Escolha
um número aleatório entre 837 e 1137 inclusive.
Descubra
o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
837 – Em verso à medida acarto |
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Em verso à medida acarto, |
Numa quadra popular, |
O saber mais lapidar |
Que à luz der da vida o parto. |
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E, se é dum amor que parto, |
Logo além sonho o luar |
E vou nele cultivar |
Hortas de que serei farto. |
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Acabo no dia-a-dia |
A desvendar a estrutura |
Que me retraça a figura. |
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É, no fim, sabedoria |
Que, em pequeninas receitas, |
Cura da vida as maleitas. |
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838 – Falidos |
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Os falidos em milhões |
Não perdem a refeição, |
É só quem conta os tostões |
Que apertará o cinturão. |
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839 – Proposta |
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Duma proposta a verdade |
Nada a ver tem, de diversa, |
Com a credibilidade |
E, por igual, vice-versa. |
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840 – Prejudiques |
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Não prejudiques teus filhos |
À partida desatando |
Da vida quaisquer cadilhos, |
- Que o fácil anda-os matando! |
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841 – Estupidez |
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Não subestimes jamais |
A força da estupidez |
Humana, que senão cais, |
Sem ver onde pões os pés. |
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842 – Perdão |
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Num casamento feliz, |
Quando numa discussão |
Que tens razão descobris, |
- Pedirás logo perdão! |
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843 – Desaprender |
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Manter-se jovem requer |
Curar da capacidade |
De sempre desaprender |
Toda e qualquer falsidade. |
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844 – Maioria |
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Quando é que a história regista, |
Em alguma ocasião, |
Um caso apenas que exista |
De maioria com razão? |
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845 – Segredo |
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O segredo principia |
E, quando mal te precatas, |
Aos tiros é que desatas: |
- Principiou a tirania! |
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846 – Produtiva |
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Maior força produtiva, |
Sem já vestígio de engano, |
Não é a que o trabalho aviva, |
Antes a do egoísmo humano. |
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847 – Moinhos |
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Derrubar moinhos de vento |
Há-de magoar-te bem mais |
Do que de moinhos um cento |
Que nem ver queiras jamais. |
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848 – Tentação |
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Cede em jeito à tentação: |
Pode ser que ela não volte |
Jamais a passar-te à mão |
E então quem há que te solte? |
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849 – Piedade |
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Um dos mais duros sinais |
Que picam a humanidade |
É o de que as leis naturais |
Desconhecem a piedade. |
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850 – Zumbido |
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O zumbido da amizade |
Dança num ritmo mais chão |
E com mais facilidade |
Que as cordas do coração. |
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851 – Ausência |
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Para quem ama, uma ausência |
É a forma mais eficaz |
De descobrir a vivência |
Duma presença capaz. |
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852 - Terreiro |
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Homem que vem a terreiro |
Quer barreiras que saltar, |
As forças dum marinheiro, |
Marés vivas, a enrijar. |
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853 – Destino |
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O destino é o que ocorreu |
Após haver ocorrido. |
Por mim, vou talhar o meu |
Antes, porém, de haver sido. |
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854 – Sim |
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O sim é aquela palavra |
Que leva tempo a murchar, |
Safra embora seja a lavra, |
Mormente no que a escutar. |
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855 – Gotas |
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Tanto incompetente anotas |
Por um nada erguido ao topo! |
- São, porém, pequenas gotas |
Que entornarão sempre o copo… |
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856 – Arrefeça |
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Não há nada que arrefeça |
Tanto a paixão como o esforço |
De a manter, sem que ela aqueça, |
Forçada a um eterno escorço. |
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857 – Liça |
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Um elogio excessivo |
É sempre acto de justiça |
E a crítica justa, ao vivo |
Acende os ódios na liça. |
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858 – Preço |
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O preço dum ideal |
Ninguém pode calcular |
E, quando o atinjo, afinal, |
Não era o dele o lugar! |
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859 – Talvez |
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Talvez a vaidade seja |
Vício de humildes oculto |
E a humildade que se veja, |
Do vaidoso o escuso culto. |
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860 – Sós |
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Arte a sós arte não é, |
Nem nela sou eu somente, |
É quanto for quem a vê |
Mais com quem ficar presente. |
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861 – Multiplicação |
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Multiplicação dos pães? |
Milagre outro leva a palma: |
Multiplicação que tens |
De teu corpo pela alma. |
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862 – Êxito |
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Depende apenas de ti |
O que atinges, se calhar: |
O êxito nunca sorri |
Ao medo de fracassar. |
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863 – Aleluias |
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Há tantas aleluias |
Que afinal são endoenças! |
E as lágrimas que sofrias, |
De vida quantas presenças! |
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864 – Semente |
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Semente é coisa de nada, |
Nem sequer terá valor, |
Menos no afago que grada |
Dos dedos do lavrador. |
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865 – Obra |
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Obra feita mais depende, |
Contra a vulgar evidência, |
