Escolha
um número aleatório entre 449 e 508 inclusive.
Descubra
o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
449 – Meu ser de desembaraços |
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Meu ser de desembaraços |
Procuro e perco de vista |
Mas a pista |
Cobre-me os versos de traços |
|
De conquista. |
E dou-lhes braços, |
Muito embora sejam escassos |
Para o sonho que tenho em vista. |
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Caminho |
E, enquanto vou, |
Construo e adivinho |
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O que sou: |
Na larga campina vago pé de linho |
Que alguém por milagre cultivou. |
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450 – Pecado |
|
Pecado é fazer mal |
A alguém. |
O mais não vale |
Nem o desdém, |
Mera superstição |
De ingénuas fés |
Em que todos, é verdade, cairão |
Uma e outra vez. |
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Cúpido, |
Quem a si se magoa |
Não é um pecador à toa, |
É um estúpido! |
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451 – Estupefacto |
|
O espanto que te põe estupefacto |
É o do enorme escândalo de existir: |
O facto |
É que tens de ir |
Palmilhando as ruas |
Uma atrás doutra, de seguida, |
Caminhando para a morte às arrecuas, |
De olhar fito na vida. |
|
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452 – Acredita |
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Acredita, |
Não é para a terra mas para o céu |
Que tens de olhar, antes de plantar |
Qualquer rebento de teu. |
Não para o húmus que te fita, |
Acredita, |
Mas para a luz solar |
Que te alcançar. |
Melhor cresce o arbusto preso |
Na rocha, à luz morna do meio-dia, |
Que ao de húmus adubado, ileso |
A sombra o ergueria. |
|
A luz é que te preza, |
A pureza da luz. |
Ela é que em beleza |
Te traduz, |
Da raiz à ramaria, |
Da escuridão para o dia. |
|
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453 – Ideologias |
|
As ideologias |
Têm sempre um olhar tão lindo! |
O corso findo, |
Se as caudas lhes espias, |
Apenas então repararias |
Que todas têm um nó |
Que ninguém desata. |
|
Por isso todas, ao fim, te reduzem a pó |
Sob a pata. |
|
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454 – Ocupado |
|
Quando o consciente anda ocupado |
De forma total |
Noutro lado, |
- Aí germina em regra a ideia original. |
|
Donde vem, |
Quem descortinará? |
Nem consciência nem vontade a contêm, |
Chega sempre do lado de lá, |
Daquele onde ninguém |
Nenhum domínio tem. |
|
Chega, porém, |
Diz-nos: “olá, |
Aqui me têm!” |
- Nunca vislumbramos quem |
Nos cumprimentará |
De Além. |
|
|
455 – Virgem |
|
Homem ou mulher, |
A perene virgem serás |
Em que uma decisão errada |
É assaz |
Para a vida inteira comprometer. |
|
Carruagem |
Uma vez descarrilada, |
Jamais correrás a mesma viagem. |
No apeadeiro em que te esperas |
Jamais voltarás a ser o que eras. |
|
Quando baralhas o baralho da vida |
É o baralho da casa que baralhas, |
Jamais o que, sem falhas, |
Guardas na manga com a carta escondida. |
|
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456 – Dor |
|
A dor não é fútil, |
Não, |
A dor é inútil. |
Ou então |
Podê-lo-á não ser |
Se a transformares numa coisa qualquer. |
|
Como numa música triste: |
A dor existe |
- Mas é uma beleza a doer! |
|
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457 – Corporação |
|
Compreenderás que um homem |
Que trabalhou a vida inteira numa corporação |
Pode suicidar-se por não ter à mão |
