OS
REGULARES LAÇOS DOU QUE ME ENLAÇAREM
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Descubra o poema
correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
493 – Os regulares laços dou que me enlaçarem
Os regulares laços dou que me enlaçarem
Em bem medidos e rimados versos quentes,
De afectos simples que nos atam e nos arem
As relações e os sentimentos que enredarem
Em cada dia nossas teias de presentes.
O amor primeiro e as amizades predilectas,
Nos rumos certos, nos desvios enoitantes,
Depois famílias, povoados, são as metas
Que o verso rima regular nestes instantes.
E nas palavras solidário tento o espelho
Do que me entrosa com os mais agora e dantes,
Um novo alvor atando sempre ao alvor velho.
De solidárias ataduras prendo afectos,
Expectativa de melhor fruirmos tectos.
494 – Empenho
Não é uma paternidade
Um intelectual empenho,
Não emana da cabeça.
Se emanara de verdade,
É no mais esperto cenho
Que o melhor dos pais começa,
Porém tal não persuade.
É questão de ter raízes
Mergulhando em solo arável
De bom senso, que o que gizes
Bem germine e fique estável.
O coração e a vontade
Metro são que um bom pai meça,
Pouco importa a enormidade
Que lhe medir a cabeça.
495 – Escadas
Quem um amigo louvar
Nunca deve obliterar
Que ele uma desilusão
Pode acaso se tornar.
Jamais ponha sem pensar
O amigo num pedestal,
Também não o jogue ao chão.
Ponha-lhe escadas rolantes
Ao lado do passo igual.
Hoje e amanhã, como dantes,
Pode subir e descer
Facilmente vida fora.
A plataforma manter
Nova em folha não demora
E o tapete sob os pés
Nunca mais se gastará.
Um amigo tem marés:
Vem do melhor um revés,
Mesmo desiludirá.
Amigos abrem-me estradas
E têm algo de meu,
Vivem entre terra e céu
Algures lá nas escadas.
496 – Negócio
Negócio que funcione
Tem de dar para os dois lados.
Não há disputa que abone,
Ganha-perde, jogo aos dados,
Antes procura um acordo.
Não é uma eliminatória,
Constrói relações a bordo
Do navio da memória:
Aposta no longo prazo,
Quer ser deveras um caso.
497 – Solidão
Solidão não é boa companhia:
Grandes tristezas, grandes tentações,
Os grandes erros, tudo proviria
De as vidas irem sós nas multidões,
Sem o amigo prudente a quem pedir
O conselho, quando algo nos perturba
Mais que aquilo que é de uso em nós bulir,
Dissolvidos que vamos entre a turba.
Solidão não é boa companhia:
Bate em nós, já que à porta não batia.
498 – Físico
Tem um físico defeito,
Excitante da beleza,
Com que a marca a corrupção.
Satanás é manco, atreito
À formosura que preza
A marcar sem prevenção.
De ter um aviso nela,
De homens para salvação,
A formosura precisa:
Não vá queimar-me na estrela
Que meu melhor sonho visa.
499 – Moderna
Ao pôr a enorme cozinha
Da casa moderna ao meio
À ideia pago tributo
De a comida ser gavinha
E o ritual, de permeio,
Das refeições é conduto
Que enrija o corpo do lar.
Tendo o templo construído,
Vamos um dia esperar
Ter tempo para ali dar
Graças como lhe é devido.
Cada vez mais raramente
Temos, porém, tal presente.
500 – Encontros
Os encontros de caminho
Todos vão agradecidos,
Embora tenham direito
Eles a agradecimentos.
Todos servis adivinho,
Pretendendo preferidos
Ser meus amigos do peito
Do que aproveitar os ventos.
Gostam é de obedecer,
Não de pensar. Que abastanças
Correm de tal proceder?
Como os homens são crianças!
501 – Mendigar
Podem mendigar amor,
Comprá-lo, tê-lo de oferta,
Topá-lo em rua deserta,
Fruí-lo para regalo
Ou, porventura, na dor,
- Mas nunca podem roubá-lo.
Se vais no caminho errado,
É uma pena: no limite,
Acabas sempre frustrado,
Não te salva o mau palpite.
502 – Hora
Em hora maravilhosa
Depois de excelente sono,
Do Infinito ante a assombrosa
Variedade sem dono,
Como posso não amar
Pessoa ou coisa qualquer?
Este é o poder de encantar
Que me vem o Todo ao ver,
Este facto de amar tudo,
De ficar de amor pejado
Do maior ao mais miúdo,
Do próximo ao afastado.
