixou
de ser |
Vivência de intimidade, |
É só quanto
alguém fizer, |
De exterior opacidade. |
Ideias ter, em verdade, |
É revelá-las quenquer. |
|
Metáfora enlouquecida, |
De à máquina semelhantes |
Passámos, após instantes, |
A ser máquina à
medida. |
E a máquina, de
seguida, |
É o ser humano
que dantes |
A criava,
impunha a brida. |
|
Como se uma imitação |
Fora acaso o original! |
Imitar tira a lição, |
Não duplica nem
é igual. |
|
A máquina nunca sente, |
É incapaz de compreender, |
Nem sabe de bem
ou mal… |
- Que intimidade presente, |
Que vive dentro quenquer, |
Nos confundiu no sinal? |
|
|
232 - Singular |
|
O que torna singular |
A mente é o
significado, |
Não a pronúncia
a lhe dar |
Nem a permuta
do dado. |
Significado contém |
Sentimentos e vivências, |
Experiências, valores, |
Que não podem e
não têm |
Símbolos para as essências |
Que caldeiam, interiores. |
|
A máquina é criatura |
Que não faz significados |
(Só o
sentimento os depura) |
Que a compreensão figura |
Depois em quaisquer traslados. |
|
A máquina nem
dá fé |
De que o ser
humano é! |
|
|
233 – Panaceia |
|
Qualquer Universidade, |
Partido ou religião, |
Tribunal, nova gestão, |
Não mudam de identidade |
Pela automatização, |
Panaceia que os invade. |
|
Tornam-se mais imponentes, |
Mais acaso autoritários… |
- Mas os defeitos presentes |
Nos modelos arbitrários, |
Nas ideias lá vigentes, |
Nas teorias assentes |
E nos juízos primários |
Mantêm-se independentes. |
|
O computador não sabe |
Que rumo certo
lhes cabe. |
|
|
234 – Língua |
|
Toda a língua é
ideologia, |
Diz-nos o nome
das coisas |
Mais de que
lado é que as poisas: |
Dum sujeito ou
dum objecto. |
|
Depois, como se filia |
Tudo aquilo e
com que laços |
Se tecem tempos
e espaços |
E, nisto, com
que trajecto. |
|
Na gramática há sujeitos |
Agindo sobre os objectos: |
São agressivos trejeitos |
Num mundo que
busca tectos. |
|
Isto dificulta a vida |
Aos que benigno pensar |
Querem o mundo
em seguida: |
Tudo se anda a
defender |
E tudo corre a
atacar… |
|
A língua molda quenquer: |
Não é neutra,
põe as baias |
Donde não há
como saias. |
|
|
235 – Nota |
|
Um aluno é mais
esperto |
De escolha
múltipla em teste |
Do que num que
seja aberto |
Ou que
incompleto se preste |
|
A desvendar-lhe
o vazio |
- Embora a mesma matéria |
Seja em todos desafio |
Igual para nota séria. |
|
A mais simples
das perguntas |
Não é, não pode
ser nunca |
Imparcial: nela juntas |
Um pendor com
que se junca |
|
O terreno do real. |
A resposta que
alguém der |
É-lhe induzida, afinal, |
No foco que lhe
impuser. |
|
|
236 – Pergunta |
|
A pergunta é um
mecanismo |
Que orienta o pensamento: |
Gera ideias com
que cismo, |
Venera o antigo alimento, |
Expõe factos
sei lá onde |
E o facto é que
outros esconde… |
|
- E depois ainda acredito |
Que é neutral
quando a medito! |
|
|
237 – Inteiramente |
|
A tecnocracia quer |
Inteiramente objectiva |
A ciência em
que ela crer. |
A qualquer ética esquiva |
E perdida a tradição, |
A fonte de autoridade |
Procura em nervoso afã |
Em tudo o que
lhe for chão: |
Então objectividade |
Na estatística malsã |
Devém o seu
novo credo. |
Somos números na lista: |
- Mete medo, mete medo |
Quem é tão
curto de vista! |
|
|
238 – Opinião |
|
A opinião é um
processo, |
Não é coisa momentânea, |
Contínuo acolher que meço |
Por questões em
que tropeço, |
A discussão coetânea |
Mais o debate constante… |
|
Uma pergunta convida |
A uma opinião
