QUARTO  ITINERÁRIO

 

 

GERMINAM  VIDA  NOS  BRAÇOS

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha aleatoriamente um número entre 189 e 263 inclusive.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

189 – Germinam vida nos braços

 

Germinam vida nos braços,

Moldando no tempo o ser,

As palavras que tiver

De pôr dentro dos compassos.

 

Então me lerão nos traços

O molde que se impuser

À estrutura de quenquer,

Tudo igual em iguais laços.

 

Talharei do ser a forma

Nas palavras que entalhar,

Poema tornado norma.

 

E o ser que sou, se calhar,

À poesia se conforma:

Sou verso, ao bem reparar.

 

 

190 – Autómato

 

Se autómato fora o homem

Como o comportamentista

Anda a querer que nos tomem,

Nem sequer tal cientista

Iria constar da lista.

 

Nem dá para refutar:

Ele é uma prova provada,

De tal jeito ao teorizar,

De que errou logo de entrada.

 

 

191 – Deprecar

 

Quem se recusa a apoiar

E defender um Estado,

A protecção deprecar

Dele depois, se calhar

Não pode: toma cuidado!

 

O anarquista, o pacifista,

Se alguém os quiser matar,

Como incluir este na lista

Do crime a que houver lugar

Se toda a vida afundaram

A bóia a que se agarraram?

 

- Nunca pode bater certo

Pôr longe o que se quer perto.

 

 

192 – Linguagem

 

Linguagem: mecanismo

Para exprimir pensamentos.

Quando, porém, nela cismo

Lá descubro os elementos

Dum inteiro catecismo

Onde só vira instrumentos.

 

Linguagem são pensamentos,

Pensamento é informação

Que tomou forma: os inventos

Da forma são linguagem.

Atinjo-lhe o coração

Quando assim completo a viagem.

 

Tem um corpo o pensamento:

O da palavra que invento.

 

Neste som vai mais que o vento,

Vão as sementes de mim,

Vai de mim todo o rebento,

Vou eu do princípio ao fim.

 

 

193 – Paralelos

 

A realidade e o desejo

São dois mundos paralelos

Que nunca têm ensejo

De entre si soldar os elos.

 

Tão impossível é unirem-se,

Muito embora seja a meta,

Como algum dia fundirem-se

Sombra e corpo que a projecta.

 

 

194 – Luzinha

 

Ser apóstolo ou apóstata

(E em todos moram os dois)

Pende da luzinha posta,

Algures, a meia encosta,

Surpreendida depois,

Lá na dobra do caminho,

Por quem caminhar sozinho.

 

Onde o luzeiro apontar,

A escuridão a que aponta,

Eis o rumo em que apostar,

Eis o roteiro que conta.

Seja ou não ele conforme

À velha fé que me informe,

Para o caso tanto monta.

 

 

195 - Picada

 

De muito passo miúdo

É feita cada picada

E de picadas que grudo,

Toda a largueza da estrada.

 

Sempre de pequenas contas

Se encadeia este rosário

Da vida que sobremontas,

De Calvário indo em Calvário.

 

E só no fim da cadeia,

Remontando de elo em elo,

Verás como a vida é cheia

Em seu vazio singelo.

 

 

196 – Sementeira

 

A sementeira dos bens

Do espírito são pobreza

E humilhação que reténs.

Sendo tu de ambos a presa,

Não adivinhas sequer

Qual mais duro é de roer.

Quão mais vazios os cofres,

Mais cheios de quanto sofres.

Quão maior a humilhação,

Mais, afinal, tens razão.

 

Quanto maior entre a gente,

Por mais pequeno perpassas,

Ignorado, indiferente

À multidão que enche as praças.

 

- Quem o devido salário

Te paga, te paga um dia

Neste mundo salafrário

Como se te deveria?

 

 

197 – Toque

 

O toque é tão basilar,

Tanto o quer o crescimento

Como requer mantimento

E ter onde se abrigar.

 

De aconchegos e carinhos

Entre uma mãe e a criança

Se alam asas pelos ninhos.

E o infinito isto alcança

 

Naquele aperto de mãos

Dum filho ao pai moribundo,

A tactear outros chãos,

Não deste, já doutro mundo.

 

Quando Deus estende a mão

E toca a mão estendida

Que do chão lhe estende Adão,

- É do toque o dom da vida.

 

 

198 – Pés

 

Se o cérebro é comandante,

O coração, bombeador,

O pulmão, respirador,

- Recorda-te, a cada instante,

Que atrás deles se recortam

Teus pés que tudo suportam.

Isto serve de medida

A tudo o que houver na vida.

 

 

199 – Milionário

 

Um milionário, seguro,

Tranca a porta do escritório,

Pisa a rua com apuro,

Ruma ao bólido do empório.

 

Dá, contudo, de repente,

Com um vulto de capuz,

De manto negro e corrente,

Cujo olhar cintila à luz.

