SEXTO  TROVÁRIO

 

 

 

EM METRO E RIMA RETOMAR VOU O INFINITO

 

 

 

 

 

 

 

Escolha um número aleatório entre 533 e 579 inclusive.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                533 – Em metro e rima retomar vou o Infinito

 

                                                Em metro e rima retomar vou o Infinito

                                                No regular deste meu verso cadenciado,

                                                Ao sonho dando aquele acerto que mal fito

                                                Além-fronteiras destas forças que concito,

                                                Pois em meu campo sempre vou desencontrado.

 

                                                Teimo, porém,  no antecipar o que queria,

                                                Ordem vislumbro na desordem que me cerca,

                                                Além me ameia de promessa um novo dia

                                                E por mim dentro há um poço fundo onde me perca.

 

                                                No verso tento capturar, passo ritmado,

Aquela rima que não capto mas se acerca

                                                A negacear algum vislumbre do outro lado.

 

                                                Assim meu sonho puxo à corda donde vem,

                                                Versos não tenho, antes são versos que me têm.

 

 


534 – Maravilha

 

Toda a qualquer forma de arte,

Desde o contador de histórias

A um humorístico aparte,

São de maravilha glórias.

 

Quando a máquina pensar

E nos livrar do enfadonho,

Pode o artista ter lugar

No melhor do que disponho.

 

Ei-lo do lado animado

Num mundo automatizado.

 

Se tudo a tal se coaduna,

Ao contrário de hoje em dia,

Há-de ter fama e fortuna

Em tal reino de utopia.

 

 

535 – Nunca

 

Nunca os homens satisfeitos

Com o que têm se vão:

A uma meta mal afeitos,

Logo outra perseguirão.

 

Lêem nisto mil defeitos

Quando afinal é um talento

Que a espécie às mais, pelos jeitos,

Leva a superar no intento.

 

É que os outros animais,

Satisfeitos do que têm,

Não buscam metas reais:

- Que distantes de nós vêm!

 

 

536 – Desenho

 

O desenho duma vida,

Feito de linhas quebradas,

Cruzamentos à medida,

Intersecções de seguida

- E as bifurcações vedadas!

 

As bifurcações jamais

A vida as pode correr,

Pernas espirituais

Não as tenho no imo mais

Quando as do corpo perder,

 

Como o corpo não seria

Capaz de movimentar-se

Se o par de asas falta um dia

Que do espírito anuncia

Que o longe não é um disfarce.

 

 

537 – Cuidado

 

Cuidado com as palavras,

Mesmo as dum sentido apenas,

Quando a palavra apalavras

Logo saltam as melenas.

 

Sentido e significado

São dois mundos divergentes,

Significado é fechado,

Literal, de pés assentes.

 

Sentido não fica quieto,

Fervilha em becos e ruas,

O que é branco devém preto,

Ficam as mãos cheias nuas,

 

É uma estrela a projectar

Raios em todos os rumos,

Vento cósmico a abalar

De meu lar todos os prumos.

 

 

538 – Trem

 

Desprende o trem de aterragem

A barriga cintilante

Dum avião do Oriente.

O ronco rasga a paisagem

Doutro igual no mesmo instante,

Que ao Sul ruma incandescente.

 

São as hordas migradoras

Que dos homens na manada

Voo levantam inquieto.

Rodam a todas as horas,

Terra em volta vasculhada,

Rebuscando, tecto a tecto,

 

Vestígios do paraíso.

Qualquer ócio despoleta

Rápidas emigrações

Que após tombam, num sorriso,

Na rua de sol repleta

Do assombro de aparições.

 

 

539 – Quimera

 

A quimera do emigrante

É sempre desta maneira:

Busca a América adiante

Porque ouviu contar que à beira

A sério mora um tesoiro:

Ruas calcetadas de oiro!

 

Quando lá chega, descobre

Três coisas, todas amargas:

Primeiro, a rua é mui pobre

E não há de oiro mãos largas;

Segundo, pavimentada

Nem sequer foi, à chegada;

 

Terceiro, é suposto ser

Aquele que ali chegou

Pelintra mais que quenquer,

À via que nem pisou

Quem vai trazer pedra e tala

E pôr-se a pavimentá-la.

 

 

540 – Atiras

 

Atiras a pedra às águas,

Logo ela busca o caminho

Mais rápido para o fundo.

Quando um fito contra as mágoas

Apuras em teu cadinho,

É o que te ocorre no mundo:

Nada mais fazes, esperas,

Pensas, jejuas e fitas,

Passas pelas coisas meras

Tal pedra em água que agitas,

Sem a mais nada ligar,

Sem mexer, sem actuar.