no instante |
Em que a muda,
como a vida, |
E a reformula adiante. |
|
Não há nunca opinião, |
Há o caminho de
opinar, |
O mais é ter a
ilusão |
De parar o que
anda a andar. |
|
A sondagem não
diz isto, |
Sempre esconde o itinerário, |
Dá-nos um falso
registo, |
Vida em molde funerário. |
|
|
239 – Preferência |
|
À opinião, preferência, |
Um artista criativo |
Nunca fica indiferente |
Quando é de sua
audiência, |
Aquela que o
mantém vivo |
Sobre a crista
do presente. |
|
Se para o
público escreve, |
Dele para aprovação, |
Também a si
próprio deve |
O prazer da criação, |
Porque tem algo
a dizer, |
Mesmo que o
leitor não fique, |
Não queira, nem acredite |
Que tem algo
para ler. |
|
Se ficar só a
deferência, |
Como querem as sondagens, |
Do público à preferência, |
No escritor mudam triagens: |
Que a literatura agrade |
Apenas a uma audiência |
E eis que a
criatividade |
Jamais se
mantém na lista |
Das facetas dum artista. |
|
|
240 – Patrão |
|
O problema com
a língua |
É aquele que
sempre foi: |
Quem é que vai
ser patrão? |
Controlamo-la
ou, à míngua |
De nossa lei
que a constrói, |
Vai ela ter-nos
à mão? |
|
Duma técnica o problema |
É que ela
triunfe tanto |
Que intocável, por encanto, |
Devenha ao fim
por sistema |
E outros meios, impossíveis |
Se tornem, por
mais credíveis. |
|
A técnica a funcionar |
Tende independentemente |
Do sistema onde operar, |
Um robô que, de
repente, |
Reivindica em seu abono |
Não obedecer ao dono. |
|
|
241 – Pesquisa |
|
Ao contrário da ciência, |
A pesquisa social |
Só nos descobre
a evidência |
Do que era em
norma banal. |
|
A maior utilidade, |
Ao não adiantar nada, |
É que tal banalidade |
Importa ser recordada. |
|
|
242 – Tecnocrata |
|
Tecnocrata é quem prefere |
Conhecimento preciso |
Àquele que é verdadeiro. |
E pretende resolver, |
De vez e sem
mais aviso, |
O doentio atoleiro |
Do que é subjectividade, |
Ao chamá-la à
puridade. |
|
Da máquina na cultura, |
Em que tudo é
impessoal |
E repetitividade |
E o modelo se
afigura |
Um instrumento real |
De progresso enquanto agrade, |
Deveras é inaceitável |
Do sujeito a variedade. |
|
De facto, a diversidade |
Numa lista interminável, |
Do juízo a ambiguidade |
Que marcam
quanto é humano |
São da técnica inimigas: |
A estatística é
um engano |
E às sondagens
faço figas, |
Os testes padronizados |
São erros encapotados, |
Por fim as burocracias |
São só teias e
manias! |
|
- Como vinga o tecnocrata |
Senão se tudo
em nós mata? |
|
|
243 – Teia |
|
Produtor-consumidor, |
Nua teia racional, |
Ambos pesam o valor |
Que o produto
tem final. |
|
Porém, à publicidade |
Que é que lhe
importa o produto? |
Quer antes, com
olho astuto, |
Desvendar a identidade, |
Tocar o consumidor; |
As imagens dos artistas, |
De atletas, de
lindas vistas, |
Dum prato a
apurar sabor, |
- Não dizem
nada, em rigor, |
Do que, afinal,
é o produto |
Que nos querem impingir. |
|
É dos sonhos de
porvir, |
Dos medos de
cada luto, |
Das vaidades
que nos falam: |
Afagam que se regalam |
Os que poderão
comprá-lo, |
Da vida num intervalo, |
Ao produto que, afinal, |
Quase nem deixa sinal! |
|
O anunciante precisa, |
Não do que é
bom no produto, |
Mas do mal do
comprador. |
O valor do bem
desliza |
Para fora, o
que entra em bruto, |
Vindo-se-lhe contrapor, |
Ao consumidor traz gozo: |
Fá-lo sentir valioso! |
|
- O mercado é a
fantasia |
Duma psicoterapia. |
|
|
244 – Contexto |
|
A técnica jamais pode |