Outro meio de exprimir-se. |
Quantos se somem |
Testando a última fronteira que resiste! |
Para o suicida, sumir-se, |
Estupidamente, |
É a prova de que existe |
Simplesmente. |
|
|
458 – Inviabilidade |
|
Lerás a opressiva inviabilidade |
De qualquer humano |
Comunicar e compreender doutrem a mente: |
Uma personalidade |
É um engano |
Permanente. |
|
Nada na vida |
Se te mostra jamais, |
Tudo são meros sinais |
Dum eterno outro que te convida. |
|
Ora, tua prece |
Não é nunca o que parece. |
E o que é, |
Por mais que te more ao pé, |
Jamais te aparece, |
Nem dele darás fé. |
|
Verás que a porta fechada |
É fatal na jornada. |
O outro, porém, aí está. |
- Quem será? Quem será?… |
|
|
459 – Pirâmides |
|
Amanuenses, reis e pensadores |
Verás que falam |
E que governam com a fala o mundo. |
Pedreiros, carroceiros e construtores |
De pirâmides abalam |
E, mudos, no silêncio fecundo |
Dos que se calam, |
Com as mãos constroem o mundo. |
|
Constroem-no de silêncios |
Para os demais o falarem. |
|
Vence-os |
Tanto a palavra |
Que quando as palavras o mundo afundarem, |
Enquanto tudo se escalavra, |
De novo eles tudo reconstroem |
Só porque os silêncios os moem. |
|
- Só porque, dirás, eles não |
Têm outro modo de expressão. |
|
Entre falar e ser |
Qual a ponte que há-de haver? |
|
|
460 – Escolha |
|
Não, nunca terás tudo. |
Alguns com mais sorte poderão escolher |
(Não é uma escolha, contudo) |
Mas ninguém há-de conseguir |
Tudo o que de bom houver. |
|
Terás de pagar o preço |
Do que em vida te atingir, |
O que é caro, de começo: |
Irás ter de desistir |
Do que sonhavas deveras. |
|
Nunca, porém, saberás, |
Entretido nas esperas, |
Até ao momento dos maus tratos: |
Não podes voltar atrás, |
Cumpres de vez os contratos. |
|
|
461 – Ignorar |
|
Não foges ao mal da vida |
Por te revoltares contra, |
Como não, pela medida |
De lhe ir ignorando a montra. |
|
Não tens fuga, não, |
Se te não convertes a uma acção. |
|
E, mesmo aí, |
Que dependerá de ti? |
|
|
462 – Religiões |
|
Todas as religiões |
Principiam por baixo, |
Com meretrizes, proxenetas e ladrões, |
Como é lógico: os insatisfeitos são o facho. |
Os felizes, nem a meias |
Aceitam novas ideias. |
|
Todas arrastam ao martírio |
Os inovadores, os heróis, |
Logo depois. |
É a natural selecção: |
Entre o delírio |
E a razão. |
A vitória |
É de quem suplantar a perseguição: |
Entra na glória |
E na universal divulgação. |
|
Então, os felizes, |
Apenas então, |
Em toda e qualquer religião, |
Satisfeitos, ignoram os juízes |
Com que por medo fizeram a perseguição, |
Dão meia volta, |
Aliam-se aos perseguidos, |
Convencidos |
Pela mesma razão |
Que outrora pusera o diabo à solta |
Para levar à tortura e à prisão. |
|
Nesta altura |
Toda a religião começa a perecer: |
Quando um Constantino qualquer |
Apura |
Que a tem de oficialmente reconhecer, |
Decreta |
Que principia a tornar-se obsoleta. |
|
Quão |
Mais forte a religião, |
Mais tempo leva a triunfar, |
Mais tempo a morrer vai demorar |
E mais bastardos gera |
Pelo caminho. |
E sobre cada qual impera |
Igual pelourinho. |
|
Anunciadas, brotam, |
Triunfam, são aceites, |
Degeneram e se derrotam, |
Decaem, mal em repouso as deites. |
Quando cumpriu, vencedora, |
Ensinou a doutrina, |
Uma religião não demora, |
Declina. |
Tem de se fragmentar |
E decompor, |
A dar lugar |
Ao sucessor. |
|
Judaísmo: |
Deus da guerra, da justiça, dos tormentos. |
Depois o cristianismo: |
Deus do amor, do perdão, aplacada a sanha. |
Primeiro os Dez Mandamentos, |
