DÉCIMO  PRIMEIRO  TROVÁRIO

 

 

NA QUADRA IRREGULAR TUDO, POR FIM, ME GUIA

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha um número aleatório entre 950 e 1175 inclusive.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                950 – Na quadra irregular tudo, por fim, me guia

 

                                                Na quadra irregular tudo, por fim, me guia,

                                                No verso em contrapé trato do amor, do sonho,

                                                Rimando então a norma onde o saber confia

                                                Com traços dominantes onde o que é se alia

                                                Às mãos que abrem no mundo quanto nele aponho.

 

                                                É neste metro incerto que vou a surpresa

                                                Em cada contracosta dos perfis da vida

                                                Tentando capturar, mantendo à mão a presa

                                                Na gaiola do verso, na palavra haurida.

 

                                                No desencontro a sílaba do metro torto,

                                                Com rima então lograda na surpresa tida,

                                                Imita quanto esquivo ameia ao dia o porto.

 

                                                Nas pedras destes termos resumido vou

                                                A apontar num emblema quanto quero e sou.

 

 


951 – Mito

 

A persistência

Do mito

É que, no fundo, a evidência

É aquilo em que acredito.

 

 

952 – Sempre

 

Para sempre não há Inverno que dure

Nem Primavera cujo entremez

Se nos afigure

Deixar morrer dela a vez.

 

 

953 – Minutos

 

A melhor herança

Dum pai aos filhos vários

É, de seu tempo na abastança,

Dar-lhes alguns minutos diários.

 

 

954 – Honesta

 

Para bem suceder a democracia

O primeiro requisito

É que das gentes a maioria

Seja honesta em seu fito.

 

 

955 – Criatividade

 

A criatividade que buscamos

Não se gasta. Reparemos:

Quanto mais a usamos,

Mais temos.

 

956 -  Malhas

 

Ao sonho endossa-o

Das malhas da vida aparte:

Arte bem raro é negócio,

Negócio raro devém arte.

 

 

957 – Conforto

 

A palavra de conforto com magia,

Quando a contento acontece,

É a mais ancestral terapia

Que o homem conhece.

 

 

958 – Guerra

 

Há guerra quando uma parte

Deseja o que bem lhe apraz

Com força mais e mais arte

Do que a paz.

 

 

959 – Servir

 

Liberdade, liberdade

É de servir a ocasião,

Nunca uma oportunidade

De autopromoção.

 

 

960 – Simples

 

É simples o primeiro passo

Para quanto da vida quer ter:

Apenas o espaço

De decidir o que quer.

 

961 – Térmitas

 

Suposições, não!

As suposições

São

As térmitas das relações.

 

 

962 – Sentimento

 

Ao mundo

Convence-o:

- O sentimento mais profundo

Fala apenas no silêncio.

 

 

963 – Parece

 

Quem nos julgar atraente

Jamais nos parece, doravante,

Completamente

Desagradável nem desinteressante.

 

 

964 – Agrade

 

Agrade ou desagrade,

Com moderação

Mostrar gratidão

É mediocridade.

 

 

965 – Busca

 

Quem busca a sabedoria

É um sábio, desde logo.

Quem crê que a encontrou um dia

É um louco: ateia o fogo!

 

 

966 – Olhos

 

Ao julgar,

Os olhos podem-se iludir com a aparência,

Não o coração: singular,

Sente e compreende a essência.

 

 

967 – Forma

 

A única forma de ter

Amigo algum

É ser

Um.

 

 

968 – Vinte

 

Se tens um minuto

Quando alguém pergunta,

Trata de ser arguto:

Vinte lhe junta.

 

 

969 – Pejado

 

O mundo anda pejado de gente

Que perde a vida a fugir

De algo que, quando nele bem atente,

Não os anda, afinal, a perseguir.

 

 

970 – Tempo

 

O tempo é cozinhado

Numa casa de pasto:

O passado

É o futuro já gasto.

 

 

971 – Dança

 

Há uma evidência

De que ninguém goza:

A experiência

É uma doença não-contagiosa.

 

 

972 – Sismógrafo

 

É um sismógrafo o poeta,

A registar, na aparentre calma

Da caneta,

Terramotos de alma.

 

 

973 – Amor

 

O amor não,

Não mente:

O amor cura o coração

Até mesmo fisicamente.

