DUODÉCIMO  ITINERÁRIO

 

EM  VERSO  À  MEDIDA  ACARTO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha um número aleatório entre 837 e 1137 inclusive.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

837 – Em verso à medida acarto

 

Em verso à medida acarto,

Numa quadra popular,

O saber mais lapidar

Que à luz der da vida o parto.

 

E, se é dum amor que parto,

Logo além sonho o luar

E vou nele cultivar

Hortas de que serei farto.

 

Acabo no dia-a-dia

A desvendar a estrutura

Que me retraça a figura.

 

É, no fim, sabedoria

Que, em pequeninas receitas,

Cura da vida as maleitas.

 

 

838 – Falidos

 

Os falidos em milhões

Não perdem a refeição,

É só quem conta os tostões

Que apertará o cinturão.

 

 

839 – Proposta

 

Duma proposta a verdade

Nada a ver tem, de diversa,

Com a credibilidade

E, por igual, vice-versa.

 

 

840 – Prejudiques

 

Não prejudiques teus filhos

À partida desatando

Da vida quaisquer cadilhos,

- Que o fácil anda-os matando!

 

 

841 – Estupidez

 

Não subestimes jamais

A força da estupidez

Humana, que senão cais,

Sem ver onde pões os pés.

 

 

842 – Perdão

 

Num casamento feliz,

Quando numa discussão

Que tens razão descobris,

- Pedirás logo perdão!

 

 

843 – Desaprender

 

Manter-se jovem requer

Curar da capacidade

De sempre desaprender

Toda e qualquer falsidade.

 

 

844 – Maioria

 

Quando é que a história regista,

Em alguma ocasião,

Um caso apenas que exista

De maioria com razão?

 

 

845 – Segredo

 

O segredo principia

E, quando mal te precatas,

Aos tiros é que desatas:

- Principiou a tirania!

 

 

846 – Produtiva

 

Maior força produtiva,

Sem já vestígio de engano,

Não é a que o trabalho aviva,

Antes a do egoísmo humano.

 

 

847 – Moinhos

 

Derrubar moinhos de vento

Há-de magoar-te bem mais

Do que de moinhos um cento

Que nem ver queiras jamais.

 

 

848 – Tentação

 

Cede em jeito à tentação:

Pode ser que ela não volte

Jamais a passar-te à mão

E então quem há que te solte?

 

 

849 – Piedade

 

Um dos mais duros sinais

Que picam a humanidade

É o de que as leis naturais

Desconhecem a piedade.

 

 

850 – Zumbido

 

O zumbido da amizade

Dança num ritmo mais chão

E com mais facilidade

Que as cordas do coração.

 

 

851 – Ausência

 

Para quem ama, uma ausência

É a forma mais eficaz

De descobrir a vivência

Duma presença capaz.

 

 

852 - Terreiro

 

Homem que vem a terreiro

Quer barreiras que saltar,

As forças dum marinheiro,

Marés vivas, a enrijar.

 

 

853 – Destino

 

O destino é o que ocorreu

Após haver ocorrido.

Por mim, vou talhar o meu

Antes, porém, de haver sido.

 

 

854 – Sim

 

O sim é aquela palavra

Que leva tempo a murchar,

Safra embora seja a lavra,

Mormente no que a escutar.

 

 

855 – Gotas

 

Tanto incompetente anotas

Por um nada erguido ao topo!

- São, porém, pequenas gotas

Que entornarão sempre o copo…

 

 

856 – Arrefeça

 

Não há nada que arrefeça

Tanto a paixão como o esforço

De a manter, sem que ela aqueça,

Forçada a um eterno escorço.

 

 

857 – Liça

 

Um elogio excessivo

É sempre acto de justiça

E a crítica justa, ao vivo

Acende os ódios na liça.

 

 

858 – Preço

 

O preço dum ideal

Ninguém pode calcular

E, quando o atinjo, afinal,

Não era o dele o lugar!

 

 

859 – Talvez

 

Talvez a vaidade seja

Vício de humildes oculto

E a humildade que se veja,

Do vaidoso o escuso culto.

 

 

860 – Sós

 

Arte a sós arte não é,

Nem nela sou eu somente,

É quanto for quem a vê

Mais com quem ficar presente.

 

 

861 – Multiplicação

 

Multiplicação dos pães?

Milagre outro leva a palma:

Multiplicação que tens

De teu corpo pela alma.

 

 

862 – Êxito

 

Depende apenas de ti

O que atinges, se calhar:

O êxito nunca sorri

Ao medo de fracassar.

 

 

863 – Aleluias

 

Há tantas aleluias

Que afinal são endoenças!

E as lágrimas que sofrias,

De vida quantas presenças!

 

 

864 – Semente

 

Semente é coisa de nada,

Nem sequer terá valor,

Menos no afago que grada

Dos dedos do lavrador.

 

 

865 – Obra

 

Obra feita mais depende,

Contra a vulgar evidência,

Da vontade que empreende

Do que, ao fim, da competência.

 

 

866 – Oportunidade

 

Agarra a oportunidade,

É o primeiro mandamento.

Não distingue a divindade,

Distingue homem de jumento.

 

 

867 – Casca

 

Com esforço, lasca a lasca,

Mudando acaso o matiz,

Podes livrar-te da casca,

Nunca, sair da raiz.

 

 

868 – Medida

 

Muitas vezes, fim de tudo

Não é senão, à medida,

Não um fim, mas sobretudo

Princípio de nova vida.

 

 

869 – Tarefa

 

Dedica-te dez minutos

À tarefa que haja em frente,

Por mais que custe: os produtos

Dão a vitória a quem tente.

 

 

870 – Galho

 

Primeiro faz o trabalho

Que a ti mais te preocupa.

O resto não cai do galho?

- Nada o trilho agora ocupa…

 

 

871 - Oportunidade

 

Enquanto aguardas à toa

A oportunidade certa,

Vai fugir de ti, deserta,

A oportunidade boa.

