DÉCIMO  ITINERÁRIO 

 

ÀS  RAÍZES  ATENTO  DONDE  PARTO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha um número aleatório entre 637 e 708 inclusive.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

637 – Às raízes atento donde parto

 

Às raízes atento donde parto

Descubro mais e mais que mais além

Quando me for lançar é porque aquém

Me prenderá fiel corda de esparto

 

À terra firme que fatal sustém

As asas que da cave sempre acarto

À espera de se abrirem como um parto

Dum homem novo em ventre que o contém.

 

No vaivém do mergulho não me afogo,

Desvendo do que sou minhas matrizes,

A atear aprendo no íntimo o meu fogo.

 

Ao calor dos gravetos das raízes,

Quão mais fundo em meu imo, mais lonjura

Meu olhar às pegadas me depura.

 

 

638 – Centro

 

Não és centro do Universo

Nem centro da Criação,

Nem concentras o disperso

Deus que buscas sempre em vão.

 

Nada te vale a razão

Mal aflorando do berço

Dum inconsciente vulcão

Contra a razão sempre adverso.

 

Portanto, despromovido,

Se queres ser importante,

Não é de tal ter nascido,

 

É por ir, de instante a instante,

Realizando algo subido:

Valer é valer adiante.

 

 

639 – Conto

 

Contar o conto à criança

É rasgar uma janela

Que o vasto mundo lhe alcança

Do chão à primeira estrela.

 

Tempo de histórias contar,

De partilhar corações,

Lições de vida alinhar

No calor das emoções…

 

Mais tarde então as sementes,

Noite a noite semeadas,

Enraízam-se entrementes,

 

Germinam nas alvoradas.

- E ao fim eles, inocentes,

Contam-nos contos de fadas…

 

 

640 – Pena

 

Vale a pena ser pessoa,

Compreender a dor da vida.

Não que haja qualquer dor boa

Que seja um castigo à toa,

Mas antes porque, aprendida,

 

Vendo o que há por trás do véu,

Por maior que seja a guerra

Que à dor alguém empreendeu,

Não é um castigo do céu,

- É aprendizagem da terra.

 

Após bem assimilada,

A dor da vida é uma estrada

 

Que para além do horizonte

Ergue daqui uma ponte.

 

 

641 – Vulnerabilidade

 

Uma das grandes dádivas do amor

É uma comum vulnerabilidade,

Criar um campo de emotividade,

Tempo e lugar de alguém se auto-propor.

 

De viver, de exprimir-se há um corredor

Por cada qual ao outro em sua herdade

Aberto, a convidá-lo a que, à vontade,

Tais leiras lavre como um semeador.

 

Então irracionais ou racionais

Dele as maneiras irão desdobrar-se,

Não se contém nem usa mais disfarce.

 

Vamos correndo o risco a dar sinais

De nossa débil alma ao tempo surdo

E persistimos em mondar o absurdo.

 

 

642 – Irracional

 

Ter alma é tolerar o irracional

Com a exigência com que nos confronta,

Uma pedra angular jogando à conta

Da intimidade a partilhar real.

 

De alma ao honrar aquela extrema ponta,

De perfeição a expectativa mal

Aflora sobre mim ou sobre qual-

Quer outro, já que em nós a nada monta.

 

 

Assim nos libertamos de elementos

Perfeccionistas numa relação,

Ao tolerar os bons e os maus momentos.

 

Intuímos a tendência de avançar

Pela estranheza e pela negação:

Nada nos pode agora ultrapassar.

 

 

643 – Feito

 

Um grande feito histórico depressa

Míticas proporções vai revestir.

No plano individual todo o porvir

Em histórias de antanho aqui tropeça,

 

Rapidamente afeitas a um devir

Que na mitologia viva cessa:

Qualquer experiência que nos meça

Célere muda em crença ao evoluir.

 

Só porque outrora a relação morreu

Logo concluo que jamais há céu

Que cubra um par que aqui se apaixonou.

 

Vai ser o inverso em caso inverso, além…

- Embora assente em factos, não convém

Que apenas a ilusão molde o que sou.

 

 

644 – Importante

 

Trabalho de alma do mais importante

Envolve apenas sair do caminho,

Deixar a vida seguir adiante

Por trilho dela que nem adivinho.

 

Agarrar-me feroz, porém sozinho,

À leitura ou programa que, gritante,

Proclamo que é o melhor que há no cadinho,

Por único e absoluto é ter-me diante.

 

Cuidar de alma é escutar humildemente,

É um acompanhamento com escolha,

É familiaridade reticente,

 

Reconhecer em mim história antiga,

Vozes a me guiar e que eu acolha:

- É o insondável ver que em mim se abriga.                      

 

 

645 – Cultivar

 

Connosco a intimidade cultivar

Ou com outrem não é nunca questão

De descobrir a nova informação,

Novo termo no velho afivelar.

 

Nem de ideias qualquer aplicação

A minhas experiências vai levar

As automelhorias que abarcar

Para além da fronteira da intenção.

 

A ideia de alma quer mais o ignorado,

O que ficar além da consciência

A conviver comigo lado a lado.

 

Em consideração tomar o ignoto,

Dar-lhe lugar a pôr-se em evidência,

- Eis como finalmente o abismo adopto!

 

 

646 – Vazio

 

Quando em mim tudo paira no vazio,

O consolo é acolher-me num abraço

Incondicional onde, traço a traço,

Me acate no que vejo ou desconfio.