 

 

974 – Viagem

 

Cada viagem trepa um degrau

Na descoberta do mundo

E por mim dentro salta a vau

Até o abismo mais fundo.

 

 

975 – Saúde

 

De saúde prestar cuidados

A quem nos é querido

É descobrir, por mal de nossos pecados,

Quanto a falibilidade tem sentido.

 

 

976 – Contra

 

Contra quanto te retém

Visas o que jamais se alcança?

- Olha que viver bem

É a melhor vingança…

 

 

977 – História

 

Da história a lição

Tem um problema:

Só lhe deciframos o dilema

Quando batemos com o queixo no chão.

 

 

978 – Casa

 

Nossa casa, muitas vezes,

Não é nossa casa, não.

Nossa casa, para além dos reveses,

É onde estiver nosso coração.

 

 

979 – Verdadeiro

 

O verdadeiro amor

É um diamante.

Não, não é pelo valor,

É por ser transparente e brilhante.

 

 

980 – Suja

 

Nem sempre é do tinteiro

O borrão:

Há mão que suja o dinheiro

Como há dinheiro que suja a mão.

 

 

981 – Tartaruga

 

É tartaruga a justiça,

Tem a perna curta,

Mas viverá, contra o que a enguiça,

Mais que duas vezes o tempo que se lhe furta.

 

 

982 – Fundamento

 

Retém

O fundamento provado:

- Em arte nunca nada fez ninguém

Enquanto não tentou o ilimitado.

 

 

983 – Preciso

 

De vida os regalos

Têm seus termos:

Aos homens é preciso amá-los

Sem, cobrando-o, lho dizermos.

 

 

984 - Dever

 

Dá-lhe os minutos principais,

Não ponderes sequer:

Jamais é cedo demais

Para cumprir o dever.

 

 

985 – Espontaneidade

 

Noutrem o que vir alguém

Não é o igual mas o diferente,

O que lhe permite e mantém

A espontaneidade criadora de agente.

 

 

986 – Apaixonada

 

O amor maior

É o da apaixonada criatura

Para quem do muito amor

É obra a formosura.

 

 

987 – Amadurecidos

 

Quando nos consideramos

De vez amadurecidos, os pontos nos is,

Deveras estamos

Senis.

 

 

988 – Força

 

Tudo é inferior ao desejo

E tudo inatingível se me some.

Tal é a força do que almejo

Que imagina sempre mais que o que consome.

 

 

989 – Degrau

 

Um degrau quando galgo,

De mimo mais discreto e fundo vence-o:

Apenas amando consagramos algo,

Senão era apenas o silêncio.

 

 

990 – Destruída

 

Destruída a viabilidade

Do prazer ou desprazer comum,

Perde a vida a validade,

Já não tem valor nenhum.

 

 

991 – Famoso

 

Ser famoso, de algum modo,

É ser infame às vezes, por junto.

Mas ser obscuro é, de todo,

Ser defunto.

 

 

992 – Rédeas

 

Doutrem adoras, milénio a milénio,

O lado risível,

Puxas as rédeas ao génio,

Retardas-lhe o triunfo o mais possível.

 

 

993 – Arrepende

 

Insiste,

Corrige e aprende:

Nada resiste

A quem se arrepende.

 

 

994 – Poupa

 

A bela mediocridade

Poupa o coração para o convénio

Com os vectores mais desconformes da verdade,

Com os vectores do génio.

 

 

995 – Jogador

 

Não são ganho nem morte

Do jogador os céus,

Mas o milagre de ver Deus

Num número de sorte.

 

 

996 – Desejo

 

A isto me irmano:

O que produz o amor, sobretudo,

Bem como o desejo humano,

É o lado irreal de tudo.

 

 

997 – Debate

 

Quando duvido

Germina a evidência,

Debate esclarecido

É a vitalidade da ciência.

 

 

998 – Fuga

 

No nosso planeta

Não há fuga à tecnologia.

Problema é usá-la, em parte ou completa,

Com sabedoria.

 

 

999 – Entalaram

 

Os danos

Da bondade:

Entalaram Deus em moldes humanos,

Constrangem e limitam a divindade.

 

 

1000 – Luz

 

O tempo não pára,

Incontinente,

E o que passou uma luz acende rara

Ao presente.

 

 

1001 – Melhor

 

Melhor é ocasionalmente

Ser enganado

Que permanentemente

Desconfiado.