 

 

872 - Jornais

 

Mas quem é que lê jornais?

Antes neles, cada dia,

Mergulho em banho de sais

Ao calor que se anuncia.

 

 

873 – Crepúsculo

 

O crepúsculo parece

Deus como a respirar fundo,

Uma pausa em que me esquece

O tempo a escapar do mundo.

 

 

874 – Compreensão

 

Quanto mais compreensão

Tu deres, de mãos bem lisas,

Dela aumentando o quinhão,

De menos dela precisas.

 

 

875 – Rei

 

A palavra e a consciência

(Uma à outra em nós se aferra)

Buscam mais do que a evidência,

Tornam o Homem rei da Terra.

 

 

876 – Verdade

 

Se tu dizes a verdade,

Mal a verdade é lembrada,

Já não há necessidade

De te lembrares de nada.

 

 

877 – Felicidade

 

A felicidade vem

Da receita que não há-de

Descobrir quase ninguém:

- De darmos felicidade!

 

 

878 – Triste

 

Que triste o Inverno seria

Se o saber ninguém tivera

De que há-de chegar um dia

E então será Primavera!

 

 

879 – Vacina

 

Entre o que nos marca a sina

Toma o abuso a proeminência.

A educação é vacina:

Vacina contra a violência.

 

 

880 – Curiosidade

 

Mais a curiosidade

Facilmente vence o medo

Que a coragem que nos há-de

Ante ele pôr tudo quedo.

 

 

881 – Mente

 

Uma mente é mobilada

Por dela o proprietário:

Casa vazia, sem nada,

Dele é o pecado sumário.

 

 

882 – Memória

 

É a memória complicada,

Adora a verdade e teme-a:

Dela é parente chegada,

Nunca, porém, irmã gémea.

 

 

883 – Medida

 

Acreditar num além

Não basta nem é medida

Se não implicar também

Que se acredita na vida.

 

 

884 – Abstracta

 

Verdade abstracta, que fria!

Mas enrola-a com histórias

E à vida logo desfia

Quente, pura e sem escórias.

 

 

885 – Atractivo

 

Das histórias o atractivo

É de criar, simplesmente,

Imagens vivas, ao vivo,

Para os olhos que há na mente.

 

 

886 – Sopro

 

O som dum termo perdura

No sopro de voz que o diz.

Da imagem que à mente apura

Anos durará o matiz.

 

 

887 – Força

 

Uma história dá sentido

A uma experiência de alguém,

Pelos mais tudo é vivido:

- É a força que um conto tem.

 

 

888 – Café

 

Boa comunicação

Estimula, café forte,

E como ele também não

Deixa adormecer meu norte.

 

 

889 – Herói

 

Um herói me vens propor,

Como vencedor repoisa.

Um herói e um vencedor

Não são nunca a mesma coisa!

 

 

890 – Monótona

 

Monótona, a realidade

Já não provoca emoção?

Corre então a Humanidade

Dos sonhos à dimensão.

 

 

891 – Milagre

 

O  milagre não incide

Na natureza a mudar,

É que o milagre reside

No poder de acreditar.

 

 

892 – Dá

 

O que dá não tenha em conta,

Que o que conta desde já

Não é o dinheiro que aponta,

É o coração com que o dá.

 

 

893 – Bolota

 

Um cavalho grande apenas

É uma pequena bolota

Que, não mais pesando as penas,

Se agarra à terra que adopta.

 

 

894 – Humildade

 

Humildade é a vestimenta

Apropriada e sem véus

Ao encontro que apresenta

Cada qual perante Deus.

 

 

895 – Riso

 

Cria o riso tempo e espaço,

Com ele te distancias,

Olhas livre cada passo,

Em frente abres outras vias.

 

 

896 – Muda

 

Mudar Deus uma oração

Não logrará, mas, enfim,

Muda maior tenho à mão:

- É que faz mudar-me a mim.

 

 

897 – Porta

 

Qualquer dor ao fim exorta

À compaixão e ao amor:

O sofrimento é uma porta

Da vida para o valor.

 

 

898 – Adies

 

Tuas coisas não adies.

Se adias, ao acordar,

Melhor é que desconfies,

Pois já perdeste o lugar.

 

 

899 – Exigir

 

Porque um homem ama a Deus

Isto não lhe dá o direito

De então exigir que os céus

Lhe respondam a preceito.

 

 

900 – Arrouba

 

Sei lá o que é a pessoa certa,

Sei lá bem se é certa ou não!

- Só sei que há uma porta aberta

Na que arrouba um coração.

 

 

901 – Disciplina

 

Disciplina significa

Responder pelos seus actos

E disponível ser bica

Dos mais a regar os tratos.

 

 

902 – Assaz

 

Sem elogios não dás

Jamais o melhor de ti.

Com eles dá-lo-ás assaz,

Por gosto e sem alibi.

 

 

903 – Cortar

 

Cortar despesas do Estado

É como o sexo: os que o fazem

Não falam, os que hão falado

Não fazem, nem que se abrasem!

 

 

904 – Lar

 

O vero “lar, doce lar”,

Aquilo para que ameia

É um modelo singular:

A despótica colmeia.

 

 

905 – Cegas

 

São os primeiros segundos

Dum encontro feito às cegas

Que durarão, gemebundos,

A eternidade a que chegas.

 

 

906 – Ansiamos

 

Todos nós o que ansiamos

É ser aceites e amados.

Se um pouco de tal logramos

Florimos mesmo os silvados.

 

 

907 – Afecto

 

É o afecto o responsável

Por toda a felicidade

Consolidada e durável

Duma vida de verdade.

 

 

908 – Tropeça

 

Deveras o Inverno impera

Nas cãs de minha cabeça

Mas é sempre em Primavera

Que o coração me tropeça.

 

 

909 – Par

 

Na vida como na dança

Tão bons somos, se calhar,

Em tudo quanto se alcança,

Como bom for nosso par.

