DÉCIMO PRIMEIRO
TROVÁRIO
NA QUADRA IRREGULAR TUDO, POR FIM, ME GUIA
Escolha um número aleatório entre 950 e 1175 inclusive.
Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu
dia de hoje.
950 – Na quadra irregular tudo, por fim, me guia
Na quadra irregular tudo, por fim, me guia,
No verso em contrapé trato do amor, do sonho,
Rimando então a norma onde o saber confia
Com traços dominantes onde o que é se alia
Às mãos que abrem no mundo quanto nele aponho.
É neste metro incerto que vou a surpresa
Em cada contracosta dos perfis da vida
Tentando capturar, mantendo à mão a presa
Na gaiola do verso, na palavra haurida.
No desencontro a sílaba do metro torto,
Com rima então lograda na surpresa tida,
Imita quanto esquivo ameia ao dia o porto.
Nas pedras destes termos resumido vou
A apontar num emblema quanto quero e sou.
951 – Mito
A persistência
Do mito
É que, no
fundo, a evidência
É aquilo em
que acredito.
952 – Sempre
Para sempre
não há Inverno que dure
Nem Primavera
cujo entremez
Se nos afigure
Deixar morrer
dela a vez.
953 – Minutos
A melhor
herança
Dum pai aos
filhos vários
É, de seu
tempo na abastança,
Dar-lhes
alguns minutos diários.
954 – Honesta
Para bem
suceder a democracia
O primeiro
requisito
É que das
gentes a maioria
Seja honesta
em seu fito.
955 – Criatividade
A criatividade
que buscamos
Não se gasta.
Reparemos:
Quanto mais a
usamos,
Mais temos.
956 - Malhas
Ao sonho
endossa-o
Das malhas da
vida aparte:
Arte bem raro
é negócio,
Negócio raro
devém arte.
957 – Conforto
A palavra de
conforto com magia,
Quando a
contento acontece,
É a mais
ancestral terapia
Que o homem
conhece.
958 – Guerra
Há guerra
quando uma parte
Deseja o que
bem lhe apraz
Com força mais
e mais arte
Do que a paz.
959 – Servir
Liberdade,
liberdade
É de servir a
ocasião,
Nunca uma
oportunidade
De
autopromoção.
960 – Simples
É simples o
primeiro passo
Para quanto da
vida quer ter:
Apenas o
espaço
De decidir o
que quer.
961 – Térmitas
Suposições,
não!
As suposições
São
As térmitas
das relações.
962 – Sentimento
Ao mundo
Convence-o:
- O sentimento
mais profundo
Fala apenas no
silêncio.
963 – Parece
Quem nos
julgar atraente
Jamais nos
parece, doravante,
Completamente
Desagradável
nem desinteressante.
964 – Agrade
Agrade ou
desagrade,
Com moderação
Mostrar
gratidão
É
mediocridade.
965 – Busca
Quem busca a
sabedoria
É um sábio,
desde logo.
Quem crê que a
encontrou um dia
É um louco:
ateia o fogo!
966 – Olhos
Ao julgar,
Os olhos
podem-se iludir com a aparência,
Não o coração:
singular,
Sente e
compreende a essência.
967 – Forma
A única forma
de ter
Amigo algum
É ser
Um.
968 – Vinte
Se tens um
minuto
Quando alguém
pergunta,
Trata de ser
arguto:
Vinte lhe
junta.
969 – Pejado
O mundo anda
pejado de gente
Que perde a
vida a fugir
De algo que,
quando nele bem atente,
Não os anda,
afinal, a perseguir.
970 – Tempo
O tempo é
cozinhado
Numa casa de
pasto:
O passado
É o futuro já
gasto.
971 – Dança
Há uma
evidência
De que ninguém
goza:
A experiência
É uma doença
não-contagiosa.
972 – Sismógrafo
É um
sismógrafo o poeta,
A registar, na
aparentre calma
Da caneta,
Terramotos de
alma.
973 – Amor
O amor não,
Não mente:
O amor cura o
coração
Até mesmo
fisicamente.
974 – Viagem
Cada viagem
trepa um degrau
Na descoberta
do mundo
E por mim
dentro salta a vau
Até o abismo
mais fundo.
975 – Saúde
De saúde
prestar cuidados
A quem nos é
querido
É descobrir,
por mal de nossos pecados,
Quanto a
falibilidade tem sentido.
976 – Contra
Contra quanto
te retém
Visas o que
jamais se alcança?