Da vontade que empreende |
Do que, ao fim, da competência. |
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866 – Oportunidade |
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Agarra a oportunidade, |
É o primeiro mandamento. |
Não distingue a divindade, |
Distingue homem de jumento. |
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867 – Casca |
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Com esforço, lasca a lasca, |
Mudando acaso o matiz, |
Podes livrar-te da casca, |
Nunca, sair da raiz. |
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868 – Medida |
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Muitas vezes, fim de tudo |
Não é senão, à medida, |
Não um fim, mas sobretudo |
Princípio de nova vida. |
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869 – Tarefa |
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Dedica-te dez minutos |
À tarefa que haja em frente, |
Por mais que custe: os produtos |
Dão a vitória a quem tente. |
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870 – Galho |
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Primeiro faz o trabalho |
Que a ti mais te preocupa. |
O resto não cai do galho? |
- Nada o trilho agora ocupa… |
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871 - Oportunidade |
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Enquanto aguardas à toa |
A oportunidade certa, |
Vai fugir de ti, deserta, |
A oportunidade boa. |
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872 - Jornais |
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Mas quem é que lê jornais? |
Antes neles, cada dia, |
Mergulho em banho de sais |
Ao calor que se anuncia. |
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873 – Crepúsculo |
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O crepúsculo parece |
Deus como a respirar fundo, |
Uma pausa em que me esquece |
O tempo a escapar do mundo. |
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874 – Compreensão |
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Quanto mais compreensão |
Tu deres, de mãos bem lisas, |
Dela aumentando o quinhão, |
De menos dela precisas. |
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875 – Rei |
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A palavra e a consciência |
(Uma à outra em nós se aferra) |
Buscam mais do que a evidência, |
Tornam o Homem rei da Terra. |
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876 – Verdade |
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Se tu dizes a verdade, |
Mal a verdade é lembrada, |
Já não há necessidade |
De te lembrares de nada. |
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877 – Felicidade |
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A felicidade vem |
Da receita que não há-de |
Descobrir quase ninguém: |
- De darmos felicidade! |
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878 – Triste |
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Que triste o Inverno seria |
Se o saber ninguém tivera |
De que há-de chegar um dia |
E então será Primavera! |
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879 – Vacina |
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Entre o que nos marca a sina |
Toma o abuso a proeminência. |
A educação é vacina: |
Vacina contra a violência. |
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880 – Curiosidade |
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Mais a curiosidade |
Facilmente vence o medo |
Que a coragem que nos há-de |
Ante ele pôr tudo quedo. |
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881 – Mente |
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Uma mente é mobilada |
Por dela o proprietário: |
Casa vazia, sem nada, |
Dele é o pecado sumário. |
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882 – Memória |
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É a memória complicada, |
Adora a verdade e teme-a: |
Dela é parente chegada, |
Nunca, porém, irmã gémea. |
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883 – Medida |
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Acreditar num além |
Não basta nem é medida |
Se não implicar também |
Que se acredita na vida. |
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884 – Abstracta |
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Verdade abstracta, que fria! |
Mas enrola-a com histórias |
E à vida logo desfia |
Quente, pura e sem escórias. |
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885 – Atractivo |
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Das histórias o atractivo |
É de criar, simplesmente, |
Imagens vivas, ao vivo, |
Para os olhos que há na mente. |
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886 – Sopro |
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O som dum termo perdura |
No sopro de voz que o diz. |
Da imagem que à mente apura |
Anos durará o matiz. |
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887 – Força |
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Uma história dá sentido |
A uma experiência de alguém, |
Pelos mais tudo é vivido: |
- É a força que um conto tem. |
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888 – Café |
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Boa comunicação |
Estimula, café forte, |
E como ele também não |
Deixa adormecer meu norte. |
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889 – Herói |
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Um herói me vens propor, |
Como vencedor repoisa. |
Um herói e um vencedor |
Não são nunca a mesma coisa! |
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890 – Monótona |
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Monótona, a realidade |
Já não provoca emoção? |
Corre então a Humanidade |
Dos sonhos à dimensão. |
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891 – Milagre |
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O milagre não incide |
Na natureza a mudar, |
É que o milagre reside |
No poder de acreditar. |
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892 – Dá |
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O que dá não tenha em conta, |
Que o que conta desde já |
Não é o dinheiro que aponta, |
É o coração com que o dá. |
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893 – Bolota |
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Um cavalho grande apenas |
É uma pequena bolota |
Que, não mais pesando as penas, |
Se agarra à terra que adopta. |
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894 – Humildade |
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Humildade é a vestimenta |
Apropriada e sem véus |
Ao encontro que apresenta |
Cada qual perante Deus. |
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895 – Riso |
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Cria o riso tempo e espaço, |
Com ele te distancias, |
Olhas livre cada passo, |
Em frente abres outras vias. |
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896 – Muda |
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Mudar Deus uma oração |
Não logrará, mas, enfim, |
