Escolha um número aleatório entre
332 e 383 inclusive.
Descubra o poema correspondente
como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
332 – Do que deviria |
|
Do que deviria |
Entalharei |
No verso a nova
grei |
Que o pendão
levantar duma utopia. |
|
A magia |
Do novo mundo
que não sei |
Na semente regarei |
Que o prometa
em qualquer via. |
|
Suspeito que vou |
Manquejando em
verso a vida quanto a sou |
Neste rumo a
uma terra nunca havida. |
|
Vivo enquanto |
Nem imagino que descanto |
A fortuna a
jogar-me desmedida. |
|
|
333 – Imprevisto |
|
O imprevisto |
Pode ser divertimento, |
Porventura aduba o espanto. |
Será um erro
quando insisto, |
Momento a momento, |
Nos mesmos
indivíduos, no mesmo recanto… |
|
Caminhar todos os dias |
Pelas mesmas frontarias |
Acaba por esmorecer |
Delas todo e qualquer |
Encanto. |
|
O pranto |
Da vida |
É exorcisado à medida |
Da nova melodia
que nela implanto |
E canto. |
- Aí vou encontrando saída. |
|
|
334 – Feérico |
|
Darás o
espectáculo feérico e apaixonado |
Duma vida |
Talhada à medida |
Do infinito |
E, pouco a
pouco, bocado a bocado, |
Restringida |
A quase nada. |
|
Do nobre fito |
Fica-te a noite
assombrada, |
Mais e mais desviada |
Daquele esplêndido quesito |
A que devera
ser votada. |
|
Fica teu grito |
Na estrada. |
Solitário. Finito. |
|
|
335 – Tiroteios |
|
Os dois campos inimigos |
Um do outro os
tiroteios |
Não vêem dos abrigos. |
Crê cada qual
que apenas ele tem os meios, |
Argumentos, |
Direitos e armamentos |
Para levar de
vencida o rival. |
|
Quando percebemos |
Que é tudo igual, |
Anulam-se os extremos: |
Deixas de
admirar o atirador, |
De desprezar o alvejado, |
Ambos são um e
outro, conforme o lado |
Que queiras expor. |
|
Aqui principia |
A sabedoria. |
Se queres sábio
vir a ser |
Com uns e
outros hás-de romper |
Definitivamente: |
- Outra será tua frente. |
|
|
336 – Salto |
|
Darás um salto, |
Abraçarás e
beijarás tua mãe, |
Correrás feito
cachorro por todo o planalto, |
Pincharás as
pedras de basalto, |
Colherás a
papoila e a cecém. |
|
Gritarás de alegria, |
Menos da
alegria do passeio |
Ou da colheita
do dia, |
Antes da
felicidade que te expandia, |
A jorrar-te do
seio. |
|
A vida a alastrar |
Sem culpa nem delito, |
Para além da
floresta, do céu, do mar, |
A abraçar o infinito. |
|
Bem gostarias, |
Nulo |
Como te
encontras em tuas vias, |
Bem gostarias |
De atingir o
Além num pulo! |
|
Eterna criança |
Sempre em busca
do que jamais alcança… |
|
|
337 – Lodo |
|
Se cai no lodo
o que queres, |
Seja embora abismo negro, |
Vai salvá-lo,
mal puderes. |
Se te perderes, |
Não serei eu
que me alegro, |
Serás tu, por o
fazeres: |
Crescerá nédio |
E tanto vive |
O sonho a que
serves de remédio |
Que a ti
próprio sobrevive. |
|
|
338 – Gólgota |
|
Quem teria imaginado |
Que o Gólgota deviria |
Tão grande pelo
mundo desdobrado? |
Se do Amazonas
a bacia |
Soubera do fio
de água da nascente |
Decerto desistiria, |
Da imensidão temente |
Que atingir jamais creria. |
|
De ser homem o
segredo |
É que a luz
irradia, |
O som se expande, |
E tudo o que é
grande, |
A medo |
No zero principia, |
Como um grito |
De quebrada em quebrada, |
- E corre do nada |
Ao infinito. |
|
|
339 – Amarras |
|
Quantas vezes na vida |
Não temos
coragem de cortar |
Amarras que, de seguida, |
Nos impedem de avançar, |
Ir por diante! |
Para cada despedida |
