Escolha um número
aleatório entre 384 e 448 inclusive.
Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia
de hoje.
384 – Do quotidiano a magia |
|
Do quotidiano a magia |
Procuro em qualquer sabor |
Para o viver e
o expor |
No canto em que
busco o dia. |
|
Meu guia, |
Da rotina sob o
bolor, |
É do tépido torpor |
Saborear a modesta alegria. |
|
Trocando o passo |
No verso da vida |
Me ultrapasso |
|
Encantando humilde cada lida. |
E do
encantamento na insignificante verdade |
Cultivo minha melhor identidade. |
|
|
385 – Extensão |
|
É a paz
extensão da guerra |
Por meios políticos: |
A diplomacia também ferra |
Com dentes graníticos. |
|
Apenas as explosões |
São de garrafas
e copos, |
Mas visam escopos |
Que visaram os canhões. |
|
A paz |
É a guerra |
- Ou então não
é capaz |
De semear a terra. |
|
|
386 – Engenharia |
|
A magia |
Dum homem |
Devém engenharia |
Doutros que por
fim a consomem, |
Sem mais poesia |
Nem a faísca
que alumia |
Os trilhos que
se tomem. |
|
Sobrenatural, palavra nula, |
Hoje em dia |
Nem ao caminho
nos açula… |
|
Aquilo que bula |
E aqueles que bolem |
Que lume os guia |
Sem que nas
curvas da via |
Se enrolem? |
|
387 – Demasia |
|
Sendo céptico em demasia, |
Podes errar tão facilmente |
Como quem demais confia. |
|
Entre extremos mora assente: |
- Depois, então, sem medida |
Entrega-te à corrida! |
|
|
388 – Endoidecer |
|
Podem os animais endoidecer |
Se muitos deles arrebanharmos |
Em recinto fechado. |
O único animal
a proceder |
Voluntário e com agrado |
Para em massa
nos amalucarmos |
É o Homem. |
- Assim, |
Por quem querem
que nos tomem, |
No fim? |
|
A racionalidade, |
Usada de tal jeito, |
É uma faculdade |
Ou é um defeito? |
|
|
389 – Preconceito |
|
Contemporânea, a mulher |
De todo o preconceito |
Libertar-se quer. |
Acaba, porém, por entender |
Por preconceito
o que é princípio |
E então vai
varrendo ambos a eito. |
|
Equipe-o |
De ostentação embora, |
O convencimento |
De que é flor
delicada o que elabora, |
Mais não é que
o documento |
Da irremediável confusão |
Em que decai,
decai, decai |
E se esvai |
Sem defesa nem perdão. |
|
Apenas porque
lhe não ocorre |
A fina distinção, |
Morre. |
|
- Dos
preconceitos quem o coração |
Te libertará, |
Não dos
princípios que houver lá? |
|
|
390 – Agradece |
|
Agradece a quem
te dá felicidade, |
Ao jardineiro
que te faz florir. |
E mais agradece
à crueldade, |
Que o cruel
apenas te dará porvir |
Ao podar-te os
ramos mortos |
Sementes
espalhando nos teus hortos. |
|
Pisar as
migalhas de ventura |
Que enganam a miséria |
É o que teus
olhos te apura |
Para tua vera matéria. |
|
O que é triste |
Faz-te bem: |
O alegre engana
a fome que existe, |
Jamais te sacia
mais além. |
|
De ser homem o
cargo |
Requer esta lesão: |
Para te
sustentar, o pão |
Terá sabor perenemente amargo. |
|
|
391 – Pecado |
|
Ganhar dinheiro é pecado?! |
Não sejas louco! |
Deus nos dê
muito e, por outro lado, |
Nos contente com pouco. |
|
A receita de
ser feliz |
É ter um pouco
mais do que se quis |
E um pouco
menos querer |
Que aquilo que
se tiver. |
|
|
392 – Consome |
|
Grande mal, o
do pobre com fome! |
Pior mal, porém, |
É o do rico
que, depois de farto, se consome |
Da fome que
ainda tem. |
|
Pior para ele
que sofre |
E para nós ,
que nos quer no cofre! |
|
|