- Olha que
viver bem
É a melhor
vingança…
977 – História
Da história a
lição
Tem um
problema:
Só lhe
deciframos o dilema
Quando batemos
com o queixo no chão.
978 – Casa
Nossa casa,
muitas vezes,
Não é nossa
casa, não.
Nossa casa,
para além dos reveses,
É onde estiver
nosso coração.
979 – Verdadeiro
O verdadeiro
amor
É um diamante.
Não, não é
pelo valor,
É por ser
transparente e brilhante.
980 – Suja
Nem sempre é
do tinteiro
O borrão:
Há mão que
suja o dinheiro
Como há
dinheiro que suja a mão.
981 – Tartaruga
É tartaruga a
justiça,
Tem a perna
curta,
Mas viverá,
contra o que a enguiça,
Mais que duas
vezes o tempo que se lhe furta.
982 – Fundamento
Retém
O fundamento
provado:
- Em arte
nunca nada fez ninguém
Enquanto não
tentou o ilimitado.
983 – Preciso
De vida os
regalos
Têm seus
termos:
Aos homens é
preciso amá-los
Sem,
cobrando-o, lho dizermos.
984 - Dever
Dá-lhe os
minutos principais,
Não ponderes
sequer:
Jamais é cedo
demais
Para cumprir o
dever.
985 – Espontaneidade
Noutrem o que
vir alguém
Não é o igual
mas o diferente,
O que lhe
permite e mantém
A
espontaneidade criadora de agente.
986 – Apaixonada
O amor maior
É o da
apaixonada criatura
Para quem do
muito amor
É obra a
formosura.
987 – Amadurecidos
Quando nos
consideramos
De vez
amadurecidos, os pontos nos is,
Deveras
estamos
Senis.
988 – Força
Tudo é
inferior ao desejo
E tudo
inatingível se me some.
Tal é a força
do que almejo
Que imagina
sempre mais que o que consome.
989 – Degrau
Um degrau
quando galgo,
De mimo mais
discreto e fundo vence-o:
Apenas amando
consagramos algo,
Senão era
apenas o silêncio.
990 – Destruída
Destruída a
viabilidade
Do prazer ou
desprazer comum,
Perde a vida a
validade,
Já não tem
valor nenhum.
991 – Famoso
Ser famoso, de
algum modo,
É ser infame
às vezes, por junto.
Mas ser
obscuro é, de todo,
Ser defunto.
992 – Rédeas
Doutrem
adoras, milénio a milénio,
O lado
risível,
Puxas as
rédeas ao génio,
Retardas-lhe o
triunfo o mais possível.
993 – Arrepende
Insiste,
Corrige e
aprende:
Nada resiste
A quem se
arrepende.
994 – Poupa
A bela
mediocridade
Poupa o
coração para o convénio
Com os
vectores mais desconformes da verdade,
Com os
vectores do génio.
995 – Jogador
Não são ganho
nem morte
Do jogador os
céus,
Mas o milagre
de ver Deus
Num número de
sorte.
996 – Desejo
A isto me
irmano:
O que produz o
amor, sobretudo,
Bem como o
desejo humano,
É o lado
irreal de tudo.
997 – Debate
Quando duvido
Germina a
evidência,
Debate
esclarecido
É a vitalidade
da ciência.
998 – Fuga
No nosso
planeta
Não há fuga à
tecnologia.
Problema é
usá-la, em parte ou completa,
Com sabedoria.
999 – Entalaram
Os danos
Da bondade:
Entalaram Deus
em moldes humanos,
Constrangem e
limitam a divindade.
1000 – Luz
O tempo não
pára,
Incontinente,
E o que passou
uma luz acende rara
Ao presente.
1001 – Melhor
Melhor é
ocasionalmente
Ser enganado
Que
permanentemente
Desconfiado.
1002 – Velha
Por mais velha
que a mãe seja
Andará sempre
à procura, com tenacidade,
De sinais do
progresso que se veja
Nos filhos de
meia-idade.
1003 – Sagrada
Para
ultrapassar a desordem,
A sagrada lei
do templo:
- A melhor
forma de dar uma ordem
É dar o
exemplo.
1004 – Rumo
Na certeza,
luz verde
Para o rumo
novo ou velho.
Na dúvida que
herde,
O vermelho.
1005 – Caminho
Muitos que
pelo caminho errado
Enveredam,
mesquinho,
Gritam que o
culpado
É o caminho.
