ATÉ QUE A RIR ACABE ENFIM DESPERTO
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um número aleatório entre 1209 e 1320 inclusive.
Descubra
o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
1209 – Até que a rir acabe enfim desperto |
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Até que a rir acabe enfim desperto |
Cantarei com ironia |
Qualquer insanidade, dia a dia |
A marca do deserto. |
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Do mundo no desconcerto, |
O sarcasmo fustigaria |
O que o bom humor, na alegria, |
Quer manter, afinal, em aberto. |
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Eis porque, tolerante, |
Caminho para diante |
Atento e bem disposto. |
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Mesmo na asneira |
Põe-me a vida sempre à beira |
De quanto finalmente é de meu gosto. |
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1210 – Juros |
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Cem euros, juros compostos, |
Cinco por cento ao trimestre, |
Duzentos anos lá postos, |
São cem milhões: é de mestre! |
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Só que, na data aprazada, |
Já não irão valer nada… |
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1211 – Impostos |
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Os impostos inventados |
Não foram em benefício |
Dos “cidadãos bem-amados” |
Dos políticos de ofício. |
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1212 – Lisonja |
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O dinheiro é uma lisonja, |
A mais sincera dentre elas: |
Toda a mulher é uma esponja, |
Quer lisonja mais sequelas. |
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Os homens, porém, |
Também! |
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1213 – Privilégio |
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Quando a mulher reivindica |
Uma absoluta igualdade |
Não vê que de fora fica |
Um privilégio que a invade: |
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- Quando é que isto de ser mãe |
Um homem qualquer obtém? |
1214 – Crítico |
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O crítico nada cria. |
Portanto, qualificado |
A julgar já se veria |
Do criador o que é gerado. |
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É que não tem preconceito: |
Odeia, com despudor |
E levando tudo a eito, |
Todo e qualquer criador! |
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1215 – Académica |
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Entre ciência e cofusão |
O que as mais diferencia |
É que a ciência quer razão |
E o mais, apenas polémica |
Sabedoria |
Académica. |
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1216 – Doninha |
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A doninha fedorenta |
É companhia melhor |
Que quem convencer-me tenta |
De que é franco, sim senhor! |
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1217 – Matizes |
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“Toda a gente sabe!” – dizes. |
Então é mesmo mentira: |
Nem um em dez mil matizes |
Daquilo alguém jamais vira! |
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1218 – Campanha |
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“Vim, vi, venci” |
- César a campanha ali sintetizou. |
Vim, vi e ela me conquistou |
- Eis o que eu direi de ti! |
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1219 – Comissão |
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Uma comissão é uma forma de vida |
Com seis ou mais pernas, desencontrada, |
E, bem ponderada e medida, |
Não tem cérebro nem nada. |
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1220 – Elegante |
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Um meio elegante |
Com a dos outros talha a própria opinião. |
Se é contrária, |
Não é um instante |
De conversão, |
- É uma facção literária. |
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1221 – Preciso |
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Preciso é não trabalhar |
Para alguém ganhar dinheiro: |
Cobra rendas, lar a lar, |
Vende prédios a altear, |
Caça-os depois no leveiro, |
Empresta dinheiro a juros, |
Porque um homem em apuros |
Abre, com vénia, o portão |
A quem for este ladrão… |
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E tudo conforme a lei: |
O método genuíno |
De roubo seguro e fino… |
Doutro melhor nem eu sei! |
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1222 - Médico |
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Deve o médico escrever, |
De facto, mais claramente? |
- Duvido. Recentemente, |
Uma receita qualquer |
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Fui à farmácia aviar. |
Como bilhete depois |
De cinema a vim a usar |
E hoje ainda, aos arrebóis, |
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Como passe ferroviário |
Utilizo-a dia a dia. |
Quando em casa sedentário, |