Depois o Sermão da Montanha. |
|
Que religião |
Para um Universo em expansão, |
Para um mundo em perene evolução, |
De Deus para o devir |
Em que tudo é mutação? |
Que Deus irá surgir |
Que não mude um pecador num torresmo, |
Que em vez de imutável, eterno, |
Resolva o desafio superno |
De não ser duas vezes o mesmo? |
|
|
463 – Alternativa |
|
Não existe alternativa: |
Por trás dum muro de pedra viva, |
Outro muro mais subtil… |
O mundo não tem outra maneira, |
Por mais que à minha beira |
Andem sempre mais de mil |
A arrotear a sementeira. |
São sempre muros e precipícios |
Quando reparo por trás dos indícios. |
|
|
464 – Podado |
|
Um homem desligado |
Do próprio país, |
Perde a raiz, |
De Deus podado. |
|
Não devém cidadão do mundo. |
Castrado, |
É infecundo |
Em qualquer traslado. |
|
Só pelo particular |
Atingimos o geral: |
Um amor requer um lar |
Com quanto lhe for leal. |
|
Tudo o que for abstracto |
Vive em ânsia |
Pelo trato |
Discreto |
E concreto |
Que lhe dará substância. |
|
|
465 – Consciência |
|
A má consciência |
É uma consciência boa: |
É da virtude a premência |
Que dentro de nós reboa, |
De nós se apodera, escusa, |
- E nos acusa! |
|
|
466 – Ponto |
|
Solitário ponto |
Na gigantesca escuridão |
Do Cosmos envolvente, |
Eis a Terra, o planeta onde me aponto |
Com a mão |
Tremente. |
|
Tão obscuro |
Dentro da imensa vastidão, |
Nenhum indício apuro |
De que Alguém |
No fim |
Virá de Além |
Pegar-me na mão |
Para me livrar de mim. |
|
|
467 – Semente |
|
A democracia contém |
A semente da própria destruição, |
Afinal: |
O poder de escolha é também |
A decisão |
De poder escolher mal. |
|
Tolerá-lo, |
À democracia |
Traz o abalo |
De andar sob pontaria. |
|
Eliminá-lo |
Matá-la-ia. |
|
|
468 – Emigrado |
|
No mundo há brancos, pretos, |
Amarelos e emigrados. |
Divergem nos tectos, |
Na fortuna, nos cuidados… |
|
O emigrado é aquele |
Que não pode mudar de condição |
Como ninguém muda a cor da pele |
Conforme a ocasião. |
|
|
469 – Volubilidade |
|
A graciosa volubilidade |
Esconde do espírito a pobreza |
|
Dum terreno a esterilidade |
Com a facúndia de que te encantas |
De efémeras plantas. |
|
E de igual modo te seduz |
Aquela máscara de luz. |
|
No fim pagarás caro |
O ouropel como um bem raro. |
|
|
470 – Uma |
|
Esta coisa que anda, bebe e come, |
Que pode ter filhos, matar-lhes a fome, |
Educá-los admiravelmente, |
Faz de mulher tão bem, em suma, |
Que pode realmente |
Ser uma! |
|
|
471 – Imaginário |
|
Uma pequena alteração |
No imaginário |
Tem um bem maior condão |
|
Transcorrer da vida |
Do que alcança |
Uma força desmedida |
De mudança. |
|
O invisível e pequeno, |
Aqui |
É que aduba o terreno |
Para os mistérios que encerra. |
|
|
472 – Irrepetidos |
|
Fugir e perseguir, |
Desejar e ser casto. |
De todo o coração |
A alguém se unir |
E, antes de gasto, |
Com igual paixão |
Um rumo próprio descobrir. |
|
Separar para unificar, |
Unir para autonomizar: |
Na eterna equilibração, |
A rota da união |
Dos contrários, |
Nos caminhos irrepetidos |
E vários |
De que somos entretecidos. |
|
|
473 – Muda |
|
A língua muda |
Se me trava, |
A verdade se me gruda |
E crava, |
Desnuda: |
- O mundo muda |
E fica tal como estava! |
|
Mas, por trás da máscara ruda, |
Que é que esquivo espreitava, |
Que fogo, que lava?… |
|
- Estar ombro a ombro com alguém |
Ajuda, |
Mas quem? Mas quem? |
|
|
474 – Quelhos |
|
São máquinas, aparelhos, |
Móveis, modelos, sistemas… |
- E tudo são quelhos |
Em redor dos problemas. |
|