 

O ricaço olha, irritado,

O encapuçado, surpreso.

Breve em pânico mudado

Fica o que sente tal Creso,

 

Pois que estivera a fixar

O rosto da morte e leu

Que, se lhe não escapar,

Morrerá. Logo entendeu:

 

Corre ao carro e o motorista

Manda para o aeroporto.

Freta um avião na pista,

Descola, de medo morto.

 

Uma noite voa inteira

E um helicóptero aluga,

Nas serras foge à clareira

Onde a andar quenquer se estuga.

 

Contrata, por fim, um guia

Que o leve a um vale distante.

Enquanto o sol lá nascia,

Na gruta que tem diante

 

Se esonde na escuridão.

“Nunca a Morte há-de encontrar-me

Aqui neste paredão!”

- Ri, saboroso e com charme.

 

Porém, logo um dedo ossudo

Nos ombros lhe toca leve.

“Parabéns!” – a voz de mudo

Da Morte lhe anota, breve.

 

“É que era nosso destino

Encontrar-nos nesta gruta

Hoje, ao alvor. Eu me inclino

À tua enorme labuta

 

Por, do outro lado do mundo,

Chegar a tempo – que sorte! –

A teu encontro fecundo

Finalmente com a Morte.”

 

 

200 – Caranguejos

 

Vê a caixa dos caranguejos,

Nunca precisa de tampa.

De saltar fora os desejos

Se algum levam pela rampa,

 

Logo os demais se lhe atracam,

Lançam-no outra vez abaixo.

- Más companhias atacam

E apagam do fogo o facho.

 

E pior é quando o mal

Ataca todo um país,

Como acaso em Portugal,

Sonho arrancado à raiz.

 

 

201 – Mente

 

Quem tem a mente fechada

Não tem a mente vazia,

Trancou-lhe a porta de entrada,

Não cresce mais hoje em dia.

 

Mente de quem principia,

De vazia e preparada,

Atende à voz do vigia

Em cada nova jornada.

 

Toda a possibilidade

Mora no principiante.

Do especialista, em verdade,

Já nada resta diante.

 

 

202 – Imateriais

 

As coisas de que gostaste

Foram sempre em demasia

Fantasmas imateriais,

Ideais em que penduraste

Chuva e sol de cada dia.

 

Sofres dos mesmos sinais

Da doença de que, infecundo,

Se anda a destruir o mundo.

 

 

203 – Letra

 

Fora a vida, em certas delas,

Como uma letra a vencer,

Sem furacões nem procelas,

Indiferente ao que houver,

 

Devagar, sem calafrios,

Como humana divindade

A ver esgotar-se os fios

Do prazo de validade.

 

Depois, a vida acabada,

Dos deuses fica uma estrada.

 

 

204 – Analfabeto

 

O que é ser analfabeto!

Bem via as coisas, bem via…

Não descobria correcto

Ao certo o que acontecia.

 

Sabia tudo, sabia

Só de abrir olhos e ver.

Porém, eis que me ocorria

Que não sabia saber.

 

Menino que come a fruta

E sabe o gosto que tem

Mas que, nele se matuta,

Não vê nunca donde vem.

 

Eu sei das coisas, eu sei,

Mas preciso de aprender

O porquê do que encontrei:

Só então é que vou saber.

 

 

205 – Acriançado

 

Todo o ser é acriançado

Para o adulto, dia a dia.

Mas o mundo haver olhado

Como a criança o faria,

Isto é já sabedoria.

 

 

206 – Valida

 

Quem invalidar a vida

É que as vidas não perdeu

De quem lhe a vida valida,

Senão via-a, de seguida,

Como uma prenda do céu.

 

Maravilha tão precária

Como crê-la secundária,

Como em cima pôr-lhe um véu?

 

 

207 – Mal-estar

 

Mal-estar adolescente

É não lograr esconder

O sentimento que sente

A quem ele o pretender

 

E ao invés não revelar

A quem busca que o conheça

O sentimento a lavrar

Um sonho que lhe amanheça.

 

Mal-estar adolescente…

- Não será que mais além,

Por dentro de toda a gente,

É o que ao fim todos contêm?

 

 

208 – Recente

 

És, como espécie, recente,

És muito novo, ignorante.

Tem cuidado, de repente

Numa verdade empolgante

 

Crês com toda a ingenuidade.

Vês depois que és enganado.

Doravante a realidade

Pode andar-te sempre ao lado.

 

Precisarás deste alerta

Sempre dentro da consciência.

E quem por norma o desperta

É a pegada da ciência.

 

 

209 – Crente

 

O crente diz: quero a regra

E não pensar mais no assunto.

Crendo então que assim se integra

No mundo inteiro por junto.

 

Quer a certeza absoluta,

Só que o mundo não foi feito

Com esta forma impoluta,

Vai-se apalpando e com jeito.

 

Não opera nem jamais

Desta maneira operou

Nem operará, que os sinais

São que incerto vais e vou.

