DÉCIMO  QUARTO  ITINERÁRIO

 

ATÉ QUE A RIR ACABE ENFIM DESPERTO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha um número aleatório entre 1209 e 1320 inclusive.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1209 – Até que a rir acabe enfim desperto

 

Até que a rir acabe enfim desperto

Cantarei com ironia

Qualquer insanidade, dia a dia

A marca do deserto.

 

Do mundo no desconcerto,

O sarcasmo fustigaria

O que o bom humor, na alegria,

Quer manter, afinal, em aberto.

 

Eis porque, tolerante,

Caminho para diante

Atento e bem disposto.

 

Mesmo na asneira

Põe-me a vida sempre à beira

De quanto finalmente é de meu gosto.

 

 

1210 – Juros

 

Cem euros, juros compostos,

Cinco por cento ao trimestre,

Duzentos anos lá postos,

São cem milhões: é de mestre!

 

Só que, na data aprazada,

Já não irão valer nada…

 

 

1211 – Impostos

 

Os impostos inventados

Não foram em benefício

Dos “cidadãos bem-amados”

Dos políticos de ofício.

 

 

1212 – Lisonja

 

O dinheiro é uma lisonja,

A mais sincera dentre elas:

Toda a mulher é uma esponja,

Quer lisonja mais sequelas.

 

Os homens, porém,

Também!

 

 

1213 – Privilégio

 

Quando a mulher reivindica

Uma absoluta igualdade

Não vê que de fora fica

Um privilégio que a invade:

 

- Quando é que isto de ser mãe

Um homem qualquer obtém?

 

 

1214 – Crítico

 

O crítico nada cria.

Portanto, qualificado

A julgar já se veria

Do criador o que é gerado.

 

É que não tem preconceito:

Odeia, com despudor

E levando tudo a eito,

Todo e qualquer criador!

 

 

1215 – Académica

 

Entre ciência e cofusão

O que as mais diferencia

É que a ciência quer razão

E o mais, apenas polémica

Sabedoria

Académica.

 

 

1216 – Doninha

 

A doninha fedorenta

É companhia melhor

Que quem convencer-me tenta

De que é franco, sim senhor!

 

 

1217 – Matizes

 

“Toda a gente sabe!” – dizes.

Então é mesmo mentira:

Nem um em dez mil matizes

Daquilo alguém jamais vira!

 

 

1218 – Campanha

 

“Vim, vi, venci”

- César a campanha ali sintetizou.

Vim, vi e ela me conquistou

- Eis o que eu direi de ti!

 

 

1219 – Comissão

 

Uma comissão é uma forma de vida

Com seis ou mais pernas, desencontrada,

E, bem ponderada e medida,

Não tem cérebro nem nada.

 

 

1220 – Elegante

 

Um meio elegante

Com a dos outros talha a própria opinião.

Se é contrária,

Não é um instante

De conversão,

- É uma facção literária.

 

 

1221 – Preciso

 

Preciso é não trabalhar

Para alguém ganhar dinheiro:

Cobra rendas, lar a lar,

Vende prédios a altear,

Caça-os depois no leveiro,

Empresta dinheiro a juros,

Porque um homem em apuros

Abre, com vénia, o portão

A quem for este ladrão…

 

E tudo conforme a lei:

O método genuíno

De roubo seguro e fino…

Doutro melhor nem eu sei!

 

 

1222 - Médico

 

Deve o médico escrever,

De facto, mais claramente?

- Duvido. Recentemente,

Uma receita qualquer

 

Fui à farmácia aviar.

Como bilhete depois

De cinema a vim a usar

E hoje ainda, aos arrebóis,

 

Como passe ferroviário

Utilizo-a dia a dia.

Quando em casa sedentário,

Minha filha (quem diria?)

 

Nas cordas do violino

Anda a aprender a tocá-la!…

- Quem busca melhor destino

A um rabisco que tal gala?

 

 

1223 – Amante 

 

De música amante a sério,

Se a mulher o canto apura

Despindo ao duche o mistério,

- Cola a orelha à fechadura,

Num gozo mais apurado,

E os olhos fecha, atilado.