1006 – Sobrepõem-se
Bom é que em
ti graves
Bem fundo:
- Sobrepõem-se
as coisas mais suaves
Às mais duras
do mundo.
1007 – Histórias
Duas
eventualidades
Dão histórias
principais:
O excepcional
rodeado de vulgaridades,
O vulgar
envolto em eventos excepcionais.
1008 – Dono
De tudo é dono
o poder,
Cantam as
loas.
Nunca, porém,
dono há-de ser
Do coração das
pessoas.
1009 – Sabemos
Os termos
Eficazes:
Nunca sabemos
quem somos até vermos
Aquilo de que
somos capazes.
1010 – Corpo
Nosso corpo é
bom escutar,
Como primeira
matriz,
Mas não temos
de acreditar
Em tudo o que
ele nos diz.
1011 – Difícil
Mantém
consciente
A grande lei
do ser:
- Por vezes o
evidente
É o mais
difícil de ver.
1012 – Venera
Venera as
obras de arte
Uma bacoca
boçalidade tão impura
Que horripila:
destarte
Degrada o
culto em cultura.
1013 – Condicionam
Como nos
condicionam os objectos,
Mormente
quando consentimos, eufóricos,
Que em seus
trajectos,
Se vão
inflando de valores simbólicos!
1014 – Vela
Vela bem por
teres algum
Bom siso:
Quando não
tens juízo nenhum,
És capaz de
ter muito juízo.
1015 – Repente
É sempre de
repente que acolá
Alguém morre,
absorto.
De repente,
mesmo quando está
Já quase
morto.
1016 – Medíocres
Meu maior
orgulho
Provém deste
mistério:
Quão maior dos
medíocres o entulho
Mais os
medíocres se tomam a sério.
1017 – Chafurda
Quem chafurda
em todos os lamaçais
Deliberadamente
Do estado não
pode queixar-se jamais
Do caminho
presente.
1018 – Entre
Entre o que te
inclina
E o que te
afasta,
A palavra
ensina,
O exemplo
arrasta.
1019 – Governar
Aquele que o
poder detém,
Se governar
mais sobre o próprio aleijão
Do que sobre o
seu irmão,
Governará bem.
1020 – Usos
Os usos não
devem ser amados
Por mor dos
lugares de origem.
De origem os
lugares é que vigem
Por mor dos
usos neles cultivados.
1021 – Pouco
Seremos,
seremos isso
Mais um pouco
logo adiante:
O homem não é
mais do que um caniço,
Mas um caniço
pensante.
1022 – Técnica
Da técnica as
maiores vitórias
Com as
catástrofes maiores
Emparelham,
inglórias,
Como vizinhos
aterradores.
1023 – Inefável
A quem
mergulha no Uno primordial
Inefável é a
bem-aventurança,
Indescritível
em palavra nem sinal,
Que o coração
lhe alcança.
1024 – Mãos
Mãos vazias,
mãos cheias,
Repara bem
onde as mãos poisas:
Não tenho
grande opinião das ideias,
Prefiro as
coisas.
1025 – Desponta
Desponta no
povo os arrebóis
Com que a
despertar exortas:
Uma pátria sem
heróis
É casa que não
tem portas.
1026 – Fígados
Requer-lhe
fígados de ferro
O favor negar
(Quando o
favor for um erro)
A quem os
méritos lhe cantar.
1027 – Estúpida
Do artista a
mais estúpida tentação
Não é de reger
o milénio,
É a convicção
De ser génio.
1028 – Cavar
O emigrante,
para cavar o pão,
Tem uma enxada
Na mão
Com um cabo de
milhas e milhas de estrada.
1029 - Êxito
O êxito é a
punição
Que os deuses
têm em vista
Para atirar ao
chão
O artista.
1030 – Sentar-me
A felicidade
pode advir
De poder
sentar-me na esplanada,
Não às horas
que a vida permitir,
Mas quando me
aprouver lá dar entrada.
1031 – Privilégio
Trata de
entender
A verdade
singular:
Privilégio não
é viver,
Mas amar.
1032 – Sistema
Não ignores a
evidência
Que tudo
alcança:
Um sistema
opõe sempre resistência
A qualquer
mudança.
1033 – Único
Único que
despreza
A vida
fundamental,
O pior pecado
mortal
É a tristeza.
1034 – Peso
Toma peso e
medida
Em tua mente e
coração:
- Que nenhuma
palavra seja perdida,
Que teu verbo
seja acção!