Ser tida por natural, |
É um produto,
embora ideal, |
Dum contexto
que lhe acode. |
|
É sempre, em particular, |
Política, economia, |
Tem um programa
a gerar, |
Agenda e filosofia |
Que nos podem melhorar |
Ou piorar cada dia. |
|
Requer análise, crítica, |
Um controlo
atento e justo. |
Sempre
estranha, não é mítica, |
E a prova é que
tem um custo, |
Não é nunca inevitável, |
Ser natural é inviável… |
|
Técnica a cuidado obriga: |
- Muito tem que
se lhe diga! |
|
|
245 – Falibilidade |
|
Falibilidade informa |
Que a percepção
que teremos |
Deste mundo em
que vivemos |
É imperfeita em
fundo e forma. |
|
Reflexividade indica |
Que o pensamento influencia, |
Activo, eventos e via |
Em que cada
qual se aplica. |
|
Então, quando
em tal pensamos, |
Reparamos que mudou |
E com tudo isto
me vou |
Mudando em múltiplos ramos. |
|
Porque há sempre divergência |
Entre o real e
a percepção, |
Entre ambas este desvão |
Modela à história excrescências. |
|
Ninguém detém a verdade, |
É o que implica
ser falível. |
- Como é que
não persuade |
Quem comanda e
é tão risível? |
|
|
246 – Mundos |
|
Pensamento e realidade |
São mundos independentes |
E, de raiz, divergentes, |
Por mais que
busque a verdade. |
|
Mas, quando um participante |
Entre os dados
do real |
Um ente for que
é pensante, |
Fará parte aglutinante |
Do que pensa
enquanto tal. |
|
Errado é não distinguir |
O real e o
pensamento |
E é um erro um
compartimento |
Em cada qual presumir. |
|
Pensar tem dupla função: |
Nota o que quer
entender, |
Fora olhando em contenção, |
E age na modelação |
Do mundo em que
intervier. |
|
Não basta o
dado exceder |
O metro da medição, |
Este é dele
ainda porção… |
- Como ao fim
certo entender? |
|
|
247 – Afirmação |
|
A afirmação verdadeira |
É a que
corresponde ao facto. |
Se neste a
mente emparceira, |
Jamais o facto
se abeira |
Do que sem tal
era o pacto: |
Já não corre independente |
Do que dele
pensa a mente. |
|
O impacto reflecte adiante |
O crer do participante. |
|
Um critério independente |
Os factos já
não serão |
Do que é uma
verdade assente |
De qualquer afirmação. |
|
|
248 – Auto-referente |
|
A frase auto-referente |
Acaso é insignificante, |
Fala o mesmo
atrás e adiante, |
Fora o dado
mora ausente. |
|
Liga a reflexividade |
O pensamento que tenho |
Ao dado da realidade, |
Novo dado então advenho. |
|
Longe de insignificante, |
A frase cuja verdade |
Se indetermina constante, |
Que a mente o
real invade, |
|
No-lo transmuda
à medida, |
É mais significativa |
Que aquela em
que é conhecida |
Quanta verdade me arquiva. |
|
Estas a compreender |
Me ajudam o que
é que temos, |
Aquelas moldam o ser |
Deste mundo em
que vivemos. |
|
|
249 – Critério |
|
Factos necessariamente |
Um critério de verdade |
Não nos dão independente |
Quando o agir
nosso os invade. |
|
Corresponde a
mente ao dado, |
Porém, de duas maneiras: |
Afirmações verdadeiras |
Ou então, por
outro lado, |
|
Exercendo todo o impacto |
No fluir do
próprio facto. |
|
Correspondência não é |
Garante a
manter de pé: |
|
A declaração política |
E a previsão económica |
O flanco aqui
dão à crítica |
E a gralha
delas é cómica! |
|
|
250 – Reflexivo |
|
Num modelo reflexivo |
Nem o pensar
nem as coisas |
Incólumes ao
que é vivo |
Permanecem onde os poisas. |
|
Mesmo que a interpretação |
Fora correcta de início, |
Logo após tem
um senão, |
Do acerto ao
fim, nem resquício. |
|
Toda a construção humana |