Via certeira |
É apenas pensar. |
Máquina inteira: |
- Raciocinar! |
|
|
475 – Arriscando |
|
Só arriscando admitir a humanidade |
Que nos une como iguais |
Lograrás romper um trilho à identidade |
De autonomias reais. |
|
Negar mundo aos sentimentos |
Impede-te de usar a inteligência, |
Entre os instrumentos |
O mais fecundo, |
A desvelar a experiência |
Emocional até ao fundo. |
|
A vivência humana, |
Quando a reduzes ao fazer, |
São dados que entram e saem do computador, |
Onde se te aplana |
Tua liberdade e dignidade, |
Sem lugar, sequer, |
|
Que é feito de tua verdade? |
|
Então, definido |
O que é relevante, |
Já nada mais tem sentido: |
Doravante, |
A realidade, |
Redu-la a desconexas atitudes, |
Prognosticas científico o que há-de |
Daquilo provir com que te iludes. |
|
Discrepante a vivência |
Oficial |
E a experiência |
Real, |
Bloqueada qualquer entrada |
Dos sentimentos à rede entremeada, |
|
- Eis |
Entre a inteligência e o sentimento |
Obtém integral consagração, |
Momento a momento, |
Por toda a civilização. |
|
Até quando |
Te irás, de lés a lés, por tua mão |
Castrando? |
|
|
476 – Famoso |
|
Em regra, quem é famoso |
Por aquilo que ele diz |
É que desde há muito atrás |
Condiz, contrafaz, rediz, |
Laborioso, |
Tudo aquilo que ele faz. |
|
|
477 – Agimos |
|
Quando agimos, |
É que reflectimos antes. |
Agir é uma planta dos cimos |
Mal brotando da terra por instantes. |
|
Ao arrancá-la, verás |
Que funda raiz nos traz! |
|
|
478 – Morte |
|
A morte é origem da vida, |
O primeiro nascimento: |
Vimos da morte sofrida |
Momento a momento. |
Não nasceremos sequer |
Se antes não morrer alguém |
Para nos dar que viver. |
Se por nós e para nós |
Não morrer nunca ninguém, |
No mundo seremos pós |
Que os ventos sopram além, |
Nada atrás nem adiante, |
O zero distante. |
|
Um buraco no vazio |
Do infinito, |
Gelado, mudo frio |
Dum grito. |
|
|
479 – Povo |
|
Pobre povo onde mantive |
Meus gozos, |
Mais forte que os poderosos, |
Sobrevive. |
|
Do poder a grandeza |
Inelutável morreu; |
Das gentes a fraqueza, |
Porém, se robusteceu: |
Os alcatruzes da nora |
Nunca esperam a demora. |
|
Sempre o fado |
Tarde ou cedo alcança |
O |
Da balança. |
|
|
480 – Poesia |
|
A poesia descobre a relação |
Entre todas as coisas, consistente, |
E a todas liga em união, |
|
Infinitamente |
Existente. |
|
A poesia é o chão |
Virente |
Onde Deus faz questão |
De andar presente. |
|
|
481 – Aleijões |
|
Do povo os devoradores, |
Ei-los no alto. |
Em baixo, as vítimas dos senhores, |
No catafalco. |
|
No alto, os zângãos ladrões, |
Em baixo, as obreiras laboriosas… |
- Quantos aleijões |
Sangram das feridas vergonhosas |
No paraíso das religiões! |
|
E o céu eternamente |
Indiferente… |
|
Porém, a nós |
Quem nos tolhe a voz? |
|
A criticada indiferença |
É, afinal, a de nossa presença! |
|
|
482 – Teor |
|
O que pensamos ao raciocinar |
Determinado é do teor da língua: |
Vivemos sempre na míngua |
Da fronteira a ultrapassar. |
|
A razão em japonês |
Não pode aparentemente |
O que pode em português, |
Que outro é o mapa condizente. |
|
Tem ideológica agenda |
Bem capaz de se esconder |
De quem afinal a entenda: |
É uma maneira de ser! |
|
Como expressão natural |
De quem e como nós somos, |
Simula que é original, |
Sem preconceitos, e o que pomos |
Na palavra, em boa fé, |
Parece o mundo qual é. |
|
A máquina fica fora, |
É fácil verificar |
Que o mundo que ela elabora |
Dela o há-de recriar. |
|
Mas a frase em certo aspecto |
Como uma máquina opera: |