Minha anterior doença
Foi não conseguir, porém,
Nem no que é minha pertença,
Amar nada nem ninguém.
503 – Importa
Cada qual deverá ser
Quem mais importa no mundo,
Não devemos esquecer
Que existimos, mar profundo.
Nunca nos tornam felizes
Os mais, se nós não quisermos,
Se não virmos os matizes
Do bom que houver em seus termos,
Se eu ali não tomo em conta
Que uma alegria me aponta.
Vai ser a partir de mim
Que ao fim digo a tudo sim.
504- Duas
Por quê cada criatura
Em duas se dividir?
Dois amores por que apura
Nosso coração fruir,
Duma só vez dois afectos,
Contraditórios projectos?
E quem diz dois, diz quinhentos:
Vivemos mil e um tormentos…
505 – Terrível
Gente que não é ninguém:
Terrível dado na vida
Aqueles que nada são!
Pedras soltas, pelo ar vêm
Em queda descomedida.
Fatalmente tombarão
E na queda arrastam tudo
O que em redor delas brote:
Logo, pois, e por miúdo
Tudo arrasará seu bote.
506 – Adolescência
As paixões da adolescência
Têm impagável préstimo:
Despem sempre da fachada
Os vestuários de empréstimo,
Duma faísca a esplendência
A limpar a madrugada
Das nuvens que o dia toldam.
E eis como as paixões nos moldam.
507 – Guarda
Cada qual guarda no fundo
Um pequeno cemitério
Onde jazem os que amou,
Que passearam no mundo
Sob dos sonhos o império
Até que o sono os levou.
Aí dormem durante anos
Sem que ninguém os desperte.
Um dia rasgam os panos,
Abre-se a tumba ao que a alerte.
E eis que os mortos se levantam
E sorriem ao amado,
Ao amante ainda que encantam,
Ao coração recordado,
Como criança que dorme
Ao ventre da mãe conforme.
508 – Puro
É tudo puro nos puros,
Nos que são fortes, sadios.
O amor que adorna, seguros,
Pássaros de belas cores
Traz apetite aos fastios,
O riso à falta de humores
E, ao coração que recobre,
O que tiver de mais nobre.
As ânsias de não mostrar
O que doutrem não é digno
Leva ao prazer de pensar
E de agir em harmonia
Com o que dele é condigno,
A imagem que o amor cria
É um banho de juventude,
Torna a alegria virtude.
E, com esta irradiação,
Maior fica o coração.
509 – Molda
Quem ama, inconscientemente,
Se molda pelo a quem quer,
De o não ferir, veemente,
Tanto desejo há-de ter,
De ser tudo o que outrem é,
Que, por mágica intuição
No mais fundo dele lê
A mais leve ebulição.
É o amigo transparente
Para o amigo que tiver,
Trocam permanentemente
O ser dum pelo outro ser.
Os traços imitam traças,
As almas imitam almas…
- Até que o diabo das raças
Acorde nas tardes calmas
E venha matar de vez
Tudo quanto o amor lhes fez.
510 – Fruta
A fruta podre não faz
A fruteira apodrecer.
Cai apenas: gente assaz
Oca para um povo a ver.
Pesam pouco na nação,
Tanto se nos dá que vivam
Como morram, tão em vão
Que nem memórias se arquivam.
511 – Derrota
A derrota retempera,
De almas faz a selecção,
Separa o que é puro e forte,
Mais puro e mais forte o gera.
Precipita em trambulhão
A queda dos que recorte,
Quebra-lhes o impulso vão.
Desta maneira separa
Massa que baqueia e escol
Que em frente leva a almenara
E a pegada aumenta ao rol.
O escol sabe e sofre tal.
Mesmo nos mais animosos
Há uma tristeza letal:
De impotência os tormentosos
Isolamentos no vale.
Somos ilhéus isolados
Com mar por todos os lados.
512 – Contra
Aquele de quem gostamos
Tem contra nós o direito
De até de nós não gostar.
Nem podemos ter despeito
Se o mérito que tenhamos
Não no-lo leva a afeiçoar:
Ignora-nos, afinal.
Por mais que nos fira o peito,
Seja um desgosto mortal,
É o custo de quem amar.
Só temos, de qualquer jeito,
O dever de o respeitar.
513 – Vida
Vida são separações,
Um rumor de mãos nervosas
Em adeuses aos milhões:
Abandonamos gostosas
Cidades, corpos e casas,
Pessoas que ainda amamos,
Os que apagaram as brasas,
Solidões que enregelamos,
Companheirismos que prezas,
Convicções e fraquezas…
- Mais do que perder os meus
Todos os dias a esmo,
Viver é dizer adeus
Constantemente a mim mesmo.