 

Apenas, pois, poderemos

Apostar, não na verdade

De que ao fim pouco sabemos,

Mas na probabilidade.

 

O bem e o mal não são lemas,

São, antes de mais, problemas.

 

 

210 – Fonte

 

Tanto o Mar da Galileia

Como o Mar Morto igual fonte

Do Monte Hebron sempre cheia

Têm por trás do horizonte.

 

Por que é que só aquele é vivo?

Porque tem uma saída,

Açude convidativo

Das planícies para a lida:

 

As verduras do Jordão

Nele bebem para a rega.

No Mar Morto é que isto então

Nunca acontecer adrega.

 

E todos somos assim.

Uns obtêm para terem:

Como o Mar Morto, no fim,

Sem jamais acontecerem.

 

Obtém outro para dar,

Como o Mar da Galileia,

E o mundo vira um pomar

E há sempre festa na aldeia.

 

 

211 – Trás

 

Quando olhamos para trás,

Se esfuma ao longe a paisagem

Da vida que se desfaz

No tempo, em lenta viagem.

 

De entrada, desde o relvado,

À colina e à montanha,

Até ao longínquo prado,

- Mais longe, menos se apanha.

 

O que há mais tempo ocorreu

Não é nunca o que foi dantes,

Lento e lento se esvaiu:

- Nadas insignificantes…

 

Pior é que o que foi bom

Mais rápido se dilui

E o que rói o coração

É o mal que, sem solução,

Dele em pus eterno flui.

 

 

212 – Carácter

 

Teu carácter é o que resta

De holofotes desligados,

Dos aplausos terminados,

Quando ninguém diz se presta

A função de teus cuidados.

 

Carácter é o teu fazer

Quando só te resta ser.

 

 

213 – Nunca

 

Nunca o vi, ouvi falar.

Um eco ouvi, não o tiro.

Antes de a porta fechar

Não entro, por tal suspiro…

 

A vida é meia verdade

E, mesmo assim, persuade,

 

Só que nunca a porta aberta

Encontro que me desperta.

 

Que será que mora atrás

Do que, enfim, é tão falaz?

 

 

214 – Imprudente

 

O imprudente que a um ofício

Ou arte qualquer se vota,

Sem de vocação resquício

Para o que a função denota,

 

Só colhe, em toda a carreira,

Desengano e sofrimento.

Nada a terra nos joeira

De dificuldade isento,

 

Mas a vontade e o amor

Levam a saltar o muro

Que usa mísero se opor

Aos que fogem do monturo.

 

Quem o infindo adivinhado

Que o espírito executa

Nele não sente exaltado

É que seu deus não escuta.

 

Dele a faísca divina,

Então jamais avivada,

Sob as cinzas se amofina

E finda nele apagada.

 

 

215 – Cúmplice

 

O mundo que não é causa

De nenhum bem e, ao invés,

Cúmplice é de qualquer pausa

De desgraça e de revés,

 

Depois, despontado o mal

Que chocou maternalmente,

Renega-o, quando é real,

Dele se vinga, demente.

Quem no mundo se confia,

Como a palha em fogo vivo,

Se brilha vívido um dia,

De cinzas breve é motivo.

 

 

216 – Código

 

Que código, instituição

Evita o crime moral

Que mata, com arma não,

Com a palavra banal?

 

É o defeito da justiça:

Entre o povo e os de alta roda

A diferença que enguiça

Ninguém a vê nunca toda.

 

O povo é franco deveras,

Esta é hipócrita demais.

Ele é a faca das esperas,

Ela, a poção dos sinais,

 

Das palavras, das ideias.

Ele é morte de verdade,

Ela, no enleio das teias,

Sempre ao fim é impunidade.

 

 

217 – Produtivos

 

Produtivos mais seremos

Quando nós cooperamos

E demonstramos que temos

Pensamento positivo,

O empenhamento que damos

Quando uns com outros falamos

Não tem medos nem é esquivo,

Quando agimos com sentido

Na responsabilidade

E com imaginação.

 

O intelecto é comedido,

Requer outra faculdade

A dar conta da missão:

É o ser humano total

Com laços comunitários

E com vida emocional.

 

- Da História nos traços vários

É pela primeira vez

Que aparece à luz do dia

O Homem da cabeça aos pés

No centro da economia.

 

 

218 – Apego

 

Do apego à melancolia,

O bolor emocional,

Irei lento cada dia:

É minha alma que passeia

Nas veredas que tacteia

Dos vales que ela aprecia.

 

Se à melancolia não

Acolho atempadamente,

Dela mais fere o aguilhão,

Magoa então quem a sente.

É que lhe fechei a porta

E a mim a fechei talvez

Ao que mais fundo me importa,

O chão onde apoio os pés.

 

É que sempre a caminhada

Larga atrás minha pegada

 

E este bocado de mim

Ata-se-me até ao fim.