Muda maior tenho à mão: |
- É que faz mudar-me a mim. |
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897 – Porta |
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Qualquer dor ao fim exorta |
À compaixão e ao amor: |
O sofrimento é uma porta |
Da vida para o valor. |
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898 – Adies |
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Tuas coisas não adies. |
Se adias, ao acordar, |
Melhor é que desconfies, |
Pois já perdeste o lugar. |
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899 – Exigir |
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Porque um homem ama a Deus |
Isto não lhe dá o direito |
De então exigir que os céus |
Lhe respondam a preceito. |
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900 – Arrouba |
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Sei lá o que é a pessoa certa, |
Sei lá bem se é certa ou não! |
- Só sei que há uma porta aberta |
Na que arrouba um coração. |
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901 – Disciplina |
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Disciplina significa |
Responder pelos seus actos |
E disponível ser bica |
Dos mais a regar os tratos. |
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902 – Assaz |
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Sem elogios não dás |
Jamais o melhor de ti. |
Com eles dá-lo-ás assaz, |
Por gosto e sem alibi. |
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903 – Cortar |
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Cortar despesas do Estado |
É como o sexo: os que o fazem |
Não falam, os que hão falado |
Não fazem, nem que se abrasem! |
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904 – Lar |
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O vero “lar, doce lar”, |
Aquilo para que ameia |
É um modelo singular: |
A despótica colmeia. |
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905 – Cegas |
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São os primeiros segundos |
Dum encontro feito às cegas |
Que durarão, gemebundos, |
A eternidade a que chegas. |
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906 – Ansiamos |
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Todos nós o que ansiamos |
É ser aceites e amados. |
Se um pouco de tal logramos |
Florimos mesmo os silvados. |
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907 – Afecto |
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É o afecto o responsável |
Por toda a felicidade |
Consolidada e durável |
Duma vida de verdade. |
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908 – Tropeça |
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Deveras o Inverno impera |
Nas cãs de minha cabeça |
Mas é sempre em Primavera |
Que o coração me tropeça. |
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909 – Par |
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Na vida como na dança |
Tão bons somos, se calhar, |
Em tudo quanto se alcança, |
Como bom for nosso par. |
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910 – Modéstia |
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Uma modéstia demais, |
Após ser desmascarada, |
O que deixa são sinais |
De vaidade encapotada. |
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911 – Aniquilado |
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O amor é aquilo que fica |
Do encontro no terno abismo, |
Aniquilado o que implica: |
Todo, todo o egoísmo. |
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912 – Pausa |
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Aguarda aí, faz a pausa |
E repara na exigência: |
Se há um princípio posto em causa, |
Ignora a conveniência! |
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913 – Gestas |
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O que pretendas fazer, |
Gestas heróicas ou vãs, |
Fá-lo já: não vai haver |
Assim tantos amanhãs! |
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914 – Apaixonar |
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Quando alguém se apaixonar |
É que fácil devém Deus: |
Vai ter, para O poder dar, |
Todos quantos forem seus. |
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915 – Fabricante |
|
És tu mesmo o fabricante, |
Não qualquer ignoto céu |
Infindamente distante, |
Do que for destino teu.. |
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916 – Astuta |
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A mulher é por demais |
Astuta para, medidas |
As forças como os sinais, |
Morrer por causas perdidas. |
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917 – Atilho |
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Um pai não conhece um filho, |
Apenas lhes faz a cama, |
Lança a estrela pelo atilho, |
- Um pai apenas os ama. |
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918 – Entretece |
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Tudo quanto planeamos |
E o que depois acontece |
Provém sempre de dois amos |
Que nada nunca entretece. |
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919 – Precisão |
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O que é importante é saber, |
A iludir o desengano, |
Que precisão há-de ter |
De nós outro ser humano. |
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920 – Privacidade |
|
Planos de privacidade |
Perdem logo todo o encanto |
Se a solidão que me invade |
Forçada for entretanto. |
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921 – Pouco |
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Quem dá do pouco que tem |
Afinal muito dará: |
Não dá do que lhe convém, |
Dá do que lhe falta já. |
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922 – Arbitrário |
|
Sucesso antes do trabalho |
Apenas vem, arbitrário, |
Nas folhas de que me valho |
Quando o busco em dicionário. |
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923 – Tentação |
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Lutar contra a tentação, |
Quando a tentação apela, |
É resvalar no desvão |
De ser vergado por ela. |
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924 – Perguntas |
|
É preferível fazer |
As perguntas que são postas |
Do que pretender saber |
Supostamente as respostas. |
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925 – Inesperada |
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Demais fica na memória |
A surpresa da jornada: |
- Que fantástica a vitória |
Se é vitória inesperada! |
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926 – Indispensável |
|
Por não ser indispensável |
Se queres devir sozinho, |
Olha que o que é mais viável |
É que saias do caminho. |
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927 – Alibi |
|
Tanto sonho é um alibi |
A uma espera sempre vã! |
- O dia de hoje anda aqui, |
Nunca, porém, o amanhã. |
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928 – Dragão |
|
Este dragão da demora |
Matá-lo não é desporto |
Para quem, a toda a hora, |
O fôlego tiver morto. |
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929 – Problema |