…E ela nua a toda a altura!

 

 

1224 – Perdedor

 

Todos dum bom perdedor

Gostam, de forma sumária,

Quando for um jogador

Mas duma equipa contrária.

 

 

1225 – Biberão

 

Enquanto durou,

O tempo que decorreu

Desde que lhes dei o biberão da manhã

Até o almoço na Universidade,

- Que séculos demorou,

Sem tempo de meu

E aquela perene agitação malsã,

Uma fatalidade!

 

Agora que de vez passou,

Tanto quanto sei,

O período entre os dois condutos

Demorou,

Em conta de lei,

- Aí uns quinze minutos!

 

 

1226 - Asas

 

Quando, com gesos graves,

Aprazas

Que as asas

São elevadores para as aves…

 

Quando garantes,

Para que por outro o não tomem,

Que um antropófago é um homem

Que gosta dos semelhantes…

 

Quando o álcool, conforme os arquivos,

Além de mezinha nos desportos,

Mata os vivos

E conserva os mortos…

 

Quando o remorso

Requer, à evidência,

Um esforço,

Pois é má digestão do consciência…

 

Quando um turista não é um parceiro,

Mas mero vagabundo com dinheiro…

 

“Ah!” não é interjeição nem nada:

- É só uma ideia parva que te chega atrasada!

 

 

1227 – Executivo

 

Garante o executivo, atrás da secretária:

- Estamos à vontade, é uma alegria,

Protege-nos uma espessa e vária

Camada de burocracia!

 

 

1228 – Brincos

 

Desabafa o adolescente

De brincos no nariz

E cabelo espetado:

- Vestir-me assim é indecente.

Só que os meus pais impede, de raiz,

De me arrastarem para todo o lado!

 

 

1229 – Areias

 

Quando a um servo quis o rei

Que cada manhã trouxesse

Areias de toda a grei

Para as cheirar, não houvesse

 

Um inimigo de noite

Atravessado a fronteira,

Logo alguém vê que se afoite,

Quer a tarefa ligeira.

 

“Tão rápido como um gato

A escapulir-se entre as casas

Irei ver do desacato,

Em meus pés ganharei asas.”

 

“Não chega!” – responde o rei.

“Tão rápido como a folha

Cai do ramo correrei”

- Diz outro que o rei acolha.

 

“Não chega!” – repete o rei.

“Tão brusco como a mulher

Muda de ideias irei”

- Jura um terceiro correr.

 

“E quando é que partirás?”

- Pergunta ansioso o rei.

Então, dando um passo atrás,

Responde ele: “Já voltei!”

 

 

1230 – Oposição

 

Cada chefe, candidato,

Executivo em função,

Lidar com a oposição

Deverá com todo o tacto.

 

Com os que o mesmo procuram,

Com os que obram o contrário

E mais com os que se apuram

Neste destino sumário:

 

- Não fazer, obra contada,

Absolutamente nada!

 

 

1231 – Duas

 

Todos os países têm

Duas histórias a par:

A verdadeira e também

A oficial que a negar.

 

 

1232 – Televisões

 

Hoje em dia, televisões

São lutas, violência, palavrões…

- E apenas para decidir quem e quando

É que segura no telecomando!

 

 

1233 – Oito

 

O que um zero diz a um oito,

Vendo-o ali todo esquisito:

- Desculpa-me se me afoito,

Mas que cinto mais bonito!

 

 

1234 – Idiota

 

Ao miúdo idiota da aldeia,

Sem malícia, inveja nem má fé,

Com a vontade a progredir alheia,

Incapaz de se manter hoje de pé,

 

Bendirás que os prósperos negociantes,

Que entre eles se roubam alegremente

Em todos e quaisquer propícios instantes,

Ao louco cada qual o vista, o alimente,

O acalente

Ternamente…

 

Suspeitarás que, crentes ou ateus,

Dele por trás das demências

Descortinam seu advogado perante Deus

Ou o pára-choques das consciências.