514 – Casamento
O casamento não tem
Com o casar muito a ver,
Mas com o facto de ser
Melhor começar alguém
Na vida as viagens duras
Na companhia de amigos,
Fazendo boas figuras
E com mapa dos abrigos.
515 – Ciúmes
Ciúmes que vêm do medo
Ou da falta de auto-estima…
- De vez elimina o credo
De que só te vale a pena
Trepar pela vida acima
Com a única pessoa
Que a amá-la, enfim, te condena.
Para prosseguir viagem
Juntos, sim, mas não à toa,
Primeiro tem a coragem
De amarras soltar: alcança
O que exige a confiança!
516 – Fora
Ter os filhos é ter mais corações
Fora do corpo, à vida aos encontrões.
517 – Vista
À vista do ente amado
Quebra o deus nossa coragem,
Fica o orgulho recalcado,
Perdida ali minha imagem…
- À vista do ente amado
Perco de mim um bocado.
518 – Arde
São mais fáceis os arrumos,
Fica o mundo mais feliz,
Arde a lâmpada melhor,
Apuramos os aprumos,
Tomamos outro cariz,
Quando trocamos amor.
Na energia outra energia
Outra acende a luz do dia.
519 – Vergonha
De nós, homens, esta vida
É vergonha parecida
De macacos com o bando
Uns com os outros lutando,
Pondo a vida por um fio
Por qualquer coco vazio.
É que sempre nossas lutas
São de vazio disputas.
520 – Juntas
Juntas para mim dinheiro,
Mas de que me servirá
Se não puder por inteiro
Ser feliz na vida cá?
O dinheiro e o que ele adquire
Não trazem felicidade,
Só o amor que me revire.
Tudo o mais é necedade.
521 – Sentado
Com teus filhos brinca, brinca,
Bem sentado aí no chão.
Olha que a vida se finca
Nas horas que a tal se dão.
Fechar a televisão
Não é norma tutelar,
Pois basta, na ocasião,
Ser viável conversar.
Lê uma história cada dia
Ou então leiam a meias:
Pais e filhos ata a via
Da fantasia que ateias.
Resiste à birra, ao pedido,
Diz não, se pede demais
Ou se pede sem sentido,
- Ou paz não tens nunca mais.
Explica o errado, o correcto,
Mostra que há regras, limites,
Direito e dever no tecto
Que recobre quanto dites.
Impõe tua autoridade,
Não temas dar a palmada
Se ele pisar de maldade
A raia delimitada.
Mas regras fixas, repara,
Não há de bem educar:
- Ter bom senso é que bastara
Mais à intuição dar lugar.
522 – Ideal
O ideal é trabalhar
O que se tem, o que se é,
No sentido de aceitar
Que é o chão onde tomo pé,
Gozar a vida possível,
De modo a viver feliz
O dia que for vivível,
Antes que altere o cariz.
Muda o modo de pensar,
Vive, vive o dia-a-dia
Como um último lugar
Que o mundo te ofertaria.
Repara no modo como
Gostavas de ser lembrado,
Da vida qual é o assomo
Aos netos a ser narrado:
Será que é mesmo importante
Que os lençóis sejam mudados
Cada dia e mais adiante
Ter teus cobres espelhados?
E nunca te martirizes
Com miudezas sem valor,
Sorri teus brandos matizes
Ao incivil condutor,
Mal educado, agressivo:
Problema é dele, não teu.
Cantarola tu ao vivo
Ou solta o teu assobio.
Faz o que tens a fazer,
Por mais difícil que seja.
Mais vale uma vez sofrer
Que sofrer dor que goteja.
Muda de rotina, acaso
Monótono fique o dia,
Passeia sem pôr-te um prazo
Ou corre na pradaria.
Não andes a competir
Com piscina, aparelhagem,
Carro novo, num devir
De quem morre da viagem.
Repara melhor, vê bem,
Quem tal faz tudo atrapalha,
Nem fim-de-semana tem
E amigos, nem quando calha…
Prefiro laços, amor:
Tomada bem a medida,
Quem afinal tem melhor,
Tem melhor nível de vida?
Faz a limpeza geral,
Livra-te da tralha velha,
Dá tudo a quem passar mal,
É o que a alegria aconselha,
Já que tens a recompensa:
Dás-lhes uma nova vida
E ficas com a despensa
Com ar de desimpedida.
Jamais tens de fazer tudo:
Já levas vida ocupada,
Sempre a correr, façanhudo,
Sem tempo teu para nada.
Outrem ama por quem é,
Que ninguém muda assim tanto,
Mantém a paixão de pé,
Afina o amor, por enquanto.