|
O problema das famílias |
É o dum médico odioso: |
Sabem bem, dentre as quezílias, |
Que mais dói matar do gozo. |
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930 – Magoamos |
|
Se magoamos as pessoas |
Vão gostar menos de nós: |
Palavras que matam loas |
Também nos desatam nós. |
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931 – Maldição |
|
Importa que a memória bem arquive |
Da História a maldição deste traslado: |
- O mal que um homem faz lhe sobrevive, |
O bem é com os ossos sepultado. |
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932 – Vislumbrar |
|
O futuro vislumbrar |
É espreitar, por entre enganos, |
O lugar onde os humanos |
Ainda não foram pisar. |
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933 – Ignorantes |
|
Aqueles que, de ignorantes, |
Poderem ser livres crêem, |
Por algo esperam que dantes |
Ninguém viu nem eles vêem. |
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934 – Jornalismo |
|
No jornalismo depressa |
A notícia irá morrer: |
O jornalismo tropeça, |
É sempre a História a correr. |
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935 – Útil |
|
O homem mais útil do mundo |
Não é mais que um papagaio |
Convencido: o que, no fundo, |
É sempre o abismo onde caio. |
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936 – Assassina |
|
A doença, que assassina! |
Bom é que lutes e a venças |
E aos assassinos destina |
Igual sorte: são doenças! |
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937 – Horas |
|
Quando a vida se desata, |
Por muita que os dias gerem, |
Todas as horas a ferem |
E a derradeira ao fim mata. |
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938 – Película |
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Tudo quanto é bom na vida |
É película tão fina! |
Um nada e fica delida: |
É um nada ao fim minha sina. |
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939 – Desterro |
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Foges à vida que tens |
Como quem foge ao desterro, |
Mas se ela foge, teus bens |
Fogem com ela no enterro. |
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940 – Comodidades |
|
Pequenas comodidades |
Ajudam a atenuar |
As grandes adversidades |
Que à porta batem do lar. |
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941 – Destroçado |
|
Quando um coração |
Fica destroçado |
O que resta à mão |
Igual há ficado. |
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942 – Humano |
|
Amar para ser amado |
É humano, com tal me abranjo. |
Amar para amar é o lado |
Em que buscarei ser anjo. |
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943 – Estado |
|
Símbolos de estado |
São desculpa fraca |
Para um valor dado |
Te pegar de estaca. |
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944 – Casta |
|
Quando a palavra não basta |
O melhor, dela em lugar, |
É falar duma outra casta: |
- É de em silêncio ficar! |
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945 – Sobre |
|
Sobre música escrever |
É poesia mastigar, |
Uma pintura reler |
E arquitectura dançar. |
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|
946 – Ausência |
|
Ausência, quando efectiva, |
Só se foi, quando presente, |
Mais que ignota, mais que esquiva, |
Por inteiro indiferente. |
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|
947 – Nunca |
|
A mais dão demais valor |
Àquilo que nunca são |
E ao que são menos propor |
Vão ao valor que lhe dão. |
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|
948 – Medo |
|
O medo pode manter-nos |
Acordados toda a noite. |
A fé, porém, nos invernos, |
É a lareira onde me acoite. |
|
|
949 – Estranhos |
|
Não deves servir |
Vizinhos estranhos |
Se aos de casa os ganhos |
Tal os extorquir. |
|
|
950 – Bicicleta |
|
A vida é uma bicicleta |
Que tem dez velocidades |
E ninguém usa completa |
Tal mancheia de verdades. |
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|
951 – Confiar |
|
Aprender a confiar |
Requer ocorrer após |
Alguém nos antecipar |
Que antes confiou em nós. |
|
|
952 – Escavar |
|
O poeta é aquele pai |
Que, andando a escavar o solo, |
Quando da soleira vai, |
Leva as palavras ao colo. |
|
|
953 – Esgarce |
|
Vê lá bem por onde vais |
Antes que a pressa te esgarce, |
Crescer depressa demais |
É correr a estatelar-se. |
|
|
954 – Fantasma |
|
Quão mais a mulher senhora |
Devém dum amor que pasma |
Mais a guerra, na demora, |
Faz da senhora fantasma. |
|
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955 – Velhice |
|
A velhice é inesperada |
Entre nadas que nos somem, |
É a surpresa mais danada |
Das que acontecem a um homem. |
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|
956 – Insigne |
|
O insigne é o deveras nobre, |
Não o rico ou de brasão, |
Que a grandeza, rica ou pobre, |
É o que nos erguer do chão. |
|
|
957 – Estrelas |
|
Ao estenderes os braços |
Para apanhar as estrelas |
Ignoras da flor os traços |
Que aos pés calcas e atropelas. |
|
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958 – Desprezível |
|
Desprezível é a mulher |
Que nos só desejo inspira, |
Sem respeito e amor colher |
Que ao infindo nos abrira. |
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959 – Comerciante |
|
O comerciante, à força, |
De somar, fazer balanços, |
Ignora o total a que orça |
A vida nos demais lanços. |
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960 – Fogo |
|
Quando no peito te arder |
Todo o fogo criador, |
Sentes-te em ti próprio ser |
E ser onde a chama for. |
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961 – Palhaço |
|
Em minha opinião muitos consomem |
Da mentira a ilusão bem como o traço. |
Ao palhaço perdoo os vícios de homem, |
Ao homem não perdoo os de palhaço. |
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962 – Ovo |
|
A criança tudo quer, |
Tudo quer ter de imediato: |
- Basta um ovo por cozer |
E à casa o fogo desato! |
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963 – Alegria |
|
A alegria que nos dá |
Dos que amamos a alegria |
Bem maior ao fim será |
Que a de início que haveria. |
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964 – Palmadinhas |
|
A questão das palmadinhas |
Que tu dás nas próprias costas: |
Em que mãos é que te aninhas |
Quando cais pelas congostas? |
|
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965 – Líder |
|
Qualquer líder que se preze |
A decisão não impõe, |
Antes faz o que a embeleze |
Modelando o que propõe. |
|
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966 – Rezar |
|
Rezar traz transformações |
De que discreto me inundo: |
Maiores são os quinhões |
Em nós próprios que no mundo. |
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967 – Escolhos |
|
Às vezes, temos de olhar |
A realidade nos olhos |
E enfrentá-la, a aniquilar- |
-Lhe eficazmente os escolhos. |
|
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968 – Família |
|
Por muitas comunidades |
Que se inventem, a família |
Finda, em todas as idades, |
A impor-se a qualquer quezília. |
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969 – Sorri |
|
Marca um ponto quem sorri |