 

 

910 – Modéstia

 

Uma modéstia demais,

Após ser desmascarada,

O que deixa são sinais

De vaidade encapotada.

 

 

911 – Aniquilado

 

O amor é aquilo que fica

Do encontro no terno abismo,

Aniquilado o que implica:

Todo, todo o egoísmo.

 

 

912 – Pausa

 

Aguarda aí, faz a pausa

E repara na exigência:

Se há um princípio posto em causa,

Ignora a conveniência!

 

 

913 – Gestas

 

O que pretendas fazer,

Gestas heróicas ou vãs,

Fá-lo já: não vai haver

Assim tantos amanhãs!

 

 

914 – Apaixonar

 

Quando alguém se apaixonar

É que fácil devém Deus:

Vai ter, para O poder dar,

Todos quantos forem seus.

 

 

915 – Fabricante

 

És tu mesmo o fabricante,

Não qualquer ignoto céu

Infindamente distante,

Do que for destino teu..

 

 

916 – Astuta

 

A mulher é por demais

Astuta para, medidas

As forças como os sinais,

Morrer por causas perdidas.

 

 

917 – Atilho

 

Um pai não conhece um filho,

Apenas lhes faz a cama,

Lança a estrela pelo atilho,

- Um pai apenas os ama.

 

 

918 – Entretece

 

Tudo quanto planeamos

E o que depois acontece

Provém sempre de dois amos

Que nada nunca entretece.

 

 

919 – Precisão

 

O que é importante é saber,

A iludir o desengano,

Que precisão há-de ter

De nós outro ser humano.

 

 

920 – Privacidade

 

Planos de privacidade

Perdem logo todo o encanto

Se a solidão que me invade

Forçada for entretanto.

 

 

921 – Pouco

 

Quem dá do pouco que tem

Afinal muito dará:

Não dá do que lhe convém,

Dá do que lhe falta já.

 

 

922 – Arbitrário

 

Sucesso antes do trabalho

Apenas vem, arbitrário,

Nas folhas de que me valho

Quando o busco em dicionário.

 

 

923 – Tentação

 

Lutar contra a tentação,

Quando a tentação apela,

É resvalar no desvão

De ser vergado por ela.

 

 

924 – Perguntas

 

É preferível fazer

As perguntas que são postas

Do que pretender saber

Supostamente as respostas.

 

 

925 – Inesperada

 

Demais fica na memória

A surpresa da jornada:

- Que fantástica a vitória

Se é vitória inesperada!

 

 

926 – Indispensável

 

Por não ser indispensável

Se queres devir sozinho,

Olha que o que é mais viável

É que saias do caminho.

 

 

927 – Alibi

 

Tanto sonho é um alibi

A uma espera sempre vã!

- O dia de hoje anda aqui,

Nunca, porém, o amanhã.

 

 

928 – Dragão

 

Este dragão da demora

Matá-lo não é desporto

Para quem, a toda a hora,

O fôlego tiver morto.

 

 

929 – Problema

 

O problema das famílias

É o dum médico odioso:

Sabem bem, dentre as quezílias,

Que mais dói matar do gozo.

 

 

930 – Magoamos

 

Se magoamos as pessoas

Vão gostar menos de nós:

Palavras que matam loas

Também nos desatam nós.

 

 

931 – Maldição

 

Importa que a memória bem arquive

Da História a maldição deste traslado:

- O mal que um homem faz lhe sobrevive,

O bem é com os ossos sepultado.

 

 

932 – Vislumbrar

 

O futuro vislumbrar

É espreitar, por entre enganos,

O lugar onde os humanos

Ainda não foram pisar.

 

 

933 – Ignorantes

 

Aqueles que, de ignorantes,

Poderem ser livres crêem,

Por algo esperam que dantes

Ninguém viu nem eles vêem.

 

 

934 – Jornalismo

 

No jornalismo depressa

A notícia irá morrer:

O jornalismo tropeça,

É sempre a História a correr.

 

 

935 – Útil

 

O homem mais útil do mundo

Não é mais que um papagaio

Convencido: o que, no fundo,

É sempre o abismo onde caio.

 

 

936 – Assassina

 

A doença, que assassina!

Bom é que lutes e a venças

E aos assassinos destina

Igual sorte: são doenças!

 

 

937 – Horas

 

Quando a vida se desata,

Por muita que os dias gerem,

Todas as horas a ferem

E a derradeira ao fim mata.

 

 

938 – Película

 

Tudo quanto é bom na vida

É película tão fina!

Um nada e fica delida:

É um nada ao fim minha sina.

 

 

939 – Desterro

 

Foges à vida que tens

Como quem foge ao desterro,

Mas se ela foge, teus bens

Fogem com ela no enterro.

 

 

940 – Comodidades

 

Pequenas comodidades

Ajudam a atenuar

As grandes adversidades

Que à porta batem do lar.

 

 

941 – Destroçado

 

Quando um coração

Fica destroçado

O que resta à mão

Igual há ficado.

 

 

942 – Humano

 

Amar para ser amado

É humano, com tal me abranjo.

Amar para amar é o lado

Em que buscarei ser anjo.

 

 

943 – Estado

 

Símbolos de estado

São desculpa fraca

Para um valor dado

Te pegar de estaca.

 

 

944 – Casta

 

Quando a palavra não basta

O melhor, dela em lugar,

É falar duma outra casta:

- É de em silêncio ficar!

 

 

945 – Sobre

 

Sobre música escrever

É poesia mastigar,

Uma pintura reler

E arquitectura dançar.

 

 

946 – Ausência

 

Ausência, quando efectiva,

Só se foi, quando presente,

Mais que ignota, mais que esquiva,

Por inteiro indiferente.

 

 

947 – Nunca

 

A mais dão demais valor

Àquilo que nunca são

E ao que são menos propor

Vão ao valor que lhe dão.

 

 

948 – Medo

 

O medo pode manter-nos

Acordados toda a noite.

A fé, porém, nos invernos,

É a lareira onde me acoite.