Minha filha (quem diria?) |
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Nas cordas do violino |
Anda a aprender a tocá-la!… |
- Quem busca melhor destino |
A um rabisco que tal gala? |
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1223 – Amante |
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De música amante a sério, |
Se a mulher o canto apura |
Despindo ao duche o mistério, |
- Cola a orelha à fechadura, |
Num gozo mais apurado, |
E os olhos fecha, atilado. |
…E ela nua a toda a altura! |
1224 – Perdedor |
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Todos dum bom perdedor |
Gostam, de forma sumária, |
Quando for um jogador |
Mas duma equipa contrária. |
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1225 – Biberão |
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Enquanto durou, |
O tempo que decorreu |
Desde que lhes dei o biberão da manhã |
Até o almoço na Universidade, |
- Que séculos demorou, |
Sem tempo de meu |
E aquela perene agitação malsã, |
Uma fatalidade! |
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Agora que de vez passou, |
Tanto quanto sei, |
O período entre os dois condutos |
Demorou, |
Em conta de lei, |
- Aí uns quinze minutos! |
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1226 - Asas |
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Quando, com gesos graves, |
Aprazas |
Que as asas |
São elevadores para as aves… |
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Quando garantes, |
Para que por outro o não tomem, |
Que um antropófago é um homem |
Que gosta dos semelhantes… |
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Quando o álcool, conforme os arquivos, |
Além de mezinha nos desportos, |
Mata os vivos |
E conserva os mortos… |
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Quando o remorso |
Requer, à evidência, |
Um esforço, |
Pois é má digestão do consciência… |
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Quando um turista não é um parceiro, |
Mas mero vagabundo com dinheiro… |
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“Ah!” não é interjeição nem nada: |
- É só uma ideia parva que te chega atrasada! |
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1227 – Executivo |
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Garante o executivo, atrás da secretária: |
- Estamos à vontade, é uma alegria, |
Protege-nos uma espessa e vária |
Camada de burocracia! |
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1228 – Brincos |
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Desabafa o adolescente |
De brincos no nariz |
E cabelo espetado: |
- Vestir-me assim é indecente. |
Só que os meus pais impede, de raiz, |
De me arrastarem para todo o lado! |
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1229 – Areias |
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Quando a um servo quis o rei |
Que cada manhã trouxesse |
Areias de toda a grei |
Para as cheirar, não houvesse |
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Um inimigo de noite |
Atravessado a fronteira, |
Logo alguém vê que se afoite, |
Quer a tarefa ligeira. |
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“Tão rápido como um gato |
A escapulir-se entre as casas |
Irei ver do desacato, |
Em meus pés ganharei asas.” |
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“Não chega!” – responde o rei. |
“Tão rápido como a folha |
Cai do ramo correrei” |
- Diz outro que o rei acolha. |
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“Não chega!” – repete o rei. |
“Tão brusco como a mulher |
Muda de ideias irei” |
- Jura um terceiro correr. |
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“E quando é que partirás?” |
- Pergunta ansioso o rei. |
Então, dando um passo atrás, |
Responde ele: “Já voltei!” |
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1230 – Oposição |
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Cada chefe, candidato, |
Executivo em função, |
Lidar com a oposição |
Deverá com todo o tacto. |
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Com os que o mesmo procuram, |
Com os que obram o contrário |
E mais com os que se apuram |
Neste destino sumário: |
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- Não fazer, obra contada, |
Absolutamente nada! |
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1231 – Duas |
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Todos os países têm |
Duas histórias a par: |
A verdadeira e também |
A oficial que a negar. |
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1232 – Televisões |
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Hoje em dia, televisões |
São lutas, violência, palavrões… |
- E apenas para decidir quem e quando |
É que segura no telecomando! |
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1233 – Oito |
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O que um zero diz a um oito, |
Vendo-o ali todo esquisito: |
- Desculpa-me se me afoito, |