393 – Brinquedo |
|
Quando eras
criança, o brinquedo, |
Por não ser sofisticado, |
Tinha de ser completado |
Com um segredo: |
- A imaginação. |
|
O facto não ilude: |
Aqui a imperfeição |
Era virtude. |
394 – Perfeccionista |
|
Quem gostar de
operar tudo |
Da melhor maneira |
É um perfeccionista. |
Nada errado,
não fora que lhe acudo |
Deste abismo à beira, |
A miúdo: |
- O medo
terrível de falhar. |
No limiar, |
Com a perfeição
em vista, |
Devém o mais preguiçoso: |
Tanto tempo se adia |
Que finda, pressuroso, |
A aldrabar tudo
no derradeiro dia. |
|
Ante um final
meramente sofrível |
Acaba a consolar-se: |
“Que mais era exigível |
Em tão pouco
tempo disponível?” |
- E nem repara
no disfarce! |
|
|
395 – Decidirás |
|
Decidirás como deve ser, |
Com grande esforço. |
Cuidarás que te
poderás deter |
Um pouco, sem remorso. |
Porém, nova decisão |
Se te imporá
sem remissão. |
|
E, enquanto
continuares a decidir |
Da forma que se
antolhe justa, |
Eterno continuarás a reincidir, |
Um milénio cada dia, |
À tua própria custa. |
|
Os outros, todavia, |
Decidindo uma
só vez e mal, |
Porque mal
optaram como milhões e milhões, |
Livraram-se de
vez todos e cada qual |
De tomar decisões. |
|
Distintivo primeiro |
De teu ganho, |
Demarcarás o
Homem do carneiro |
Do rebanho. |
|
|
396 – Cargo |
|
Não é teu, |
É do cargo que
desempenhas? |
- Um cargo
nunca tem nada de seu, |
É o que dele
quiseres, |
É o que, com
tuas manhas, |
Teceres. |
|
É o lago que
espelha o céu |
Do ser de teus
seres, |
Teus teres e haveres |
Postos ao léu. |
|
Que um cargo
nunca tem nada de seu. |
|
|
397 – Acidente |
|
Poderá um homem qualquer |
Um qualquer carro guiar. |
O que, porém,
nunca há-de ter |
Um acidente ao calhar, |
É aquele |
Que atender a
um pormenor: |
- Guia por ele |
E pelo outro condutor. |
|
|
398 – Segredos |
|
Após tempo
bastante num mister |
Acabarás por lhe saber |
Os segredos |
Que nenhum
profissional de lá |
Publicamente discutirá. |
Descobrir os credos, |
Porém, |
É como os
desastres que os outros têm: |
Não és tu este
homem sem braços. |
Recolhes-te ao abrigo |
De não ser nada
contigo. |
|
Doutrem com os pedaços |
Quando a
estrada se junca, |
Sempre lês
nisto os sinais |
De que ocorre
com os mais, |
Contigo, nunca! |
|
|
399 – Arsenal |
|
Verás que o bom
general |
É o que tiver a
mentalidade |
De ver homens
como massas: |
Arrumados no arsenal, |
Numérica totalidade |
De oficiais,
sargentos e praças. |
|
A granel |
Somados, diminuídos |
E, |
Compreendidos |
No papel. |
|
Homens tão abstractos |
|
Lançados aos maus tratos |
Da estatística
e dos catecismos. |
Verás que para
consolar as mães |
Fora da lei
porá o bordel |
Mas, quando
forem mortos como cães |
Os soldados do papel, |
O general, de
tão orgulhoso, |
Babar-se-á de
gozo! |
|
|
400 – Ferida |
|
De algo quando
gosta alguém |
É impossível proteger-se: |
É a ferida que
ele tem |
A que o inimigo
há-de ater-se. |
|
Se um olho tens
magoado, |
Quenquer |
Que te queira bater |
Vai-te bater
desse lado. |
|
Então, se
gostas de cozinhar, |
Tens de fugir
da cozinha, |
Vais para o
campo mondar. |
Se a monda é o
que te convinha, |
Terás de fugir
de lá: |
Refugiar-te a
um balcão |
É a defesa que
haverá… |
- Para tua
salvação terás de fugir de ti: |
Escolhes a perdição! |
|
Ficarás, porém, a salvo |
Enquanto |