 

 

949 – Estranhos

 

Não deves servir

Vizinhos estranhos

Se aos de casa os ganhos

Tal os extorquir.

 

 

950 – Bicicleta

 

A vida é uma bicicleta

Que tem dez velocidades

E ninguém usa completa

Tal mancheia de verdades.

 

 

951 – Confiar

 

Aprender a confiar

Requer ocorrer após

Alguém nos antecipar

Que antes confiou em nós.

 

 

952 – Escavar

 

O poeta é aquele pai

Que, andando a escavar o solo,

Quando da soleira vai,

Leva as palavras ao colo.

 

 

953 – Esgarce

 

Vê lá bem por onde vais

Antes que a pressa te esgarce,

Crescer depressa demais

É correr a estatelar-se.

 

 

954 – Fantasma

 

Quão mais a mulher senhora

Devém dum amor que pasma

Mais a guerra, na demora,

Faz da senhora fantasma.

 

 

955 – Velhice

 

A velhice é inesperada

Entre nadas que nos somem,

É a surpresa mais danada

Das que acontecem a um homem.

 

 

956 – Insigne

 

O insigne é o deveras nobre,

Não o rico ou de brasão,

Que a grandeza, rica ou pobre,

É o que nos erguer do chão.

 

 

957 – Estrelas

 

Ao estenderes os braços

Para apanhar as estrelas

Ignoras da flor os traços

Que aos pés calcas e atropelas.

 

 

958 – Desprezível

 

Desprezível é a mulher

Que nos só desejo inspira,

Sem respeito e amor colher

Que ao infindo nos abrira.

 

 

959 – Comerciante

 

O comerciante, à força,

De somar, fazer balanços,

Ignora o total a que orça

A vida nos demais lanços.

 

 

960 – Fogo

 

Quando no peito te arder

Todo o fogo criador,

Sentes-te em ti próprio ser

E ser onde a chama for.

 

 

961 – Palhaço

 

Em minha opinião muitos consomem

Da mentira a ilusão bem como o traço.

Ao palhaço perdoo os vícios de homem,

Ao homem não perdoo os de palhaço.

 

 

962 – Ovo

 

A criança tudo quer,

Tudo quer ter de imediato:

- Basta um ovo por cozer

E à casa o fogo desato!

 

 

963 – Alegria

 

A alegria que nos dá

Dos que amamos a alegria

Bem maior ao fim será

Que a de início que haveria.

 

 

964 – Palmadinhas

 

A questão das palmadinhas

Que tu dás nas próprias costas:

Em que mãos é que te aninhas

Quando cais pelas congostas?

 

 

965 – Líder

 

Qualquer líder que se preze

A decisão não impõe,

Antes faz o que a embeleze

Modelando o que propõe.

 

 

966 – Rezar

 

Rezar traz transformações

De que discreto me inundo:

Maiores são os quinhões

Em nós próprios que no mundo.

 

 

967 – Escolhos

 

Às vezes, temos de olhar

A realidade nos olhos

E enfrentá-la, a aniquilar-

-Lhe eficazmente os escolhos.

 

 

968 – Família

 

Por muitas comunidades

Que se inventem, a família

Finda, em todas as idades,

A impor-se a qualquer quezília.

 

 

969 – Sorri

 

Marca um ponto quem sorri

No jogo da identidade

Do que é para mim e ti

Deveras felicidade.

 

 

970 – Valoriza

 

Quão menos um homem vale

Como um homem, tanto menos

Valoriza, por igual,

Os demais, mesmo os mais plenos.

 

 

971 – Efectiva

 

Democrática, afectiva,

Importa uma autoridade

Cuja firmeza efectiva

Se negoceie à vontade.

 

 

972 – Íntimo

 

De todo o lado me pedem

Para ser mais eficiente,

Não íntimo: nunca medem

A intimidade da gente.

 

 

973 – Vivida

 

Quanto houver de bom na vida,

Incluindo a intimidade,

É imaginação vivida

Cuja charrua me grade.

 

 

974 – Mais

 

Lutar é bem mais belo que vencer,

Viajar, mais divertido que chegar:

Quando alguém vence ou chega, nem sequer

Para o vazio chega a haver lugar.

 

 

975 – Rir

 

Chorar é muito fácil de durar,

E rir é bem difícil, custa a vir.

Só quem muito chorou pode apreciar

A beleza da vida. E rir e rir!

 

 

976 – Vento

 

Palavras leva-as o vento

E o vento palavras traz

E nelas o pensamento

Ergue voo e aqui me faz.

 

 

977 – Abrigo

 

Toda a amizade é um abrigo

Dum mistério que se frui:
Sou, se abro o afecto a um amigo,

Mais eu que alguma vez fui.

 

 

978 – Rema

 

Quem rema diz ao oceano:

“Chega-te lá para trás,

Que um homem a todo o pano

Aqui vai!” – e o mar o faz!

 

 

979 – Fantasia

 

Se não pensas cada dia

Que um dia bom há-de ser,

Tenta então, por fantasia,

Um dia de vez perder!

 

 

980 – Verão

 

Pleno Verão é a preguiça,

Sempre tida por maldade,

Encontrando em toda a liça

A respeitabilidade.

 

 

981 – Conhecida

 

A estrada já conhecida

(Da vida qualquer terreno,

Um trilho grande ou pequeno…)

Não parece tão comprida.

 

 

982 – Mudança

 

A mudança não é apenas

Imprescindível à vida,

É a vida, cujas melenas

São dos ventos a mexida.

 

 

983 – Avarento

 

O avarento vive pobre,

Sempre, sempre a recolher

O que falta ou o que sobre,

Com medo de empobrecer.

 

 

984 – Recente

 

Não há nada tão recente,

No que me haja acontecido,

Como aquilo que, ao presente,

Há muito foi já esquecido.

 

 

985 – Aumento

 

Um aumento é aperitivo:

Melhoro da inanição,

Um pouco mais positivo

Por um tempo – depois não!