Qualquer pergunta é um projecto |
Cujo esquema nos onera. |
|
Sempre impelidos por ele |
Espalhamos pelo mundo |
O manto de nossa pele, |
Vejo onde serei fecundo. |
|
Para além há opacidade: |
- O ser que houver é inverdade. |
|
|
483 – Pintura |
|
A história das artes nos consente |
Libertar-nos da tirania do presente. |
Três vezes mais velha é a pintura |
Do que a escrita: |
Quinze mil anos assegura |
E credita |
Na ascensão da Humanidade. |
|
Miopia |
De verdade |
É crer que apenas hoje é dia. |
|
|
484 – Aboliu |
|
Aboliu sempre o comunismo, |
Impôs o controlo colectivo, |
Do mercado ao mecanismo. |
Do mercado o fundamentalismo |
Procura abolir, altivo, |
Qualquer voto comunitário, |
Impondo a supremacia |
Do valor ao numerário. |
|
Cada qual dele na via, |
Ambos erram, extremados. |
|
Só quanto equilibraria |
Políticas e mercados, |
As regras com os mandados |
Mais a acção que os cumpriria, |
É que, finalmente, |
Em vez de quanto agora nos ilude |
Em qualquer ideologia, |
Tal atitude |
Nos consente |
A saúde |
Que no mundo escasseia, |
Hoje em dia, |
E o desfeia. |
|
|
485 – Eventos |
|
Nos eventos sociais |
Há participantes |
Pensantes |
Demais. |
|
Do pensamento ao dado |
O laço |
É deveras complicado, |
Já que nele me embaraço: |
|
A mente é da realidade, |
Guia-nos os actos, |
E os actos terão impactos |
Em tudo o que a mente invade. |
A conjuntura |
Varia, contingente, |
Pelo que penso na altura |
E o porvir |
É diferente |
Pelo modo como agir. |
|
Mesmo que certo pensara |
O que pensara, decerto |
Ao fim nunca estou mais perto |
Do que ao princípio visara. |
|
E, se mais longe alcancei, |
É que da altura diviso |
A imensidão que não sei |
E já nem sei que é que viso. |
|
|
486 – Complexo |
|
O mundo em que vivemos é complexo. |
Para ter a perspectiva |
De onde as decisões podem radicar |
Não vou dar ao todo meu amplexo: |
A realidade esquiva |
Antes vou simplificar. |
|
Metáfora, analogia, |
Toda a construção mental |
No caos introduzia |
Qualquer ordem sectorial, |
Quando embora distorcia |
Tudo o mais neste sinal. |
|
A distorção acrescenta |
Algo ao mundo compreendido: |
Quanto mais pensamos mais aumenta |
O que há para pensar, descomedido: |
A realidade é dada |
Ao pensamento |
E é também por ele formada, |
Como um fermento.. |
|
Nunca o pensamento compreender |
Pode por inteiro a realidade, |
Que mais rica fatalmente ela há-de ser |
Que a compreensão que nos agrade. |
|
O real tem a capacidade |
De surpreender o pensamento |
E pensar é um elemento |
Capaz de criar realidade. |
Esta reciprocidade, |
Se é o nosso tormento, |
É também nossa esperança: |
- É a verdade |
Que se alcança, |
Tanto na mente que a entrança |
Como na factualidade. |
|
487 – Falta |
|
Qual, |
Na falta de seguro critério, |
O interesse geral? |
- Este é o fundamental |
Mistério. |
|
Depois, tem de ser perseguido |
Com grande circunspecção, |
Por tentativa e erro, de ouvido, |
Com olhos no coração… |
|
Reclamar que se conhece |
O que é do geral interesse |
É um erro tão profundo |
Como negar-lhe existência neste mundo. |
|
Entre o ser e o não-ser |
Nasce, cresce e floresce |
O que é do geral interesse, |
- E ninguém o vislumbra sequer! |
|
|
488 – Mina |
|
O fundamentalismo do mercado |
Nos mina o democrático caminho. |
E o fracasso político, por seu lado, |
Daquele sendo um resultado, |
De peso é um argumento que adivinho |
A favor |
Do fervor |
Do fundamentalismo de mercado. |
- Como quebrar então o cadeado |
Que a si próprio se alimenta |