Atraído és pela meta,

Para lá cais como a seta.

 

Teu objectivo te arrasta,

Não admites em teu imo

Nada interposto que afasta

O que buscarás no limo.

 

Eis o que é o encantamento

Que te multiplica o intento.

 

 

541 – Ocasião

 

Deixamos para depois

A ocasião oportuna,

Sabendo que os arrebóis

Dois não há de igual fortuna.

 

É na espera doutros cimos

Que, afinal, nos destruímos.

 

 

542 – Cheia

 

Vão os dias de roldão,

Com alma cheia de morte,

O corpo cheio de vida,

Com a força renascida

Fazendo à alegria a corte,

Na absurda contradição

Da dor e do desespero,

Da piedade e da chaga

Duma perda irreparável.

A morte que jamais quero

Não consegue, fatal praga,

No que tem de irremediável,

Senão mesmo espicaçar

E robustecer os fortes:

Os flancos vem-me rasgar

Das esporas com os cortes,

Força-me assim a saltar

As fronteiras e os desnortes.

 

 

543 – Tomada

 

A tomada de consciência

Que acompanha o despertar

Da dor é desta evidência

De não ser este o lugar

Do sonho que se sonhar.

O sonho bem pouco dura.

Afinal, não somos mais,

Quando a raiz se depura,

Que estafados animais

Dando à nora de água pura

Que se escapa entre os nabais.

 

 

544 – Cruelmente

 

Ninguém Deus cruelmente pudera ofender

Se nele não tivera a potencialidade

Para O amar e servir como jamais quenquer,

Pois que a ninguém ofende a só vulgaridade.

 

Há-de ser, há-de ser deveras grande

Quem com um enorme alvo se desmande.

 

 

545 – Escapar

 

No fundo, nós temos sorte.

Não será para quenquer

Escapar acaso à morte:

Esperar tem o recorte

Do que me leva a viver.

 

Quem espera tem transporte

Mesmo na raia da vida

Dela p’ra além da medida.

 

 

546 – Comanda

 

Somos sempre a meias:

Nem votos constantes

Nos a vida adensa,

As boas ideias

Aparecem antes

Quando ninguém pensa…

 

- Há sempre, além do confim,

Isto que comanda em mim.

 

 

547 – Desejar

 

Nem poder, nem riqueza, ao desejar, desejo,

Apenas me apaixona o potencial previsto,

Poder olhar ardente o meu postal que avisto

Aberto ao infinito, ao mais pequeno ensejo.

 

É que, quando cobro a conta,

A tristeza o chão me junca:

- O prazer me desaponta,

Possibilidades, nunca!

 

 

548 – Expectativa

 

Gosto do Natal? Em parte:

Há uma expectativa enorme,

Decepciona após. Destarte

Nada, ao fim, lhe anda conforme.

É o que nos ensina, aparte,

 

Que não devo manter vivas

Mui grandes expectativas.

 

Tudo por conta e medida,

Que o sonho fala outra vida.

 

Nesta apenas nos permeia

Com uma ponta da teia.

 

- Mas por que não ir à festa

Onde outro mundo se apresta?

 

 

549 – Terra

 

Ter uma terra quer dizer não estar só,

Algo de nós há nas pessoas, trilhos, plantas,

Que nos espera mesmo quando o vejo em pó,

Mesmo se ausentes nos ficarmos nós às tantas.

 

Ter uma terra é cultivar fora de mim

Minha fronteira até não ver já meu confim.

 

 

550 – Quebrar

 

Pode um homem quebrar o coração,

O pescoço partir mui destemido,

Tentando trepar alto a elevação

Para atingir o fruto que é proibido.

 

Mas como adivinhar se alto demais

Ele me fica, se jamais tentar

Saltar deveras sempre um pouco mais,

A sério o procurando capturar?

 

 

551 – Recordar

 

Recordar é compreender:

Um bom juiz se recorda

Como advogado era ser,

Um bom editor acorda

 

Ao lembrar ser escritor

E um bom pai recorda a dança

Plena de sol e vigor

De quando era uma criança…

 

Compreender é recordar,

Desde o código genético

De memória milenar

Até ao dever mais ético,

 

Vida, História ao repassar

Por este horário frenético

Que nos força a laborar

Na busca infinda ao poético.

 

Recordar é compreender,

Compreender é recordar.

Recordar é assim viver,

Ao Infinito ao me atar.

 

 

552 – Conto

 

Quanto mais virmos a vida

Tal como um conto de fadas

Mais em guerra decidida

Contra o dragão das estradas

(Que a pátria quer destruída

Das fadas mais bem fadadas)

Entra o conto a toda a brida.