 

 

986 – Segredo

 

Que prazer a boa acção

(E o segredo a que deu azo)

Em qualquer ocasião

Descoberta por acaso!

 

 

987 – Pergunta

 

Se alguém diz: “boa pergunta!”

Quanto queres pela aposta

De que a questão que ela assunta

É bem melhor que a resposta?

 

 

988 – Mudar

 

Vais mudar a relação

Mas só te mudas a ti,

Que o outro mudar ou não

Vem do que queira dali.

 

 

989 – Aprecia

 

Queres ser feliz um ano?

Ganha então a lotaria.

Se a vida inteira é teu plano,

O teu trabalho aprecia.

 

 

990 – Confiança

 

Vem do medo a tirania

Que de mais medo se entrança,

Já não a democracia

Que é filha da confiança.

 

 

991 – Instinto

 

Medo é instinto, a ditadura

É instintiva coalisão.

A democracia dura,

Ao invés, se for razão.

 

 

992 – Velhos

 

Os velhos são sempre aqueles

Que foram nossos avós,

Nem vemos em nossas peles

Que crescem dentro de nós!

 

 

993 – Comboio

 

O comboio expresso corre

E corre o tempo como ele

E, quando ele passa, morre,

Nunca mais volta. Que é dele?

 

 

994 – Outono

 

É o Outono uma estação

Em que a natureza pára

De crescer: desata então

A mudar-se em jóia rara.

 

 

995 – Pé

 

Por vezes é requerido

Um pé no chão bem prender

Quando temos no sentido

Poder uma perna erguer.

 

 

996 – Sorrir

 

Se sorrir quando não há

Ninguém por perto que ver

Então é que a sorrir dá

Mesmo um sorriso a valer.

 

 

997 – Memória

 

A memória assenta

O mais fértil chão:

Dela se alimenta

A imaginação.

 

 

998 – Risco

 

É o risco a tua pegada,

O mais fiel de teus sinais:

Se não arrriscares nada,

É que arriscas ainda mais.

 

 

999 – Leva

 

Cada Verão menos leva

A atravancar-me o País

E bem mais quer que me atreva

Ao trabalho a que me afiz.

 

 

1000 – Pensando

 

Se pensa que algo está certo

Porque toda a gente o diz,

Não é pensando, decerto,

Que com tal coisa condiz.

 

 

1001 – Tarde

 

Terde demais aprendemos

Que a maravilha, que a graça,

É sempre a do que vivemos

Neste momento que passa.

 

 

1002 – Rapado

 

A riqueza ao pé rapado

De príncipe empresta o peito

E a miséria ao coroado

Dum pé rapado põe jeito.

 

 

1003 – Malapata

 

Quem dum louco arrancar quer

Uma resposta sensata

Ele próprio, sem querer,

Tem de louco a malapata.

 

 

1004 – Chorar

 

Não chores quem viste obrar

Contra quanto nos enliça,

Nunca devemos chorar

Quem morreu pela justiça.

 

 

1005 – Poço

 

Da mulher por que tão raro

Decifras sinal fecundo?

Ninguém é capaz de claro

Ver nenhum poço profundo.

 

 

1006 – Artista

 

Um artista, muitas vezes,

Ama em verso, som e cor,

Que de amante é só reveses,

Cria por não ter amor.

 

 

1007 – Preço

 

Quem antecipadamente

Pode o preço calcular

Das consciências que tente

A qualquer custo comprar?

 

 

1008 – Custa

 

Uma pergunta maior

Demora a ser aprendida:

- Uma vida sem amor

De que vale ser vivida?

 

 

1009 – Fome

 

A fome que tenha alguém

Mais fome é se ele é isolado:

Pão apenas sabe bem

Quando for compartilhado.

 

 

1010 – Caçador

 

O homem lembra o caçador

Que pretende, por desgraça,

Andar a morrer de amor

Por tudo quanto for caça.

 

 

1011 – Estrada

 

Na estrada, fúria e carbono

Abundarão por igual,

Ao perdão rareia o abono,

Nem lhe o oxigénio vale.

 

 

1012 – Causa

 

Viver vida com sentido

É descobrir uma causa

Em que creia desmedido.

- E o tempo não tem mais pausa!

 

 

1013 – Custo

 

Aquele que tem sucesso

Descobre o custo do sonho,

Realiza-o, paga o preço,

Não se queixa se é medonho.

 

 

1014 – Risco

 

Um jovem risco maior

Há-de aborrido correr

Se o tempo livre lhe for

Mais que o que houver a fazer.

 

 

1015 – Trivial

 

Tratar o que se cobiça

Como trivial fornece

O alibi para ir à liça

E furtar o que apetece.

 

 

1016 – Pequena

 

A pequena negligência

Pode originar o engano

De ver pequena a evidência

Do efeito dum grande dano.

 

 

1017 – Eira

 

Para nós, o Outono é eira

De colheita e reunião.

Para a terra é sementeira,

Tudo em disseminação.

 

 

1018 – Mola

 

Se a moeda te põe jucundo

Não ignores a sequela:

- Dinheiro é mola do mundo

Mas amor é manivela.

 

 

1019 – Siso

 

A vida não é de rir

Mas consegue ver com siso

Uma vida prosseguir

Enquanto vida sem riso?

 

 

1020 – Demais

 

Bom demais, para quenquer,

É só doutrem alibi:

Ninguém se importa de ter

O bom demais para si.

 

 

1021 – Ergue-o

 

Livra-o do íntimo degredo,

Ergue-o da queda no pó:

Critica o amigo em segredo,

Em público louva-o só!

 

 

1022 – Fulgir

 

Num amor quem se entristece

Não arrisca e quem arrisca

Não se entristece, que esquece

Tudo ao fulgir da faísca.

 

 

1023 – Selo

 

Metáfora dum desejo,

Selo de amor de quem ama,

Afinal, que é que é teu beijo?

- A carícia duma chama!

 

 

1024 – Corre

 

Deixa o coração correr

E correr à tua frente.