 

 

1235 – Gafe

 

A gafe é uma ocasião

Em que um político se há-de

Esquecer de em si ter mão:

- Diz por acaso a verdade!

 

 

1236 – Grande

 

Ser grande é aprender a conhecer,

Conhecer-se a si como aos demais.

Pensar com a própria cabeça e saber,

Saber falar e saber ouvir ainda mais.

 

Calçar uma enorme sapata,

Enrolar o nó górdio da gravata,

Usar barba e bigode

Ou cortá-los, se formam a cara dum bode…

 

Quando isto e muito mais teu filho ouvir,

Se lhe perguntas, com amável aceno,

Quando for grande que vai querer devir,

Responderá, lacónico, a sorrir:

- Pequeno!

 

 

1237 – Inércia

 

Em nós a inércia é devida

Apenas a esgotamento,

Nos mais envolve escondida

Preguiça a todo o momento.

 

 

1238 – Casamento

 

O casamento é a amizade

Que, mesmo quando há sevícia,

Reconhecida, em verdade,

É sempre pela polícia.

 

 

1239 – Contabilista

 

Contabilista criativo

Eficaz evita o trágico,

Tem um nome apelativo:

É deveras matemágico.

 

 

1240 – Milionário

 

Aquele quê misterioso

Que os milionários carecas,

Sensaborões e sem gozo

Têm por trás de cada cisma

E das piadas sempre pecas

- Deles dizem que é o carisma.

 

Não, nunca teve nada a ver

Com o que cada conta deles retiver…

 

 

1241 – Debulhada

 

Em lágrimas debulhada

Queixa-se a dama ao juiz:

- Quero a culpa ver julgada

De adultério, bem provada,

Dum marido dos mais vis!

As caras de meus três filhos

Tenho com tempo observado

E com ele nem rastilhos

Nem das feições nem dos trilhos

Lhes vislumbro em nenhum lado!

 

 

1242 – Crítica

 

Para a crítica evitar

Não faças nada, de entrada,

Não digas nada, em lugar,

E, por fim, não sejas nada!

 

 

1243 – Excentricidade

 

Qualquer excentricidade

É como um sotaque ter:

Sempre os outros, em verdade,

É que terão um qualquer.

 

 

1244 – Crédito

 

Em norma é merecedor

O ser humano de crédito.

…Depende do fiador

E de qual for o seu rédito!

 

 

1245 – Março

 

Março foi o mês criado

Para mostrar (o que aplaca

Quem não bebe exagerado)

O que será uma ressaca.

 

 

1246 – Importam

 

Os políticos se importam

Com as gentes: é virtude?

- É que os cães também suportam

A pulga que se lhes grude…

 

 

1247 – Previsões

 

São falíveis as previsões,

Mormente, como auguro,

Ao darem lições

…Do futuro!

 

 

1248 – Sexta-feira

 

À sexta-feira

Os funcionários mostram os dentes:

É a má consciência inteira

Por nada terem feito, entrementes,

Durante a semana toda

Que lhes justifique a boda.

 

 

1249 – Vinho

 

Como o vinho é brincalhão!

E então a bebida forte,

Ela é mesmo um rufião

A negacear a morte!

 

 

1250 – Daninha

 

Erva daninha é uma planta

Que consegue dominar

Os rebentos mil que implanta

No mundo, em todo o lugar.

 

Todos quantos lhe perfilas

- Excepto crescer em filas!

 

 

1251 – Universidade

 

Universidade – os anos

Em que aos pais é permitido

Ao telefone ter planos

…Ao telefone impedido!

 

 

1252 – Meia-idade

 

Na meia-idade, “feliz”

E a palavra “aniversário”

Desviam-se por um triz,

A cada qual seu fadário.

 

 

1253 – Neta

 

Explicava à minha neta

Com as palavras mais ternas

Minha infância de pobreta.

“Pois, viviam em cavernas!”

- Comentou alegremente.