Quanta noite hesitante! |
|
E quantas vezes
este corte |
É o gesto que
separa |
A vida da morte! |
|
Como a Vida é
rara! |
|
|
340 – Vã |
|
Não te iludas, amanhã |
Irás ter um dia
a mais |
E um a menos
que viver. |
É vã |
A espera de
alguns sinais |
Que isto venham inverter. |
|
Adiamentos |
Serão sempre uma ilusão, |
Não serão fim
dos tormentos. |
|
O tempo foge. |
Não, |
Não percas o
dia de hoje! |
|
|
341 – Neura |
|
Ao pensar no futuro |
Ficas neura, ficas? |
Deixa-te disso,
faz um furo |
Na lata de sumo
e vê se te aplicas |
A descascar laranjas, |
A esfregar o chão… |
|
- Verás como arranjas |
Outro coração! |
|
|
342 – Aguilhões |
|
Sofrimento e morte |
São aguilhões do futuro, |
Minha sorte |
E meu seguro. |
|
Quantos sofrem, quantos? |
Pouco importa isto sequer, |
Mas apenas ver
que tantos |
Não sabem como sofrer.. |
|
É que a dor |
É mera carta patente |
Para, queira ou
não queira, se propor |
Cada qual fugir
em frente, |
|
Ao tentar ultrapassá-la. |
É minha lei |
Que mais alguns
degraus treparei |
Na escala |
Cujo termo nunca alcançarei. |
|
Minha mala, |
Porém, já aviei. |
Para onde, |
De tanto que o
porvir se esconde, |
Nnca saberei. |
|
Nenhum roteiro se aluga, |
Nenhum guia
traz a cura |
Nos trilhos de fuga |
Desta aventura. |
|
343 – Lembrados |
|
Somos todos diferentes, |
Sempre embora semelhantes |
E o que sentes |
Cruza os homens
e os instantes. |
|
Morrem por ser
sempre iguais |
Muitos por
todos os lados: |
O que ao fim os
mata mais |
É jamais serem lembrados. |
|
Por dentro ali morrerás… |
Um amor de imitação, |
De desejos incapaz, |
Não te traz recordação. |
|
Não pedes que
te deseje, |
Tudo o que lhe
vais pedir |
Nem sequer é
que te beije, |
É que te lembre
a seguir… |
|
Ser lembrado, na verdade, |
Inaugura a eternidade |
Tal qual, à tua
medida, |
Pode aqui ser perseguida. |
|
|
344 – Acima |
|
Acima do velho
Deus da vingança, |
Do novo Deus do
perdão, |
Vem o Deus da
aceitação, |
O Deus do amor
que alcança |
O perdão suplantar, |
O Deus que
nunca ouviu, |
Nem falou, nem viu |
Do Mal a figura
singular |
- Porque o mal
nunca existiu! |
|
Como é que
ainda ninguém conseguiu |
Disto falar? |
- Que vazio |
Nesta falta de lugar! |
|
|
345 – Pai |
|
Um pai é sempre
aquele |
Que espera dos
filhos, cada dia, |
Que tão bons
sejam, dentro e fora da pele, |
Como ele ser pretenderia. |
|
Como o tempo
lhe devém escasso |
Neles cultiva a glória |
Da vitória |
Contra o próprio fracasso. |
|
Mais que pai |
Ele é também, |
Para o filho
que pelo mundo vai, |
- Um sonho de além. |
|
|
346 – Estilhaçar |
|
Que fácil
estilhaçar a história, |
Quebrar da memória |
A cadeia, |
Destruir o
fragmento de sonho |
Transportado |
Com cuidado |
Pela ameia |
Da vida, a
qual, mal a transponho, |
Logo na aresta
o quebra e aplana |
Como um vaso de
porcelana! |
|
Deixar existir o sonho, |
Partir com ele
à aventura |
É o mais
difícil, suponho, |
De quanto em
nós se depura |
Para, ao fim,
tomar figura |
O pouco de céu
de que disponho. |
|
|
347 – Exploram |
|
Os homens exploram |
Para descobrir. |
Descobrem que ignoram |
Só para adquirir |
Mais conhecimentos. |
Um outro saber ganha |
Melhoramentos |
Ao que dia a
dia se apanha. |
|
Para além dos horizontes |
Que a vista
corrente alcança |
Cria a
humanidade as pontes |
Por onde a
História lhe avança. |
|
Culturas que se fecharam |
Sobre seu próprio horizonte |
Não avançam, já secaram |