1035 – Vexado
Sinto-me
vexado pelo desdém da vida,
Dramaturgo com
a plateia a conversar,
Distraída,
Enquanto a
tragédia tem lugar.
1036 – Orgulho
Qualquer
orgulho do mundo
Pesa um ror
E quão pouco,
quando o fecundo
Dum pouco de
amor!
1037 – Fés
Muito te
iludes
De mil fés na
fantasia!
A maior das
virtudes
É a alegria.
1038 – Ruínas
Por ela mesma,
a paixão
É menos
perigosa
Que pelas
ruínas que, no chão,
Acumula quem a
desposa.
1039 – Jovem
O jovem é dado
Ser e sonho a
misturar:
É quem julga
ter criado
O que sonhou
criar.
1040 – Patrióticos
Os cantos
patrióticos têm por ganhos,
No traço,
Serem de
ovelhas para rebanhos
Que balirem a
compasso.
1041 – Mil
Mil vezes
melhor é ser amado e compreendido
Por pouca
gente boa
Que adulado e
ouvido
De idiotas por
milhões à toa.
1042 – Génio
Medimo-lo, ao
génio,
De vida pela
potência
Que a arte,
imperfeito convénio,
Evocar procura
com excelência.
1043 – Palavra
Basta-lhes a
palavra “dever”,
Não importa o
que a materializaria?
- Andam aquela
bandeira a prender
Para encobrir
a mercadoria…
1044 – Vendaval
Génios sem
defeitos?
Como se o
vendaval, ao soprar,
Se preocupara
em não desarrumar
A ordem das
coisas e preceitos!
1045 – Gratidão
A gratidão,
mesmo da gente honesta,
É fruto que
deve a tempo se colher.
Se na fruteira
o deixar envelhecer,
Não tarda a
murchar, a nada presta.
1046 – Ameaçados
Os ameaçados,
como o avestruz,
Escondem a
cabeça dentro do buraco,
Imaginam que a
desgraça, à falta de luz,
Os não
descobre no lusco-fusco fraco.
1047 – Morte
Não há
qualquer arte
Onde a morte
estiver.
Destarte,
Arte é o que
faz viver.
1048 – Íntima
A íntima
alegria é bela,
Mas um pouco
de luz exterior
Também é bom,
ao dar-nos na janela
O longe e o
calor.
1049 – Funcionário
Bom
funcionário é quem tenderia
A admitir a
superioridade do talento
Quando à
superioridade hierárquica se alia
No evento.
1050 – Enganar-se
Quando por um
abrigo
Alguém apele,
Mais vale
enganar-se com o amigo
Que ter razão
contra ele.
1051 – Pior
O pior inimigo
de si mesmo
É o que não
combate
A esmo
Os inimigos
com que embate.
1052 – Mentes
Por mais que
de pensamento cheias
Andem as
mentes na trama,
Bem pouco são
as ideias
Quando se ama.
1053 – Vale
Todas as
ideias se equivalem
No fim de
tanto idear
E uma apenas
vale entre as que valem:
- A de amar.
1054 – Fundo
Discordo de
que os homens concitam
A discordância
que remordo:
Uns com os
outros gritam
Mas, no fundo,
estão todos de acordo.
1055 – Graça
Amar é uma
graça que buscamos,
A maior a
procurar,
Porque nós não
amamos,
- Queremos
amar!
1056 – Lembre
É bom que ao
génio lembre a humanidade:
- Que há para
mim na tua arte?
Se não há
nada, se de ti nada me invade,
Parte!
1057 – Caça
O amor é a
mais divina das humanas gestas,
Quando é um
dom do próprio amante;
É a mais tola,
a mais decepcionante,
Quando é uma
caça à felicidade que lhe emprestas.
1058 – Graus
O Belo
Tem graus de
apelo:
Se é belo
sonhar,
Magnífico é
realizar.
1059 – Chão
Ninguém é
completo,
A felicidade é
descobrir os próprios limites,
O chão e o
tecto,
E amá-los,
abandonando os mais palpites.
1060 – Melancólico
O mundo é um
melancólico mal-entendido,
É impossível,
todavia, desfazê-lo.
Tudo o que
resta é amá-lo, contido,
Ter piedade e
sonhar, num apelo, num apelo…
1061 – Teia
Perderam a
razão de existir,
Pois já não
tinham onde prender a teia de aranha,
E, fraco
embora o suporte do real a que se fundir,
O sonho carece
dum ou nada ganha.