Contara-lhe o pai, a sós,

Como muito antigamente

Viveram nossos avós…

 

 

1254 – Palmada

 

Ao invés duma sevícia,

Quando impõe bem de verdade

A palmada é uma carícia

Em alta velocidade.

 

 

1255 – Bebé

 

“Vou dormir como um bebé”

- Dizes porque geralmente

Não sabes como é que ele é:

Bebés não tens, é evidente!

 

 

1256 – Inadiáveis

 

Inadiáveis adiar

É de crédito um cartão:

Diverte ao principiar,

Vem a conta, é um trambolhão!

 

 

1257 – Fora

 

Televisão noite fora

Como é tão educativa:

- Ensina-me a ir embora

E por minha iniciativa!

 

 

1258 – Marca

 

Se a tua marca marca mundo além,

Esquece

Como encaixa:

Aparece

Logo alguém

Com uma borracha!

 

 

1259 – Possivelmente

 

Possivelmente serão

Cinco sílabas de acaso.

Possivelmente é um não

Só com sílabas de atraso.

 

 

1260 – Decepcionista

 

Decepcionista: empregado

Que conta aquela mentira

Do patrão – para que lado

Afastar-se há pouco o vira!

 

 

1261 – Camisola

 

Camisola é aquela roupa

Que a criança tende a usar

Quando a mãe que a nada a poupa

Se sentir a resfriar.

 

 

1262 – Licenciado

 

Em Junho, o licenciado

Sai para mudar o mundo.

Em Julho pensa um bocado:

O fósforo está molhado,

Que faço que tanto o inundo?

 

 

1263 – Bairro

 

“Irei” – gaba-se um vizinho –

“Para um bairro bem melhor!”

“Nós vamos” – diz sem carinho

O seu interlocutor –

 

“Viver num mais sossegado!”

“Ah, também irão mudar

Então para um outro lado?”

“Não, nós cá vamos ficar!”

 

 

1264 – Tarde

 

Tarde agora casaria

Todo o mundo e sem alarde:

Dantes era ao meio-dia,

Hoje, às quatro da tarde!

 

 

1265 – Asneira

 

Fim de semana de três dias

É uma asneira:

A terça logo tornarias

Segunda-feira!

 

 

1266 – Experiência

 

A voz da experiência persegue

E enfada

Quando não se consegue

Manter-lhe a boca fechada!

 

 

1267 – Conselhos

 

Por dar conselhos

O problema maior

É que todos, novos e velhos,

Querem retribuir o favor!

 

 

1268 – Escrito

 

O problema de trazer o nome escrito

Durante uma convenção

É que todos ficam a saber quem é o bendito

Que adormece em cada sessão.

 

 

1269 – Difícil

 

Mais difícil é gostar

Dum vizinho

Que sentimentos à distância cultivar

Por uma causa que apenas adivinho.

 

Como é reconfortante

Uma causa distante!

 

 

1270 – Queimar

 

Qualquer pessoa

Com dinheiro para queimar

Sempre se há-de encontrar

Rodeada à toa

Por plateias

De fósforos cheias.

 

 

1271 – Mais

 

O dia mais curto do ano

Só por engano

Lembro

Que é 21 de Dezembro.

Lérias!

- É mas é o derradeiro das férias!

 

E o dia mais longo,

Qual 21 de Junho!

Aquele que indefinidamente prolongo,

Com que ralho e marralho,

 

A que ergo impotente o punho,

- É sempre o primeiro dia de trabalho!

 

 

1272 – Edison

 

Se Edison hoje a luz eléctrica inventara,

Logo o telejornal denunciaria

Que a indústria de velas ameaçara

E a defesa do consumidor lavraria

Um processo em nome dos infelizes

Que poderiam ser electrocutados.

 

Sindicatos de todos os matizes

Forçariam, por múltiplos lados,

Um decreto-lei cujas sequelas

Seriam bloquear a electricidade

A fim de prolongar a longevidade

Da indústria de velas!

 

 

1273 – Solteira

 

A jovem solteira perde o siso

De paraquedistas à largada.