De qualquer
porvir a fonte. |
|
Se hoje olhamos
para o espaço |
É que nele, ao
infinito, |
Prolongamos nosso traço |
Da libertação no fito. |
|
|
348 – Árvore |
|
Religiões, artes, ciências |
Todas são
diversos galhos, diversos ramos |
Da mesma
imensurável árvore da floresta |
Das paciências |
Da vida. Árvore
de escapar aos amos, |
Rumo à
liberdade, à festa |
Que algures por
nós espera… |
…Só não sabemos
em que era! |
|
- Mas cá vamos, adiados, |
Sempre a juntar
os bocados. |
|
|
349 – Ardes |
|
Queres não
sabes o quê |
E ardes por te
dedicar |
Não descortinas a quem… |
Sê |
O eterno
adolescente ao luar |
Que te convém! |
|
Assim |
Te irás descobrindo |
Neste ir indo,
neste ir indo |
Até ao fim… |
|
Assaz |
Te descobrirás |
Na leveza de
tal desporto, |
Ao ires, ires, ires, |
- Para te não descobrires |
Antecipadamente morto. |
|
|
350 – Excitar |
|
Excitar |
Ao que quer
sentir a multidão |
Em lugar |
De a conduzir
pela mão |
Ao que deve sentir, |
É condescender |
Em liquidar o porvir |
Em quenquer. |
- E eis como
perdemos pé no chão. |
|
|
351 – Estético |
|
Nenhum prazer
estético é transitório, |
Que a marca
imprime eterna |
De energias
ocultas num envoltório |
Cujo raio fende
a caverna |
Que me estreita. |
E ninguém pode calcular |
O horizonte
onde vai dar |
A brecha que
desde então dali me espreita. |
|
É um estranho grito |
A chamar-me do
infinito. |
|
|
352 – Lábil |
|
Em mãos de
escultor hábil |
Não há qualidade |
Que, bem desenvolvida, |
Não sufoque, lábil, |
Os defeitos duma mocidade |
Quando ama, decidida. |
|
O problema |
É quando o
mestre não atrema |
|
Ou quando o sentimento |
É um viravento |
|
Ou quando
ambos, por junto, |
Nem chegam a
ser tema de assunto. |
|
Então é a queixa |
De que para o
porvir já não resta qualquer deixa. |
|
|
353 – Finalidade |
|
Do mundo a finalidade |
É morrer: |
A vida é uma
condenação |
À morte. |
Por que se
há-de |
Viver |
Então? |
É uma sorte |
Sair do nada
para entrar no nada, |
Como quem perde
uma estrada |
Por falta de transporte |
Mal ela foi encontrada?! |
|
E, contudo, |
Gostamos da caminhada! |
É um entrudo? |
- Ou uma largada |
Para tudo? |
|
|
354 – Fotografia |
|
Fotografia |
É na linha do
horizonte |
Pôr cabeça e coração |
E os olhos na
fantasia |
De criar ali a
ponte |
Que os tempos
todos à mão |
Nos venha a pôr
qualquer dia. |
|
É fantasia, senão |
Aquilo que o
dedo aponte |
Tanto o estica
de verdade |
Que um dia
perfura a fonte |
E é no tempo a
eternidade. |
|
355 – Derramado |
|
Quanto sangue derramado |
Esterilmente, |
Quantos séculos de contado |
E a miséria
sempre à frente! |
|
Milénio a
milénio, a mesma escolha |
Para o mesmo resultado: |
Guerra ao rico
do pobre para recolha… |
E o fim sempre
gorado! |
Quando o
marulho da utopia |
Apenas o conciliaria |
A mútua entreajuda, |
Único cimento
que, de verdade, |
Gruda |
Pobreza e felicidade. |
|
Traduz a fraternidade |
Para o homem do
trabalho |
A felicidade. |
|
De material o
que valho, |
O labor o cria. |
Sem ao rico surripiar, |
Que ser
invejoso e avaro |
A ninguém serve
de amparo. |
A mais-valia |
Vem de quanto partilhar. |
|
A maior sabedoria |
É a de amar. |
|
|
356 – Bomba |
|
A educação |
É uma bomba retardada, |
Em sala de aula
montada, |
A fim de
explodir mais tarde, |
Em adequada e
propícia ocasião. |
|
Não é raro, sem
alarde, |
Darmos com uma espoleta |
Educacional |