Tens vitórias, promoções, |
Que nunca podes
ser alvo: |
Não há um fraco
ou aleijões |
Onde te possam ferir. |
|
- Esperteza de papalvo: |
Andas tu de ti
a rir! |
|
|
401 – Coices |
|
Não poderás rejeitar |
Valores da multidão |
Sem sofrer, a par, |
De mil coices a
lesão. |
|
Quando a multidão ligar |
A vida a uma
ideia idiota, |
Se pretendes proclamar |
Que para ti não
tem cota, |
|
Inevitáveis então |
Vêm efeitos decorrentes. |
Revelar-lhes o aleijão |
Leva-os a
quebrar-te os dentes. |
|
Um ideal colectivo |
Que afinal é inanidade |
É no arquivo |
Anular-lhe a identidade: |
|
Tais vidas não
valem nada, |
O que sempre
irrita as gentes. |
É que, de entrada, |
Entrementes, |
Há-de preferir quenquer |
Ser uma coisa
de nada |
Que nada ser. |
|
|
402 – Medo |
|
Medo social,
eis a mais potente |
Fonte isolada de poder |
Existente. |
A única a permanecer |
Quando a
máquina do sistema |
Destruiu |
O código dos
valores positivos. |
Como é que o
lema |
Se te sumiu |
Em registos tão esquivos? |
|
Desperdiças a força |
Em trivialidades, |
|
Em casamentos de comborça. |
|
Futilidade idiota… |
Que asneira |
Andares a
apontar tua mangueira |
|
(Tendo à volta
o mundo inteiro a perecer) |
Contra uma
folha de papel a arder! |
|
|
403 – Podre |
|
Num mundo podre |
|
Apenas sobressaltando os demais: |
Dos venenos
abres teu odre |
E, enquanto o envenenares, |
O mundo
divulgará teus sinais. |
|
Terás má publicidade, |
Preferível a
não ter nenhuma. |
A boa, porém,
qualquer idiota que agrade |
A logra ter,
mal a presuma. |
|
Má publicidade, aliás, |
É melhor que boa: |
Choca as
pessoas e ficarás |
Na memória que
pelos tempos reboa. |
|
Num mundo
podre, no mundo, |
Vences mais
quão mais imundo. |
|
|
404 – Esforçar |
|
Terás de te
esforçar tanto |
Para conseguir
uma coisa qualquer |
Que ao fim,
quando a logras, todo o encanto |
Acabou já por morrer. |
Não é porque te
esquece: |
- Perdeu antes
todo o interesse. |
|
|
405 – Direito |
|
Perguntar-lhe-ás
se tinha |
Direito a fazer
o que fez. |
Espantado se adivinha |
Que, olhando-te
da cabeça aos pés, |
|
Dirá que sim, |
Que sempre lhe ensinaram |
Que devia fazer
o que é direito! |
Assim, |
Nos juízos que
se lhe deparam |
Ao que fizer
presta preito: |
De cada vez |
Que agir |
Tudo o que
fizer será bem feito |
Simplesmente porque o fez! |
|
E a seguir |
Recordará que
lhe ensinaram que é um defeito |
Fazer o que não
é direito… |
|
Na vida distinguir |
O efeito |
De tal feito |
Não faz parte
do entremez. |
|
Deste jaez |
Verás que com
toda a justiça |
A injustiça tudo enguiça. |
|
|
406 – Pequenas |
|
Quando ficas em apuros, |
As coisas pequenas, |
Um cigarro, uns
figos maduros, |
Ficam tão
maravilhosas, tão plenas |
Que meditas: |
Se escapares, |
Juras que a importância |
Lhes repitas |
|
Dificuldades de circunstância |
Em que te vês
envolvido. |
|
Uma vez o
aperto transcorrido, |
As pequenas estrelas, |
De quando te amanhecia |
O dia, |
Já nem darás
mais por elas. |
|
É o que te
perde e te salva |
A luz de alva. |
|
|
407 – Raridades |
|
Ajoujas a casa
de raridades, |
Depois torces a espinha |
Entre cristais,
porcelanas e jades, |
Labiríntico, e
não te persuades |
A mudar de linha. |
|
Vestes a festa
de tecidos caros |
E sofres o dia,
receoso |
De lhes
entornar em cima os vinhos raros |
De teu gozo. |
|