Do que em nós há destroçado |
Na tormenta? |
|
|
489 – Mentira |
|
O sistema prefere |
A mentira que preserva a convenção |
À verdade que a fere |
E deita ao chão. |
|
Que há-de ser de nossa vida |
Se apenas com sistemas lida? |
Logo que a verdade que o abale |
Quenquer |
Fale, |
O sistema impõe a medida |
Que o cale. |
|
A farsa |
De nossa vida |
Por sistemas esparsa |
E diluída! |
|
490 – Produtoras |
|
Inteligência e criatividade |
São produtoras, não produto |
De qualquer educação que persuade. |
|
Às vezes a pior sequela |
Que a esta imputo |
É que sejam vítimas dela. |
|
A perversão |
Vem de ser a educação a condutora |
Em lugar de atenta e devotada produção |
Provinda da inovação |
Da criatividade que nos melhora. |
|
|
491 – Sabedoria |
|
A sabedoria |
Instaura ideais e fins valiosos. |
É o que nos diferencia |
Das máquinas, dos robôs especiosos |
Que nada extasia |
Nem choram eventos dolorosos. |
|
- Por que será que a educação |
Nunca inicia |
Aos gozos |
De tal função? |
|
Entre a aprendizagem do facto |
E a do valor, |
Por que não um pacto |
Em lugar do desamor? |
|
Custará tanto assim respeitar |
A liberdade de optar? |
|
|
492 – Buscam |
|
As ciências buscam o comum |
No aparentemente diferente, |
As humanidades, o diferente |
No aparentemente semelhante. |
Que o rumo de ambas seja um, |
Como é difícil e distante! |
O problema, |
O humanista melhor o formula |
Que o soluciona, |
O cientista melhor o soluciona |
Que o formula. |
Eis o dilema! |
|
O humanista mora mais perto |
Da solução errada para o problema certo, |
A solução certa o cientista |
Para o problema errado tem em vista… |
|
- A mútua integração numa só via |
Um porvir bem melhor prometeria! |
|
|
493 – Entender |
|
É mau que a maioria creia |
Entender o próprio comportamento. |
Pior, quando dos outros, volta e meia, |
Julga ter o final desvelamento |
|
Os indivíduos ignoram |
Porque fazem o que fazem |
E, dos mais, porque demoram |
E se comprazem |
Em arbitrárias atitudes. |
|
Por que te iludes? |
Ninguém se compreende, |
Quanto mais |
Aos demais! |
|
O mistério nos surpreende |
E rende, |
Só nos ficam vestígios e sinais. |
|
|
494 – Desenvolvimento |
|
Desenvolvimento, |
Desejo e capacidade |
Em aumento |
Para acorrer à própria necessidade |
E anseios morais, |
Bem como aos dos mais, |
|
Quer motivação e aprendizagem. |
Como ensinado ou motivado |
Por outrem não pode ser ninguém, |
Nenhum personagem, |
Grupo, povoado |
Ou país pode também |
Desenvolver |
Outro qualquer. |
|
Encorajar ou facilitar, pode. |
Só, porém, |
Quando o protagonismo do outro acode, |
Inelutável, como convém. |
|
Em troca, dele a preterição |
É um fracasso: |
Não há desenvolvimento escasso, |
É definitivamente um aleijão! |
|
|
495 – Respeito |
|
Respeito |
Baseado no preconceito |
Não tem futuro: dele o rumo |
É uma nuvem de fumo. |
|
Respeito de facto |
Assenta do indivíduo no acto, |
|
Não em qualquer |
Outro pendor que houver. |
|
E é uma ilusão |
O respeito por obrigação. |
|
|
496 – Recurso |
|
Sendo o tempo o recurso mais valioso, |
Único que jamais é renovável, |
Ninguém, nem mesmo nós, terá fiável |
Direito a esperdiçá-lo, preguiçoso. |
|
No desleixo, |
Mais do que ao tempo, é a mim que me deixo. |
|
|
497 – Artes |
|
Bem menos desenvolvidas |
São as artes de dar que as de receber. |
Mas porque mais desenvolvidas |
Hão-de ser |
Entre os menos desenvolvidos |
Que entre os mais favorecidos? |
É, porém, a constante |
Que poderemos ver |
Mundo adiante: |
- Quão mais rico, |