Dezenas de anos
à espreita |
Do momento ideal. |
|
E a acção retardada |
Inaugura então nova madrugada. |
|
|
357 – Palavra |
|
A palavra é o
poder gémeo |
Que o Deus e o
Homem partilha: |
Venera-o, teme-o, |
Que és barco de
que ele é quilha. |
|
|
A queda dos
impérios a palavra liberta |
E os homens
duma errada servidão. |
Desperta, |
Ergue o termo
no punhal da tua mão! |
|
Poderás renovar
o mundo e a vida, |
Feito lava dum vulcão, |
Com uma palavra espargida, |
Semente atirada ao chão. |
|
|
358 – Vozes |
|
Fundem-se as
vozes para cantar juntas |
Todo este fugaz
escoar da vida. |
Se em vão
viemos é quanto perguntas, |
Cruzando terra
em vaga despedida. |
|
Tocamos flores
e tocamos frutos |
Mas um grito
alto e desgarrado acorda, |
Uma voz
juntando ao vozeirão dos lutos: |
Dentro do
vergel quem me faz que o chão morda |
E no roseiral
quem nos mata enxutos? |
|
Ninguém deveras
viverá na terra, |
Aqui chegámos
só para sonhar, |
Fluem palavras
longe, ao vale e à serra, |
Mudas findando
no distante mar |
|
Onde vão ter os
rios |
Silentes da vida. |
|
Teremos de ir
até ao fim dos desafios, |
Até onde o
mistério nos convida, |
|
Eternos a perguntar, |
Vagos, |
Pelos lagos |
Onde enfim repousar, |
- Onde não seja
o nada |
O fito
definitivo da estrada. |
|
|
359 – Garante |
|
A ninguém nada garante |
Um êxito constante, |
Não poderei nunca agir |
Fora do
horizonte do fracasso provável. |
É a regra do
porvir: |
Falhar é a
norma do que é viável, |
O êxito, excepção |
Que a confirma
em contramão. |
|
Triste do país |
Que acredita merecer, |
Sem alibis, |
O êxito que vier! |
|
Estará por um triz… |
360 – Desfilada |
|
Um objectivo na vida |
É a alavanca |
Para operar à medida |
Contra o que a
vida nos empanca. |
|
Então, à desfilada, |
Qualquer pedra é varrida |
Da estrada. |
|
|
361 – Gera |
|
Confiança |
Gera autonomia e motivação, |
Alcança |
Um rosto de
vida saudável, |
Do dia-a-dia
construção, |
Na permuta de afectos |
Pelo caminho
que se revelar viável, |
Na compreensão |
Dos projectos |
De cada qual. |
|
Concito, |
De sinal em sinal, |
O meu e o teu
infinito |
Por igual. |
|
|
362 – Causa |
|
Uma só causa comum |
É a razão |
Duma gama
interminável de efeitos. |
Não |
É milagre nenhum |
A que vivamos afeitos: |
Os apelos que
nos mordem |
São os de criar
do caos ordem. |
|
- Há lá coisa
mais bonita |
No meio de
quanto nos habita! |
|
|
363 – Problema |
|
Que problema
resolve a informação? |
- Como gerar, armazenar, fluir |
Mais e mais
dela o cachão, |
Mais convenientemente, |
Mais veloz a escapulir |
Sempre em
frente, sempre em frente, |
Sem de meta pôr
questão… |
|
De metafísica
tem o estatuto: |
É meio e fim da
criatividade |
De todo e
qualquer humanal produto. |
A vida
preenchemos, na verdade, |
Em busca de
aceder à informação. |
Para que fim,
com que limitação, |
São perguntas proibidas |
De tão inabituais. |
|
E assim rebolam
as vidas |
Sem quasiquer rumos reais. |
|
|
364 – História |
|
A história dos
temas nos ensina |
Que o mundo não
é criado |
De novo em cada
dia: |
Cada qual se empina |
Nos ombros do antepassado |
Que antes de
nós existia. |
|
Esta cadeia em corrente |
É que nos joga
para a frente. |
|
|
365 – Aberta |
|
Cultura que for aberta |
Vem do reconhecimento |
De que a
compreensão mais desperta, |
Se jamais deserta, |
Fica sempre, a
todo o momento, |
Incompleta, |
Longe da meta. |
E nossos actos, |