Depois corre atrás, a ver

Se agarrarás tal ausente.

 

 

1025 – Vela

 

O vento que a vela enfuna

Vem por fim dentro dum prazo.

Nem sempre a boa fortuna

Obra mera é dum acaso.

 

 

1026 – Recompensa

 

Não é como o mundo pensa,

Troca por troca, o valor:

- Dum amor a recompensa

Será sempre o próprio amor.

 

 

1027 – Caneta

 

Se escrevo sobre a mulher

Preciso de mergulhar

A caneta, ao escrever,

No arco-íris que me enguiçar.

 

 

1028 – Siso

 

Quem siso quiser, que em siso

Viva de vez mergulhado:

É quase sempre um sorriso

Doutro sorriso inspirado.

 

 

1029 – Eternos

 

Quem dele próprio senhor

Vai ser nos próprios abrigos

Quando a razão e o amor

São eternos inimigos?

 

 

1030 – Fácil

 

Quando o difícil ameia

Entre o fácil que se obtém,

Se daquele a vida é cheia,

Ninguém o anseia, ninguém.

 

 

1031 – Arrastam

 

Amor é dedicação

Mais um êxtase incessante.

Como é que tantos no chão

O arrastam a cada instante?

 

 

1032 – Antigo

 

Se o amor é o mais antigo

Sentimento que em mim vejo,

Sempre ao lado teve o abrigo,

A companhia dum beijo.

 

 

1033 – Desavença

 

Da desavença a figura

É dum erro partilhado,

Nunca a desavença dura

Se o erro for só dum lado.

 

 

1034 – Trilho

 

Que importa meter-se à estrada

Se outro é o trilho pelo chão?

Sempre a razão é enganada

De enganos do coração.

 

 

1035 – Sujeito

 

No fundo não há senhor,

Se é destino, anda enganado.

Sempre o amor é livre, o amor

Nunca foi sujeito ao fado.

 

 

1036 – Libertador

 

Um libertador desperta-te,

A voar por sobre as flores?

Eu te aconselho: liberta-te

Mas é dos libertadores!

 

 

1037 – Envelhecer

 

Envelhecer aos noventa

Dos cinquenta é diferente:

Doravante não inventa

Ofender a quem o sente.

 

 

1038 – Só

 

A prisão só é um defeito

Quando levada ao extremo.

Virtude a que preste preito

Em mãos tomará igual remo.

 

 

1039 – Dar

 

Um filho dar, obra de arte,

É só de tempo questão:

Logo o altar os põe de parte,

Nova roda de adopção.

 

 

1040 – Detrás

 

Mais valera um homem-erro

Capaz de modificar-se

Que um homem-máquina, enterro

Por detrás dum bom disfarce.

 

 

1041 – Desporto

 

“Perder ou ganhar, é tudo

Desporto” – será verdade?

Quem o diz é que, sisudo,

Quer que a derrota lhe agrade?

 

 

1042 – Carreira

 

De carreira uma mudança

Não planeada, excitante

Pode ser lição de dança

À esquina a espreitar-me adiante.

 

 

1043 – Freima

 

Freima executar ou não

Não tem nunca o mesmo peso,

Faça o que melhor à mão

Achar que lhe cai no vezo.

 

 

1044 – Boato

 

Bem mais rápido é o boato

Do que as comunicações

E bastas vezes constato

Que acerta nas alusões.

 

 

1045 – Ausência

 

Ausência de ver a urgência

Acaba por conduzir,

Num muito curto porvir,

Mas é de empregos à ausência.

 

 

1046 – Delonga

 

Deixa de andar à procura

De mais tempo, o que convém,

Sem delonga ou má figura,

É o tempo usar que se tem.

 

 

1047 – Gravador

 

Se o gravador de mensagens

Teima em desligar a meio

É que bem mais as triagens

Duram do que têm recheio.

 

 

1048 – Delegar

 

Delegar é já não ter

Uma parte do trabalho.

Não duplique o que fazer,

Que as cartas dobra ao baralho.

 

 

1049 – Conhecido

 

Conhecido como alguém

Torna-te que constrói pontes

E nunca barreiras nem

Bombas cerrando horizontes.

 

 

1050 – Dizer

 

Dizer “por outras palavras”

É dizer, nas empregadas

No discurso que então lavras

Que usas palavras erradas.

 

 

1051 – Chatice

 

Chatice à segunda-feira

Provém do fim-de-semana:

Da fome não mora à beira

Quem foge ao que dela emana.

 

 

1052 – Regra

 

Em regra, as regras normais

De proceder não o são,

Saiba como coisas tais

De facto ali se farão.

 

 

1053 – Alternativas

 

Aos outros não lhes dê nunca

Alternativas que não

Quer que deles garra adunca

Leve a que é o que escolherão.

 

 

1054 – Ritmo

 

No trabalho, competir

Nem sempre é da rapidez

E há mais coisas a bulir

Que o ritmo da cupidez.

 

 

1055 – Coração

 

Coração de quem viaja

Nunca abandona o lugar

Onde nasceu, haja o que haja,

Que só ali vai respirar.

 

 

1056 – Ensejo

 

Aproveite todo o ensejo,

Que a vida sempre anda meia.

Se só tiver um desejo,

Que seja por uma ideia.

 

 

1057 – Silêncio

 

É de oiro o silêncio de oiro,

Mas, se uma canção afina,

Aumenta logo o tesoiro,

Poderá ser de platina.

 

 

1058 – Roda

 

A roda foi inventada

Para andarmos mais depressa

E o crédito foi a estrada

De obrigar a usar tal peça.

 

 

1059 – Delegar

 

Delegar, quando convém,

Podemos autoridade.

Jamais consigo, porém,

A responsabilidade.

 

 

1060 – Depressa

 

O problema de falar

Muito depressa é dizer

Algo em que ainda de pensar

Não houve  tempo sequer.

 

 

1061 – Menos

 

Às vezes ganhamos mais

A trabalhar os trabalhos

Que não pagam nem sinais:

Há ganhos de paga falhos.