 

Descubro então que meu mistério enlaço

Reconhecendo em mim que existe um fio

De infindas malhas a que me confio

Que nunca entendo e onde me ultrapasso.

 

Agir poderei mesmo duma forma

Que outrem perturbe, não por um defeito,

Que do carácter isto não é norma,

 

Mas por minha alma então tentar entrar

Em minha vida: ataco peito a peito

A resistência de meu ser e estar.

 

 

647 – Par

 

O casamento julgo ter a ver

Com uma relação com outro a par,

Mas mais misterioso e singular

Se revela, pois busca um trio ser,

 

Estranha união que quer gratificar

Com o sonho que vier a acontecer

E a fantasia a que jamais sequer

Tomamos porventura o paladar.

 

Casamento genuíno ocorre fora

Da vida externa, qualquer alma gémea

É sempre doutra espécie um macho-fêmea:

Um anjo, um animal, fantasma embora…

 

A bela e o monstro são no casamento

A lonjura onde o amor busca alimento.

 

 

648 – Solda

 

O casamento solda alma inocente

Com espírito erótico onde o mal

Poderá ter em mente cada qual,

Que o maligno ali brota de repente.

 

Chocados porque venha um animal

Surpreender o incauto imprevidente

Nunca estaríamos se fora assente

Que casar sempre um demo solta real.

 

Cremos que humana instituição será

Quando um pendor contém misterioso

Que contradiz, transcende o que houver cá,

 

Do casal os intuitos: tem um plano

Tão diabólico em que mata o gozo

Como angélico em que é divino o humano.

 

 

649 – Subterrâneo

 

Com o senhor do mundo subterrâneo

Qualquer amor se casa, na ilusão.

Não é o óbvio suprema sedução,

Antes o escuro e doce coetâneo,

 

Fruto em semente, augúrio temporão,

Não o maduro já contemporâneo.

Sou atraído por um sucedâneo,

O sabor quente dum provável pão,

 

Nunca a boroa já colhida ao forno.

Quero a promessa que me traz futuro,

Não a verdade que me gira em torno.

 

A sedução por onde me inauguro

É mais sombria sempre, porventura,

Do que a razão em tudo o que me jura.

 

 

650 – Desabrochar

 

Fonte própria qualquer alma detém

Para desabrochar: a tentação

É tomarmos por guia uma intenção

Inicial que ao casar se tem,

 

Como a maneira que melhor convém

Para à família dar orientação.

Mutuamente se culpam porque não

Cumprem as juras feitas de ir além,

 

Sem repararem que é uma só defesa

Contra incessantes movimentos de alma.

Qualquer alma, de início, é uma semente.

 

Anos mais tarde, não fará surpresa

Que a diferença no lar leve a palma,

Que ao fim qualquer começo apenas mente.

 

 

651 – Fatalista

 

Sempre uma relação é inesperada

No nada de que brota fatalista.

Ao caminhar, também, seguindo a pista

Que lhe impuser, destroca-me a passada.

 

Convirá relembrar aquela entrada,

Correr-lhe estas sequelas em revista:

O casal brota em ímpeto que invista

Para além da intenção já programada.

 

Reviravoltas tem inesperadas,

Elementos afloram surpreendentes,

Ameaçadores ou gratificantes,

 

E há relações às vezes desastradas…

- A conjunção de estrelas persistentes

É o fado a impor-nos os abismos de Antes.

 

 

652 – Fatídica

 

Ao responder à dimensão fatídica

Da própria relação, pode um casal

A espiritualidade mais verídica

Ir relançando em bases sem igual.

 

Pedra angular de amor funda e granítica,

Reagir no par além do racional,

Às profundezas indo da somítica

Realidade em nós mais ancestral,

 

É mergulhar das almas no interior,

Criar intimidade mais profunda

Do que a que o pensamento há-de antepor.

 

Tal relação raiz na terra afunda

Não por inteiro humana mas mais firme

Que a que o engenho humano nos confirme.

 

 

653 – Procriação

 

Servirá o génio à procriação

Física tanto quanto à mais global

Da criatividade em relação,

Oriunda dum encontro visceral.

 

A criatividade conjugal

É mais do que ter filhos, é um serão

De cultura inovar pelo casal,

Um lar de intimidade em pulsação.

 

Muda com a mudança de estações,

E tão vital é tudo o que constrói

Que se transmudam nisto as uniões.

 

Se atingido primeiro o casal foi,

Logo as comunidades e os amigos

Se acolhem gratos entre tais abrigos.

 

 

654 – Génio

 

O génio respeitar do casamento

Na criatividade é me centrar

Tanto quanto ando sempre a abrir lugar

Aos intuitos que tenho no momento.

 

Casar-se é abrir a porta em novo lar

À influência do génio que acalento

Não só para manter o casamento

Mas também para dele algo talhar.

 

Em nossas atitudes respeitá-lo

Será escutar-lhe a voz de orientação

No sofrimento como no regalo.

 

Do casamento então assim cuidamos

Pelo carácter dele e seu condão,

Não por ideias em que o nunca achamos.

 

 

655 – Atento

 

Atento poderei ficar ao génio

Que em mim existe como no meu par.