Traduzam embora conquistas, |
Terão impactos |
De sequelas imprevistas. |
E os organismos institucionais |
Colherão fracassos, |
Mas não os
abandonamos jamais |
Só por nos
serem tão escassos: |
Antes, ao invés, |
Mecanismos autocorrectores |
Lhes ataremos aos pés |
Com fiáveis sensores. |
|
É assim no
mercado, na democracia, |
Nas crenças,
nos valores do dia-a-dia… |
|
Nada, porém, operará |
A não ser que
bem cientes |
Da fiabilidade, desde já |
Estejamos, prudentes, |
Prontos a reconhecer |
Qualquer erro que vier. |
|
E que sejamos
lestos a corrigir: |
- A abrir
portas ao porvir! |
|
|
366 – Colectiva |
|
Renunciar à tomada |
Colectiva de decisões |
Por ineficaz e
corrupta esta jogada |
É o mesmo que
abandonar os turbilhões |
Do mercado |
Por ser
instável e injusto. |
|
Em cada lado, |
O mesmo custo: |
A incapacidade
de aceitar o preceito |
De que tudo o
que é imaginado |
Pelo homem é imperfeito |
E tem de ser
melhorado. |
|
É preciso
lavrar o prado |
Sempre a eito |
E tomá-lo a
peito |
Num esforço bem suado. |
|
Doutro modo não
toma jeito |
Quanto do homem
for gerado. |
|
|
367 – Condicionado |
|
O que um aluno
precisa de saber |
É condicionado |
Pelo que irá fazer |
Depois de formado |
E pelo que
precisa de tomar a peito |
Para cumpri-lo
a preceito. |
|
Ora, nem uma
nem outra condição |
Os educadores
algum dia saberão… |
|
- Como é que
pode ser sagrado |
Um currículo dado? |
|
Como não ver
capacidade e competência, |
Qualquer que
seja a matéria abordada, |
Como o critério
da excelência |
Visada? |
|
|
368 – Solução |
|
Solução errada
do problema certo |
É melhor que a
certa do problema errado: |
Esta eterniza o
problema, como um fado, |
Aquela, mais
longe ou mais perto, |
Obriga a
corrigir o trilho andado. |
Por aqui o deserto |
É fecundado. |
|
|
369 – Diferença |
|
Distinção que faz diferença, |
Por difícil ou
fácil que seja, |
Quando rápida se almeja, |
Rápido leva a
que a vença |
O duro efeito |
De a não tomar
deveras a peito. |
|
Atacando ou dando abrigo, |
Com o prémio ou
o castigo |
Se apuram os sentidos |
Dos mundos desconhecidos. |
|
|
370 – Muro |
|
O muro principal |
Entre o Homem e
o que deseja |
Não é muro que
se veja. |
|
Os obstáculos
que o consomem |
São, afinal, |
O próprio Homem. |
|
|
371 – Permanece |
|
Pese embora
intérmina a investigação, |
A nomenclatura bem equipada, |
A natureza é
prenhe de mistério. |
Quão mais subatómica peregrinação, |
Mais misteriosa
a natureza revelada. |
Quão mais
fotografias do abismo sidéreo, |
Maior a admiração |
E o espanto. |
Ao alargar a
quotidiana visão |
A cada novo recanto |
Aberto ao infinito, |
A natureza é o
trilho atraente |
Dum fito |
Espiritual: |
- Cada qual |
Deveras se pressente |
Como se fora imortal. |
|
|
372 – Difícil |
|
Difícil é imaginar |
Alguém ocupado |
Concomitantemente a lograr |
Viver encantado. |
|
O encantamento |
Convida a parar, |
A deixar-se levar |
Para qualquer
tempo, para qualquer lugar, |
Pelo que ao
sabor do vento |
A todo o momento |
Fluir, lento e lento, |
Diante de nós. |
|
E segui-lo após, |
Sem qualquer pensamento |
Nem refinamento, |
Dum raio de sol
aos finos pós |
A espraiar firmamento. |
|
Em lugar de
fazer algo, |
Algo me é feito… |
- E a infinidade galgo |
Por dentro do
meu peito. |
|
|
373 – Rota |
|
Tomei na vida
rota sem ter leme, |
Dum recanto
indo que mal era familiar |
Ao seguinte,