No jogo da identidade |
Do que é para mim e ti |
Deveras felicidade. |
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970 – Valoriza |
|
Quão menos um homem vale |
Como um homem, tanto menos |
Valoriza, por igual, |
Os demais, mesmo os mais plenos. |
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971 – Efectiva |
|
Democrática, afectiva, |
Importa uma autoridade |
Cuja firmeza efectiva |
Se negoceie à vontade. |
|
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972 – Íntimo |
|
De todo o lado me pedem |
Para ser mais eficiente, |
Não íntimo: nunca medem |
A intimidade da gente. |
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973 – Vivida |
|
Quanto houver de bom na vida, |
Incluindo a intimidade, |
É imaginação vivida |
Cuja charrua me grade. |
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974 – Mais |
|
Lutar é bem mais belo que vencer, |
Viajar, mais divertido que chegar: |
Quando alguém vence ou chega, nem sequer |
Para o vazio chega a haver lugar. |
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975 – Rir |
|
Chorar é muito fácil de durar, |
E rir é bem difícil, custa a vir. |
Só quem muito chorou pode apreciar |
A beleza da vida. E rir e rir! |
|
|
976 – Vento |
|
Palavras leva-as o vento |
E o vento palavras traz |
E nelas o pensamento |
Ergue voo e aqui me faz. |
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977 – Abrigo |
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Toda a amizade é um abrigo |
Dum mistério que se frui: |
Mais eu que alguma vez fui. |
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978 – Rema |
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Quem rema diz ao oceano: |
“Chega-te lá para trás, |
Que um homem a todo o pano |
Aqui vai!” – e o mar o faz! |
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979 – Fantasia |
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Se não pensas cada dia |
Que um dia bom há-de ser, |
Tenta então, por fantasia, |
Um dia de vez perder! |
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980 – Verão |
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Pleno Verão é a preguiça, |
Sempre tida por maldade, |
Encontrando em toda a liça |
A respeitabilidade. |
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981 – Conhecida |
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A estrada já conhecida |
(Da vida qualquer terreno, |
Um trilho grande ou pequeno…) |
Não parece tão comprida. |
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982 – Mudança |
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A mudança não é apenas |
Imprescindível à vida, |
É a vida, cujas melenas |
São dos ventos a mexida. |
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983 – Avarento |
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O avarento vive pobre, |
Sempre, sempre a recolher |
O que falta ou o que sobre, |
Com medo de empobrecer. |
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984 – Recente |
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Não há nada tão recente, |
No que me haja acontecido, |
Como aquilo que, ao presente, |
Há muito foi já esquecido. |
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985 – Aumento |
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Um aumento é aperitivo: |
Melhoro da inanição, |
Um pouco mais positivo |
Por um tempo – depois não! |
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986 – Segredo |
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Que prazer a boa acção |
(E o segredo a que deu azo) |
Em qualquer ocasião |
Descoberta por acaso! |
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987 – Pergunta |
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Se alguém diz: “boa pergunta!” |
Quanto queres pela aposta |
De que a questão que ela assunta |
É bem melhor que a resposta? |
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988 – Mudar |
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Vais mudar a relação |
Mas só te mudas a ti, |
Que o outro mudar ou não |
Vem do que queira dali. |
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989 – Aprecia |
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Queres ser feliz um ano? |
Ganha então a lotaria. |
Se a vida inteira é teu plano, |
O teu trabalho aprecia. |
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990 – Confiança |
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Vem do medo a tirania |
Que de mais medo se entrança, |
Já não a democracia |
Que é filha da confiança. |
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991 – Instinto |
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Medo é instinto, a ditadura |
É instintiva coalisão. |
A democracia dura, |
Ao invés, se for razão. |
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992 – Velhos |
|
Os velhos são sempre aqueles |
Que foram nossos avós, |
Nem vemos em nossas peles |
Que crescem dentro de nós! |
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993 – Comboio |
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O comboio expresso corre |
E corre o tempo como ele |
E, quando ele passa, morre, |
Nunca mais volta. Que é dele? |
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994 – Outono |
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É o Outono uma estação |
Em que a natureza pára |
De crescer: desata então |
A mudar-se em jóia rara. |
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995 – Pé |
|
Por vezes é requerido |
Um pé no chão bem prender |
Quando temos no sentido |
Poder uma perna erguer. |
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996 – Sorrir |
|
Se sorrir quando não há |
Ninguém por perto que ver |
Então é que a sorrir dá |
Mesmo um sorriso a valer. |
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997 – Memória |
|
A memória assenta |
O mais fértil chão: |
Dela se alimenta |
A imaginação. |
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998 – Risco |
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É o risco a tua pegada, |
O mais fiel de teus sinais: |
Se não arrriscares nada, |
É que arriscas ainda mais. |
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999 – Leva |
|
Cada Verão menos leva |
A atravancar-me o País |
E bem mais quer que me atreva |
Ao trabalho a que me afiz. |
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1000 – Pensando |
|
Se pensa que algo está certo |
Porque toda a gente o diz, |
Não é pensando, decerto, |
Que com tal coisa condiz. |
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1001 – Tarde |
|
Terde demais aprendemos |
Que a maravilha, que a graça, |
É sempre a do que vivemos |
Neste momento que passa. |
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1002 – Rapado |
|
A riqueza ao pé rapado |
De príncipe empresta o peito |
E a miséria ao coroado |
Dum pé rapado põe jeito. |
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1003 – Malapata |
|
Quem dum louco arrancar quer |
Uma resposta sensata |
Ele próprio, sem querer, |
Tem de louco a malapata. |
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1004 – Chorar |
|
Não chores quem viste obrar |