- Isto deve ser mesmo o paraíso:

Estão a chover homens na estrada!

 

 

1274 – Reino

 

Certo há-de ao reino animal

Sempre um homem pertencer.

Porém, uns mais que outros tal

Deixarão transparecer.

 

 

1275 – Pescar

 

Sua Majestade resolveu pescar.

Sua Excelência, nem no rio nem no mar.

Sua Eminência, na bolsa e na pele

Dos povos que forem presa dele.

 

De pesca as redes soberanas

Filam peixes maravilhosos

De escudos, euros, xelins,

Que o anzol das canas

Transmuda em adereços preciosos,

Vinhos e acepipes nos festins.

 

Tudo contado,

A mágoa

É que os ribeiros de maior pescado

Não correm nunca onde houver mais água.

 

Que pena que os tubarões

Não sejam uns dos outros comilões!

 

 

1276 – Vadios

 

Há dois tipos de vadios:

Uns se indignam do trabalho,

Outros gemem sem ter brios

- Dois ramos do mesmo galho.

 

 

1277 – Purga

 

É uma purga da heresia

O que tece a inquisição

Ou as bolsas esvazia,

Já garantido o perdão?

 

Como os grandes ideais,

Proibida a contestação,

Se tornam logo fanais

De encobrir a podridão!

 

 

1278 – Ovações

 

Muitas ovações de pé

Serão desencadeadas

Por quem salta vendo se é

Primeiro a descer escadas.

 

 

1279 – Rãs

 

Cinco rãs estão num galho,

Quatro decidem saltar.

Quantas irão lá ficar

Sem se dar a tal trabalho?

 

- Ficam cinco. Vais-te rir:

É que há grande diferença

Se quero a boa sentença,

Entre decidir e agir.

 

 

1280 – Acidentes

 

A forma de combater

Acidentes de trabalho

É deixarmos de o fazer,

Abandonar prego e malho.

 

O pior, infelizmente,

É que aumentaria em flecha

O doméstico acidente…

- Não há como nisto mexa!

 

 

1281 – Inesperado

 

Mais depressa o que envelhece

Um carro é ter um vizinho

Que inesperado aparece

Com outo em folha novinho.

 

 

1282 – Candidato

 

O mais que da perfeição

Atinjo, em desassossego,

É lavrar a redacção

De candidato a um emprego.

 

 

1283 – Sobremesa

 

De nosso tempo significativa

É que pecaminosa

É a palavra que sublinha e arquiva

Uma sobremesa deliciosa.

 

 

1284 – Reunião

 

Vai a toda a reunião

Que comes-e-bebes tenha:

Se valiosa for então,

É um bónus a mais que venha.

 

 

1285 – Imeil

 

Só maiúsculas usar

Num imeil é uma versão

Electrónica a gritar.

É chamada de atenção,

Mas que quer enfatizar?

 

 

1286 – Recusa

 

Quem se recusa a fazer

Política de escritório

De quem a faz vai poder

Findar vítima em velório.

 

Tente ao menos perceber

O jogo e as regras, finório,

Para as voltas lhe torcer

Por detrás do palavrório.

 

 

1287 – Durar

 

Usam as reuniões

Durar bem metade a mais

Que o tempo das previsões.

 

Usa, pois, destes sinais

Nas em que teu nome pões!

 

 

1288 – Memorandos

 

O que importa em memorandos

Muita vez é indicação

De destinatários: bandos

Que os tomam como pendão!

 

 

1289 – Boleia

 

Se der ao chefe boleia

E, ao cheirete que há no carro,

Num cão puser ele a ideia,

Diga: “sim, ai se o agarro!…”

 

 

1290 – Aragem

 

Quando a aragem lhe insinua

Vir aí algum tabefe,

Ladre à Lua,

Não ladre ao chefe!

 

 

1291 – Pugilismo

 

O pugilismo requer

Grande generosidade

Para dar sem receber

Com toda a fidelidade!

 

 

1292 – Ternos

 

Economia, a ciência

De dizer-me o que eu sabia

Em termos que, de evidência,

Ninguém entende algum dia.