Mais usurário fico! |
|
|
498 – Encantamento |
|
O encantamento |
Que tanto na vida nos falece |
Em simultâneo a mente obscurece |
E aguça a percepção do momento. |
|
Até que o coração |
Toma assento. |
|
Eis a paz: equilibração |
Entre razão |
E sentimento. |
|
|
499 – Tingido |
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Um encantamento é tingido |
De erotismo e ludicidade, |
O que não tem sentido |
Na cultura da ambição: |
Não tem lógica, desligada da verdade, |
Zomba da razão… |
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Põe de lado as ferramentas |
Com que tentas |
Compreender. |
Delas em lugar, |
Prefere perder |
Para ganhar. |
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500 – Complexo |
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Trabalhar demais |
É um complexo emocional: |
Quando ocupados corrermos mais, |
A fazer menos andaremos, em geral. |
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Podemos ser activos, em suma, |
Sem estarmos ocupados |
E, sem realizar tarefa alguma, |
Ocupar-nos, empenhados. |
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Poderei mesmo, obsessivo, |
Empenhar-me numa actividade |
Sem de todo activo |
Me concentrar nela em verdade. |
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O trabalho mero meio |
Pode ser doutro objectivo: |
Ganhar dinheiro, vergar o receio, |
Provar a alguém que ando vivo… |
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Hiperactividade pode |
Ser a forma de evitar |
Emoções, afectos, quanto acode |
À razão difícil em busca de lar. |
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De repente talvez acreditemos |
Que deveras importante |
É o tempo que não perdemos… |
- E assim nos iremos perdendo instante a instante. |
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501 – Sensibilidade |
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Sensibilidade moral, |
A nosso encantamento mais profundo |
É ser eternamente leal, |
A vida inteira, até ao fim do mundo. |
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Mais questão de amor do que de norma, |
De fluidez que de firmeza, |
Humor elementar é o que no-la conforma. |
E a qualquer princípio implantado, |
Inconformado, |
Em nome da primordial pureza, |
Lesa. |
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Todos somos levados, |
Cada qual dele à maneira, |
Por todos os ventos cruzados, |
Do próprio destino à jeira. |
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Cumpridos os fados, |
Tudo afinal nos emparceira. |
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- Sensibilidade moral |
É reconhecê-lo como a fonte primordial. |
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502 – Preciosa |
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A pedra preciosa |
É já presente o divino: |
Vagamente luminosa, |
Evoca a vertente numinosa, |
Espiritual destino. |
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Centelha dentro da vida material, |
Aponta a divindade, |
Tem magia real: |
Para adulto ou criança, |
Com simplicidade, |
Cicatriza a ruptura que balança |
Entre o céu e a terra, |
O lá de cima e o cá de baixo. |
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Quando na pedra preciosa o coração encaixo, |
A ferida cerra. |
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503 – Habitado |
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A terra é um organismo |
Habitado pela alma do mundo. |