 

 

219 – Viagem

 

Sonhamos com a viagem,

Põe-se o barco a navegar.

Porém, desfeita a miragem,

Quem ao fim navega é o mar.

 

E nós, mirando o que esconda,

Vamos ao sabor da onda.

 

Tudo o mais é uma ilusão

De quem tem curta visão.

 

 

220 – Diário

 

Diário, migalhas de pão

Pelos trilhos da floresta

A jurar que me darão,

Perdido em teias no chão,

Retorno, ao fim, ao que presta.

 

 

221 – Barro

 

Qualquer homem, quando nasce,

Como o barro é maleável,

Antes que seque ele faz-se,

Enquanto for modelável.

 

Convém saber como e quando,

Porque depois… só quebrando!

 

 

222 – Luz

 

Se a luz vinda das estrelas

A quilómetros trezentos

Mil por segundo viajando

Leva a atingir-me as janelas

Milhões de anos de tormentos,

Como é que nossa alma e quando,

Da terra rompido o véu,

Consegue atingir o céu?…

 

- É a língua que é traiçoeira

Ou a nossa confusão

Não vislumbra outra maneira

Senão a de pôr-lhe um chão

Ao que em chão nenhum tem leira?

- Alma é ideia e coração,

Não tem de espaço menção.

 

 

223 – Motivação

 

Sempre automotivação

É a motivação inteira.

Família, chefe, colegas

Podem dar-me coração,

Que até que decidir queira

O que pretendo, ando às cegas:

Por mais que venha de lá,

Morrem todas as achegas,

Nunca nada ocorrerá…

Tudo me pende da mão,

Conforme meu sim ou não.

 

 

224 – Aprendiz

 

Aprendiz de feiticeiro,

Inunda-me a informação.

Para escapar do atoleiro

Só a vassoira resta à mão.

 

Uma informação de lixo,

Incapaz de responder

Às questões que há no meu nicho,

A nada serve a quenquer.

 

Acreditámos que, amiga,

A falta dela era dor

Mas dilúvio que fustiga

É veneno bem maior.

 

 

225 – Vencida

 

Uma cultura vencida

Pela informação que gera

A tecnologia mera,

Busca a cura, de seguida,

 

Na mesma tecnologia,

Quer dali orientação,

Sonho humano no desvão

Daquilo em que outrora cria.

 

Tirar da doença a cura,

Só quando a tenha em respeito.

- Como tê-la quando o peito

Me comeu e desfigura?

 

 

226 – Destrói

 

Um sistema imunitário

Destrói quanto é indesejado.

A sociedade é o traslado,

A triar, no curso vário

 

Dos renovos, o equilíbrio

Entre o velho e a novidade,

O sentido e a necedade,

Matando quanto é ludíbrio.

 

Instabilizada a vida

Com elos enfraquecidos,

É de a informação perdidos

Ver seus dados, na medida

 

Em que perde a utilidade

E é fonte de confusão.

E a coerência já não

Nos vem de tal entidade.

 

Então a comunidade

Tem de podá-la, premente,

Não fique de garra assente

Nas gargantas que ela invade.

 

 

227 – Teorias

 

A função das teorias

É supersimplificar

Para os crentes ajudar

A organizar, ponderar,

Excluir de suas vias

Dados que são fantasias.

 

Daí lhes vem o poder

Como igualmente a fraqueza.

Ferida do que despreza,

Qualquer dado externo entesa

A besta que a vai fender

E a teoria vai morrer.

 

No trajecto percorrido

Perdeu de vez o sentido.

 

 

228 – Burocracia

 

Deixou a burocracia,

Serva das instituições,

De as servir, já que hoje em dia,

É senhora dos patrões.

 

Agora já não resolve

Os problemas, pois os cria.

Quanto mais neles se envolve

Mais por ela os principia.

 

E, dela na perspectiva,

São, à primeira evidência,

Jamais a angústia que eu viva,

Só eficácia, eficiência.

 

 

229 – Burocrata

 

A palavra burocrata

Passou a significar

Quem sofre da malapata

De o que é humano descurar.

 

Por inteiro é indiferente

Ao conteúdo no total

Do problema que alguém sente,

Não vê nele o bem e o mal.

 

O que implica a decisão

Apenas pesa à medida

Em que afecta a operação

Eficaz com que ele lida.

 

A responsabilidade

Não assume pelo efeito

Que tem sobre a humanidade

Aquilo que toma a peito.

 

Quando Eichmann foi acusado

De ter sido um genocida,

Diz que dum a um outro lado

Só levou gente com vida.

 

A razão da transferência,

Irem ser exterminados,

Não é de sua pendência:

“Vão jogá-la nos culpados!

 

Não sou eu o responsável

Pelos efeitos humanos

De ser, enfim, tão prestável,

Para que não haja danos.

 

Eu só posso responder

Pela eficácia do canto

Em que luto por manter

Sempre a postos o que implanto!”