 

 

1062 – Medo

 

Muros e paredes chore-os

Quem o medo nos ameia:

De obstáculos ilusórios

Anda sempre a vida cheia!

 

 

1063 – Fé

 

A fé remove montanhas

Mas há quem jamais hesite

E prefira, fora as manhas,

Usar mas é dinamite.

 

 

1064 – Luta

 

Felicidade e prazer

Completam-se na memória:

- Ser feliz a luta quer

E a resistência, a vitória.

 

 

1065 – Assomo

 

O assomo de egocentrismo

A que atreito é qualquer um

É sempre a porta do abismo,

Não leva a lado nenhum.

 

 

1066 – Dominar

 

Dominar conhecimentos

Traz sempre duas vantagens:

Julgamos menos intentos

E melhor quaisquer triagens.

 

 

1067 – Decerto

 

Decerto não há surpresas

Nas verdades que me minto:

Ante a ausência de certezas

Resta-me seguir o instinto.

 

 

1068 – Oxalá

 

Oxalá possas viver

Enquanto tal tu quiseres

E oxalá possas querer

Sempre enquanto tu viveres.

 

 

1069 – Mexerico

 

Confiar no mexerico

É ficar com a certeza

De que, quando a sós eu fico,

De mim desfaz quem o preza.

 

 

1070 – Poesia

 

Discutir a poesia

É muitas vezes matá-la.

Termo que me toca um dia

É vida em veste de gala.

 

 

1071 – Segundo

 

O segundo casamento

É o triunfo da esperança

Sobre o contrário argumento

De quanto a derrota o cansa.

 

 

1072 – Tédio

 

Sempre o tédio me ultrapassa

Se o não combater com febre:

Quando o tédio te ameaça

Corre que nem uma lebre!

 

 

1073 – Matizes

 

Da família um dos matizes

É um grupo ser divertido:

- Todos ficam mui felizes

Só por havermos nascido!

 

 

1074 – Melhor

 

O melhor do que aprendi,

Dos que magoam (é a lei)

É que sempre o recolhi:

- Daqueles a quem amei!

 

 

1075 – Prive

 

Aquilo de que me prive

Convida além a seguirmos:

O nosso amor é o que vive

Depois de ambos nós partirmos.

 

 

1076 – Mais

 

Como é que sobreviveis

A quanto a vida desata?

- Mais amor do que erros, eis

Do que na vida se trata.

 

 

1077 – Aceite

 

Daquela mão nada aceite

Que apertar jamais queria

Se a topara sem enfeite

Inteiramente vazia.

 

 

1078 – Relação

 

Não sabemos entregar

Ao amor em vez de à ideia

A relação a criar

Com Deus numa vida cheia.

 

 

1079 – Medir

 

Um homem só se descobre

Se se medir em verdade

Com o que na vida sobre

De qualquer adversidade.

 

 

1080 – Reputação

 

A reputação errada,

Boneco de neve ao sol,

Chega à noite, fica em nada,

Só o adereço é que bole.

 

 

1081 – Particular

 

Em particular quem manda

Deve saber o que faz

E como, quando comanda,

Fazê-lo melhor e em paz.

 

 

1082 – Âncora

 

Um navio depender

De âncora só nunca deve,

Como uma vida qualquer

Duma esperança que é breve.

 

 

1083 – Sinais

 

Apura a vida, desperta

Aos sinais que houver na estrada:

Se não tens a mente aberta,

Mantém a boca fechada.

 

 

1084 – Escaramuça

 

Entre o perdão e a vingança

Forte escaramuça lida.

Só quando o perdão se alcança

Salvamos a própria vida.

 

 

1085 – Prenda

 

A melhor prenda a ofertar

É a pureza sempre à mão

De a todos poder prestar

Inteira a nossa atenção.

 

 

1086 – Embora

 

Recorde-se, ao ir embora,

Da vida o melhor dos feitos:

- Nada perde ao deitar fora

De vez todos os defeitos.

 

 

1087 – Perenes

 

As medidas que edifiquem

Perenes mundos viáveis:

- Tenham calma, simplifiquem,

E sempre sejam amáveis.

 

 

1088 – Visita

 

O Pai Natal é que sabe,

Visita uma vez por ano

As pessoas a quem cabe

Prendar de amor e sem dano.

 

 

1089 – Vitória

 

A vitória tem feitiço:

Antes de poder ganhar

Tem mesmo de acreditar

Que é deveras digno disso.

 

 

1090 – Boa

 

Se temos dificuldades,

Não há nada, na vigília,

Sopradas as veleidades,

Como uma boa família.

 

 

1091 – Crescimento

 

O crescimento requer

Um abdicar temporário

Da segurança que houver

Servido ao salto precário.

 

 

1092 – Versão

 

Seja sempre uma versão

De primeira de si mesmo,

Nunca a segunda demão

Doutrem qualquer feita a esmo.

 

 

1093 – Luz

 

Um amigo é luz de Inverno,

Quanto mais velha a amizade

Mais brilha a luz no superno

Cume desta escuridade.

 

 

1094 – Atitude

 

Ser feliz é uma atitude:

Quer infeliz eu me faça,

Quer para feliz eu mude,

Igual trabalho congraça.

 

 

1095 – Tecnologia

 

A nova tecnologia

Não acrescenta ou subtrai,

Por um golpe de magia

Altera tudo onde vai.

 

 

1096 – Autónoma

 

Toda a técnica é um perigo

Quando autónoma devém:

- Como é que depois a obrigo

A respeitar-nos também?

 

 

1097 – Deveras

 

Deveras o evento histórico

Mudará mais do que o mundo:

Muda a compreensão, eufórico,

Com que dele me fecundo.

 

 

1098 – Metáfora

 

A metáfora mais forte

É o facto de eu depender

Da metáfora por norte

Do problema que entender.