rumo ao promontório estreme, |
Confiado ao destino tutelar, |
Comigo levando
as âncoras da estabilidade, |
Meus livros,
música, meus hábitos rituais… |
Primeiro me
toca o estilo que os sinais, |
A beleza que a
factualidade. |
|
Facilmente |
Sou arrastado a
novas aventuras |
Que, puras, |
O porvir me
promete lá da frente. |
|
Aqui vou comprometido, |
Levado |
A entrançar
malhas de sentido |
A partir do que
me for lançando o fado. |
|
|
374 – Leme |
|
Queres que te
ajude a segurar o leme |
Com mais firmeza, |
A procurar o
mapa que reme |
Nas vindoiras
viragens que a vida preza. |
|
Eu, porém,
confio na mudança dos ventos, |
Canto ao ritmo
da música das esferas, |
Sou marinheiro
entregue aos elementos, |
Na surpresa |
Das esperas. |
|
Sou a presa, |
Primeiro, |
E é deste lugar
cimeiro |
Da incerteza |
Que traço o
rumo das eras. |
|
…No derradeiro fim, |
Ele é que mo
traça a mim, |
Abscôndito e brejeiro, |
Lá da raiz
primeva, ignorada, |
Da estrada. |
- Como queres
que te ajude e guie |
Se em mim nem
eu creio que me fie? |
|
|
375 – Caminho |
|
Caminho não é
modo de vida, |
Terrestre, seco, pedregoso, |
Não dá dos
movimentos a medida |
Flébil e diluída |
De quem se
abandona dengoso |
Ao rumorejar da corrente. |
|
Velejando irei
sem buscar para onde, |
Na aventura de
quem sente |
Que tudo nos responde |
E corresponde, |
Qualquer que
seja a cultura que acrescente |
À que me invente. |
|
E tão absorvido
pelo sabor do momento |
Navego |
Que me nem dou
conta, cego, |
De quando a
corda que me prende ao cais |
Me solta ao vento |
Sem mapa algum
nem arrais. |
|
|
376 – Murmura |
|
Murmura o rio
cânticos sagrados |
Segredando-nos
que rios somos, |
Entre penedias
pelos vales despencados, |
Entre margens conduzidos apertados, |
Até que serenos
como o Sol nos pomos |
No Oceano do Infinito |
Descansando por
fim do tempo aflito. |
|
|
377 – Emancipação |
|
Se crês que emancipação |
É fazer tudo o
que te vai pela cabeça, |
Acabas por não |
Construir nada. |
A vida inteira tropeça |
No vazio da estrada |
Que começa |
E acaba a cada
curva da jornada, |
Sem um palmo
que te meça |
A falta dum fio
de meada. |
|
|
378 – Busca |
|
A busca duma
natureza visceral, |
Frutificante e animadora |
Quer uma reviravolta mental, |
Reorientar a visão |
Do interesse
que em nós mora. |
Deixar de
reduzir o chão |
A interpretações, teorias, |
Aplicações onde
vagueia nosso gemido, |
Para achar as melodias |
Do encantamento, |
Redescobrir o relacionamento |
Sentido, |
Com toda a
crença e emoção |
Duma natural religião |
Onde suspeito, |
Contrito, |
Um jeito |
De infinito. |
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379 – Precises |
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Talvez precises de entender |
Que a terra é
tua mestra. |
Dar-te-á o
saber, |
A vida te amestra, |
Tornando-a
mágica e eficaz. |
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Usas a terra,
as matérias-primas, |
Tudo de que és
capaz, |
Para pejar a
vida de maravilhas |
Tecnológicas a
que te arrimas. |
Mas deixas de
apreciá-la como cheia de ilhas |
De paz, |
Fonte estética
de espírito, de vida de alma. |
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Ora, o que te
perfaz |
A calma, |
Embebido de espiritualidade, |
É mais com a
terra se a intimidade |
Te cresceu |
Do que
construíres um eu que invade |
O céu. |
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380 – Insensíveis |