 

 

230 – Estetoscópio

 

O estetoscópio difunde

Duas ideias-padrão:

Doravante não confunde

Doença e doente, não.

 

Medicina trata doença,

Não mais importa o doente.

E o que este sabe é sentença

Irrelevante, que assente

 

É o que a máquina disser.

- E ninguém repara que isto

Leva o mundo a adoecer

Muito mais do que o previsto.

 

 

231 – Termóstato

 

Um termóstato acredita

Nestas três coisas, enfim:

O calor que aqui crepita,

O frio que além palpita

E que bom agora assim!

 

A crença deixou de ser

Vivência de intimidade,

É só quanto alguém fizer,

De exterior opacidade.

Ideias ter, em verdade,

É revelá-las quenquer.

 

Metáfora enlouquecida,

De à máquina semelhantes

Passámos, após instantes,

A ser máquina à medida.

E a máquina, de seguida,

É o ser humano que dantes

A criava, impunha a brida.

 

Como se uma imitação

Fora acaso o original!

Imitar tira a lição,

Não duplica nem é igual.

 

A máquina nunca sente,

É incapaz de compreender,

Nem sabe de bem ou mal…

- Que intimidade presente,

Que vive dentro quenquer,

Nos confundiu no sinal?

 

 

232 - Singular

 

O que torna singular

A mente é o significado,

Não a pronúncia a lhe dar

Nem a permuta do dado.

Significado contém

Sentimentos e vivências,

Experiências, valores,

Que não podem e não têm

Símbolos para as essências

Que caldeiam, interiores.

 

A máquina é criatura

Que não faz significados

(Só o sentimento os depura)

Que a compreensão figura

Depois em quaisquer traslados.

 

A máquina nem dá fé

De que o ser humano é!

 

 

233 – Panaceia

 

Qualquer Universidade,

Partido ou religião,

Tribunal, nova gestão,

Não mudam de identidade

Pela automatização,

Panaceia que os invade.

 

Tornam-se mais imponentes,

Mais acaso autoritários…

- Mas os defeitos presentes

Nos modelos arbitrários,

Nas ideias lá vigentes,

Nas teorias assentes

E nos juízos primários

Mantêm-se independentes.

 

O computador não sabe

Que rumo certo lhes cabe.

 

 

234 – Língua

 

Toda a língua é ideologia,

Diz-nos o nome das coisas

Mais de que lado é que as poisas:

Dum sujeito ou dum objecto.

 

Depois, como se filia

Tudo aquilo e com que laços

Se tecem tempos e espaços

E, nisto, com que trajecto.

 

Na gramática há sujeitos

Agindo sobre os objectos:

São agressivos trejeitos

Num mundo que busca tectos.

 

Isto dificulta a vida

Aos que benigno pensar

Querem o mundo em seguida:

Tudo se anda a defender

E tudo corre a atacar…

 

A língua molda quenquer:

Não é neutra, põe as baias

Donde não há como saias.

 

 

235 – Nota

 

Um aluno é mais esperto

De escolha múltipla em teste

Do que num que seja aberto

Ou que incompleto se preste

 

A desvendar-lhe o vazio

- Embora a mesma matéria

Seja em todos desafio

Igual para nota séria.

 

A mais simples das perguntas

Não é, não pode ser nunca

Imparcial: nela juntas

Um pendor com que se junca

 

O terreno do real.

A resposta que alguém der

É-lhe induzida, afinal,

No foco que lhe impuser.

 

 

236 – Pergunta

 

A pergunta é um mecanismo

Que orienta o pensamento:

Gera ideias com que cismo,

Venera o antigo alimento,

Expõe factos sei lá onde

E o facto é que outros esconde…

 

- E depois ainda acredito

Que é neutral quando a medito!

 

 

237 – Inteiramente

 

A tecnocracia quer

Inteiramente objectiva

A ciência em que ela crer.

A qualquer ética esquiva

E perdida a tradição,

A fonte de autoridade

Procura em nervoso afã

Em tudo o que lhe for chão:

Então objectividade

Na estatística malsã

Devém o seu novo credo.

Somos números na lista:

- Mete medo, mete medo

Quem é tão curto de vista!

 

 

238 – Opinião

 

A opinião é um processo,

Não é coisa momentânea,

Contínuo acolher que meço

Por questões em que tropeço,

A discussão coetânea

Mais o debate constante…

 

Uma pergunta convida

A uma opinião no instante

Em que a muda, como a vida,

E a reformula adiante.

 

Não há nunca opinião,

Há o caminho de opinar,

O mais é ter a ilusão

De parar o que anda a andar.

 

A sondagem não diz isto,

Sempre esconde o itinerário,

Dá-nos um falso registo,

Vida em molde funerário.

 

 

239 – Preferência

 

À opinião, preferência,

Um artista criativo

Nunca fica indiferente

Quando é de sua audiência,

Aquela que o mantém vivo

Sobre a crista do presente.