Padece duplo defeito: |
No dado sempre
se engana |
E o tempo após
varre a eito. |
|
|
251 – Quântica |
|
Uma quântica partícula |
Tem fatal comportamento. |
Veja-o eu em
tal quadrícula |
Ou não, sempre
sopra o vento. |
|
No ser humano, contudo, |
A teoria influencia |
E as convicções, sobretudo: |
Nada vai como
antes ia. |
|
Nas ciências naturais |
A teoria não consegue |
Mudar os dados reais |
Que nas sociais persegue. |
|
Acresce aqui o elemento |
Adicional de incerteza |
Com que jamais
me atormento |
Nos rostos da natureza. |
|
|
252 – Fracasso |
|
Do cientista
social todo o fracasso |
Diverge do
fracasso do alqimista: |
O deste foi
total em todo o passo, |
O daquele, a
ciência tendo em vista, |
|
Usurpa a
autoridade que ela tem |
E logra
produzir um largo impacto |
Social e político também. |
A atitude das
gentes, sendo um facto, |
|
Não é regida
pela realidade: |
Nela influir é
fácil com teorias. |
Destas na
natureza a validade, |
Primeiro que a
eficácia, garantias; |
|
Em questões
sociais como políticas, |
As teorias irão
gerar efeitos |
Sem serem
validadas por verídicas. |
A alquimia
falhou os altos feitos, |
|
Pois nunca teve
da ciência o fruto. |
A ciência
social, a de hoje em dia, |
Dos êxitos
recolhe um usufruto |
Como deveras
sendo uma alquimia. |
|
|
253 – Estatuto |
|
O estatuto das
ciências sociais |
Não pode às
naturais equiparar-se, |
Primeiro por só
ter leis tendenciais, |
Depois por todo
o dado ser disfarce |
Do sujeito a
escapar dentre os varais. |
|
Acolhê-lo impediria |
Que dos adornos alheios |
Se enfeitara em fantasia |
E livrara-o dos
arreios |
Só doutra parelha guia. |
|
E não impediria tentativas |
De atingirmos
as leis universais |
Mas moderava, enfim, expectativas |
Dos resultados
a alcançar finais. |
Podia enfim
mostrar o quanto esquivas |
|
São as nossas
fronteiras do saber, |
Libertando as ciências sociais |
Da camisa de
forças de querer |
Ambições manter demais |
Sem meios de as
acolher. |
|
|
254 – Limites |
|
Reconhecer os limites |
Das ciências sociais |
Não quer que tu
te desquites |
Da verdade e
seus sinais. |
|
Quer apenas que conheças |
Que o comportamento humano |
Com metro outro
quer que o meças: |
As leis aqui
são de engano, |
|
Além de tendenciais, |
Valem por tempo finito, |
Não são nunca universais |
Nem para sempre
é seu fito, |
|
Buscar a verdade obriga |
A reconhecer
que os dados |
Pela teoria que
os liga |
São sempre influenciados. |
|
Só reconhecendo tal |
Manténs espírito crítico |
Que aqui
preserva o sinal |
Do método científico. |
|
|
255 – Busca |
|
A busca desenfreada |
Da própria satisfação |
Dizem que há-de
abrir a estrada |
Da festa à
melhor função. |
|
Porém, esta ideologia, |
Olhando bem seus contactos, |
Desmente-a no
dia-a-dia |
Todo o
turbilhão dos factos. |
|
Não é no melhor
dos mundos |
Que ela nos
leva a viver, |
É nos fojos
mais profundos |
Que encurralará quenquer. |
|
|
256 – Fundamentalismo |
|
Todo o fundamentalismo |
Implica algum postulado |
Místico e que
atrai o abismo |
Talqualmente o do mercado! |
|
Convicção levada a extremos, |
É crença na Perfeição, |
No Absoluto que queremos, |
Crer que em
tudo há solução. |
|
Conhecimento perfeito, |
Sem as dúvidas mortais: |
Deus teve o
primeiro preito, |
Tem hoje a
ciência mais, |
O marxismo
armou-lhe o jeito |
E matou tempo demais, |
Agora é o
mercado aceito |
Sem regras e
sem varais… |
|
Fundamentalismo é morte: |
- Eis-nos,
pois, jogada a sorte. |