Mandas pintar o
carro por ter um risco, |
Depois irás a pé, |
Não vá, por
acaso, qualquer cisco |
Riscar a obra
que puseste em pé. |
|
Teu sobretudo mais caro |
Fica-te após no
roupeiro, |
Não vás ouvir o
reparo: |
- Trocaram-no no bengaleiro! |
|
Teus tapetes |
De plástico os
tens cobertos, |
Que as nódoas
caem, repetes, |
Nos cantos mais incertos. |
|
Serviços de
copos e loiça, |
Comprados com sacrifício, |
São, afinal, desperdício |
Onde a fome não
retoiça, |
Reduzidos a um resquício |
A espreitar, na cristaleira, |
Como ao que é
bom lhe convém, |
A ver se
vislumbra a visita de primeira |
Que afinal
nunca te vem… |
|
- Coração velho e caduco, |
Um estômago ulcerado, |
De nervos esfrangalhado, |
E tu, eunuco, |
Mas de casa
limpa e fresca, |
Peças intactas, religiosamente |
Fora de alcance
de quem as repesca |
No museu de teu
lar… |
|
Quem te mente, |
Quem te mente
sem parar? |
|
408 – Aspiro |
|
Quando aspiro a
que a justiça |
Na terra impere |
Eu faço parte
da liça |
Que a gere. |
|
A justiça que existir |
Vem tanto de
nosso esforço |
Que, se a não
vir, |
Terei remorso. |
|
A justiça que
há na terra |
É a que em
nossos corações |
Como a semente
nos talhões |
Se aferra. |
|
|
409 – Aprender |
|
Aprender |
Não é apenas
descodificar palavras, |
É compreender |
|
Quando o chão
com ela lavras, |
Entender |
As esperanças
por trás da evidência, |
E os perigos,
os perigos |
Que a tecnologia, |
Sob a capa de
abrigos, |
Espalha pelo
mundo cada dia. |
|
|
410 – Incerteza |
|
A incerteza |
É da condição humana. |
O cuidado,
porém, se demais pesa |
Pode ser descuido: |
Quando sob nós abana |
A escada, |
O que cuido |
É de
contabilizar o custo |
Justo |
De não fazer nada. |
De que serve o
cuidado em demasia? |
Nem a queda nos
evitaria! |
|
|
411 – Férias |
|
Desligas a consciência |
Quando para férias partes. |
Louvo-te a ciência |
Com que de
preocupações te apartes. |
|
O que abala |
É quão depressa |
Esquece cada
qual de ligá-la |
Quando regressa. |
412 – Arrancar |
|
Arrancar a quenquer |
A qualidade |
Que tiver, |
A marca da genialidade, |
- Pode-o fazer |
A moca, o cassetete, |
A educação pervertida, |
A mentira
recitada na cassete, |
A indiferença
que nunca te convida… |
|
Então alguém |
Esquece até |
|
Ignora o que é |
|
|
Expulso da
música e da poesia, |
Das grandes
descobertas que faria |
Que é |
Que se mantém
de pé?… |
|
- Quem o consente |
Não, já não é
gente! |
|
|
413 – Peca |
|
Tua família: fruta peca. |
Teu trabalho: fonte seca. |
Tua mulher, teu marido… |
- Nada, nada já
tem sentido! |
Mesmo clandestina namorada |
Ou namorado secreto |
Debaixo do mesmo tecto |
Serão vida armadilhada. |
|
Quem te dera
uma escapada! |
|
Depois de tudo perdido, |
Porém, |
Quando o
silêncio te grita ao ouvido, |
Que riqueza, |
Que grandeza |
A que tudo
aquilo tem! |
|
Que valor |
O do dia! |
E ninguém, |
Ninguém o veria |
Senão depois do
sol-pôr! |
|
E, mesmo quando amanhece, |
Quem é que o
sol ao fim te aquece |
Se tudo em ti
traía |
A memória que esquece |
Quanto valia |
O momento que acontece? |
|
414 – Sorri |
|
Sorri! |
Tuas rugas, vais ver, |
Mal dás por ti, |
Transparecem prazer |
|
E o mundo
inteiro (quem diria!) |
É uma alegria! |
|
|
415 – Paga |
|
Quem paga será
quem pode escolher. |
Até certo ponto, porém: |
De respeitar o