 

Se para o público escreve,

Dele para aprovação,

Também a si próprio deve

O prazer da criação,

Porque tem algo a dizer,

Mesmo que o leitor não fique,

Não queira, nem acredite

Que tem algo para ler.

 

Se ficar só a deferência,

Como querem as sondagens,

Do público à preferência,

No escritor mudam triagens:

Que a literatura agrade

Apenas a uma audiência

E eis que a criatividade

Jamais se mantém na lista

Das facetas dum artista.

 

 

240 – Patrão

 

O problema com a língua

É aquele que sempre foi:

Quem é que vai ser patrão?

Controlamo-la ou, à míngua

De nossa lei que a constrói,

Vai ela ter-nos à mão?

 

Duma técnica o problema

É que ela triunfe tanto

Que intocável, por encanto,

Devenha ao fim por sistema

E outros meios, impossíveis

Se tornem, por mais credíveis.

 

A técnica a funcionar

Tende independentemente

Do sistema onde operar,

Um robô que, de repente,

Reivindica em seu abono

Não obedecer ao dono.

 

 

241 – Pesquisa

 

Ao contrário da ciência,

A pesquisa social

Só nos descobre a evidência

Do que era em norma banal.

 

A maior utilidade,

Ao não adiantar nada,

É que tal banalidade

Importa ser recordada.

 

 

242 – Tecnocrata

 

Tecnocrata é quem prefere

Conhecimento preciso

Àquele que é verdadeiro.

E pretende resolver,

De vez e sem mais aviso,

O doentio atoleiro

Do que é subjectividade,

Ao chamá-la à puridade.

 

Da máquina na cultura,

Em que tudo é impessoal

E repetitividade

E o modelo se afigura

Um instrumento real

De progresso enquanto agrade,

Deveras é inaceitável

Do sujeito a variedade.

 

De facto, a diversidade

Numa lista interminável,

Do juízo a ambiguidade

Que marcam quanto é humano

São da técnica inimigas:

A estatística é um engano

E às sondagens faço figas,

Os testes padronizados

São erros encapotados,

Por fim as burocracias

São só teias e manias!

 

- Como vinga o tecnocrata

Senão se tudo em nós mata?

 

 

243 – Teia

 

Produtor-consumidor,

Nua teia racional,

Ambos pesam o valor

Que o produto tem final.

 

Porém, à publicidade

Que é que lhe importa o produto?

Quer antes, com olho astuto,

Desvendar a identidade,

Tocar o consumidor;

As imagens dos artistas,

De atletas, de lindas vistas,

Dum prato a apurar sabor,

- Não dizem nada, em rigor,

Do que, afinal, é o produto

Que nos querem impingir.

 

É dos sonhos de porvir,

Dos medos de cada luto,

Das vaidades que nos falam:

Afagam que se regalam

Os que poderão comprá-lo,

Da vida num intervalo,

Ao produto que, afinal,

Quase nem deixa sinal!

 

O anunciante precisa,

Não do que é bom no produto,

Mas do mal do comprador.

O valor do bem desliza

Para fora, o que entra em bruto,

Vindo-se-lhe contrapor,

Ao consumidor traz gozo:

Fá-lo sentir valioso!

 

- O mercado é a fantasia

Duma psicoterapia.

 

 

244 – Contexto

 

A técnica jamais pode

Ser tida por natural,

É um produto, embora ideal,

Dum contexto que lhe acode.

 

É sempre, em particular,

Política, economia,

Tem um programa a gerar,

Agenda e filosofia

Que nos podem melhorar

Ou piorar cada dia.

 

Requer análise, crítica,

Um controlo atento e justo.

Sempre estranha, não é mítica,

E a prova é que tem um custo,

Não é nunca inevitável,

Ser natural é inviável…

 

Técnica a cuidado obriga:

- Muito tem que se lhe diga!

 

 

245 – Falibilidade

 

Falibilidade informa

Que a percepção que teremos

Deste mundo em que vivemos

É imperfeita em fundo e forma.

 

Reflexividade indica

Que o pensamento influencia,

Activo, eventos e via

Em que cada qual se aplica.

 

Então, quando em tal pensamos,

Reparamos que mudou

E com tudo isto me vou

Mudando em múltiplos ramos.

 

Porque há sempre divergência

Entre o real e a percepção,

Entre ambas este desvão

Modela à história excrescências.

 

Ninguém detém a verdade,

É o que implica ser falível.

- Como é que não persuade

Quem comanda e é tão risível? 

 

 

246 – Mundos

 

Pensamento e realidade

São mundos independentes

E, de raiz, divergentes,

Por mais que busque a verdade.

 

Mas, quando um participante

Entre os dados do real

Um ente for que é pensante,

Fará parte aglutinante

Do que pensa enquanto tal.

 

Errado é não distinguir

O real e o pensamento

E é um erro um compartimento

Em cada qual presumir.