Contra quanto nos enliça, |
Nunca devemos chorar |
Quem morreu pela justiça. |
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1005 – Poço |
|
Da mulher por que tão raro |
Decifras sinal fecundo? |
Ninguém é capaz de claro |
Ver nenhum poço profundo. |
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1006 – Artista |
|
Um artista, muitas vezes, |
Ama em verso, som e cor, |
Que de amante é só reveses, |
Cria por não ter amor. |
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1007 – Preço |
|
Quem antecipadamente |
Pode o preço calcular |
Das consciências que tente |
A qualquer custo comprar? |
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1008 – Custa |
|
Uma pergunta maior |
Demora a ser aprendida: |
- Uma vida sem amor |
De que vale ser vivida? |
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|
1009 – Fome |
|
A fome que tenha alguém |
Mais fome é se ele é isolado: |
Pão apenas sabe bem |
Quando for compartilhado. |
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|
1010 – Caçador |
|
O homem lembra o caçador |
Que pretende, por desgraça, |
Andar a morrer de amor |
Por tudo quanto for caça. |
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1011 – Estrada |
|
Na estrada, fúria e carbono |
Abundarão por igual, |
Ao perdão rareia o abono, |
Nem lhe o oxigénio vale. |
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1012 – Causa |
|
Viver vida com sentido |
É descobrir uma causa |
Em que creia desmedido. |
- E o tempo não tem mais pausa! |
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1013 – Custo |
|
Aquele que tem sucesso |
Descobre o custo do sonho, |
Realiza-o, paga o preço, |
Não se queixa se é medonho. |
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1014 – Risco |
|
Um jovem risco maior |
Há-de aborrido correr |
Se o tempo livre lhe for |
Mais que o que houver a fazer. |
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1015 – Trivial |
|
Tratar o que se cobiça |
Como trivial fornece |
O alibi para ir à liça |
E furtar o que apetece. |
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1016 – Pequena |
|
A pequena negligência |
Pode originar o engano |
De ver pequena a evidência |
Do efeito dum grande dano. |
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|
1017 – Eira |
|
Para nós, o Outono é eira |
De colheita e reunião. |
Para a terra é sementeira, |
Tudo em disseminação. |
|
|
1018 – Mola |
|
Se a moeda te põe jucundo |
Não ignores a sequela: |
- Dinheiro é mola do mundo |
Mas amor é manivela. |
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|
1019 – Siso |
|
A vida não é de rir |
Mas consegue ver com siso |
Uma vida prosseguir |
Enquanto vida sem riso? |
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|
1020 – Demais |
|
Bom demais, para quenquer, |
É só doutrem alibi: |
Ninguém se importa de ter |
O bom demais para si. |
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|
1021 – Ergue-o |
|
Livra-o do íntimo degredo, |
Ergue-o da queda no pó: |
Critica o amigo em segredo, |
Em público louva-o só! |
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|
1022 – Fulgir |
|
Num amor quem se entristece |
Não arrisca e quem arrisca |
Não se entristece, que esquece |
Tudo ao fulgir da faísca. |
|
|
1023 – Selo |
|
Metáfora dum desejo, |
Selo de amor de quem ama, |
Afinal, que é que é teu beijo? |
- A carícia duma chama! |
|
|
1024 – Corre |
|
Deixa o coração correr |
E correr à tua frente. |
Depois corre atrás, a ver |
Se agarrarás tal ausente. |
|
|
1025 – Vela |
|
O vento que a vela enfuna |
Vem por fim dentro dum prazo. |
Nem sempre a boa fortuna |
Obra mera é dum acaso. |
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1026 – Recompensa |
|
Não é como o mundo pensa, |
Troca por troca, o valor: |
- Dum amor a recompensa |
Será sempre o próprio amor. |
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|
1027 – Caneta |
|
Se escrevo sobre a mulher |
Preciso de mergulhar |
A caneta, ao escrever, |
No arco-íris que me enguiçar. |
|
|
1028 – Siso |
|
Quem siso quiser, que em siso |
Viva de vez mergulhado: |
É quase sempre um sorriso |
Doutro sorriso inspirado. |
|
|
1029 – Eternos |
|
Quem dele próprio senhor |
Vai ser nos próprios abrigos |
Quando a razão e o amor |
São eternos inimigos? |
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|
1030 – Fácil |
|
Quando o difícil ameia |
Entre o fácil que se obtém, |
Se daquele a vida é cheia, |
Ninguém o anseia, ninguém. |
|
|
1031 – Arrastam |
|
Amor é dedicação |
Mais um êxtase incessante. |
Como é que tantos no chão |
O arrastam a cada instante? |
|
|
1032 – Antigo |
|
Se o amor é o mais antigo |
Sentimento que em mim vejo, |
Sempre ao lado teve o abrigo, |
A companhia dum beijo. |
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|
1033 – Desavença |
|
Da desavença a figura |
É dum erro partilhado, |
Nunca a desavença dura |
Se o erro for só dum lado. |
|
|
1034 – Trilho |
|
Que importa meter-se à estrada |
Se outro é o trilho pelo chão? |
Sempre a razão é enganada |
De enganos do coração. |
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|
1035 – Sujeito |
|
No fundo não há senhor, |
Se é destino, anda enganado. |
Sempre o amor é livre, o amor |
Nunca foi sujeito ao fado. |
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|
1036 – Libertador |
|
Um libertador desperta-te, |
A voar por sobre as flores? |
Eu te aconselho: liberta-te |
Mas é dos libertadores! |
|
|
1037 – Envelhecer |
|
Envelhecer aos noventa |
Dos cinquenta é diferente: |
Doravante não inventa |
Ofender a quem o sente. |
|
|
1038 – Só |
|
A prisão só é um defeito |
Quando levada ao extremo. |
Virtude a que preste preito |
Em mãos tomará igual remo. |
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|
1039 – Dar |
|
Um filho dar, obra de arte, |
É só de tempo questão: |
Logo o altar os põe de parte, |
Nova roda de adopção. |
|
|
1040 – Detrás |
|
Mais valera um homem-erro |
Capaz de modificar-se |
Que um homem-máquina, enterro |
Por detrás dum bom disfarce. |
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|
1041 – Desporto |
|
“Perder ou ganhar, é tudo |
Desporto” – será verdade? |
Quem o diz é que, sisudo, |
Quer que a derrota lhe agrade? |
|
|
1042 – Carreira |
|
De carreira uma mudança |
Não planeada, excitante |
Pode ser lição de dança |
À esquina a espreitar-me adiante. |
|
|
1043 – Freima |
|
Freima executar ou não |
Não tem nunca o mesmo peso, |
Faça o que melhor à mão |
Achar que lhe cai no vezo. |
|
|
1044 – Boato |
|
Bem mais rápido é o boato |
Do que as comunicações |
E bastas vezes constato |
Que acerta nas alusões. |
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|
1045 – Ausência |
|
Ausência de ver a urgência |
Acaba por conduzir, |
Num muito curto porvir, |
Mas é de empregos à ausência. |
|
|
1046 – Delonga |
|
Deixa de andar à procura |
De mais tempo, o que convém, |
Sem delonga ou má figura, |
É o tempo usar que se tem. |
|
|
1047 – Gravador |
|
Se o gravador de mensagens |
Teima em desligar a meio |
É que bem mais as triagens |
Duram do que têm recheio. |
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|
1048 – Delegar |
|