Mas que cinto mais bonito! |
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1234 – Idiota |
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Ao miúdo idiota da aldeia, |
Sem malícia, inveja nem má fé, |
Com a vontade a progredir alheia, |
Incapaz de se manter hoje de pé, |
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Bendirás que os prósperos negociantes, |
Que entre eles se roubam alegremente |
Em todos e quaisquer propícios instantes, |
Ao louco cada qual o vista, o alimente, |
O acalente |
Ternamente… |
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Suspeitarás que, crentes ou ateus, |
Dele por trás das demências |
Descortinam seu advogado perante Deus |
Ou o pára-choques das consciências. |
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1235 – Gafe |
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A gafe é uma ocasião |
Em que um político se há-de |
Esquecer de em si ter mão: |
- Diz por acaso a verdade! |
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1236 – Grande |
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Ser grande é aprender a conhecer, |
Conhecer-se a si como aos demais. |
Pensar com a própria cabeça e saber, |
Saber falar e saber ouvir ainda mais. |
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Calçar uma enorme sapata, |
Enrolar o nó górdio da gravata, |
Usar barba e bigode |
Ou cortá-los, se formam a cara dum bode… |
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Quando isto e muito mais teu filho ouvir, |
Se lhe perguntas, com amável aceno, |
Quando for grande que vai querer devir, |
Responderá, lacónico, a sorrir: |
- Pequeno! |
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1237 – Inércia |
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Em nós a inércia é devida |
Apenas a esgotamento, |
Nos mais envolve escondida |
Preguiça a todo o momento. |
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1238 – Casamento |
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O casamento é a amizade |
Que, mesmo quando há sevícia, |
Reconhecida, em verdade, |
É sempre pela polícia. |
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1239 – Contabilista |
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Contabilista criativo |
Eficaz evita o trágico, |
Tem um nome apelativo: |
É deveras matemágico. |
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1240 – Milionário |
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Aquele quê misterioso |
Que os milionários carecas, |
Sensaborões e sem gozo |
Têm por trás de cada cisma |
E das piadas sempre pecas |
- Deles dizem que é o carisma. |
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Não, nunca teve nada a ver |
Com o que cada conta deles retiver… |
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1241 – Debulhada |
|
Em lágrimas debulhada |
Queixa-se a dama ao juiz: |
- Quero a culpa ver julgada |
De adultério, bem provada, |
Dum marido dos mais vis! |
As caras de meus três filhos |
Tenho com tempo observado |
E com ele nem rastilhos |
Nem das feições nem dos trilhos |
Lhes vislumbro em nenhum lado! |
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1242 – Crítica |
|
Para a crítica evitar |
Não faças nada, de entrada, |
Não digas nada, em lugar, |
E, por fim, não sejas nada! |
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1243 – Excentricidade |
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Qualquer excentricidade |
É como um sotaque ter: |
Sempre os outros, em verdade, |
É que terão um qualquer. |
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1244 – Crédito |
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Em norma é merecedor |
O ser humano de crédito. |
…Depende do fiador |
E de qual for o seu rédito! |
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1245 – Março |
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Março foi o mês criado |
Para mostrar (o que aplaca |
Quem não bebe exagerado) |
O que será uma ressaca. |
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1246 – Importam |
|
Os políticos se importam |
Com as gentes: é virtude? |
- É que os cães também suportam |
A pulga que se lhes grude… |
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1247 – Previsões |
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São falíveis as previsões, |
Mormente, como auguro, |
Ao darem lições |
…Do futuro! |
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1248 – Sexta-feira |
|
À sexta-feira |
Os funcionários mostram os dentes: |
É a má consciência inteira |
Por nada terem feito, entrementes, |
Durante a semana toda |
Que lhes justifique a boda. |
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1249 – Vinho |
|
Como o vinho é brincalhão! |
E então a bebida forte, |
Ela é mesmo um rufião |
A negacear a morte! |
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1250 – Daninha |
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Erva daninha é uma planta |