1062 – Lei
No que é mais
credível
Pensa bem,
pensa:
A lei não é
viver o mais tempo possível,
É viver da
maneira mais intensa.
1063 – Medida
Que é a vida?
Não o que pautamos
Pela razão
fria, dos olhos pelo fulgor:
A vida é o que
sonhamos
E dela a
medida é o amor.
1064 – Crueldade
É dos homens a
crueldade imensa
Duns para com
os outros, feroz,
(Não a miséria
ou doença)
Aquilo que é o
mais atroz.
1065 – Cuido
Cuido ser
apenas o expectador
Que vê o vento
passar
Mas já me
atingiu o vento derredor,
Ei-lo nos
remoinhos de poeira a me arrastar.
1066 – Ilhota
É uma ilhota a
inteligência
Que as marés
humanas corroem,
Desagregam com
paciência
E submergem
quando mais nos doem.
1067 – Englobe
Que a tua
divisa
Englobe todo o
matiz,
Toda a gente é
precisa
Para um dia
feliz.
1068 – Erros
Dos erros o
pior
É ter a melhor
escada,
Em pleno
labor,
Na parede
errada.
1069 – Goze-as
Cada dia
contém
Muita
oportunidade
Para errar de
verdade.
- Goze-as
também!
1070 – Coragem
A vitória
jamais é definitiva,
A derrota
jamais é fatal,
A coragem,
humilde e esquiva,
É que conta,
afinal.
1071 – Torna
O que torna a
vida tão especial,
Se bem
reparamos,
É poder
passá-la, total,
Junto de quem
amamos.
1072 – Errado
Estudar para
conhecer,
Conhecer para
compreender,
Compreender
para julgar
E algo errado
ao fim mudar.
1073 – Principia
A perplexidade
É o momento
Onde principia
de verdade
O
conhecimento.
1074 – Stresse
Não é questão
de ganância,
Nem questão de
eficiência.
O stresse é um
estado de ignorância:
Cremos que
tudo é uma emergência.
1075 – Fraude
É uma fraude a
memória,
Fraude só,
A iludir de
glória
O olvido cor
de pó.
1076 – Risco
O risco de ser
bem sucedido
É a arrogância
com que auguro
Que o que no
passado se houver empreendido
Irá dar frutos
no futuro.
1077 – Simpático
Simpático sê
para os estranhos
À tua raia
chegados,
Não vão, ao
apurar perdas e ganhos,
Serem eles
anjos disfarçados.
1078 – Harmonia
Quando deveras
me sinto em harmonia,
No fundo
É que em
harmonia estou com a desarmonia
Dos outros, de
mim e do mundo.
1079 – Sentido
O sentido do
mundo depois do fim do mundo
É que o mundo
é o sentido de quanto há no mundo.
O sentido de
que o mundo é o fim do mundo
Implica, pois,
que o fim do mundo é que é mundo.
1080 – Vocação
Pobre da
vocação que, para imitar nascida,
Perdida em
meio ao atropelo,
Nunca
encontrou na vida
O modelo!
1081 – Ditadura
Mesmo quando
ela cai aos pedaços,
Numa ditadura
ninguém escreve, cifra
E, a
escapulir-se de embaraços,
Não lê,
decifra.
1082 – Vive
Na realidade
da vida, a pessoa perfeita,
É a que, mais
tarde ou mais cedo,
Vive a vida
afeita
Ao medo.
1083 – Crimes
O que faz a
grande história
Não é o herói,
nem o sábio nem o santo sequer.
O que fica na
memória
São
incontáveis crimes a coberto do dever.
1084 – Bússola
É uma bússola
o artista
Que, durante a
tormenta,
Sempre o norte
tem em vista
Que nos
orienta.
1085 – Milagre
O milagre mora
em toda a parte,
Como o fogo na
pedra,
E um choque,
dado com arte,
Fá-lo irromper
e medra.
1086 – Repousa
A vida repousa
na desdita
E ninguém pode
viver,
Ante a
crueldade infinita,
Sem fazer
sofrer.
1087 – Arte
Tal é qualquer
arte, afinal,
Como o sol
donde provém,
Nem moral nem
imoral,
É o que é e
vence a noite também.
1088 – Tratar
A vida ensina
a não ser exigente,
Ninguém lhe
deve pedir demais:
Já é uma
grande coisa tratar com boa gente,
Desde que dela
nada esperemos jamais.