 

 

1099 – Relutante

 

Relutante é a maioria

Em admitir que anda errada

E um erro saber, podia

Salvar a vida gorada.

 

 

1100 – Falácias

 

Toda a história das ideias,

Feita de férteis falácias,

São paradigmas a meias:

- Enfrente as feras e lace-as!

 

 

1101 – Filantropia

 

Quem faz a filantropia

Quer mas é sentir-se bem,

Não faz o bem que faria

Se este só por guia tem.

 

 

1102 – Obstáculo

 

Obstáculo à aceitação

Duma sociedade aberta

Hoje é a comum rejeição

Dum grande ideal que desperta.

 

 

1103 – Devoram

 

As revoluções devoram

Deveras os próprios filhos:

É que os filhos não demoram

A amordaçá-las de atilhos.

 

 

1104 – Dentre

 

Que identificar problemas

Mais difícil nas questões,

Encontrar é, dentre os lemas,

Onde estão as soluções.

 

 

1105 – Imprensa

 

O poder da imprensa

É mais da ameaça,

Vem mais do que pensa

Do que do que faça.

 

 

1106 – Arbitrária

 

A uma exigência arbitrária

A resposta de excelência

Tem de ser de arbítrio vária

Quão arbitrária a exigência.

 

 

1107 – Tendência

 

Todos temos a tendência

De prestar mais atenção

Aos uniformes e não

A quem vestem na pendência.

 

 

1108 – Descarado

 

Se não quer que um descarado

Ganhe afinal seu dinheiro,

Use então, pelo seu lado,

Mais descaro que o primeiro.

 

 

1109 – Questão

 

No que é desenvolvimento

Não é questão quanto temos,

Mas quanto fazer podemos,

Haja o que houver de momento.

 

 

1110 – Criança

 

Toda a criança é uma artista.

O problema é continuar,

Mormente ao termos em vista

Que se vai escolarizar…

 

 

1111 – Custa

 

Muito aprendemos à custa

Dos erros que nós fazemos,

E nada, ao invés, se ajusta

Pelo que nos outros vemos.

 

 

1112 – Silêncio

 

Se falta sentido, vence-o

Trocando as leiras que lavras:

- Muitas vezes um silêncio

Fala mais que mil palavras.

 

 

1113 – Descubro

 

Com os outros conversando

Descubro o que eu próprio penso,

Mas dos mais o quê e o quando

Naquilo pensam não venço.

 

 

1114 – Presumir

 

Não é demais presumir

Os mais como ignoto bando:

- É bem difícil ouvir

Enquanto se está falando…

 

 

1115 – Grande

 

Grande saber é esperar:

Quão menos doutros espero

Menos poderei contar

Deles obter o que quero.

 

 

1116 – Exame

 

O exame não é questão

De o que sabe revelar,

Antes longe da visão

De o que não sabe ocultar.

 

 

1117 – Mais

 

O exame revela mais

Sobre um examinador

Do que poderá jamais

Dum examinando expor.

 

 

1118 – Quando

 

Quando se aprende melhor

É quando aos outros se ensina,

Como o mostra um professor

A lição quando declina.

 

 

1119 – Ensinar

 

O professor sabe mais

Sobre bem como aprender

Do que aprenderá sinais

De como ensinar quenquer.

 

 

1120 – Curiosidade

 

Se a curiosidade pode

Matar o gato, é bem raro,

Se um estudante sacode,

Mal porvir de tal descaro.

 

 

1121 – Sempre

 

Um amigo é sempre alguém

Com quem poderei contar

Num acto que me convém

Embora lhe vá custar.

 

 

1122 – Retribuição

 

Confiar não é um favor

Em que outrem me faz um jeito,

É retribuição, penhor

Por um trabalho bem feito.

 

 

1123 – Eito

 

Discriminar: excluir

Por negado preconceito,

A levar, logo a seguir,

A degolar tudo a eito.

 

 

1124 – Fanático

 

Para o fanático um credo

Apenas além do seu

É possível e bem cedo

Fatalmente errado o viu.

 

 

1125 – Questão

 

O que outros pensam de nós

É questão de nossa mente

Que é quem sempre empresta voz

À deles de nós ausente.

 

 

1126 – Interesseiro

 

Não queiras, de interesseiro,

Acabar tombando bobo.

Muito arriscado é um carneiro

Pretender vestir de lobo!

 

 

1127 – Facilmente

 

Os erros são emendados

Facilmente, se entre amigos,

E os acertos, defraudados

Facilmente entre inimigos.

 

 

1128 – Peraltas

 

Todos somos uns peraltas

Não importa de qual era:

Vamos anotando as faltas

Dos que nos deixam à espera.

 

 

1129 – Pior

 

Quem pior uso fizer

Do tempo dele é o primeiro

A queixar-se, pioneiro,

De quão breve há-de correr.

 

 

1130 – Melhor

 

Por trás é melhor entrar

Para chegar onde quer

Que pela frente e chegar

Onde não queira quenquer.

 

 

1131 – Problema

 

O problema da moral

É de sempre obscurecer

A diferença que houver

A triar o bem e o mal.

 

 

1132 – Fumo

 

Quando é fundamentalista,

Não fumando coisas boas,

Entra o fumo no cientista

Tal nos olhos das pessoas.

 

 

1133 – Mão

 

Dar aos outros uma mão

Às vezes outra nos vale

Que em troca os outros nos dão

E é na vida o principal.

 

 

1134 – Desajustada

 

Uma alma desajustada

É bem preferível ser

Que, no meio da jornada,

Robô puro de quenquer.

 

 

1135 – Sentir

 

Sentir a falta do céu,

Da solidez dos gigantes:

- Ninguém sente o que perdeu

Sem nunca o ter tido antes.

 

 

1136 – Casa

 

Andamos sempre a criar

Um lar para o coração

E a casa nisto a buscar

Dum deus nunca tido à mão.

 

 

1137 – Elogiar

 

Não deixe de elogiar

Mas também não exagere.

E não basta só pensar:

Claro diga o que prefere.