Que consegue dominar |
Os rebentos mil que implanta |
No mundo, em todo o lugar. |
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Todos quantos lhe perfilas |
- Excepto crescer em filas! |
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1251 – Universidade |
|
Universidade – os anos |
Em que aos pais é permitido |
Ao telefone ter planos |
…Ao telefone impedido! |
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1252 – Meia-idade |
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Na meia-idade, “feliz” |
E a palavra “aniversário” |
Desviam-se por um triz, |
A cada qual seu fadário. |
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1253 – Neta |
|
Explicava à minha neta |
Com as palavras mais ternas |
Minha infância de pobreta. |
“Pois, viviam em cavernas!” |
- Comentou alegremente. |
Contara-lhe o pai, a sós, |
Como muito antigamente |
Viveram nossos avós… |
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1254 – Palmada |
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Ao invés duma sevícia, |
Quando impõe bem de verdade |
A palmada é uma carícia |
Em alta velocidade. |
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1255 – Bebé |
|
“Vou dormir como um bebé” |
- Dizes porque geralmente |
Não sabes como é que ele é: |
Bebés não tens, é evidente! |
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1256 – Inadiáveis |
|
Inadiáveis adiar |
É de crédito um cartão: |
Diverte ao principiar, |
Vem a conta, é um trambolhão! |
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1257 – Fora |
|
Televisão noite fora |
Como é tão educativa: |
- Ensina-me a ir embora |
E por minha iniciativa! |
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1258 – Marca |
|
Se a tua marca marca mundo além, |
Esquece |
Como encaixa: |
Aparece |
Logo alguém |
Com uma borracha! |
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1259 – Possivelmente |
|
Possivelmente serão |
Cinco sílabas de acaso. |
Possivelmente é um não |
Só com sílabas de atraso. |
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1260 – Decepcionista |
|
Decepcionista: empregado |
Que conta aquela mentira |
Do patrão – para que lado |
Afastar-se há pouco o vira! |
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1261 – Camisola |
|
Camisola é aquela roupa |
Que a criança tende a usar |
Quando a mãe que a nada a poupa |
Se sentir a resfriar. |
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1262 – Licenciado |
|
Em Junho, o licenciado |
Sai para mudar o mundo. |
Em Julho pensa um bocado: |
O fósforo está molhado, |
Que faço que tanto o inundo? |
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1263 – Bairro |
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“Irei” – gaba-se um vizinho – |
“Para um bairro bem melhor!” |
“Nós vamos” – diz sem carinho |
O seu interlocutor – |
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“Viver num mais sossegado!” |
“Ah, também irão mudar |
Então para um outro lado?” |
“Não, nós cá vamos ficar!” |
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1264 – Tarde |
|
Tarde agora casaria |
Todo o mundo e sem alarde: |
Dantes era ao meio-dia, |
Hoje, às quatro da tarde! |
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1265 – Asneira |
|
Fim de semana de três dias |
É uma asneira: |
A terça logo tornarias |
Segunda-feira! |
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1266 – Experiência |
|
A voz da experiência persegue |
E enfada |
Quando não se consegue |
Manter-lhe a boca fechada! |
1267 – Conselhos |
|
Por dar conselhos |
O problema maior |
É que todos, novos e velhos, |
Querem retribuir o favor! |
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1268 – Escrito |
|
O problema de trazer o nome escrito |
Durante uma convenção |
É que todos ficam a saber quem é o bendito |
Que adormece em cada sessão. |
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1269 – Difícil |
|
Mais difícil é gostar |
Dum vizinho |
Que sentimentos à distância cultivar |
Por uma causa que apenas adivinho. |
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Como é reconfortante |
Uma causa distante! |
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1270 – Queimar |
|
Qualquer pessoa |
Com dinheiro para queimar |
Sempre se há-de encontrar |
Rodeada à toa |
Por plateias |
De fósforos cheias. |
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1271 – Mais |
|
O dia mais curto do ano |
Só por engano |
Lembro |
Que é 21 de Dezembro. |
Lérias! |
- É mas é o derradeiro das férias! |
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E o dia mais longo, |
Qual 21 de Junho! |
Aquele que indefinidamente prolongo, |
Com que ralho e marralho, |
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A que ergo impotente o punho, |
- É sempre o primeiro dia de trabalho! |
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1272 – Edison |
|
Se Edison hoje a luz eléctrica inventara, |
Logo o telejornal denunciaria |