1089 – Comum
O comum entre
dois entes
Que se amam e
são muito diferentes
É que, quando
juntos não estão,
Mais unidos se
encontrarão.
1090 – Alegria
Que maior
alegria, entre as vis
Teias, do
mundo na trama,
Que tornar
feliz
A quem se ama?
1091- Sorve
Sorve o
nevoeiro que te trespassa,
Retoma teu
destino.
Nada passa
para quem não passa,
Eterno
peregrino.
1092 – Estéreis
As árvores
estéreis ninguém as maltrata,
Apanham
pedradas
As que as
frondes têm coroadas
Da fruta de
oiro que a fome nos mata.
1093 – Treinaram
Mais bem na
vida me fizeram
Os inimigos
Que os amigos
que tudo me deram,
Pois não me
treinaram para os perigos.
1094 – Seguir
Quando não
fica para trás a amada,
A eternidade
não é demais
Para seguir a
jornada
Na companhia
que amais.
1095 – Dois
O tempo foge
Entre esperas
vãs,
Sempre hoje
Vale por dois
amanhãs.
1096 – Criado
Que importa
quem cria?
O criado é que
é real.
Marrais na
capa vazia,
Vós, os que
nos quereis mal.
1097 – Grandeza
O homem jamais
logra compreender
Devidamente
A grandeza e o
poder
Da própria
mente.
1098 – Resolver
Filosofar não
é apenas ter ideias,
Mesmo fundar
uma escola.
É resolver
problemas de que as vidas andam cheias,
Nos termos
práticos em que qualquer se desenrola.
1099 - Prova
Nada prova que
a imperfeição
Seja uma
anormalidade real:
A perfeição
É que é
anormal.
1100 – Ferramenta
Não é nunca
assim tão singelo
O modelo a que
prendo meus sossegos:
Se a única
ferramenta disponível é um martelo,
Coisas demais
começam a parecer pregos…
1101 – Aliviar
Se não aliviar
nenhum sofrimento
Vivido,
Do filósofo o
argumento
Não faz
sentido.
1102 – Distingue
Distingue o
que é de ti função
Daquilo que
for de fundo o pano:
Estar
mergulhado na ondulação
Não é o mesmo
que ser o oceano.
1103 – Ofensa
Se te não
queixares
Dizendo: “fui
ofendido”,
A ofensa que
enfrentares
Desaparece no
olvido.
1104 – Tornar-nos
Não é aquilo a
que se alude
Que dá de que
gozo os gozos.
Pouco importa
saber o que é virtude,
O que importa
é tornar-nos virtuosos.
1105 – Natureza
A natureza é
uma estrada,
À partida:
Para ser
dominada
Tem de ser
obedecida.
1106 – Vemos
Seguem as
coisas o próprio padrão,
Não o que
nelas nós pomos.
Não as vemos,
com efeito, como são,
Mas como
somos.
1107 – Cremos
Cremos que a
verdade vem
Da
confrontação,
Contudo, o
efeito que se obtém
É a balbúrdia
à roda da questão.
1108 – Arte
Qualquer arte
de encontrar
Segura
É a de
procurar
Sem andar à
procura.
1109 – Respostas
Viver
É a única
maneira de respostas vir a achar
E, mesmo
assim, ninguém pode ter
A certeza de
encontrar.
1110 – Acaso
O acaso
arbitra a primeira metade
Dos nossos
actos.
Da outra, na
totalidade,
Somos nós
donos dos factos.
1111 – Liberdade
Muito embora a
liberdade tomem
Com frenesi,
Não é livre o
homem
Que não mande
em si.
1112 – Tudo
No jardim de
infância aprendemos talvez
Tudo de que
iremos precisar:
- Esperar a
nossa vez
E partilhar.
1113 – Escolha
O Bem
É a primeira
escolha do que vales.
A segunda,
porém,
É aceitar o
melhor de dois males.
1114 – Juro
Juro que nunca
viverei
Apenas para
proveito de alguém
Nem pedirei a
ninguém
Que meu
proveito só tome por lei.
1115 – Obediência
Quando a
obediência à lei se transforma
Em mil e um
danos,
É a hora dos
desenganos:
- Muda a
norma!
1116 – Liberta
Quem se
liberta da ideia
De que não há
liberdade
É, de verdade,
Um ser livre
de mão cheia.
1117 – Guerra
A guerra nada
tem de mítica
Nos custos a
que orça
E continua a
política
Pela força.