 

 

1002 – Velha

 

Por mais velha que a mãe seja

Andará sempre à procura, com tenacidade,

De sinais do progresso que se veja

Nos filhos de meia-idade.

  

 

1003 – Sagrada

 

Para ultrapassar a desordem,

A sagrada lei do templo:

- A melhor forma de dar uma ordem

É dar o exemplo.

 

 

1004 – Rumo

 

Na certeza, luz verde

Para o rumo novo ou velho.

Na dúvida que herde,

O vermelho.

 

 

1005 – Caminho

 

Muitos que pelo caminho errado

Enveredam, mesquinho,

Gritam que o culpado

É o caminho.

 

 

1006 – Sobrepõem-se

 

Bom é que em ti graves

Bem fundo:

- Sobrepõem-se as coisas mais suaves

Às mais duras do mundo.

 

 

1007 – Histórias

 

Duas eventualidades

Dão histórias principais:

O excepcional rodeado de vulgaridades,

O vulgar envolto em eventos excepcionais.

 

 

1008 – Dono

 

De tudo é dono o poder,

Cantam as loas.

Nunca, porém, dono há-de ser

Do coração das pessoas.

 

 

1009 – Sabemos

 

Os termos

Eficazes:

Nunca sabemos quem somos até vermos

Aquilo de que somos capazes.

 

 

1010 – Corpo

 

Nosso corpo é bom escutar,

Como primeira matriz,

Mas não temos de acreditar

Em tudo o que ele nos diz.

 

 

1011 – Difícil

 

Mantém consciente

A grande lei do ser:

- Por vezes o evidente

É o mais difícil de ver.

 

 

1012 – Venera

 

Venera as obras de arte

Uma bacoca boçalidade tão impura

Que horripila: destarte

Degrada o culto em cultura.

 

 

1013 – Condicionam

 

Como nos condicionam os objectos,

Mormente quando consentimos, eufóricos,

Que em seus trajectos,

Se vão inflando de valores simbólicos!

 

 

1014 – Vela

 

Vela bem por teres algum

Bom siso:

Quando não tens juízo nenhum,

És capaz de ter muito juízo.

 

 

1015 – Repente

 

É sempre de repente que acolá

Alguém morre, absorto.

De repente, mesmo quando está

Já quase morto.

 

 

1016 – Medíocres

 

Meu maior orgulho

Provém deste mistério:

Quão maior dos medíocres o entulho

Mais os medíocres se tomam a sério.

 

 

1017 – Chafurda

 

Quem chafurda em todos os lamaçais

Deliberadamente

Do estado não pode queixar-se jamais

Do caminho presente.

 

 

1018 – Entre

 

Entre o que te inclina

E o que te afasta,

A palavra ensina,

O exemplo arrasta.

 

 

1019 – Governar

 

Aquele que o poder detém,

Se governar mais sobre o próprio aleijão

Do que sobre o seu irmão,

Governará bem.

 

 

1020 – Usos

 

Os usos não devem ser amados

Por mor dos lugares de origem.

De origem os lugares é que vigem

Por mor dos usos neles cultivados.

 

 

1021 – Pouco

 

Seremos, seremos isso

Mais um pouco logo adiante:

O homem não é mais do que um caniço,

Mas um caniço pensante.

 

 

1022 – Técnica

 

Da técnica as maiores vitórias

Com as catástrofes maiores

Emparelham, inglórias,

Como vizinhos aterradores.

 

 

1023 – Inefável

 

A quem mergulha no Uno primordial

Inefável é a bem-aventurança,

Indescritível em palavra nem sinal,

Que o coração lhe alcança. 

 

 

1024 – Mãos

 

Mãos vazias, mãos cheias,

Repara bem onde as mãos poisas:

Não tenho grande opinião das ideias,

Prefiro as coisas.

 

 

1025 – Desponta

 

Desponta no povo os arrebóis

Com que a despertar exortas:

Uma pátria sem heróis

É casa que não tem portas.

 

 

1026 – Fígados

 

Requer-lhe fígados de ferro

O favor negar

(Quando o favor for um erro)

A quem os méritos lhe cantar.

 

 

1027 – Estúpida

 

Do artista a mais estúpida tentação

Não é de reger o milénio,

É a convicção

De ser génio.