Que a indústria de velas ameaçara |
E a defesa do consumidor lavraria |
Um processo em nome dos infelizes |
Que poderiam ser electrocutados. |
|
Sindicatos de todos os matizes |
Forçariam, por múltiplos lados, |
Um decreto-lei cujas sequelas |
Seriam bloquear a electricidade |
A fim de prolongar a longevidade |
Da indústria de velas! |
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1273 – Solteira |
|
A jovem solteira perde o siso |
De paraquedistas à largada. |
- Isto deve ser mesmo o paraíso: |
Estão a chover homens na estrada! |
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1274 – Reino |
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Certo há-de ao reino animal |
Sempre um homem pertencer. |
Porém, uns mais que outros tal |
Deixarão transparecer. |
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1275 – Pescar |
|
Sua Majestade resolveu pescar. |
Sua Excelência, nem no rio nem no mar. |
Sua Eminência, na bolsa e na pele |
Dos povos que forem presa dele. |
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De pesca as redes soberanas |
Filam peixes maravilhosos |
De escudos, euros, xelins, |
Que o anzol das canas |
Transmuda em adereços preciosos, |
Vinhos e acepipes nos festins. |
|
Tudo contado, |
A mágoa |
É que os ribeiros de maior pescado |
Não correm nunca onde houver mais água. |
|
Que pena que os tubarões |
Não sejam uns dos outros comilões! |
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1276 – Vadios |
|
Há dois tipos de vadios: |
Uns se indignam do trabalho, |
Outros gemem sem ter brios |
- Dois ramos do mesmo galho. |
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1277 – Purga |
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É uma purga da heresia |
O que tece a inquisição |
Ou as bolsas esvazia, |
Já garantido o perdão? |
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Como os grandes ideais, |
Proibida a contestação, |
Se tornam logo fanais |
De encobrir a podridão! |
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1278 – Ovações |
|
Muitas ovações de pé |
Serão desencadeadas |
Por quem salta vendo se é |
Primeiro a descer escadas. |
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1279 – Rãs |
|
Cinco rãs estão num galho, |
Quatro decidem saltar. |
Quantas irão lá ficar |
Sem se dar a tal trabalho? |
|
- Ficam cinco. Vais-te rir: |
É que há grande diferença |
Se quero a boa sentença, |
Entre decidir e agir. |
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1280 – Acidentes |
|
A forma de combater |
Acidentes de trabalho |
É deixarmos de o fazer, |
Abandonar prego e malho. |
|
O pior, infelizmente, |
É que aumentaria em flecha |
O doméstico acidente… |
- Não há como nisto mexa! |
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1281 – Inesperado |
|
Mais depressa o que envelhece |
Um carro é ter um vizinho |
Que inesperado aparece |
Com outo em folha novinho. |
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1282 – Candidato |
|
O mais que da perfeição |
Atinjo, em desassossego, |
É lavrar a redacção |
De candidato a um emprego. |
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1283 – Sobremesa |
|
De nosso tempo significativa |
É que pecaminosa |
É a palavra que sublinha e arquiva |
Uma sobremesa deliciosa. |
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1284 – Reunião |
|
Vai a toda a reunião |
Que comes-e-bebes tenha: |
Se valiosa for então, |
É um bónus a mais que venha. |
|
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1285 – Imeil |
|
Só maiúsculas usar |
Num imeil é uma versão |
Electrónica a gritar. |
É chamada de atenção, |
Mas que quer enfatizar? |
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1286 – Recusa |
|
Quem se recusa a fazer |
Política de escritório |
De quem a faz vai poder |
Findar vítima em velório. |
|
Tente ao menos perceber |
O jogo e as regras, finório, |
Para as voltas lhe torcer |
Por detrás do palavrório. |
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1287 – Durar |
|
Usam as reuniões |
Durar bem metade a mais |
Que o tempo das previsões. |
|
Usa, pois, destes sinais |
Nas em que teu nome pões! |
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1288 – Memorandos |
|
O que importa em memorandos |
Muita vez é indicação |
De destinatários: bandos |
Que os tomam como pendão! |
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1289 – Boleia |
|
Se der ao chefe boleia |
E, ao cheirete que há no carro, |
Num cão puser ele a ideia, |
Diga: “sim, ai se o agarro!…” |
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1290 – Aragem |
|
Quando a aragem lhe insinua |
Vir aí algum tabefe, |
Ladre à Lua, |
Não ladre ao chefe! |
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1291 – Pugilismo |
|
O pugilismo requer |
Grande generosidade |
Para dar sem receber |
Com toda a fidelidade! |
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1292 – Ternos |
|
Economia, a ciência |
De dizer-me o que eu sabia |