1118 – Paz
Quando há paz
na família,
Toda a relação
comunitária faz,
Apesar da
indispensável vigília,
Ficar em paz.
1119 – Torna-te
Acata
A boa sorte:
O que te logo
não mata,
Torna-te mais
forte.
1120 – Conforme
Não vás querer
Que tudo
ocorra conforme teu matiz,
Deixa-o correr
como ocorrer
E viverás
feliz.
1121 – Tratamento
O melhor
tratamento para quem está triste
É aprender
algo, descortinar:
Aprender por
que razão o mundo existe
E o que é que
o faz girar.
1122 – Trabalho
O trabalho
afasta-nos, de início,
De três males
que a história reza:
Tédio, vício
E pobreza.
1123 – Livre
Livre é o
homem nado
E aprisionado
o vemos
Por todo o
lado:
- Perdemos?…
1124 – Suspires
Não suspires
pelo passado nem pelo futuro,
Nem pelo que
entre passado e futuro estiver:
- Salta,
seguro,
Para a outra
margem que por trás houver.
1125 – Mando
O mando maior
Vem de como o
impeles:
De homens o
melhor utilizador
Mantém-se
abaixo deles.
1126 – Permanente
O tempo não é
mais que o rio
Permanente a
perpassar,
Sempre a
fazer-me o desafio
De ir pescar.
1127 – Novo
O novo é a
porta aberta
Para outro
mundo que houver.
A descoberta
Faz parte da
alegria de viver.
1128 – Muitos
Há muitos
tons,
Há muitos
jeitos:
Para sermos
bons
Não precisamos
de ser perfeitos.
1129 – Projecto
O que traça
Um projecto de
vida bem sucedido
É preencher
cada minuto que passa
Com sessenta
segundos de caminho percorrido.
1130 – Reis
Os reis
martelam os cravos
Da memória:
Não mandam, são
escravos
Da História.
1131 – Morte
Não é com a
morte que lida
O idoso, como
qualquer um:
Apenas liga à
vida,
A mais objecto
nenhum.
1132 – Questão
A morte,
irremediável,
É de tempo
questão, num qualquer dia.
Ora, o que é
inevitável
Não deve
lamentar-se em demasia.
1133 – Vazio
Um vazio
singular
É o que o luto
sente:
O luto é por
nós mesmos, em primeiro lugar
E
principalmente.
1134 – Cumprimos
Cumprimos com
algum valor
Quando
deixamos
O mundo um
pouco melhor
Do que o
encontrámos.
1135 – Ultrapassar
O sofrimento é
um cadinho
Se o logras
ultrapassar sem remorso.
Os sábios só
te podem indicar o caminho,
Tu próprio é
que tens de fazer o esforço.
1136 – Pesam
Os mortos
pesam, acredito,
Menos pela
ausência que nos deixa sós
Que por aquilo
que entre eles e nós
Jamais foi
dito.
1137 – Alvo
A vida não é
uma corrida
Mas ao alvo um
tiro:
Conta, não de
poupar tempo a medida,
Mas um centro
a que me refiro.
1138 – Foguetes
Quando reparo
em tantas vidas que à vida acodem
E que tão
poucas trepam em luz a explodirem
Lamento tantos
foguetes que implodem
Em vez de
subirem.
1139 – Erros
Erros são
nossa sina intrometida.
Partir sem os
ter entendido
É que
inutiliza o sentido
Duma vida.
1140 – Sabemos
Todos sabemos
que iremos morrer,
Queiramo-lo ou
não,
Mas uma coisa
é com a mente o saber,
Outra com o
coração.
1141 – Ornamentação
Numa casa o
que configura
A ornamentação
dela
É o mesmo que
a assinatura
Numa tela.
1142 – Errar
Errar não é
surpresa
Em humanos
vales, picos nem cerros.
Ciência não é
culto da certeza,
Mas dos erros.
1143 – Alfinete
Uma pessoa,
Alfinete que é
má peça,
De pouco serve
quando, à toa,
Perde a
cabeça.
1144 – Neurónios
Pelo número de
neurónios não acertas:
Importa é que
apeles
Às combinações
certas
Entre eles.
1145 – Difícil
Não é que não
nos atrevamos
Ao que difícil
for.
É por não nos
atrevermos que tornamos
Difíceis
desafios de qualquer teor.
1146 – Preza
Aquilo que o
homem preza,
A todo o
momento,
Não é o
conhecimento,
É a certeza.