Delegar é já não ter |
Uma parte do trabalho. |
Não duplique o que fazer, |
Que as cartas dobra ao baralho. |
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|
1049 – Conhecido |
|
Conhecido como alguém |
Torna-te que constrói pontes |
E nunca barreiras nem |
Bombas cerrando horizontes. |
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1050 – Dizer |
|
Dizer “por outras palavras” |
É dizer, nas empregadas |
No discurso que então lavras |
Que usas palavras erradas. |
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1051 – Chatice |
|
Chatice à segunda-feira |
Provém do fim-de-semana: |
Da fome não mora à beira |
Quem foge ao que dela emana. |
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1052 – Regra |
|
Em regra, as regras normais |
De proceder não o são, |
Saiba como coisas tais |
De facto ali se farão. |
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1053 – Alternativas |
|
Aos outros não lhes dê nunca |
Alternativas que não |
Quer que deles garra adunca |
Leve a que é o que escolherão. |
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|
1054 – Ritmo |
|
No trabalho, competir |
Nem sempre é da rapidez |
E há mais coisas a bulir |
Que o ritmo da cupidez. |
|
|
1055 – Coração |
|
Coração de quem viaja |
Nunca abandona o lugar |
Onde nasceu, haja o que haja, |
Que só ali vai respirar. |
|
|
1056 – Ensejo |
|
Aproveite todo o ensejo, |
Que a vida sempre anda meia. |
Se só tiver um desejo, |
Que seja por uma ideia. |
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|
1057 – Silêncio |
|
É de oiro o silêncio de oiro, |
Mas, se uma canção afina, |
Aumenta logo o tesoiro, |
Poderá ser de platina. |
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|
1058 – Roda |
|
A roda foi inventada |
Para andarmos mais depressa |
E o crédito foi a estrada |
De obrigar a usar tal peça. |
|
|
1059 – Delegar |
|
Delegar, quando convém, |
Podemos autoridade. |
Jamais consigo, porém, |
A responsabilidade. |
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|
1060 – Depressa |
|
O problema de falar |
Muito depressa é dizer |
Algo em que ainda de pensar |
Não houve tempo sequer. |
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|
1061 – Menos |
|
Às vezes ganhamos mais |
A trabalhar os trabalhos |
Que não pagam nem sinais: |
Há ganhos de paga falhos. |
|
|
1062 – Medo |
|
Muros e paredes chore-os |
Quem o medo nos ameia: |
De obstáculos ilusórios |
Anda sempre a vida cheia! |
|
|
1063 – Fé |
|
A fé remove montanhas |
Mas há quem jamais hesite |
E prefira, fora as manhas, |
Usar mas é dinamite. |
|
|
1064 – Luta |
|
Felicidade e prazer |
Completam-se na memória: |
- Ser feliz a luta quer |
E a resistência, a vitória. |
|
|
1065 – Assomo |
|
O assomo de egocentrismo |
A que atreito é qualquer um |
É sempre a porta do abismo, |
Não leva a lado nenhum. |
|
|
1066 – Dominar |
|
Dominar conhecimentos |
Traz sempre duas vantagens: |
Julgamos menos intentos |
E melhor quaisquer triagens. |
|
|
1067 – Decerto |
|
Decerto não há surpresas |
Nas verdades que me minto: |
Ante a ausência de certezas |
Resta-me seguir o instinto. |
|
|
1068 – Oxalá |
|
Oxalá possas viver |
Enquanto tal tu quiseres |
E oxalá possas querer |
Sempre enquanto tu viveres. |
|
|
1069 – Mexerico |
|
Confiar no mexerico |
É ficar com a certeza |
De que, quando a sós eu fico, |
De mim desfaz quem o preza. |
|
|
1070 – Poesia |
|
Discutir a poesia |
É muitas vezes matá-la. |
Termo que me toca um dia |
É vida em veste de gala. |
|
|
1071 – Segundo |
|
O segundo casamento |
É o triunfo da esperança |
Sobre o contrário argumento |
De quanto a derrota o cansa. |
|
|
1072 – Tédio |
|
Sempre o tédio me ultrapassa |
Se o não combater com febre: |
Quando o tédio te ameaça |
Corre que nem uma lebre! |
|
|
1073 – Matizes |
|
Da família um dos matizes |
É um grupo ser divertido: |
- Todos ficam mui felizes |
Só por havermos nascido! |
|
|
1074 – Melhor |
|
O melhor do que aprendi, |
Dos que magoam (é a lei) |
É que sempre o recolhi: |
- Daqueles a quem amei! |
|
|
1075 – Prive |
|
Aquilo de que me prive |
Convida além a seguirmos: |
O nosso amor é o que vive |
Depois de ambos nós partirmos. |
|
|
1076 – Mais |
|
Como é que sobreviveis |
A quanto a vida desata? |
- Mais amor do que erros, eis |
Do que na vida se trata. |
|
|
1077 – Aceite |
|
Daquela mão nada aceite |
Que apertar jamais queria |
Se a topara sem enfeite |
Inteiramente vazia. |
|
|
1078 – Relação |
|
Não sabemos entregar |
Ao amor em vez de à ideia |
A relação a criar |
Com Deus numa vida cheia. |
|
|
1079 – Medir |
|
Um homem só se descobre |
Se se medir em verdade |
Com o que na vida sobre |
De qualquer adversidade. |
|
|
1080 – Reputação |
|
A reputação errada, |
Boneco de neve ao sol, |
Chega à noite, fica em nada, |
Só o adereço é que bole. |
|
|
1081 – Particular |
|
Em particular quem manda |
Deve saber o que faz |
E como, quando comanda, |
Fazê-lo melhor e em paz. |
|
|
1082 – Âncora |
|
Um navio depender |
De âncora só nunca deve, |
Como uma vida qualquer |
Duma esperança que é breve. |
|
|
1083 – Sinais |
|
Apura a vida, desperta |
Aos sinais que houver na estrada: |
Se não tens a mente aberta, |
Mantém a boca fechada. |
|
|
1084 – Escaramuça |
|
Entre o perdão e a vingança |
Forte escaramuça lida. |
Só quando o perdão se alcança |
Salvamos a própria vida. |
|
|
1085 – Prenda |
|
A melhor prenda a ofertar |
É a pureza sempre à mão |
De a todos poder prestar |
Inteira a nossa atenção. |
|
|
1086 – Embora |
|
Recorde-se, ao ir embora, |
Da vida o melhor dos feitos: |
- Nada perde ao deitar fora |
De vez todos os defeitos. |
|
|
1087 – Perenes |
|
As medidas que edifiquem |
Perenes mundos viáveis: |
- Tenham calma, simplifiquem, |
E sempre sejam amáveis. |
|
|
1088 – Visita |
|
O Pai Natal é que sabe, |
Visita uma vez por ano |
As pessoas a quem cabe |
Prendar de amor e sem dano. |
|
|
1089 – Vitória |
|
A vitória tem feitiço: |
Antes de poder ganhar |
Tem mesmo de acreditar |
Que é deveras digno disso. |
|
|
1090 – Boa |
|
Se temos dificuldades, |
Não há nada, na vigília, |
Sopradas as veleidades, |
Como uma boa família. |
|
|
1091 – Crescimento |
|
O crescimento requer |
Um abdicar temporário |
Da segurança que houver |
Servido ao salto precário. |
|
|
1092 – Versão |
|
Seja sempre uma versão |
De primeira de si mesmo, |
Nunca a segunda demão |
Doutrem qualquer feita a esmo. |
|
|
1093 – Luz |
|
Um amigo é luz de Inverno, |
Quanto mais velha a amizade |
Mais brilha a luz no superno |
Cume desta escuridade. |
|
|
1094 – Atitude |
|
Ser feliz é uma atitude: |
Quer infeliz eu me faça, |
Quer para feliz eu mude, |
Igual trabalho congraça. |
|
|
1095 – Tecnologia |
|
A nova tecnologia |
Não acrescenta ou subtrai, |
Por um golpe de magia |
Altera tudo onde vai. |
|
|
1096 – Autónoma |
|
Toda a técnica é um perigo |
Quando autónoma devém: |
- Como é que depois a obrigo |
A respeitar-nos também? |
|
|
1097 – Deveras |
|
Deveras o evento histórico |
Mudará mais do que o mundo: |
Muda a compreensão, eufórico, |
Com que dele me fecundo. |
|
|
1098 – Metáfora |
|
A metáfora mais forte |
É o facto de eu depender |
Da metáfora por norte |
Do problema que entender. |
|
|