Em termos que, de evidência, |
Ninguém entende algum dia. |
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1293 – Restaurante |
|
Restaurante fino é aquele |
Que nos serve a sopa fria |
De propósito, como ele |
Apenas o lograria! |
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1294 – Debaixo |
|
Descobrir outra camada |
Por debaixo da primeira |
De chocolate, de entrada |
É o êxtase que se abeira! |
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1295 – Político |
|
Político que for pobre |
Terá que se decidir: |
Ou que a política sobre, |
Ou de pobre prosseguir. |
|
Porque ambas ir combinar, |
Por muito que lhe dê gozo, |
É por demais aspirar, |
Por mais que seja ambicioso! |
|
|
1296 – Pinheiro |
|
No pinheiro de Natal |
Bastamente iluminado |
Diz um cão a seu igual: |
- O que nós temos de ganho |
É que a luz hajam ligado |
Cá nesta casa de banho! |
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1297 – Química |
|
Guerra química quem creia |
Que é descoberta recente |
Não faz a mínima ideia |
Que aroma a mulher invente. |
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1298 – Técnico |
|
Técnico, da aparelhagem |
O que quer é exactidão. |
O fim dela é mera imagem |
Ignorada: é um aleijão! |
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1299 – Competência |
|
A médica competência |
Doravante é definida |
Por quanta e de que excelência |
É a aparelhagem sortida |
Que é chamada, na pendência, |
À doença combatida. |
|
E àquilo nem diz respeito |
Que surta qualquer efeito! |
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1300 – Fito |
|
Se a doença, não o doente |
For da terapia o fito, |
A terapia, acredito, |
Pode ter vitória assente, |
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Ser muito bem sucedida. |
- E o doente, infelizmente, |
Vai morrer muito contente |
De ser cobaia à medida! |
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1301 – Greve |
|
Os médicos fazem greve: |
Enquanto o trabalho desce, |
A mortalidade em breve, |
Em simultâneo, decresce! |
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A tecnologia usada |
Não é alheia a tal sequela: |
Não a usam eles nada, |
Mas são usados por ela. |
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Ela cria imperativos |
E um sistema a reforçá-los, |
Muda práticas, motivos, |
Troca os alvos dos abalos, |
|
Redirecciona a atenção, |
O senso da enfermidade |
E o que é que os doentes são… |
- Mata bem mais à vontade! |
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1302 – Computador |
|
O computador define |
O homem tal processador |
Da informação que o anime |
E a natureza, o teor |
|
Duma informação a ser |
Processada por alguém |
Reveste: logo, quenquer |
É uma máquina que tem |
|
O dom de pensar ou não. |
Portanto, o computador |
Submete a si a emoção, |
O espírito como o amor, |
|
Já que tem todo o direito: |
Ele pensa, mesmo a sós, |
Cumprindo a regra a preceito, |
Melhor que qualquer de nós! |
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1303 – Ilusão |
|
Os burocratas abraçam |
O que os ajude a criar |
A ilusão de que não traçam |
As decisões com que enlaçam |
Na malha tentacular |
A vida de toda a gente. |
Pode ser mentira ou dolo, |
Mas no fim o mundo sente |
Que ela escapou ao controlo. |
|
Ninguém é, pois, responsável |
De o ar não ser respirável. |
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- E o burocrata, coitado, |
É a vítima-mor do fado! |
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1304 – Responsabilidade |
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Se foram computadores |
Que os judeus aos crematórios |
Encaminharam, senhores, |
Provavelmente os velórios |
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Jamais teriam pedido |
A responsabilidade |
A quem haja cometido |
O crime da humanidade. |
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Sendo a máquina a culpada, |
Com tal mais ninguém tem nada. |
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1305 – Pólvora |
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Se, para o espírito, a imprensa |
Foi a pólvora explosiva, |
O computador dispensa, |
Desculpa quanto motiva |
Desde que subiu ao palco: |
- Do espírito é o pó de talco! |
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1306 – Testes |
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Os testes de inteligência |
Sofrem três leves defeitos. |
É de primeira evidência |
Que ninguém sabe o que medem. |
Se bem que a contas atreitos, |
Não respondem se lhes pedem |
Se tal cálculo é correcto. |
E as medidas, finalmente, |
Para cúmulo, em concreto, |
Ninguém vê que significam |
No âmbito da inteligência. |
- Não sabem, literalmente, |
Os que neles pontificam, |
O que é que andam a fazer |
Com tamanha diligência… |
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Só que o mundo inteiro os quer! |
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1307 – Estatístico |