Nunca a familiaridade
Deixes tombar em desprezo,
Faz ao íntimo que agrade
O que no amigo mais prezo.
A teu cônjuge confessa,
Família, amigos, que os amas,
Elogia-os sem pressa,
Que bênçãos em volta acamas.
Ombro amigo sê dos mais,
Mas, se em apuros te afectam,
Vê lá bem por onde vais,
Que em mal nunca te intrometam.
Escreve aos velhos amigos,
Telefona, dá recados.
São a messe de teus trigos
E que alegria nos prados!
Apanha a flor do jardim,
Merca fruta, vegetais…
Enche o lar com vida, assim,
De energia com sinais.
Vai à praia, espaço aberto,
Ventos, ondas, pés descalços,
O sol nas costas desperto:
- Teu imo escapa aos percalços.
Faz pinturas, escultura,
Faz bolos, faz jardinagem,
Seja o que for, faz costura…
- Porém cria à tua imagem.
Dá passeios, que mais jovem
Retornarás a teu canto,
Físico e psíquico movem
O mundo com teu encanto.
Muda os móveis de lugar,
Altera quartos, paredes:
Podes não acreditar
Mas são férias que te medes.
Dá-te o que te dá prazer,
Um fim-de-semana fora,
Uma massagem qualquer,
Uma noite de ir embora…
E depois sorri contente,
Sorrir é contagioso,
Quenquer que seja que o tente
No fim multiplica o gozo.
E torna o dia de alguém
Mesmo um pouco mais feliz,
Que mais feliz será quem
Com tudo isto ao fim condiz.
523 – Primado
Entre espera e desespero
Dá teu primado ao amor,
Por mais que ele seja esquivo.
Fama de juiz severo
Não é deveras melhor
Que a de juiz compassivo.
524 – Felicidade
Felicidade, eis a essência
Do que, ao perfumar os mais,
Descubro em mim: a evidência
Das gotas, por inerência,
Que em mim caem bem reais.
525 – Constante
É o amor aquela planta
Que constante quer carinho
Para às tensões que ele implanta
Escapar-me maneirinho,
Para do tempo à erosão
Sobreviver preso ao chão,
Para gerar das raízes
Sempre outros novos matizes.
Estranha planta é o amor
Que só de estufa dá flor!
526 – Acalmar
Fazer amor não é amor,
Quem o faz, na sovinice,
É a tentar domar a dor,
Fá-lo tal se ele existisse,
Sem lhe atear o fulgor.
O pior é que a mentira,
Em vez de acalmar, delira.
527 – Diabo
Os ódios, as opressões
São o diabo incarnado.
Antes de temer pecado,
Teme à virtude os senões,
Quando ela for de tristeza
E dum homem fizer presa.
Deus quer o Homem livre e ledo,
O diabo, medroso e quedo.
O diabo é guerra e fome,
Deus é o amor que te tome.
528 – Sedução
A sedução é intuitiva,
Pequenas coisas de nada,
E, de repente, que viva,
Que relação instintiva
Nos enlaça apaixonada!
A sedução é intuitiva,
Pequenas coisas de nada.
529 – Casados
Há dia de namorados,
De casados não há dia.
Têm razão, que enamorados,
Tantos anos já passados,
Só nós é que alguém veria.
É dia de namorados:
Coitados, só têm um dia!
Nós, os medos e os cuidados
Desde há muito ultrapassados,
Mudámos tudo em magia.
Crêem que isto é uma aldrabice,
Ternura que tanto dura.
E é por esta palermice
Que olhar não têm que visse
Todo o amor que em nós apura.
530 – Deveras
Quando deveras alguém
De alguém gosta, outrem não quer.
Qualquer outro amor também
O amor quer só que tiver.
Qualquer único é comum,
Cegue embora qualquer um.
531 – Conflito
Do conflito uma das formas
Para que eu fui atirado
É a guerra por cujas normas
Todo o mundo é governado.
Porque um mais os outros somos,
Também cada qual por si,
Porque eu sou eu, como os gomos
Da laranja onde outros vi,
Mas sempre, para os demais,
Sou outro como outros tais.
Desde aí sempre o conflito
Me acompanha o passo e o grito.
532 – Esperança
A esperança é coerciva.
Haja a probabilidade
De que quem amo reviva
E é quase fatalidade:
Quero então que sobreviva,
Embora a mortalidade
Seja da dor tão cativa
Que seria caridade,
Em vez de querer que viva,
Partir vê-lo em liberdade
Morte além, sem mais esquiva.
A esperança é coerciva
Mesmo se o amor a invade.