Em nadas simples se há-de revelar:

A preocupação por um convénio,

 

Sentir que vou levado como a voar,

Forte desejo… “Se há razão, ordene-o,

Se a não houver, boa nem má, condene-o”

- O irracional, porém, ao se vingar,

 

Contra a norma é o brotar dum outro mundo.

Se atenção não prestarmos ao demónio

Esbanjamos de vez o matrimónio

 

No que é banal de vez preso, infecundo.

A inspiração efémera, a intuição

É que rasgam no ignoto uma incursão.

 

 

656 – Imprevisível

 

Porque é o imprevisível, não revela

Causas encadeadas nem razões:

O destino ao casal traz confusões,

Qualquer sentido apenas o desvela

 

Se conversarem fundo os corações,

A descobrir a vida tal como ela

Ambígua se entremostra à luz da vela.

Querendo nós justificar acções,

 

Logo tendemos a montar defesas.

Ora, o destino quer de nós lealdade

Com o mistério de que somos presas.

 

Pode exprimir-se então o nosso espanto,

Contar o inexplicável como invade,

Para acolhê-lo enfim no puro encanto.

 

 

657 – Milagre

 

De Jesus o milagre pioneiro

Ocorrido terá num casamento:

Água em vinho transmuda num momento,

Em Canaã, que a festa vem primeiro.

 

Da vida muda o básico elemento,

Água, no licoroso e bom parceiro,

O vinho inspirador, motor cimeiro

Do espírito a que aos frios me acalento.

 

O casamento ocorre em Canaã

E todos ali vão ter de seguida:

Pois todos vão mudar a vida chã,

 

Água primordial, noutra bebida,

Um vinho de alma efervescente e puro,

O inspirador de quanto sonho auguro.

 

 

658 – Dialéctica

 

Família de alma com família real

Em constante dialéctica convivem.

As memórias de infância sobrevivem

Nos escaninhos dum passado tal

 

Que, de repente, algo fará que avivem

Todo o presente, modo pelo qual

Findam desempenhando, bem ou mal,

Papel de vulto em tudo quanto vivem.

 

A família afinal que imaginamos

Na fomação da que é real impera

Ao retraçar tantos perfis e ramos.

 

Porém, mais longe o molde em que pondera

Nos afectou, pois sempre nós nos damos

Na família real com a quimera.

 

 

659 – Família

 

Família num sentido universal

Mais que metáfora será decerto,

É numa relação que mora perto

Buscar o afim que for fundamental.

 

É que este não depende, no geral,

Nem da atracção nem de qualquer acerto

Do compatível a que andar desperto,

Antes da afinidade radical.

 

Os que trabalham juntos num projecto

Podem sentir o laço quando falam,

Trabalham, se conhecem em concreto…

 

Quando um país unido pretendemos

E as nações numa paz que não abalam,

Família duradoira é o que tecemos.

 

 

660 – Lar

 

Da vida básica estrutura, o lar

Proporciona à criança protecção,

Orientação, amor, educação…

Os pais na vida encontram familiar

 

O trabalho de filhos sustentar

Pejado da melhor motivação.

Avós, sobrinhos, muitos mais estão

Por pontes de família a se ligar.

 

Todos recebem alma doutras vias:

Uma história e cultura de família,

A identidade, uma visão do mundo…

 

Os mais velhos, do tempo as gelosias

Abrem das gerações sobre a vigília,

Casam passado com porvir fecundo.

 

 

661 – Imaginário

 

O imaginário é o desafio-mor

Numa família que o pretende ser.

A sombra da família importa ver

(Tensões, antagonismos, o rancor,

 

Os confrontos que nela vão-se opor…)

- Que é construtora de alma por qualquer.

Forjar de novo algum perfil de ser

Em norma é a luta que se irão impor

 

Quaisquer membros nos ritos de passagem.

Se imaginam em tal que são família,

Leais mantendo as tradições, dão-lhe alma.

 

Felicidade não é o fim da viagem:

É a pertença ao candor dum chá de tília,

É história a dirigir segura à calma.

 

 

662 – Culpabilizar

 

Ir culpabilizar os nossos pais

Por uma dor que é dor de natureza

Bloqueia a relação que mais se preza

Num padrão estagnante entre varais.

 

Não é interdependência que jamais

Nos liga duns aos outros, antes presa

A culpa nos retém toda a proeza

De criar novos rumos e sinais.

 

Um movimento ainda que pequeno,

De cada qual viver a própria vida

Da liberdade pode ser o aceno.

 

Desagrilhoar em mim o prisioneiro

Quebra o padrão e os pais, logo em seguida,

São o que nunca iriam ser primeiro.

 

 

663 – Perplexo

 

Ante os problemas se é de andar perplexo,

Individuais ou colectivos males

Que esmagariam, infindáveis, sem avales,

Sem dos remédios vir o bem conexo,

 

Podemos recordar aquele amplexo

Da família sagrado em que te embales,

Com um poder maior, mal o assinales,

Do que o esforço que com tal tem nexo.

 

Existe algo de mágico em família,

Magia de empregar eficazmente

Com respeito, humildade e com vigília.

 

Com as almas viver em sintonia

É no poder fiar-se transcendente

Que em nós nos ultrapassa cada dia.

 

 

664 – Laica

 

De família esta nossa laica ideia

Tão dogmaticamente defendida

Como certa no mundo e aqui vivida,

Sobre si facilmente vira e ameia.