 

 

1293 – Restaurante

 

Restaurante fino é aquele

Que nos serve a sopa fria

De propósito, como ele

Apenas o lograria!

 

 

1294 – Debaixo

 

Descobrir outra camada

Por debaixo da primeira

De chocolate, de entrada

É o êxtase que se abeira!

 

 

1295 – Político

 

Político que for pobre

Terá que se decidir:

Ou que a política sobre,

Ou de pobre prosseguir.

 

Porque ambas ir combinar,

Por muito que lhe dê gozo,

É por demais aspirar,

Por mais que seja ambicioso!

 

 

1296 – Pinheiro

 

No pinheiro de Natal

Bastamente iluminado

Diz um cão a seu igual:

- O que nós temos de ganho

É que a luz hajam ligado

Cá nesta casa de banho!

 

 

1297 – Química

 

Guerra química quem creia

Que é descoberta recente

Não faz a mínima ideia

Que aroma a mulher invente.

 

 

1298 – Técnico

 

Técnico, da aparelhagem

O que quer é exactidão.

O fim dela é mera imagem

Ignorada: é um aleijão!

 

 

1299 – Competência

 

A médica competência

Doravante é definida

Por quanta e de que excelência

É a aparelhagem sortida

Que é chamada, na pendência,

À doença combatida.

 

E àquilo nem diz respeito

Que surta qualquer efeito!

 

 

1300 – Fito

 

Se a doença, não o doente

For da terapia o fito,

A terapia, acredito,

Pode ter vitória assente,

 

Ser muito bem sucedida.

- E o doente, infelizmente,

Vai morrer muito contente

De ser cobaia à medida!

 

 

1301 – Greve

 

Os médicos fazem greve:

Enquanto o trabalho desce,

A mortalidade em breve,

Em simultâneo, decresce!

 

A tecnologia usada

Não é alheia a tal sequela:

Não a usam eles nada,

Mas são usados por ela.

 

Ela cria imperativos

E um sistema a reforçá-los,

Muda práticas, motivos,

Troca os alvos dos abalos,

 

Redirecciona a atenção,

O senso da enfermidade

E o que é que os doentes são…

- Mata bem mais à vontade!

 

 

1302 – Computador

 

O computador define

O homem tal processador

Da informação que o anime

E a natureza, o teor

 

Duma informação a ser

Processada por alguém

Reveste: logo, quenquer

É uma máquina que tem

 

O dom de pensar ou não.

Portanto, o computador

Submete a si a emoção,

O espírito como o amor,

 

Já que tem todo o direito:

Ele pensa, mesmo a sós,

Cumprindo a regra a preceito,

Melhor que qualquer de nós!

 

 

1303 – Ilusão

 

Os burocratas abraçam

O que os ajude a criar

A ilusão de que não traçam

As decisões com que enlaçam

Na malha tentacular

A vida de toda a gente.

Pode ser mentira ou dolo,

Mas no fim o mundo sente

Que ela escapou ao controlo.

 

Ninguém é, pois, responsável

De o ar não ser respirável.

 

- E o burocrata, coitado,

É a vítima-mor do fado!

 

 

1304 – Responsabilidade

 

Se foram computadores

Que os judeus aos crematórios

Encaminharam, senhores,

Provavelmente os velórios

 

Jamais teriam pedido

A responsabilidade

A quem haja cometido

O crime da humanidade.

 

Sendo a máquina a culpada,

Com tal mais ninguém tem nada.

 

 

1305 – Pólvora

 

Se, para o espírito, a imprensa

Foi a pólvora explosiva,

O computador dispensa,

Desculpa quanto motiva

Desde que subiu ao palco:

- Do espírito é o pó de talco!

 

 

1306 – Testes

 

Os testes de inteligência

Sofrem três leves defeitos.

É de primeira evidência

Que ninguém sabe o que medem.

Se bem que a contas atreitos,

Não respondem se lhes pedem

Se tal cálculo é correcto.