 

Pensar tem dupla função:

Nota o que quer entender,

Fora olhando em contenção,

E age na modelação

Do mundo em que intervier.

 

Não basta o dado exceder

O metro da medição,

Este é dele ainda porção…

- Como ao fim certo entender?

 

 

247 – Afirmação

 

A afirmação verdadeira

É a que corresponde ao facto.

Se neste a mente emparceira,

Jamais o facto se abeira

Do que sem tal era o pacto:

Já não corre independente

Do que dele pensa a mente.

 

O impacto reflecte adiante

O crer do participante.

 

Um critério independente

Os factos já não serão

Do que é uma verdade assente

De qualquer afirmação.

 

 

248 – Auto-referente

 

A frase auto-referente

Acaso é insignificante,

Fala o mesmo atrás e adiante,

Fora o dado mora ausente.

 

Liga a reflexividade

O pensamento que tenho

Ao dado da realidade,

Novo dado então advenho.

 

Longe de insignificante,

A frase cuja verdade

Se indetermina constante,

Que a mente o real invade,

 

No-lo transmuda à medida,

É mais significativa

Que aquela em que é conhecida

Quanta verdade me arquiva.

 

Estas a compreender

Me ajudam o que é que temos,

Aquelas moldam o ser

Deste mundo em que vivemos.

 

 

249 – Critério

 

Factos necessariamente

Um critério de verdade

Não nos dão independente

Quando o agir nosso os invade.

 

Corresponde a mente ao dado,

Porém, de duas maneiras:

Afirmações verdadeiras

Ou então, por outro lado,

 

Exercendo todo o impacto

No fluir do próprio facto.

 

Correspondência não é

Garante a manter de pé:

 

A declaração política

E a previsão económica

O flanco aqui dão à crítica

E a gralha delas é cómica!

 

 

250 – Reflexivo

 

Num modelo reflexivo

Nem o pensar nem as coisas

Incólumes ao que é vivo

Permanecem onde os poisas.

 

Mesmo que a interpretação

Fora correcta de início,

Logo após tem um senão,

Do acerto ao fim, nem resquício.

 

Toda a construção humana

Padece duplo defeito:

No dado sempre se engana

E o tempo após varre a eito.

 

 

251 – Quântica

 

Uma quântica partícula

Tem fatal comportamento.

Veja-o eu em tal quadrícula

Ou não, sempre sopra o vento.

 

No ser humano, contudo,

A teoria influencia

E as convicções, sobretudo:

Nada vai como antes ia.

 

Nas ciências naturais

A teoria não consegue

Mudar os dados reais

Que nas sociais persegue.

 

Acresce aqui o elemento

Adicional de incerteza

Com que jamais me atormento

Nos rostos da natureza.

 

 

252 – Fracasso

 

Do cientista social todo o fracasso

Diverge do fracasso do alqimista:

O deste foi total em todo o passo,

O daquele, a ciência tendo em vista,

 

Usurpa a autoridade que ela tem

E logra produzir um largo impacto

Social e político também.

A atitude das gentes, sendo um facto,

 

Não é regida pela realidade:

Nela influir é fácil com teorias.

Destas na natureza a validade,

Primeiro que a eficácia, garantias;

 

Em questões sociais como políticas,

As teorias irão gerar efeitos

Sem serem validadas por verídicas.

A alquimia falhou os altos feitos,

 

Pois nunca teve da ciência o fruto.

A ciência social, a de hoje em dia,

Dos êxitos recolhe um usufruto

Como deveras sendo uma alquimia.

 

 

253 – Estatuto

 

O estatuto das ciências sociais

Não pode às naturais equiparar-se,

Primeiro por só ter leis tendenciais,

Depois por todo o dado ser disfarce

Do sujeito a escapar dentre os varais.

 

Acolhê-lo impediria

Que dos adornos alheios

Se enfeitara em fantasia

E livrara-o dos arreios

Só doutra parelha guia.

 

E não impediria tentativas

De atingirmos as leis universais

Mas moderava, enfim, expectativas

Dos resultados a alcançar finais.

Podia enfim mostrar o quanto esquivas

 

São as nossas fronteiras do saber,

Libertando as ciências sociais

Da camisa de forças de querer

Ambições manter demais

Sem meios de as acolher.

 

 

254 – Limites

 

Reconhecer os limites

Das ciências sociais

Não quer que tu te desquites

Da verdade e seus sinais.

 

Quer apenas que conheças

Que o comportamento humano

Com metro outro quer que o meças:

As leis aqui são de engano,

 

Além de tendenciais,

Valem por tempo finito,

Não são nunca universais

Nem para sempre é seu fito,

 

Buscar a verdade obriga

A reconhecer que os dados

Pela teoria que os liga

São sempre influenciados.

 

Só reconhecendo tal

Manténs espírito crítico

Que aqui preserva o sinal

Do método científico.