 

Demasiado egoísta, estreita teia

Xenófoba devém logo em seguida,

Contra o apego a defesa é promovida

E conviver além, nem na alcateia.

 

 

Se capazes, porém, formos de olhar

O lar como deveras é sagrado,

Como eficaz maneira e regular

 

De o píncaro atingir mais elevado

Da vida nas inteiras dimensões,

O laço armámos de enlaçar nações.

 

 

665 – Laicizar

 

De laicizar se orgulha o mundo actual

Da vida aspectos dos que mais temor

Causam povos além reverencial:

O nascimento é a clínica no amor,

 

O sexo é mais a técnica pessoal,

Paternidade quer um treinador,

Família, mera orgânica social…

- Abordagens pragmáticas vão pôr

 

A família sem alma, uma vez que esta

Plenamente envolvida no cotio,

À eternidade um outro lado empresta.

 

Usufruir queremos laica vida.

Porém, se nesta apenas me confio

Fico amputado da final medida.

 

 

666 – Tendência

 

Há uma tendência antiga em vida humana

Que as religiosas tradições conhecem:

Enquanto eternos perfis mais esquecem,

Mais nos agarra a lida quotidiana.

 

Ritos, regras, as artes acontecem,

Os escritos sagrados, tudo emana,

Tal arte da memória mal profana,

Espirituais vertentes que fenecem.

 

Em nossa mente e coração, talvez

Requeiramos maneiras de acordar

A sagrada família que desfez

 

A rotina habitual de cada lar:

Símbolos e poesia, duma vez,

De além ao peso vão-nos obrigar.

 

 

667 – Particular

 

O ânimo da família quer cuidado,

Particular cultura que velar.

Como as regiões, os povos, singular

Modo terão de agir em cada lado,

 

Crenças, valores, gestas que dão brado,

Assim cultura própria tem um lar.

Da especificidade vai lucrar

Qualquer alma, neste uso demarcado.

 

Os acontecimentos, locais, temas,

Personagens de histórias de família,

O mesmo são que os mitos e que os lemas

 

Das letras que às nações fazem vigília.

São raiz e utopia, num recurso

Do imaginário a abrir à vida o curso.

 

 

668 – Gradual

 

Um lar alma requer e bem cuidada

Que gradual revele pelos anos

Em cada qual a traça dos enganos

E na família os marcos da jornada.

 

Interminável fonte e denodada

De vida e de mudança em quaisquer planos,

Nem sempre reconforta, que tem danos

O vaivém que mantém nesta empreitada.

 

Importa o movimento com cuidado

Seguir em pais e avós, em perda e ganho,

Ver do irmão o florir acidentado,

 

Acompanhar dos filhos o tamanho…

Por fim seguir o mito dentro em nós,

Dele orgulhar-nos e tecer mais nós.

 

 

669 – Carinhos

 

Nos carinhos às almas a prestar

Questão fundamental é de emergir

As deixar por si próprias, é de ouvir

Os bloqueios, tormentos, de velar…

 

Manifestações ténues é de honrar,

Iniciações modestas ao porvir

Será de as celebrar enquanto as vir.

No ambiente de família tão vulgar,

 

Por jeitos que não querem muito esforço

Nem mesmo implicam um labor a mais,

Pode um lar revelar-se, em breve escorço,

 

Uma das forças simples mais potentes,

Mais criativas entre os pedregais

Que os pés da vida rasgam inclementes.

 

 

670 – Eternidade

 

A eternidade faz-se valer tanto

Nas duradoiras relações que houver

Como nas transitórias de quenquer

Que pouco durem, esgotado o encanto.

 

O tempo real nas almas eu implanto,

Porém nenhuma delas quer saber

De quanto dura ou se durou sequer,

Mas da tonalidade de entretanto.

 

Ao evocar a eternidade, o laço

No imaginário permanece eterno,

Por mais que o tempo lhe haja sido escasso.

 

Às memórias serei sempre fiel,

Que eterno dura o dia em que fui terno.

- Que importa o nada que me toca a pele?

 

 

671 – Troca

 

Como de amigos quando um par pensamos

Em troca de o pensar como um casal,

Logo diverge o plano do que vale

E o das expectativas que apostamos.

 

De intimidade e autonomia igual

O paradoxo neles implantamos:

Do cônjuge a fiel alma tem ramos

A germinar, como a união final

 

Os vai mondando em busca da unidade.

Criar lugar aos dois é quanto importa,

Que as almas atender gera distância

 

Como a mais familiar profundidade,

A níveis a que o longe abriu a porta,

- E recupera o casamento a infância.

 

 

672 – Infinidade

 

Ligar às almas leva à intimidade

Duma proximidade interpessoal

Bem diferente, já que o principal

Dos amigos é olhar a infinidade.

 

Buscarem em conjunto algum sinal

De alma, aquela terceira realidade,

Liberta autonomia de verdade,

De acordo com as leis a que equivale.

 

Amigos empenhados de alma ao nível

Um doutro mais que à vida atenderão,

Que aos intuitos, razões – nada é credível.

 

Para além olham juntos o horizonte

E neste olhar acabam tendo à mão

Para a amizade do infinito a ponte.

 

 

673 – Sociabilidade

 

Em sociabilidade realizam-se

Em conjunto uma posse individual

Com uma propriedade que, afinal,

É colectiva – e os laços enfatizam-se!