1147 – Preciso
A um homem
qualquer
Podemos
avaliá-lo
Pelo que é
preciso fazer
Para
desencorajá-lo.
1148 – Conta
Dum homem a
medida-
-Padrão
É o que mais
conta na vida:
- A intenção.
1149 – Setembro
Setembro dá o
melhor de si
Na estação
Para nos fazer
esquecer logo ali
O Verão.
1150 – Cede
Quando alguém
cede ao medo
De fazer má
figura, de repente,
Qualquer
oportunidade perde cedo
De agir
heroicamente.
1151 – Dinheiro
Dinheiro para
aqui, dinheiro para acolá,
E o dinheiro
faz que tudo se atropele.
Ora, a
felicidade que o dinheiro dá
É só a de não
termos de nos preocupar com ele.
1152 – Amigos
Amigos são
jardim em teu redor,
A brisa a
perfumar,
E um amigo
carenciado é uma flor
À espera de
desabrochar.
1153 – Imo
Pende ao ganho
fácil o sentimento
E a meia
perfeição o persuade.
Ao invés, a
insaciabilidade
É o imo do
talento.
1154 – Beleza
Porque o belo
inaugura uma outra era,
Dum mundo novo
fermento,
A beleza gera
Constrangimento.
1155 – Palavra
Crês vê-lo
Quando na
palavra o perfilo.
Ora, a palavra
apenas pode enaltecer o Belo,
Não logra
reproduzi-lo.
1156 – Fora
Quem está fora
de si
Nada pode mais
detestar,
No frenesi,
Do que a si
voltar.
1157 – Simultaneamente
A humana sina
Não é de todo
inatingível:
A beleza é
divina
E
simultaneamente visível.
1158 – Miséria
A identidade
Não é o
derradeiro esquema:
Os corpos
diluem a idade
Quando na
miséria extrema.
1159 – Molda
É irrefragável
O fado que nos
molda singular:
Não
interpretar é tão inviável
Como é
inviável impedir-me de pensar.
1160 – Ínfimo
Cremos ter
sorte, ante o destino fero,
Quando um
ínfimo evento qualquer
Nos retém à
beira do desespero
E nos permite
viver.
1161 – Entre
Quando entre
vítima e culpado
A diferença
ninguém alcança
É o inferno
desolado
E morreu toda
a esperança.
1162 – Política
A política é a
espuma suja
No espelho do
rio
Enquanto a
vida a sobrepuja
Das
profundezas no corropio.
1163 – Semelhantes
Quem deseja
ser admirado
Dele aos
semelhantes vive ligado,
Dá-lhes
importância, sejam nobres ou reles,
- Não pode
viver sem eles.
1164 – Compreende
Compreende
doutrem o suor
E o lugar.
Compreender
melhor
É melhor
perdoar.
1165 – Rasto
Quando as
pessoas nos deixam,
Atrás deixam,
sidéreo,
Um rasto que
enfeixam
De mistério.
1166 – Lema
Eis o lema
singular
Para deveras
vencer:
Menos cuida
dos bens que podes cumular
E mais do bem
que poderás fazer.
1167 – Circo
A vida é um
circo gratuito
Aqui à mão.
O que tens a
fazer não é muito:
- Apenas
prestar atenção.
1168 – Oxalá
Oxalá talhásseis
Do que é
simples as vossas estradas!
Mas as
consciências fáceis
São também as
mais complicadas.
1169 – Vulnerabilidade
A
vulnerabilidade natural dos imbecis
Torna precária
da autonomia a dispersão:
O rebanho
inquieto reconstituís
Na primeira
ocasião.
1170 – Juventude
Da juventude a
febre é que mantém o mundo
À normal
temperatura
E quando a
juventude arrefece, infecundo,
Bate o resto
do mundo os dentes de friura.
1171 – Imprescindível
Para além do
trabalho e coisas sérias
Imprescindível
é sempre a medida
De semear,
entre as misérias,
Poesia na
vida.
1172 – Dar
Quem dar mais
não puder
Do que recebe
Começa a
apodrecer
E nem percebe.
1173 – Desconcertante
A vida,
Sempre fácil
de contar,
É
desconcertante, em seguida,
De praticar.
1174 – Acorrenta
A propriedade
Acorrenta a
quem se aferra:
- Garante é da
liberdade
Como é garante
da guerra.
1175 – Prática
Vera
religiosidade
Proporcionalmente
é inversa
À qualidade
Da prática
religiosa que versa.