público o dever |
É não
considerá-lo também |
Como criança a
quem apanho |
Os dinheiros
que lhe ganho. |
|
Entre dar-lhe
prendas belas |
Ou imitações feias |
Vai a lonjura
de abrir-lhe janelas |
A enredá-lo em
teias. |
|
|
416 - ~Tolices |
|
Com mil tolices
e mil preconceitos |
Um monte de imbecis |
Governa o mundo
e cada qual de nós. |
Desta vida os leitos |
Em que rolamos,
dolentes e servis, |
Pesados os
contras e os prós, |
São prémio refece, |
Já que em lugar |
De nos pôr a
caminhar, |
Tudo nos gasta
e envelhece. |
|
|
417 – Vício |
|
Há uma idade |
Que perdoa o
vício a quem deslaça |
A contrariedade |
E que toma a
contrariedade por desgraça. |
|
Na confusão, |
Iludida, |
Perde o peso e
a dimensão |
Da vida. |
|
Pior é que os
desta idade |
Nunca estão sós: |
Arrastam-nos,
mesmo contra vontade, |
A todos nós… |
|
|
418 – Dissimulação |
|
A dissimulação |
É para a vingança |
A primeira condição, |
Que é impotência |
Um ódio confessado: |
Não alcança |
Eficiência. |
|
Cuidado! |
Não raro, |
Uma estúpida inocência |
Paga-la caro. |
|
|
419 – Responsabiliza |
|
Depois de
informar o jovem |
Do efeito pernicioso |
Dos actos que o
movem, |
Se o não demovem |
Nem teu gesto generoso |
Nem o argumento veraz, |
Aponta-lhe
nítido o que faz |
E, se no
declive desliza, |
Ao jovem, sem
mais demora, |
Responsabiliza |
Na hora! |
|
Se tiver de responder |
Por qualquer destruição |
Mais confiança
há-de ter |
|
|
|
420 – Segunda-feira |
|
Segunda-feira,
prancha de mergulho |
Para o resto da
semana. |
Trepo até lá,
revejo, vasculho, |
Planeio a
táctica que não me engana, |
Balanço um
pouco para a sentir |
E mergulho:
estou a ir! |
|
|
421 – Protecção |
|
O Sol brilha, a
Lua inspira. |
Se aquele olhas
sem teus olhos proteger, |
Cegarás, queimada a lira. |
Se olhas a Lua
o tempo que aprouver |
Sem protecção capaz, |
Um poeta devirás. |
|
|
422 – Paradoxo |
|
O grande paradoxo contemporâneo |
É que a vida é
doada e prolongada, |
Mas o velho é
cada vez mais um sucedâneo: |
É inútil, embaraçante, |
Melhor fora
afastar-se da jornada, |
Não ir por diante. |
|
Que importa que
tanto se conserve? |
- Velho não serve!… |
|
|
423 – Aponta |
|
No fim de Outubro |
Tudo na Terra
aponta para o lar: |
O marinheiro,
para o mar; |
O viajante, do
poente ao rubro, |
Para o muro
duma vedação; |
O caçador, para
o campo e a toca, |
Não vá
faltar-lhe, no Inverno, a criação; |
|
- Água na boca |
Para todo o que
dele próprio emigrou. |
|
|
424 – Decisões |
|
Decisões colectivas, decisões individuais, |
Em ambos os casos |
Por interesse próprio vais, |
Controlando os acasos. |
|
No colectivo, então, |
Porás à frente
o interesse comum |
Contra o individual, |
Mesmo quando
outros não porão. |
|
É a única forma
de manter algum |
Laço que nos
una, comunal. |
|
Quando tal |
Deixar de prevalecer, |
Deixará o homem
de ser: |
Será uma fria imagem |
De animal |
Selvagem. |
|
|
425 – Requer |
|
Para quê nos acenar |
Da afirmação
com o veraz |
Se ela o não
requer para lograr |
Ser eficaz? |
|
Para quê ser honesto |
Se o sucesso,
não da virtude o preceito, |
É que atrai o
gesto |
De respeito? |
|
Valores e regras morais |
São postos em
causa o dia inteiro. |
Dúvidas, porém,
não há que tais |
Sobre o dinheiro. |
|
Assim é que ele
tem tomado, |
Do mundo a
mando dos senhores, |
Paulatino, o primado |