 

O indivíduo abastado fica em real

Posição de atender, materializam-se

Comunitários sonhos e divisam-se

Mil modos de os fornir de capital.

 

E aquele que tiver pouco dinheiro

Proprietário pode ser de lagos,

Atmosferas, jardins que frui leveiro…

 

O dinheiro não é da quantidade:

O pobre vender mesmo pode afagos

E o rico, germinar comunidade.

 

 

674 – Monge

 

Como o monge que busca o ser divino

Do superior nas ordens entrevisto

Detectarás no mundo que te listo,

Nas carências que cercam teu destino,

 

As sementes de vida a que te inclino,

Teu chamamento a quanto de ti disto.

Com tal obediência o rumo fiz-to

Para a comunidade em trilho fino.

 

Tua realização conceberás

Na dos mais integrada que te cercam:

Todos por ti prosperarão em paz.

 

E, enquanto a comunhão já não mais percam,

Ofertam-te o contexto e a lavra certa

Para em ti germinar a descoberta.

 

 

675 – Demorarão

 

Demorarão as cartas a escrever

Que a conversa mais tempo normalmente,

Requerem reflectir, engenho assente

Para exprimir o que a dizer houver.

 

E permanecem para lidas ser

E conservadas ocasionalmente,

Até nalgum porvir longinquamente

Um indiscreto ignoto as reaver.

 

 

Tudo tem alma, que voltar a ler

É meditar de modo reflexivo

E honra a memória conservar, manter,

 

Já não apenas honra o quotidiano,

E falar a quem ainda não é vivo

É respeitar da eternidade o plano.

 

 

676 – Receptáculo

 

Nas cartas, rito de alma é o de as guardar

Num receptáculo qualquer, em caixa,

Ou num armário, prateleira baixa,

Por ordem muito bem as arrumar…

 

Do domínio do tempo as retirar

Para a função que em qualquer tempo encaixa

As cartas valoriza, exclui da faixa

Da comunicação que houve ao azar.

 

Ao guardar cartas, reflexões conservo

Com a marca objectiva em que tropeço,

E relevância eterna lhes reservo.

 

Maior abrigo de almas onde esqueço

Da vida as freimas pela intimidade,

Nas cartas vou sonhando a infinidade.

 

 

677 – Estímulo

 

De alma estímulo, o estilo como o engenho

A vida vão tornando bem mais rica,

Degrau primeiro para quanto fica

Das relações que com os mais mantenho.

 

Quando o estilo à emoção que ora desdenho

Se alia na expressão que então o aplica

Nada pode ser mais, quando se explica,

Potente e criativo no desenho.

 

Nas eras que virão tanta importância

Se não dermos à arena dos problemas,

Compreender, mudar, perderão ânsia,

 

E, em troca, o belo, o sentimento, lemas

Nos poderão devir de entrar no mundo:

Partilhá-lo-emos com os mais, fecundo.

 

 

678 – Tarefa

 

Nossa tarefa é descobrir maneiras

De integrar emoções, as mais profundas,

Na vida quotidiana onde fecundas

Do tempo irão lavrar além as leiras,

 

Vestir a eternidade das leveiras

Roupagens que este dia irão jucundas

Marcar momentos de ilusões mais fundas

Que os sonhos matinais de horas primeiras.

 

Como fazer? Com a paixão casamos,

Vivemos fantasias sexuais,

Sonhando a companhia, a ver se damos

 

Algures com o deus que houver a mais.

Os espartilhos rompo ao casamento

Com a visitação que vier no vento.

 

 

679 – Resultados

 

Queremos resultados e depressa

Mas há vantagens várias na paciência

Com paradoxos que esta impaciência

Não tem contrapartidas com que meça.

 

O tempo expande as almas e começa

A tensão a gerar-nos evidências

Com memórias, imagens e cadências

Onde o sendeiro único tropeça.

 

Descobrimos caminhos duradoiros

E mais profundos aos problemas tidos.

Precipitado se buscar tesoiros,

 

Caminhos feitos findarão seguidos

Só com meu ego a provocar desdoiros.

- E eram novos os mundos prometidos.

 

 

680 – Promiscuidade

 

“Promiscuidade arruína a tua vida”

- Afirma-te uma voz.Outra voz diz:

“Não te reprimas, goza e sê feliz!”

Ambas ao escutar, um homem lida

 

Com o trilho onde pode ser banida

A oposição que nada contradiz,

Equilíbrio logrado por um triz,

Mas com a ambiguidade não solvida,

 

Vivemos a tensão reivindicada

Rumando graduais para o que é novo,

Mudando a luta em trama apreciada.

 

Entendemos então que as ilusões

Um papel próprio têm de renovo

Na alquimia do que são nossos senões.

 

 

681 – Revelador

 

O sexo ainda mais revelador

Será na disfunção e confusão

Do que no bem-estar dará lição.

De examinar ansiosos o negror,

 

Analisamos do passado o chão,

As posturas presentes que valor

Terão para o que houvermos de propor,

Que é que anda acontecendo desde então.

 

São alimentos de alma que aqui temos:

O problema nos pica o imaginário

A ter em conta mudas que nem cremos,

 

Viver o sexo num pendor contrário,

Nova atitude em tudo quanto ocorre…

- E à abertura infinita o infindo acorre.

 

 

682 – Desejo

 

Incluir o desejo em meu cuidado

É permitir que ocupe um lugar vago

Na configuração que à vida trago.