Do cosmos o infindável abismo |
É um animal fecundo |
Que vive e respira |
E tem mesmo um rosto expressivo. |
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No Universo quando isto confira |
E dele o aufira, |
Então deveras vivo: |
O coração |
Bate a compasso, |
A par e passo |
Com a razão. |
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504 – Limiar |
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O encantamento mora no limiar |
Do encontro da actividade humana |
Com a natureza. |
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Magia preliminar, |
Momentânea faísca que dimana |
Da combinatória de beleza |
Entre as estrelas e a arte |
Do encontro delas pela consciência, |
O encantamento é a canção que o Universo |
Reparte |
Pelos ouvidos atentos à resplendência, |
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E é o labor artesanal e converso |
Das mãos humanas admiradas |
Com as geometrias pelo Cosmos espalhadas. |
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505 – Dádivas |
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A natureza são mil dádivas de oferta: |
A beleza, um local de reclusão, |
Matérias-primas, areia deserta, |
De ar e de água purificação, |
Território de lazer, |
Habitat de infindas criaturas, |
Contexto para desenvolver, |
Por dentro de quenquer, |
Novas estruturas… |
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A consciência verde apura tudo, |
Excepto o desenvolvimento. |
A de aço acinzentado |
É o betão armado, |
Sobretudo, |
Que acolhe a cada momento. |
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Como deveras cada dom |
Tem a própria razão, |
Convém valorizá-lo |
E um jardim no meio da floresta, |
De todos para regalo, |
Plantar em festa: |
Talvez a fronteira fortificada |
Entre a natureza e a civilização |
Então |
Acabe por uma vez derrubada |
No chão. |
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506 – Obcecados |
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Quando obcecados por algo nos tornamos, |
Do sexo ao chocolate, |
Decerto iludidos deambulamos, |
Acreditando no dislate |
De que a grande quantidade |
Equivale à qualidade. |
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Usar matéria-prima indiscriminadamente, |
Sem consciência limitadora |
Nem de inibição um quociente, |
Dá-nos um lar onde ninguém mora |
Ou um negócio que apenas nos devora, |
Persistente. |
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A quantidade suficiente |
Norteia a qualidade |
De todos os vergéis da criatividade. |
Explorar sem limite |
É a neurose que pensa |
Que há-de haver recompensa |
Mas já não há nada que evite |
Que nos traga uma doença. |
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507 – Requer |
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Dos gostos requer a comida o imaginário |
Como a música o dos sons, |
Como o de materiais e formas a escultura. |
Primário, |
Ao discernir gostos maus e bons, |
Se afigura |
Que provar um alimento |
É uma forma de conhecimento. |
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Escola para os sentidos, |
Eis do poder o lugar |
Que à mesa, os pratos servidos, |
A comida tem para encantar. |
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508 – Estranho |
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É estranho vermo-nos olhados |
Como aparelhos complexos, |
A análise e reparação condenados, |
Em lugar de seres vivos, cuja medida |
De saúde são os amplexos |
E a boa comida. |