 

 

1028 – Cavar

 

O emigrante, para cavar o pão,

Tem uma enxada

Na mão

Com um cabo de milhas e milhas de estrada.

 

 

1029 - Êxito

 

O êxito é a punição

Que os deuses têm em vista

Para atirar ao chão

O artista.

 

 

1030 – Sentar-me

 

A felicidade pode advir

De poder sentar-me na esplanada,

Não às horas que a vida permitir,

Mas quando me aprouver lá dar entrada.

 

  

1031 – Privilégio

 

Trata de entender

A verdade singular:

Privilégio não é viver,

Mas amar.

 

 

1032 – Sistema

 

Não ignores a evidência

Que tudo alcança:

Um sistema opõe sempre resistência

A qualquer mudança.

 

 

1033 – Único

 

Único que despreza

A vida fundamental,

O pior pecado mortal

É a tristeza.

 

 

1034 – Peso

 

Toma peso e medida

Em tua mente e coração:

- Que nenhuma palavra seja perdida,

Que teu verbo seja acção!

 

 

1035 – Vexado

 

Sinto-me vexado pelo desdém da vida,

Dramaturgo com a plateia a conversar,

Distraída,

Enquanto a tragédia tem lugar.

 

 

1036 – Orgulho

 

Qualquer orgulho do mundo

Pesa um ror

E quão pouco, quando o fecundo

Dum pouco de amor!

 

 

1037 – Fés

 

Muito te iludes

De mil fés na fantasia!

A maior das virtudes

É a alegria.

 

 

1038 – Ruínas

 

Por ela mesma, a paixão

É menos perigosa

Que pelas ruínas que, no chão,

Acumula quem a desposa.

 

 

1039 – Jovem

 

O jovem é dado

Ser e sonho a misturar:

É quem julga ter criado

O que sonhou criar.

 

 

1040 – Patrióticos

 

Os cantos patrióticos têm por ganhos,

No traço,

Serem de ovelhas para rebanhos

Que balirem a compasso.

 

 

1041 – Mil

 

Mil vezes melhor é ser amado e compreendido

Por pouca gente boa

Que adulado e ouvido

De idiotas por milhões à toa.

 

 

1042 – Génio

 

Medimo-lo, ao génio,

De vida pela potência

Que a arte, imperfeito convénio,

Evocar procura com excelência.

 

 

1043 – Palavra

 

Basta-lhes a palavra “dever”,

Não importa o que a materializaria?

- Andam aquela bandeira a prender

Para encobrir a mercadoria…

 

 

1044 – Vendaval

 

Génios sem defeitos?

Como se o vendaval, ao soprar,

Se preocupara em não desarrumar

A ordem das coisas e preceitos!

 

 

1045 – Gratidão

 

A gratidão, mesmo da gente honesta,

É fruto que deve a tempo se colher.

Se na fruteira o deixar envelhecer,

Não tarda a murchar, a nada presta.

 

 

1046 – Ameaçados

 

Os ameaçados, como o avestruz,

Escondem a cabeça dentro do buraco,

Imaginam que a desgraça, à falta de luz,

Os não descobre no lusco-fusco fraco.

 

 

1047 – Morte

 

Não há qualquer arte

Onde a morte estiver.

Destarte,

Arte é o que faz viver.

 

 

1048 – Íntima

 

A íntima alegria é bela,

Mas um pouco de luz exterior

Também é bom, ao dar-nos na janela

O longe e o calor.

 

 

1049 – Funcionário

 

Bom funcionário é quem tenderia

A admitir a superioridade do talento

Quando à superioridade hierárquica se alia

No evento.

 

 

1050 – Enganar-se

 

Quando por um abrigo

Alguém apele,

Mais vale enganar-se com o amigo

Que ter razão contra ele.

 

 

1051 – Pior

 

O pior inimigo de si mesmo

É o que não combate

A esmo

Os inimigos com que embate.

 

 

1052 – Mentes

 

Por mais que de pensamento cheias

Andem as mentes na trama,

Bem pouco são as ideias

Quando se ama.

 

 

1053 – Vale

 

Todas as ideias se equivalem

No fim de tanto idear

E uma apenas vale entre as que valem:

- A de amar.

 

 

1054 – Fundo

 

Discordo de que os homens concitam

A discordância que remordo:

Uns com os outros gritam

Mas, no fundo, estão todos de acordo.