O desejo não devo pôr de lado

 

Nem desprezar por prático arrazoado,

Nem devo permitir que um mero afago

Da razão venha, pois então me chago,

Nem do bom-senso que o tiver tocado,

 

Excluindo o pendor mais misterioso

De apetites e anseios duma vida.

A vida erótica difere em gozo

 

Da racionalidade ali haurida.

Têm desejos o papel central

De alma a desabrochar-me a mim igual.

 

 

683 – Bola

 

Uma bola que salta é o erotismo,

Lúdico sempre a divertir-me a vida.

Quase insignificante nos convida,

Gesto ligeiro, a aprofundar o abismo.

 

Somos levados a escavar, eu cismo,

Recantos de alma em brincadeira e lida

E não só na questão muito subida

Que de razão apenas clara crismo.

 

O tempo é uma criança divertida

A remexer em nosso tabuleiro,

Jamais o velho grave e sem parceiro.

 

Jovem, criança, sei lá que medida,

Por norma imprevisível e selvagem,

Ele usa espicaçando-me a viagem!

 

 

684 – Guia

 

Por guia de alma se é tomado o eros,

Do sexo o medo, marca da cultura,

Com o controlo ansioso que lhe apura

Prevalece, a estragar de alma os temperos.

 

As almas geram vida em votos meros,

E de imaginação salpicam pura

Do mundo a teia que, ao invés, segura

Manter-se estável quer, mesmo nos zeros.

 

O sexo implanta eterno novos nexos,

De fantasia enchendo a intimidade,

Com emoções ignotas e excitantes,

 

Com a vida a trocar novos amplexos.

Refreá-lo, apegado à realidade,

Entrava-o de inovar-nos os instantes.

 

 

685 – Pornografia

 

Um gosto em procurar pornografia

Mostra o desejo de intensificar

A vida erótica, em particular

O imaginário sexual que hauria.

 

Apercebermos o desabrochar

Deste interesse surpreenderia,

Mas o que importa é que motivo havia,

Sem apressadamente o vir julgar:

 

Em eros tendo as mais férteis esferas,

É de esterilidade uma denúncia

Na vida, pensamento, - nas esperas…

 

O imaginário da pormografia

Nos tranquiliza quando é uma pronúncia

Dentre as falhas em busca duma via.

 

 

686 – Feridas

 

Falarmos de feridas sexuais

São em geral as causas e os efeitos,

Sabermos as razões e por que jeitos

Dificuldades sentiremos tais.

 

E alguém mesmo encontrar, além do mais,

A que se vá por todos estes pleitos

Responsabilizar, já que aos defeitos

Mais o bode os acolhe que expiais.

 

 

Outra abordagem, mais dotada de alma,

É resistir à tentação causal

Com sentimentos a levar-lhe a palma,

 

Recordações, desejos, pensamentos

Vindos no medo e no pesar sexual:

- É a senda para a cave dos inventos.

 

 

687 – Caminhos

 

Lutar contra os caminhos do destino

Pode ser a maneira de auscultar

Que a vida nós não somos de a criar,

Vem dum poder superior, divino.

 

Um masoquismo pode haver se inclino

A cerviz ao destino que a vergar,

Enquanto, se com ele, enfim, lutar,

Reconhecê-lo irei no apuro fino,

 

Posso acolhê-lo mais afectuoso.

Toma a religião a forma certa

Quando aprendemos pela dor e a perda

 

Que a criatividade em que me entroso

É a participação finita aberta

Ao infindo gratuito que nos herda.

 

 

688 – Neófito

 

A ideia é que o fim da relação,

A dor duma ruptura como a dor

Do neófito a ser pelo temor

Iniciado ao rito, à sagração,

 

De consciência nova é geração,

Árduo degrau que irá se contrapor

À pragmática. ingénua e sem valor

Postura, o vácuo abrindo no desvão.

 

A sensibilidade religiosa

Aflora então ciente a derradeira

Dependência, a visar além-fronteira.

 

Na dor ser responsável, virtuosa

É mais do que atitude, é uma maneira

De ir o infinito pondo à minha beira.

 

 

689 – Resistirmos

 

À dor se resistirmos da ruptura,

É o momento perder da iniciação.

Se aceitarmos a dor, esta função

Oferta-nos o início que inaugura,

 

Do evento em troca da repetição

Que a anterior relação nos configura,

Para além do consolo e da lisura

De ver que, muito além duma intenção,

 

Na misteriosa forma do destino

A relação por fim se realizou

Num subterrâneo trilho clandestino.

 

Seja embora nas vidas um fracasso,

Das almas quanto ali se consumou

Tão bem a cabo foi como um abraço.

 

 

690 – Fora

 

Vistas de fora todas as rupturas,

Agora há relação, agora, não,

Constituem de vez uma questão

Que em causa porá sempre uma estrutura.

 

No ver de alma, porém, é uma figura

Diferente de agir na relação,

Ruptura é radical alteração

Da imaginária relação que dura.

 

O pai de alguém morreu: torna-se o mito

Predominante a modelar-lhe a vida,

Preceito agora mais que quando escrito.

 

Na relação o eterno me convida

Neste algo que perdura e dispensado

Quer ver-se do que os laços hão cortado.

 

 

691 – Mortos

 

Importa honrar os mortos, sobretudo

Aqueles que mais íntimos nos foram.