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O estatístico afogou |
Ao tentar cruzar a vau |
O rio que ele apontou, |
Com metro e no varapau, |
Que em média tinha, na altura, |
Metro e vinte de fundura! |
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1308 – Crítico |
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Que o crítico cultural |
Nos aponte a solução! |
Não se fique, abacial, |
Satisfeito da função |
Por ter erguido o problema! |
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Eu bem sei que raramente |
Anda habilitado ao tema, |
Da prática sugestão |
Foge sempre lestamente |
Como se fora um papão. |
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- É por isto que, afinal, |
É um crítico cultural… |
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1309 – Economistas |
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Os economistas dez |
Das três derradeiras crises |
Previram de cada vez |
Que coçaram os narizes! |
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1310 – Pecar |
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Se queres pecar, então |
Contra Deus peca à toa, |
Não contra a burocracia: |
Deus perdoa, |
A burocracia, não! |
- E ainda se vingaria… |
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1311 – Mazela |
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A única defesa em cada dia |
Que nos salva da mazela |
Da burocracia |
É a ineficácia dela! |
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1312 – Empreitada |
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Burocracia: a empreitada |
Que não terá meta alguma |
Senão ter gente ocupada |
A fazer coisa nenhuma. |
1313 – Travão |
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A burocracia entrava, |
Que o travão tem um retorno: |
Crava |
O suborno! |
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1314 – Lixeiras |
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As lixeiras crescem, crescem, |
Emporcalham meio mundo. |
Desenvolver se aprofundo, |
As lixeiras não o empecem: |
- Nelas desenvolvo a fundo! |
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1315 – Conduzir |
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Qualquer escola o que faz |
É conduzir as crianças |
A desejarem em paz |
Trocar folguedos e danças |
Por pensar (quando as incensem) |
Como a escola quer que pensem. |
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1316 – Presidente |
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Para presidente |
Quem é eleito |
É relativamente indiferente. |
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Com efeito, |
Se ele é bom, o sistema |
Irá reduzi-lo à mediocridade. |
Se é mau, não há problema |
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Com a maldade: |
O sistema |
Há-de elevá-lo à mediocridade! |
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Os únicos eleitos |
Não afectados |
São os que à partida, para todos os efeitos, |
São já medíocres dos quatro costados! |
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1317 – Atrasos |
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Enquanto os atrasos forem regra, |
Esperar é um passatempo nacional. |
A sala de espera integra, |
Directamente proporcional, |
A importância do funcionário aguardado. |
Aceitamos o fado |
Com equanimidade. |
Se o estatuto |
Fora o dum poder absoluto, |
Ficaria adiado |
Para a eternidade. |
É o único caso |
Em que, sem vestir de luto, |
De bom grado |
Daria ao atraso |
Meu salvo-conduto! |
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1318 – Riscos |
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Dois riscos sempre há-de haver: |
Os que não podemos dar- |
-Nos ao luxo de correr |
E, ao invés, quantos, a par, |
Não pode dar-se quenquer |
Ao luxo de não correr, |
Se, por fim, quer respirar. |
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Negar isto é covardia |
E aquilo, temeridade. |
Vida que amanhece um dia |
É que a singularidade |
De ambos com precisão tria |
E só então o alvor a invade. |
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1319 – Certas |
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Se para uma reunião |
Não vão as pessoas certas, |
Outras tu convoca então, |
A ver se então as despertas. |
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1320 – Sina |
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“O computador mostrou, |
Ele agora determina…” |
- E o mundo se ajoelhou |
Como perante uma sina, |
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Tal como outrora ocorria |
Ante a “vontade de Deus”… |
Parece mesmo heresia, |
Uma afronta feita aos céus, |
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Questionar quem pôs os dados |
E com que finalidades, |
Com vantagens de que lados, |
Pressupondo que verdades… |
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- O profeta os céus proclama, |
A plebe apenas aclama… |