Dos valores. |
|
|
426 – Burocracias |
|
As burocracias |
Sempre andam mais empenhadas |
Em autopreservação |
Do que em
cumprir a missão |
Pelas vias |
A que foram destinadas. |
- Sem excepção |
Nem dias! |
|
|
427 – Problema |
|
O problema de quem |
Se ocupa em
nada fazer |
É o de empatar
os que têm |
Toda a freima
de empreender. |
|
A luta contra o
sistema |
Ataca a burocracia, |
Seguindo o lema: |
Abaixo o fútil
que exigia, |
Vamos à obra a
ser feita |
- Enquanto o
burocrata nem suspeita! |
|
|
428 – Mal |
|
O pior que dum
serviço alguém diria |
É que é um mal
necessário. |
Não vejo que
dizer da burocracia, |
O mal desnecessário… |
|
Hostilidade do
servidor para com o servido |
Gera a do
servido para com o servidor: |
O círculo não
muda de sentido |
Nem de humor. |
|
Até ao dia |
Em que a má
disposição dê desemprego |
Na burocracia… |
- Que sossego! |
|
|
429 – Linha |
|
A linha mais
curta entre dois pontos |
Da burocracia |
Suborna tudo e
todos, sem descontos, |
E assim
desmente a geometria. |
Não é recta, é
tortuosa, |
Porém de eficácia goza. |
|
|
430 – Separa |
|
Segregar separa fisicamente; |
Discriminar, mentalmente. |
|
Embora a mente |
Bem mais que o
corpo seja difícil de mudar, |
Quando a
segregação é abolida |
A discriminação, a par, |
Raramente é capaz, |
Em seguida, |
De ficar atrás. |
|
|
431 – Discriminar |
|
Discriminar |
É levar a distinção |
A fazer a diferença |
E aproveitar |
A ocasião |
Para tirar
vantagem da sentença. |
|
A base é uma
individual propriedade |
Sobre que não
há controlo |
Mas que não
lesa a capacidade |
De o detentor
dela contribuir sem dolo |
Para o bem da
comunidade. |
|
A vantagem |
É meramente
aparente: |
Pesa bem mais, afinal, |
Por mor do
corte da humanal corrente. |
|
Discriminar é irracional, |
Consequentemente. |
|
- Quem afirma
que a razão |
É humana distinção? |
|
|
432 – Conflitos |
|
Conflitos irredutíveis |
Devieram insolúveis |
Apenas porque os presumíveis |
Envolvidos |
Os não querem resolver. |
|
Crêem que por volúveis |
Serem tidos |
É o pior que
lhes pode acontecer. |
|
E quem por inultrapassáveis |
Classifica tais atritos |
Apoia,
inconsciente, os entes inestimáveis |
Que não desejam
resolver os conflitos. |
|
|
433 – Tinteiros |
|
No mundo dos dinheiros, |
Dos industriais
e dos comerciantes, |
As pessoas são
os tinteiros |
Mais importantes. |
|
Só que, pela
vida adiante |
De quenquer, |
A pessoa que acontecer |
É que é importante. |
|
O mais, prolixo
e vário, |
Por mais que a
função |
Dê numerário, |
Como sombra no chão, |
É definitivamente secundário. |
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|
434 – Tempo |
|
Ser livre é
também meu tempo controlar. |
Poderei dá-lo, |
Mas deixá-lo |
Tomar |
Por quenquer? |
Nunca, |
Que o tempo se
junca |
De meu ser! |
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435 – Deixo |
|
Se me deixo
maravilhar pela beleza, |
Complexidade, |
Força devastadora, simplicidade, |
Inesperada subtileza, |
Vastas dimensões |
Da natureza, |
Então |
As lições |
De espiritualidade fluirão |
Sem esforço
requerer nem arte |
De minha parte. |
|
Não é fácil, porém, |
Em era de
técnica sofisticação, |
Alguém |
Ser tão ingénuo
e aberto |
Que da natureza
permaneça perto. |
|
Queremos aproveitar-nos dela, |
Não, ser
dirigidos por qualquer estrela. |