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Da religião |
Insensíveis ao mistério, |
O poder
cativante da imaginação |
Diluído e sem império, |
Morreram as
fontes do encantamento. |
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Não, não é um
tormento: |
Resta-nos uma
cultura enfadonha, |
A vida insípida, pragmática, |
Cada sentido à
letra interpretado. |
Morto o
encantamento, cada hora é medonha, |
A obra-prima
mais ática |
Perde a gramática, |
Arrastamos
pelos cantos a vida sem significado. |
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Que desenvolvimento, |
Criatividade, |
Meio ambiente |
Invento |
Na cidade |
Onde apenas há
o presente, |
Sem qualquer porvir |
Onde sonhe poder ir, |
Sem qualquer alusão |
Do já rumando
ao ainda-não? |
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381 – Alimentos |
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Os alimentos não são |
Amálgama de químicos componentes |
Para um
organismo vivo e são, |
Senão |
Bastaria um
comprimido rilhar entre os dentes. |
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Não é apenas
para o corpo a comida, |
As almas também alimenta. |
Senão, para que
saborear uma bebida, |
Triar uma ementa? |
Por que iríamos
a restaurantes |
Italianos, indianos, tailandeses, |
Chineses, etíopes ou franceses, |
Senão porque a
alma anseia |
Por culturas distantes, |
Servidas |
Nas comidas |
Por quanto
nelas se enleia? |
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A dádiva do alimento |
É o sabor da
vida: |
Degustamos uma comida |
E o imaginário
ganha alento. |
Com o sonho
então caminho, |
Primaveril e lento, |
Ao erguer meu
copo de vinho. |
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382 – Pão |
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O pão de cada
dia nos dai hoje, |
O gelado, a
torta de morango, |
O recanto onde
cada qual se aloje |
A esfarripar
sereno uma perna de frango… |
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Os mais simples actos, |
Uma caminhada,
uma palavra, uma brisa, |
Uma paisagem
onde perpassam cactos, |
Qualquer alma
saciam que por eles desliza. |
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Jantar um toque
de imaginário e vontade, |
Uma árvore de
frutos pendurada às janelas, |
Um mercado
favorito, a velha receita que agrade, |
Nutrem o corpo deserto |
E ainda mais, decerto, |
As almas:
soltam-lhes as velas |
Rumando às estrelas! |
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383 – Presença |
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Nos objectos a
presença da mão |
Anima, inspira o mundo |
Em que bate o
coração |
E por ali o
fecundo. |
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Comparar da
máquina a eficiência |
E o limite do
trabalho manual |
É irrelevante inconsciência, |
Dado o fito de
cada qual. |
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Um leva o mundo
a funcionar |
Uniformemente, |
Vivo o outro o
quer tornar, |
Misterioso e fremente. |
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Ambos requeremos, famintos. |
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A Humanidade, porém, |
Não pode sobreviver sem |
As impressões |
Espalhadas nos
objectos por mãos aos milhões: |
São os plintos |
De saltar |
Para além do patamar |
Onde se
acotovelam anónimas as multidões. |