 

E abre muito mais portadas

A vida, logo em seguida,

Para mais contos de fadas.

 

 

553 – Esperança

 

Uma esperança incontável

A terra atravessou plena

E destruiu, inefável,

Tudo o que valia a pena:

 

Sempre uma revolução,

Ao explodir de alegria,

Abateu raso no chão

O sonho que a anima um dia.

 

Não justifica isto nunca

A fatal conservação

Do cadáver que nos junca

De tumbas o nosso chão.

 

Quer o reajustamento

Que joeire eternamente

O bom do mau no momento

E que aquele só implemente.

 

 

554 – Reduzido

 

Parece que o mundo implica

Muitas possibilidades

Mas tal em cada qual fica

Pouco mais que em nulidades.

Há muito peixe no mar

E sobretudo sardinha.

Ora, ao que a não for pescar,

Fraco mar se lhe adivinha:

 

- Que importa outro e outro lance

Se dele fora de alcance?

 

 

555 – Descobre

 

Dos homens a maioria

Como as plantas tem sepultas

Propriedades que a via

Do acaso descobre ocultas.

 

Descobre e então revela

No que quenquer é uma estrela.

 

 

556 – Entre

 

Entre faísca e trovão

Há de silêncio o momento.

Entre batuta e explosão

De música, o encantamento

 

Do mistério que há-de vir.

Quando a música se abate

Vão os céus então se abrir

E encharcamo-nos no embate

 

Da torrente em melodia

Que outro mundo nos envia.

 

 

557 – Cariz

 

Tens um cariz sofredor:

De ser feliz te esqueceste

Ou não te lembraste ainda?

Nada que te valha a dor

Existe de leste a oeste:

Do Cosmos a cara é linda,

 

Além de toda a tristeza

- Há do real a Beleza!

 

 

558 – Anule

 

É deveras que me anule

Requerido para em volta

O real com véu de tule

Viver do que largo à solta?

O sacrifício de mim

É do autêntico o confim?

 

Para a exaltação do amor

Donde é que vem o decreto

Que decreta: é de supor

Que o amor seja incompleto?

 

Transporto o fogo dos céus

- Mas que mísero, meu Deus!

 

 

559 – Parte

 

Ai quanta boa vontade,

Que persistência é precisa

Para do Todo, em verdade,

Ver-me parte, por divisa!

 

E quanta, mais adiante,

Se busco, com frenesi,

Mais que ser no Todo implante,

Ser tal todo, o Todo em si!

 

Eu, que no fundo sou nada,

Na onda da Madrugada!

 

 

560 – Falha

 

Na falha é que mora a Vida,

A Sabedoria é morte:

A vida só principia

Quando o Mistério anuncia,

Quando ao Belo dá o suporte.

 

O melhor é a dimensão

Que mora no ainda-não.

 

 

561 – Cais

 

Devia fechar a porta,

Porém a porta fechada

Não posso ter ao que aporta

De mim ao cais de chegada.

 

Nem só querê-lo mo apura:

- É que eu sou uma abertura!

 

 

562 – Presença

 

Eu não, não criei o mundo,

A cada instante o recrio

Com a presença, fecundo.

E, para mim, neste rio,

 

Tudo quanto lhe acontece

É tal qual como se, ao fim,

Tudo então lhe acontecesse

Através sempre de mim.

 

 

563 – Primo

 

Do espírito o primo grau

É descobrir o vazio,

O buraco no degrau

Da cultura onde me fio

 

Por onde pudera entrar

Aquilo a que, enfim, me entroso

Bem longe de meu lugar:

- O Infinito misterioso.

 

 

564 – Ansiedade

 

Qualquer ansiedade trai

O fracasso do vazio.

Do vazio a ideia cai

Quando à vida me confio:

 

Sabedoria da Vida,

Não a minha, é o que me instiga.

 

 

565 – Paradoxo

 

Paradoxo derradeiro

Que a religião ensina:

O sublime mais cimeiro

É no vulgar que tem sina.

 

Como a universalidade

Tão do espírito prezada

Apenas pode em verdade

Em cada lugar ser dada.

 

Em cada particular

É que ela se manifesta

Tal se fora um avatar

A espreitar em cada fresta.

 

 

566 – Sempre

 

Somos sempre caçadores,

Sempre de análise armados?

Ou de ecologia autores

Por fauna e flora tentados,

 

Fascinados pelo empório,

Do mistério território,

 

Mundo de fora e de dentro,

Santuário onde ao fim me adentro?

 

 

567 – Factor

 

Ser mais receptor de vida

Que factor, realizador,

E mais do que um promotor,

Condutor do que ela envida,

 

Pode alguém fazer sentir

Realizar-se bem fundo

E ver-se bem mais fecundo

Do que a trepar ao nadir.