|
Queremos estudá-la, |
Não, aprender
com ela a fala. |
|
Queremos
mantê-la sob controlo firme, |
Não, que
influir em nós afirme. |
|
- Verás, quando
em balanço te dobres, |
Crítico, agora, |
Que, quanto
mais ricos por fora, |
Mais por dentro pobres. |
|
|
436 – Industrial |
|
Poderia aprender o industrial |
Que, num mundo encantado, |
O bom funcionamento |
Nem sequer é a
principal |
Das muitas
qualidades a que é destinado |
O produto que
ele tem por fundamento. |
|
Todo o bem, |
Desde o
aparelho à ferramenta, |
Deve ter um
desenho animado: |
O sonho que nos
convém. |
|
Um berço |
Com cabeças de
cisne e pés de leão |
É um verso |
De embalar a imaginação. |
|
O dia-a-dia |
Espreita ali outra cidade: |
A funcionalidade |
Transmuda-se em fantasia. |
|
E sempre há-de
ser a alegria |
Que dali
discreta nos invade. |
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|
437 – Oceanos |
|
Os oceanos, generosidade |
Em peixe,
transporte e recreio, |
São também a
fonte suprema da Humanidade |
Para a contemplação, |
O meio |
Espiritual de o coração |
Tocar a razão |
Doutra verdade. |
|
Oceanos: a imensidade |
Lá fora |
Que afinal por
mim dentro mora. |
|
- E, num toque
de eternidade, |
Demora, demora, demora… |
|
|
438 – Dois |
|
Se me encontro
do mar à beira, |
Na praia que
separa um de outro mundo, |
O das águas que
emparceira |
Com o da terra
onde me fundo, |
|
Atraem-me
melancolias do passado e do porvir. |
Anseio desvendar este oceano, |
Um lar juntinho
dele me erigir, |
Viajar por ele
além a todo o pano, |
Nadar naquelas
águas, deixar-me ir… |
|
E o pensamento
vai sempre mais além |
Com tal profundidade |
Que nunca sei
que me retém |
Nem o que busco
e me agrade, |
Enquanto ouço as ondas |
E me sabe a
maresia… |
|
Minhas sondas |
De energia |
Alimentam-me
dali cambiantes traços, |
Alinham-me
discretos os passos |
Hesitantes de cada dia. |
|
O mar tem braços |
Que ninguém diria! |
|
|
439 – Jornalista |
|
Qualquer jornalista é pago |
Para escrever, |
Não da vida o
rio, o lago, |
Mas o que o
leitor quiser. |
|
Isto, na alternativa melhor. |
Na maior parte
dos casos, |
Pagam-no para
se pôr |
De lado, |
Calado, |
A juntar prazos
e acasos… |
E nada de indispor |
A fantasia |
Com verdades que saberia! |
|
O jornalista |
Lava a reputação |
E emboneca criaturas, |
Como um esteticista |
De públicas figuras |
Cuja verdade é
que são |
Feias, |
Sem coração nem perdão, |
Menos que gente
a meias. |
|
Se a verdade
fora revelada a cru, |
Quanto rei corria nu! |
|
No quarto poder |
A corrupção |
É bem pior que
noutro qualquer, |
Até por não
haver controle |
Do pântano onde
se atole. |
|
Nem opera o do
mercado, |
Que comprado e vendido |
É sempre um proletariado |
Desprezado e excluído |
A quem se
afagou o ouvido, |
Para não dar brado |
Nem poder ser medido |
Do lucro o traslado |
Que ao fim
há-de ter rendido. |
|
|
440 – Modo |
|
Aos materiais
da terra os usos que dermos |
Hão-de sê-lo de
modo sagrado. |
Só se não quisermos |
Uma orientação
profunda no fado |
De aprender como construir, |
Preservar, fruir… |
|
O problema é
que de mim saio à porta |
Apenas com
quanto em mim entro |
E, quando
qualquer árvore sagrada está morta, |
Já não tenho centro. |
|
|
441 – Natureza |
|
Enquanto a natureza for |
Vista como a
nós exterior, |
|