Experiências de alma nos demoram,

Da vida não confinam no miúdo

 

Estreitamento de fronteiras mudo.

A morte não apaga os que em nós moram:

Em contexto diverso, nos que os choram,

Os colocou alimentando tudo.

 

Relações proteger com nossos mortos

Às almas proporciona um alimento

De eternidade, angústia, doces portos

 

Onde o mistério, a intimidade, lento

Para além deste mundo saboreio

E entre mundos avanço de permeio.

 

 

692 – Falecidos

 

Conta histórias dos entes falecidos.

Para te conheceres, não. Melhor

É de implantar a relação que for

Profunda e continuada com os idos.

 

Neste intercâmbio colhes os sentidos,

Da eternidade as almas colhem cor,

Saboreiam memórias, dão valor

Às emoções e gestos preteridos.

 

A compreensão pouco fornecia:

De lógica um ou outro mais fragmento

E tudo um nada além terminaria.

 

Nada teria a ver com este intento

De por dentro do tempo que é finito,

Um lar ir germinando no infinito.

 

 

693 – Implica

 

Implica a iniciação uma ruptura,

Como toda a ruptura, iniciação.

Quando o êxito alcançava ali à mão,

Na floresta perdido eis-me em negrura.

 

Poderei sentir perda e regressão,

Que o tempo que perdi nada mo apura,

E o ponto de partida me assegura

Que atrás dos mais fiquei colado ao chão.

 

Cego e surdo talvez então me sinta,

À procura de amigos que confortem,

Qualquer norte me dêem que não minta.

 

Do êxito em troca, vejo-me afogado

No sangue de emoções que me transportem

Até que em mim cimentem o outro lado.

 

 

694 – Cólera

 

A cólera com alma importa a sério

A fim de proteger qualquer pessoa,

Garantir a eficácia em vida à toa,

Permitir ver um erro sem mistério.

 

Se a reprimir ou lhe ignorar o império,

O mundo à volta então decerto ecoa

Em genuína, bárbara coroa

De oposição feroz sem refrigério.

 

Esta cólera bem orientada

Constitui arma fértil, eficaz,

Em tudo o que fizermos na jornada.

 

Emprestando o vigor de que é capaz

Ao impulso vital, sangue fecundo,

Firmes nos disporá de vez no mundo.

 

 

695 – Fugir

 

Fugir de algo não leva a descobrir,

Alguém se defender da solidão

Jamais lhe implanta a nova relação.

De acolher temos, não de preterir

 

A vida sem amor, a sós a ir.

Qualquer outra atitude em contra-mão

Contraria das almas a questão.

De mim ter pena é o narcisismo ouvir,

 

Lamento prolongado dos desejos

No aconchego vedado de meus brejos,

Quando é de o coração longe expandir,

 

Aberto aos imprevistos do destino.

Se a amor e perda juntos não me inclino,

De vez perco as raízes do porvir.

 

 

696 – Instante

 

Viver com alma é um desafio instante,

Que a vida exterior é um movimento

Sempre em alteração, cada momento,

E a vida interna segue para diante,

 

Já que humor, fantasias, pensamento,

Não param de mover-se num brilhante

Espargir direcções esfusiante.

Podemos preferir que o casamento,

 

Empresa, filhos como sempre foram

Permaneçam imóveis e sem alma.

Melhor, porém, é ver que não demoram

 

Com novidades de retorno e avanço.

Quem não entrar no que jamais se acalma,

Alheio à fonte, jamais tem descanso.

 

 

697 – Licença

 

Ter alma é ter poesia em nossa vida

Sentida duma forma mais intensa

Quando o deus a pedir anda licença

Para entrar sem mais peias nem medida.

 

Somos matéria-prima que imprimida

Das almas tem temática mais densa

Se for o laico o modo em que alguém pensa,

De amor patologia já o liquida;

 

 

Se a relação, porém, for a sagrada,

É uma visitação da eternidade

A dor de que brotou a relação,

 

Que alimenta a raiz donde é gerada.

Iniciados na dor à realidade,

Importa a dor honrar: é a gestação!

 

 

698 – Imensos

 

Se nos imaginarmos tão imensos,

Profundos, misteriosos e inspirando

Tanto temor como o luar vagueando

Num céu nocturno de astros piscos, densos,

 

Poderemos então ir explicando

Como complexos somos, quão intensos

Enquanto individuais seres pretensos

E quanto de nós imos ignorando,

 

Perene abismo para nós e os mais:

Sou ininterpretável amplamente

Da natureza em muitos radicais.

 

Se jamais entravara esta semente,

Que vida fluiria, findo o tabo,

No mundo novo que levara a cabo!

 

 

699 – Melodioso

 

Embora cuidar de alma melodioso

Ecoe, representa um radical

Corte com a noção mais actual

Dum padrão certo de viver gostoso.

 

E relações com alma um ideal

Não constituem se tal for ter gozo,

Que não serão saudáveis nem bondoso

É o padrão de conflitos em geral.

 

Devido à vastidão das dimensões,

De mistérios que injecta em nossas vidas,

Ter alma é movimento e são razões

 

Que se opõem a muitas coisas tidas

Por boas e prudentes, razoáveis,

- Mas são sabedorias inefáveis.