 

Alma e espírito são fonte,

São cabeça e coração:

Só quem ambos tem à mão

Dentro de si faz a ponte.

 

 

568 – Digno

 

Digno de meu sacrifício

Só Deus o poderá ser.

Quando dou tal benefício

A outro objecto qualquer

 

É de então ter encontrado

Deus a andar nele a meu lado.

 

 

569 – Confundir

 

Só deveras o infinito

O sacrifício merece,

- Vida, fado, de Deus fito… -

E o pecado que acontece

 

É confundir o que é humano

Com divino, por engano.

 

 

570 – Múltiplas

 

Encontro a sacralidade

Sob as múltiplas camadas

De significado armadas

Na pele da realidade:

 

Num grão de arroz todo o mundo

E, num traço de pintura,

A eternidade e a figura

Dum altar no lar que fundo.

 

 

571 – Antes

 

Não, a espiritualidade

Não é busca do perfeito

Nem da virtude obsessão,

Mas antes a aceitação

Do que eu for na realidade,

Ora com, ora sem jeito,

E do mais que a vida pede.

 

É posto isto que sucede

Que o sexo então contribui

Bem mais para a religião

Do que muro constitui

Dela a fechar-me o portão.

 

Quem isto não entendeu,

Papa embora ou cardeal,

Não entende onde anda o céu,

Por mais que busque o fanal.

 

 

572 – Arrisca

 

O bom professor é aquele

Que arrisca a vida e falhou:

O bom ensino é o que impele

Aos mistérios que sondou.

 

Leitura clara, acabada,

Sempre é mal orientada.

 

Quem não vê que há mais além

Fraco mestre é do que tem.

 

 

573 – Força

 

A força religiosa

Do mundo não é a igreja,

É o próprio mundo que a goza:

O mistério que viceja

 

No apelo da  natureza

Com nossas próprias respostas.

Eis onde cada qual reza

Com a vida de mãos postas.

 

Muito embora seja ateu:

- É quem quer a sério um céu!

 

 

574 – Altar

 

Perante o altar cintilante

A estimular-me os sentidos,

Me reconforto constante.

 

Percorro os campos floridos

Com o bosque verdejante,

Olho as ervas nos garridos

Vergéis de arbustos diante,

- Revelam todos, gritante,

O Invisível, desmedidos.

 

O altar do mundo é o instante

Dos mundos nele escondidos:

Deus, à janela que espante,

Troca acenos comedidos.

 

 

575 – Tarefa

 

À tarefa ao me entregar

Acaso insignificante

Que hoje a vida me ofertar

É que acederei diante

Do que é eterno, do infinito.

 

Vendo no imo da caverna

De meu próximo bendito

É que consigo a superna

Vsão: vislumbre inefável

Daquilo que é inominável.

 

 

576 – Iniciam

 

As éticas decisões

Iniciam sempre alguém

No que é uma comunidade.

Protegem, nos tropeções,

O crescimento que tem

Um carácter de verdade.

 

A nossa visão se expande

Ao percorrer as distâncias

Da moral, deveras grande,

Complexa dela nas ânsias.

 

Gradualmente ao sagrado

Nos dirigimos tremendo

Por um acto praticado,

Pelo gesto que for sendo.

 

Ultrapassei a evidência

Do rumo que dantes fora

Apenas da consciência:

Além dela outro além mora!

 

De mim lento me desquito,

Liberto para o Infinito.

 

 

577 – Fórmula

 

A certeza é trivial,

A fórmula oferta um ombro…

- Ora, a vida espiritual

De incluir tem sempre assombro.

 

Da dúvida ocultação

Enfraquece ou destrói mais

Toda a nossa luta em vão

De esforços espirituais.

 

O medo tem um papel

E não importa fingir

Que sou superior a ele:

A fé fá-lo em mim bulir.

 

E é diante da surpresa

Que afinal o espanto reza.

 

 

578 – Alargar-nos

 

Rezamos porque podemos

Alargar-nos para além

Do narcisismo que temos,

Vendo que a vida também

 

É uma graça e que o mistério

Por dentro do qual nascemos

Exige, com todo o império,

Ser visto em tudo o que vemos.

 

 

579 – Descobrir

 

Descobrir o que é sagrado

Na vida vulgar não é

Um moralismo aplicado

Ao dia que tenho ao pé.

 

É a profundeza inerente,

Mesmo a espiritualidade,

Agarrar no que é corrente,

Em cada eventualidade.

 

Sempre um mistério escondido

Mora em todos os contactos,

Embora a cada sentido

Mostre apenas meros factos.