1099 – Relutante |
|
Relutante é a maioria |
Em admitir que anda errada |
E um erro saber, podia |
Salvar a vida gorada. |
|
|
1100 – Falácias |
|
Toda a história das ideias, |
Feita de férteis falácias, |
São paradigmas a meias: |
- Enfrente as feras e lace-as! |
|
|
1101 – Filantropia |
|
Quem faz a filantropia |
Quer mas é sentir-se bem, |
Não faz o bem que faria |
Se este só por guia tem. |
|
|
1102 – Obstáculo |
|
Obstáculo à aceitação |
Duma sociedade aberta |
Hoje é a comum rejeição |
Dum grande ideal que desperta. |
|
|
1103 – Devoram |
|
As revoluções devoram |
Deveras os próprios filhos: |
É que os filhos não demoram |
A amordaçá-las de atilhos. |
|
|
1104 – Dentre |
|
Que identificar problemas |
Mais difícil nas questões, |
Encontrar é, dentre os lemas, |
Onde estão as soluções. |
|
|
1105 – Imprensa |
|
O poder da imprensa |
É mais da ameaça, |
Vem mais do que pensa |
Do que do que faça. |
|
|
1106 – Arbitrária |
|
A uma exigência arbitrária |
A resposta de excelência |
Tem de ser de arbítrio vária |
Quão arbitrária a exigência. |
|
|
1107 – Tendência |
|
Todos temos a tendência |
De prestar mais atenção |
Aos uniformes e não |
A quem vestem na pendência. |
|
|
1108 – Descarado |
|
Se não quer que um descarado |
Ganhe afinal seu dinheiro, |
Use então, pelo seu lado, |
Mais descaro que o primeiro. |
|
|
1109 – Questão |
|
No que é desenvolvimento |
Não é questão quanto temos, |
Mas quanto fazer podemos, |
Haja o que houver de momento. |
|
|
1110 – Criança |
|
Toda a criança é uma artista. |
O problema é continuar, |
Mormente ao termos em vista |
Que se vai escolarizar… |
|
|
1111 – Custa |
|
Muito aprendemos à custa |
Dos erros que nós fazemos, |
E nada, ao invés, se ajusta |
Pelo que nos outros vemos. |
|
|
1112 – Silêncio |
|
Se falta sentido, vence-o |
Trocando as leiras que lavras: |
- Muitas vezes um silêncio |
Fala mais que mil palavras. |
|
|
1113 – Descubro |
|
Com os outros conversando |
Descubro o que eu próprio penso, |
Mas dos mais o quê e o quando |
Naquilo pensam não venço. |
|
|
1114 – Presumir |
|
Não é demais presumir |
Os mais como ignoto bando: |
- É bem difícil ouvir |
Enquanto se está falando… |
|
|
1115 – Grande |
|
Grande saber é esperar: |
Quão menos doutros espero |
Menos poderei contar |
Deles obter o que quero. |
|
|
1116 – Exame |
|
O exame não é questão |
De o que sabe revelar, |
Antes longe da visão |
De o que não sabe ocultar. |
|
|
1117 – Mais |
|
O exame revela mais |
Sobre um examinador |
Do que poderá jamais |
Dum examinando expor. |
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1118 – Quando |
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Quando se aprende melhor |
É quando aos outros se ensina, |
Como o mostra um professor |
A lição quando declina. |
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1119 – Ensinar |
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O professor sabe mais |
Sobre bem como aprender |
Do que aprenderá sinais |
De como ensinar quenquer. |
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1120 – Curiosidade |
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Se a curiosidade pode |
Matar o gato, é bem raro, |
Se um estudante sacode, |
Mal porvir de tal descaro. |
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1121 – Sempre |
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Um amigo é sempre alguém |
Com quem poderei contar |
Num acto que me convém |
Embora lhe vá custar. |
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1122 – Retribuição |
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Confiar não é um favor |
Em que outrem me faz um jeito, |
É retribuição, penhor |
Por um trabalho bem feito. |
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1123 – Eito |
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Discriminar: excluir |
Por negado preconceito, |
A levar, logo a seguir, |
A degolar tudo a eito. |
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1124 – Fanático |
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Para o fanático um credo |
Apenas além do seu |
É possível e bem cedo |
Fatalmente errado o viu. |
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1125 – Questão |
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O que outros pensam de nós |
É questão de nossa mente |
Que é quem sempre empresta voz |
À deles de nós ausente. |
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1126 – Interesseiro |
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Não queiras, de interesseiro, |
Acabar tombando bobo. |
Muito arriscado é um carneiro |
Pretender vestir de lobo! |
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1127 – Facilmente |
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Os erros são emendados |
Facilmente, se entre amigos, |
E os acertos, defraudados |
Facilmente entre inimigos. |
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1128 – Peraltas |
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Todos somos uns peraltas |
Não importa de qual era: |
Vamos anotando as faltas |
Dos que nos deixam à espera. |
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1129 – Pior |
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Quem pior uso fizer |
Do tempo dele é o primeiro |
A queixar-se, pioneiro, |
De quão breve há-de correr. |
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1130 – Melhor |
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Por trás é melhor entrar |
Para chegar onde quer |
Que pela frente e chegar |
Onde não queira quenquer. |
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1131 – Problema |
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O problema da moral |
É de sempre obscurecer |
A diferença que houver |
A triar o bem e o mal. |
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1132 – Fumo |
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Quando é fundamentalista, |
Não fumando coisas boas, |
Entra o fumo no cientista |
Tal nos olhos das pessoas. |
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1133 – Mão |
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Dar aos outros uma mão |
Às vezes outra nos vale |
Que em troca os outros nos dão |
E é na vida o principal. |
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1134 – Desajustada |
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Uma alma desajustada |
É bem preferível ser |
Que, no meio da jornada, |
Robô puro de quenquer. |
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1135 – Sentir |
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Sentir a falta do céu, |
Da solidez dos gigantes: |
- Ninguém sente o que perdeu |
Sem nunca o ter tido antes. |
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1136 – Casa |
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Andamos sempre a criar |
Um lar para o coração |
E a casa nisto a buscar |
Dum deus nunca tido à mão. |
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1137 – Elogiar |
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Não deixe de elogiar |
Mas também não exagere. |
E não basta só pensar: |
Claro diga o que prefere. |