 

 

700 – Destino

 

Fada o destino a relação com alma,

Desabrocham depois implicações,

Na vida integram imaginações,

Vislumbram o imo que jamais se acalma.

 

Uma insatisfação, da dor a palma,

Pensamentos de fuga, sensações

De que tudo acabou, talvez padrões

Sejam do que entra e sai e a mim me empalma.

 

Vai entrançar, desentrançar a vida,

Vai enrolar, desenrolar depois,

Tece de dia o que destece à noite…

 

Juntos e separados é a vivida

Ambiguidade: no tear a dois,

À frente e atrás sumiu onde me acoite.

 

 

701 – Graça

 

A relação não é projecto, é graça.

A diferença entre ambos é infinita.

Como a nossa cultura só medita

Em que de tudo mais projectos faça,

 

A efectivar no esforço que os congraça

E na compreensão deles descrita,

E não ter bom desfecho é uma desdita,

Como em meu imo ler que é que se passa?

 

Embora habilidosos nos projectos,

Como nas graças engenhosos ser?

Convém apreciar, agradecer,

 

Honrar, acalentar húmus discretos…

Se sofro então, não é de auto-censura:

Se evita a dor, do amor esta não cura.

 

 

702 – Raias

 

O imo da relação não visa metas

Nem tem raias precisas, definidas.

Para deixar eternas as vividas

Marcas de alma, a amizade as incompletas

 

Horas da vida quer, não as compridas

Que a vida inteira duram indiscretas.

Para uma eterna união, de amor as setas

Nem sempre hão-de as promessas ver cumpridas.

 

Um lar atormentado de traições

Às almas pode um berço oferecer,

De trabalhos ou negócios relações

 

Poderão afinal se desfazer

- E continuar a haver recordações

Em todos a animar de alma os talhões.

 

 

703 – Correctas

 

Das relações as almas não requerem

As maneiras correctas de actuar,

Antes o mais difícil, em lugar,

Que autónomo o mistério lhes venerem.

 

Com alma as relações o que preferem

Será pelo que são verem-se honrar,

Não pelo que gostávamos, a par,

Que fossem, por a nós obedecerem.

 

Expectativas, intenções morais,

O potencial ignoram que elas têm

De expendir dos mistérios os sinais.

 

Não é desígnio nos sentirmos bem,

Antes participar duma alquimia

Que de mil rotas é geografia.

 

 

704 – Eterna

 

Para a família eterna impele o laço,

No amante inominável, absoluto:

Sentimos o sabor, não o produto,

Do amor eterno como um ténue traço

 

Quando o inefável na ruptura abraço,

Vislumbro o indescritível entre o luto,

Da morte as trevas fundas lhe disputo,

Do lusco-fusco frágil do cansaço.

 

Contraditórios vão os sentimentos

Nos assaltar se alguém que for querido

A bênção da presença houver trazido,

 

Que ao mesmo tempo a bênção dos momentos

Tanto temor nos traz da segurança

Que a vida só vivemos de esperança.

 

 

705 – Interagem

 

A relação não tem a ver apenas

Com quantos interagem mutuamente,

É viatura que traz para o presente

Absolutos às vidas mais pequenas,

 

A moldar-lhes, tenazes, o ascendente.

A relação que aflore almas nas penas

Com o eterno ao diálogo a condenas

Exultando à promessa transcendente.

 

Ainda que julguemos a emoção

Centrada nas pessoas que nos cercam

Estamos a ser postos, na função,

 

Perante a divindade, embora percam

O sentido o que dela compreendamos

Mais o que sacro outrora formulámos.

 

 

706 – Termos

 

O que fala não sabe: não há termos.

O que é uma divindade? E a relação

Suprema que estrutura tem então?

Para muitos são laços que tivermos,

 

Não é distinta, logo, deste chão

Da família, amizade onde crescermos,

Do lar, comunidade onde vivermos…

Constitui, todavia, a dimensão

 

Que pode andar ausente quando cegos

Dela ficarmos à subtil presença.

Corrente subterrânea, tem os pegos

 

Do ritual, da oração como pertença.

Como nossa acabamos de encontrá-la

Em comunhão, na solidão que fala.

 

 

707 – Cuidando

 

Cuidando de alma em nossas relações

Delas fruímos em qualquer dos planos,

Prático e místico. E tolero enganos

De mim, dos mais, das voltas das uniões.

 

Permito eventos sem as previsões,

Que todos mudem, apesar dos danos,

Tolero anseios sem ligar aos anos,

De meus contrários gozo as comunhões.

 

Podem pensar de forma diferente,

Viver de modo estranho e se exprimir

Acaso nem sequer racionalmente.

 

Relacionar-se é sempre descobrir

As múltiplas maneiras de fecundo

Um imo ir-se encarnando neste mundo.

 

 

708 – Qualquer

 

Qualquer relação, desde a apaixonada

De namorados à de pais e filhos,

Às de colegas sem sabor nem brilhos,

Às do autocarro que tomei na estrada,

 

É de almas uma manta entrelaçada.

A dádiva que vem destes cadilhos,

Da intimidade se semeia os milhos,

Um pouco de alma ao fim tem desfolhada,

 

Mais um convite a aprofundar sem termo

Os mistérios ignotos que aprouver.

O desígnio das almas não é um ermo:

 

Se o mundo descobrir num grão de areia,

O imo inteiro num ponto acabo a ver

Que os destinos cruzar do amor que ameia.