 

 

255 – Busca

 

A busca desenfreada

Da própria satisfação

Dizem que há-de abrir a estrada

Da festa à melhor função.

 

Porém, esta ideologia,

Olhando bem seus contactos,

Desmente-a no dia-a-dia

Todo o turbilhão dos factos.

 

Não é no melhor dos mundos

Que ela nos leva a viver,

É nos fojos mais profundos

Que encurralará quenquer.

 

 

256 – Fundamentalismo

 

Todo o fundamentalismo

Implica algum postulado

Místico e que atrai o abismo

Talqualmente o do mercado!

 

Convicção levada a extremos,

É crença na Perfeição,

No Absoluto que queremos,

Crer que em tudo há solução.

 

Conhecimento perfeito,

Sem as dúvidas mortais:

Deus teve o primeiro preito,

Tem hoje a ciência mais,

O marxismo armou-lhe o jeito

E matou tempo demais,

Agora é o mercado aceito

Sem regras e sem varais…

 

Fundamentalismo é morte:

- Eis-nos, pois, jogada a sorte.

 

 

257 – Dicotómico

 

Todo o fundamentalismo

Dicotómico é um juízo:

Se algo como erróneo crismo,

Logo o inverso há-de ter siso.

 

A intervenção estatal

É de efeitos negativos,

Venha dum plano central

Ou por sociais motivos.

 

Como aqui se anota a falha,

Vão concluir que o mercado

Livre é o que afinal nos calha

De perfeição acabado.

 

A lógica incongruência

É no fundamentalista

Falha de mais evidência

Que outra qualquer em que invista.

 

 

258 – Pretendo

 

A força livra-me do que não quero,

O que pretendo a ideia no-lo atinge.

Não se equivalem, tal reflexo mero,

Já que um não ter, outro nenhum me finge.

 

Quando uma ideia vergar o sistema

Anula a restrição que ele me impõe

Mais o que nele constitui problema:

Opções e alternativas lhe propõe.

 

Não há, sem escolhas, erros;

Sem erros não há lições;

Sem lições ficamos perros,

Não há já quaisquer tensões:

Então, em nenhum momento,

Terei desenvolvimento.

 

O sistema é uma criança,

Recalcitra, derrotada,

Mesmo quando, à semelhança,

Lhe é benéfica a jogada.

 

Então a burocracia,

Desestabilizadora

Se se lhe antolha uma via,

Bem rápida se apavora,

 

Só num equilíbrio estático,

Num ambiente imutável,

Cumpre o dever programático:

Só o previsto crê saudável.

 

A criatividade muito implica

Mas sobretudo implica a produção

Do imprevisto, o que tudo significa

Um surto repentino, uma explosão

Do desenvolvimento, de seguida,

Como da qualidade que há na vida.

 

Não a força, mas a ideia

É que a vida nos premeia.

 

Burocracia, por ela,

Mata a vida e acende a vela.

 

 

259 – Lição

 

A lição dos dinossáurios

É que a enormidade é boa,

Mas tamanhos arbitrários,

Superabundância à toa

De seja lá do que for,

Não é fatal ser melhor.

 

 

260 – Gente

 

A gente pode crescer

E ficar então maior,

Mas sem se desenvolver,

Como o que atrasado for.

 

O adulto se desenvolve

Depois de não crescer mais

Mesmo se, velho, isto envolve

Encolher como jamais.

 

Desenvolver é mental,

É de dentro e não de fora.

Crescimento é corporal,

Só no físico demora.

 

Aquilo que nos importa

É por dentro florescer,

Que isto é que nos abre a porta

Ao porvir que se escolher.

 

 

261 – Surpresa

 

Um exame é uma surpresa:

Um estudante não pode

Utilizar, porque a lesa,

O recurso que lhe acode.

 

Ora, o que eles mais precisam

De aprender é que recursos

Na vida mais se utilizam,

E de que jamais há cursos!

 

É que na vida real

As pessoas se avaliam

Pelo trabalho em geral:

Como é que os recursos guiam

Até o produto final.

 

A escola, a uma alienação

Credita de educação!

 

 

262 – Corrente

 

É a vida a corrente de água

Formosa e convidativa,

Pronta sempre, a cada frágua,

A engolir-me, divertida,

Sem qualquer mostra de mágoa.

 

Não me entende ou tão esquiva

É dela própria que trago-a

Mas de entendê-la me priva?

 

 

263 – Satisfaz

 

O trabalho feito à mão

Satisfaz vocações de alma,

Quer ele tenha, quer não,

Qualquer relação vivida

De ganhos com ter a palma,

Com ter de ganhar a vida.

 

O trabalho feito em casa

Tanto importa como o emprego,

O entretém que nos apraza,

Que mais de alma à vocação

Satisfaz, que não lhe é cego,

Pois nos dará o coração.

 

Hora ganha, hora perdida,

Por aqui recebo mais

Às vezes do que jamais

Do esforço em ganhar a vida.