Algo alheio e limitado, |
Separado, segregado, |
|
Tanto para nós
estará perdida |
Quanto dentro
em nós diluída. |
|
Interiorizada demais |
Esta experiência |
Dentro de nós,
dilui os canais |
Da eficiência. |
|
E também nós
nos perdemos, |
Rarefeitos vida fora. |
|
Reencontrar-nos poderemos |
Redescobrindo o fraterno |
Laço que em nós
mora |
Das árvores com
o fulgor eterno. |
Sentir-me plante enraizada |
Aduba de húmus,
afinal, minha jornada. |
|
|
442 – Árvores |
|
Somos árvores de facto. |
Por isso
gostamos de conviver com elas, |
Sejam novas ou
gigantes da floresta. |
|
Temos um secreto pacto: |
Nos contos de
fadas abrimos janelas |
Em cada tronco
que se apresta |
E o enigma da
vida |
Enfeitiça-nos de seguida. |
|
Ali, onde
árvores se juntam e lançam o feitiço, |
Quebro o enguiço |
E relanço-me em
corrida, |
Pleno de viço. |
|
As árvores
mantêm-me sob o império |
Do mistério. |
|
|
443 – Pedras |
|
Quero pedras em
meu redor |
A repercutir-me
o cerne da vida: |
Duro, sólido, pesado, eterno, |
Matizado subtilmente de cor. |
Há quem busque
remédio ao inverno |
Com que lida, |
Estratégias de o acalentar, |
Quando ao invés
se devera empenhar |
Em descobrir |
A natureza
sólida e pesada |
Que, pétrea, ao
fundo o coração lhe há-de cobrir. |
|
Desvendar a pedra cinzelada |
Que o chão me
reveste |
Do eu mais profundo |
É que me investe |
De mundo. |
|
|
444 – Depressão |
|
A depressão, entendida |
Como emocional perturbação geral, |
É devida |
Ao tratamento
duro, á negligência fatal |
A que é votada |
A eterna
infância da alma abandonada. |
|
Abandonado o próprio coração, |
Onde encontrar
firme alternativo chão? |
|
|
445 – Engordada |
|
Qualquer alma
quer ser engordada, |
Não explicada. |
Há dietas nutritivas, |
Outras sem sabor, |
Outras nocivas. |
|
A boa comida de
alma tem |
Da intimidade o calor: |
Um passeio pela
natureza lhe convém, |
A conversa com
um amigo noite fora, |
Um jantar |
Familiar, |
Um produto dum
sonho que alguém elabora, |
Uma visita ao cemitério… |
|
A beleza, a solidão, |
Dum prazer
intenso o império, |
São fios de mistério |
Que almas bem
alimentadas nos darão. |
|
|
446 – Elo |
|
Corre do parapeito |
Do encantamento |
Um elo estreito |
Até o assombramento. |
|
Um mundo encantado |
Preserva |
Os espíritos do passado |
De reserva, |
|
A manter as
paredes e cada recanto |
Com personalidade, |
A fim de nos
entregarmos da sereia ao canto |
Que, após, de
cada canto nos invade. |
|
|
447 – Vez |
|
Deus fez o
mundo, não |
Por decreto, |
Fê-lo à mão, |
Inteiro e correcto. |
|
Nós, também. |
Hoje, manufacturar, |
Porém, |
Passou a significar, |
|
Em vez da mão,
usar outros meios. |
A perda do encantamento |
É do desaparecimento |
Da mão que
marcava os veios |
Da mobília de
cada dia. |
|
O jeito da mão
indicia |
Uma personalidade. |
A máquina jamais animaria |
Um objecto modelado |
Com a verdade |
Que de alguém
nos fala, dia a dia, |
Em cada bocado. |
|
|
448 – Deveio |
|
Deveio a produtividade, |
Não um valor, uma obsessão. |
Produzir mais e mais cópias, persuade, |
Torná-las mais belas, não. |
|
Individualizá-las, |
Dar-lhes presença, |
De personalidade dotá-las, |
Não é virtude, é uma ofensa. |
|
Um livro pode ser belo. |
Mas um palimpsesto medieval, |
De escrita cuidada, à mão, como vê-lo, |
Com desprezo, como um mal? |