|
|
257 – Dicotómico |
|
Todo o fundamentalismo |
Dicotómico é um juízo: |
Se algo como
erróneo crismo, |
Logo o inverso
há-de ter siso. |
|
A intervenção estatal |
É de efeitos negativos, |
Venha dum plano central |
Ou por sociais motivos. |
|
Como aqui se
anota a falha, |
Vão concluir
que o mercado |
Livre é o que
afinal nos calha |
De perfeição acabado. |
|
A lógica incongruência |
É no fundamentalista |
Falha de mais evidência |
Que outra
qualquer em que invista. |
|
|
258 – Pretendo |
|
A força
livra-me do que não quero, |
O que pretendo
a ideia no-lo atinge. |
Não se
equivalem, tal reflexo mero, |
Já que um não
ter, outro nenhum me finge. |
|
Quando uma
ideia vergar o sistema |
Anula a
restrição que ele me impõe |
Mais o que nele
constitui problema: |
Opções e
alternativas lhe propõe. |
|
Não há, sem
escolhas, erros; |
Sem erros não
há lições; |
Sem lições ficamos perros, |
Não há já
quaisquer tensões: |
Então, em nenhum momento, |
Terei desenvolvimento. |
|
O sistema é uma
criança, |
Recalcitra, derrotada, |
Mesmo quando, à semelhança, |
Lhe é benéfica
a jogada. |
|
Então a burocracia, |
Desestabilizadora |
Se se lhe
antolha uma via, |
Bem rápida se apavora, |
|
Só num equilíbrio estático, |
Num ambiente imutável, |
Cumpre o dever programático: |
Só o previsto
crê saudável. |
|
A criatividade muito implica |
Mas sobretudo
implica a produção |
Do imprevisto,
o que tudo significa |
Um surto
repentino, uma explosão |
Do desenvolvimento, de seguida, |
Como da
qualidade que há na vida. |
|
Não a força,
mas a ideia |
É que a vida
nos premeia. |
|
Burocracia, por ela, |
Mata a vida e
acende a vela. |
|
|
259 – Lição |
|
A lição dos dinossáurios |
É que a
enormidade é boa, |
Mas tamanhos arbitrários, |
Superabundância à toa |
De seja lá do
que for, |
Não é fatal ser
melhor. |
|
|
260 – Gente |
|
A gente pode crescer |
E ficar então maior, |
Mas sem se desenvolver, |
Como o que
atrasado for. |
|
O adulto se desenvolve |
Depois de não
crescer mais |
Mesmo se,
velho, isto envolve |
Encolher como jamais. |
|
Desenvolver é mental, |
É de dentro e
não de fora. |
Crescimento é corporal, |
Só no físico demora. |
|
Aquilo que nos importa |
É por dentro florescer, |
Que isto é que
nos abre a porta |
Ao porvir que
se escolher. |
261 – Surpresa |
|
Um exame é uma
surpresa: |
Um estudante não pode |
Utilizar, porque a lesa, |
O recurso que
lhe acode. |
|
Ora, o que eles
mais precisam |
De aprender é
que recursos |
Na vida mais se
utilizam, |
E de que jamais
há cursos! |
|
É que na vida
real |
As pessoas se avaliam |
Pelo trabalho em geral: |
Como é que os
recursos guiam |
Até o produto final. |
|
A escola, a uma
alienação |
Credita de educação! |
|
|
262 – Corrente |
|
É a vida a
corrente de água |
Formosa e convidativa, |
Pronta sempre,
a cada frágua, |
A engolir-me, divertida, |
Sem qualquer
mostra de mágoa. |
|
Não me entende
ou tão esquiva |
É dela própria
que trago-a |
Mas de
entendê-la me priva? |
|
|
263 – Satisfaz |
|
O trabalho
feito à mão |
Satisfaz vocações de alma, |
Quer ele tenha,
quer não, |
Qualquer relação vivida |
De ganhos com
ter a palma, |
Com ter de
ganhar a vida. |
|
O trabalho
feito em casa |
Tanto importa
como o emprego, |
O entretém que
nos apraza, |
Que mais de
alma à vocação |
Satisfaz, que
não lhe é cego, |
Pois nos dará o
coração. |
|
Hora ganha, hora perdida, |
Por aqui recebo mais |
Às vezes do que
jamais |
Do esforço em
ganhar a vida. |