E as medidas, finalmente,

Para cúmulo, em concreto,

Ninguém vê que significam

No âmbito da inteligência.

- Não sabem, literalmente,

Os que neles pontificam,

O que é que andam a fazer

Com tamanha diligência…

 

Só que o mundo inteiro os quer!

 

 

1307 – Estatístico

 

O estatístico afogou

Ao tentar cruzar a vau

O rio que ele apontou,

Com metro e no varapau,

Que em média tinha, na altura,

Metro e vinte de fundura!

 

 

1308 – Crítico

 

Que o crítico cultural

Nos aponte a solução!

Não se fique, abacial,

Satisfeito da função

Por ter erguido o problema!

 

Eu bem sei que raramente

Anda habilitado ao tema,

Da prática sugestão

Foge sempre lestamente

Como se fora um papão.

 

- É por isto que, afinal,

É um crítico cultural…

 

 

1309 – Economistas

 

Os economistas dez

Das três derradeiras crises

Previram de cada vez

Que coçaram os narizes!

 

 

1310 – Pecar

 

Se queres pecar, então

Contra Deus peca à toa,

Não contra a burocracia:

Deus perdoa,

A burocracia, não!

- E ainda se vingaria…

 

 

1311 – Mazela

 

A única defesa em cada dia

Que nos salva da mazela

Da burocracia

É a ineficácia dela!

 

 

1312 – Empreitada

 

Burocracia: a empreitada

Que não terá meta alguma

Senão ter gente ocupada

A fazer coisa nenhuma.

 

 

1313 – Travão

 

A burocracia entrava,

Que o travão tem um retorno:

Crava

O suborno!

 

 

1314 – Lixeiras

 

As lixeiras crescem, crescem,

Emporcalham meio mundo.

Desenvolver se aprofundo,

As lixeiras não o empecem:

- Nelas desenvolvo a fundo!

 

 

1315 – Conduzir

 

Qualquer escola o que faz

É conduzir as crianças

A desejarem em paz

Trocar folguedos e danças

Por pensar (quando as incensem)

Como a escola quer que pensem.

 

 

1316 – Presidente

 

Para presidente

Quem é eleito

É relativamente indiferente.

 

Com efeito,

Se ele é bom, o sistema

Irá reduzi-lo à mediocridade.

Se é mau, não há problema

 

Com a maldade:

O sistema

Há-de elevá-lo à mediocridade!

 

Os únicos eleitos

Não afectados

São os que à partida, para todos os efeitos,

São já medíocres dos quatro costados!

 

 

1317 – Atrasos

 

Enquanto os atrasos forem regra,

Esperar é um passatempo nacional.

A sala de espera integra,

Directamente proporcional,

A importância do funcionário aguardado.

Aceitamos o fado

Com equanimidade.

Se o estatuto

Fora o dum poder absoluto,

Ficaria adiado

Para a eternidade.

É o único caso

Em que, sem vestir de luto,

De bom grado

Daria ao atraso

Meu salvo-conduto!

 

 

1318 – Riscos

 

Dois riscos sempre há-de haver:

Os que não podemos dar-

-Nos ao luxo de correr

E, ao invés, quantos, a par,

Não pode dar-se quenquer

Ao luxo de não correr,

Se, por fim, quer respirar.

 

Negar isto é covardia

E aquilo, temeridade.

Vida que amanhece um dia

É que a singularidade

De ambos com precisão tria

E só então o alvor a invade.

 

 

1319 – Certas

 

Se para uma reunião

Não vão as pessoas certas,

Outras tu convoca então,

A ver se então as despertas.

 

 

1320 – Sina

 

“O computador mostrou,

Ele agora determina…”

- E o mundo se ajoelhou

Como perante uma sina,

 

Tal como outrora ocorria

Ante a “vontade de Deus”…

Parece mesmo heresia,

Uma afronta feita aos céus,

 

Questionar quem pôs os dados

E com que finalidades,

Com vantagens de que lados,

Pressupondo que verdades…

 

- O profeta os céus proclama,

A plebe apenas aclama…