 

 

1055 – Graça

 

Amar é uma graça que buscamos,

A maior a procurar,

Porque nós não amamos,

- Queremos amar!

 

 

1056 – Lembre

 

É bom que ao génio lembre a humanidade:

- Que há para mim na tua arte?

Se não há nada, se de ti nada me invade,

Parte!

 

 

1057 – Caça

 

O amor é a mais divina das humanas gestas,

Quando é um dom do próprio amante;

É a mais tola, a mais decepcionante,

Quando é uma caça à felicidade que lhe emprestas.

 

 

1058 – Graus

 

O Belo

Tem graus de apelo:

Se é belo sonhar,

Magnífico é realizar.

 

 

1059 – Chão

 

Ninguém é completo,

A felicidade é descobrir os próprios limites,

O chão e o tecto,

E amá-los, abandonando os mais palpites.

 

 

1060 – Melancólico

 

O mundo é um melancólico mal-entendido,

É impossível, todavia, desfazê-lo.

Tudo o que resta é amá-lo, contido,

Ter piedade e sonhar, num apelo, num apelo…

 

 

1061 – Teia

 

Perderam a razão de existir,

Pois já não tinham onde prender a teia de aranha,

E, fraco embora o suporte do real a que se fundir,

O sonho carece dum ou nada ganha.

 

 

1062 – Lei

 

No que é mais credível

Pensa bem, pensa:

A lei não é viver o mais tempo possível,

É viver da maneira mais intensa.

 

 

1063 – Medida

 

Que é a vida? Não o que pautamos

Pela razão fria, dos olhos pelo fulgor:

A vida é o que sonhamos

E dela a medida é o amor.

 

 

1064 – Crueldade

 

É dos homens a crueldade imensa

Duns para com os outros, feroz,

(Não a miséria ou doença)

Aquilo que é o mais atroz.

 

 

1065 – Cuido

 

Cuido ser apenas o expectador

Que vê o vento passar

Mas já me atingiu o vento derredor,

Ei-lo nos remoinhos de poeira a me arrastar.

 

 

1066 – Ilhota

 

É uma ilhota a inteligência

Que as marés humanas corroem,

Desagregam com paciência

E submergem quando mais nos doem.

 

 

1067 – Englobe

 

Que a tua divisa

Englobe todo o matiz,

Toda a gente é precisa

Para um dia feliz.

 

 

1068 – Erros

 

Dos erros o pior

É ter a melhor escada,

Em pleno labor,

Na parede errada.

 

 

1069 – Goze-as

 

Cada dia contém

Muita oportunidade

Para errar de verdade.

- Goze-as também!

 

 

1070 – Coragem

 

A vitória jamais é definitiva,

A derrota jamais é fatal,

A coragem, humilde e esquiva,

É que conta, afinal.

 

 

1071 – Torna

 

O que torna a vida tão especial,

Se bem reparamos,

É poder passá-la, total,

Junto de quem amamos.

 

 

1072 – Errado

 

Estudar para conhecer,

Conhecer para compreender,

Compreender para julgar

E algo errado ao fim mudar.

 

 

1073 – Principia

 

A perplexidade

É o momento

Onde principia de verdade

O conhecimento.

 

 

1074 – Stresse

 

Não é questão de ganância,

Nem questão de eficiência.

O stresse é um estado de ignorância:

Cremos que tudo é uma emergência.

 

 

1075 – Fraude

 

É uma fraude a memória,

Fraude só,

A iludir de glória

O olvido cor de pó.

 

 

1076 – Risco

 

O risco de ser bem sucedido

É a arrogância com que auguro

Que o que no passado se houver empreendido

Irá dar frutos no futuro.

 

 

1077 – Simpático

 

Simpático sê para os estranhos

À tua raia chegados,

Não vão, ao apurar perdas e ganhos,

Serem eles anjos disfarçados.

 

 

1078 – Harmonia

 

Quando deveras me sinto em harmonia,

No fundo

É que em harmonia estou com a desarmonia

Dos outros, de mim e do mundo.

 

 

1079 – Sentido

 

O sentido do mundo depois do fim do mundo

É que o mundo é o sentido de quanto há no mundo.

O sentido de que o mundo é o fim do mundo

Implica, pois, que o fim do mundo é que é mundo.

 

 

1080 – Vocação

 

Pobre da vocação que, para imitar nascida,

Perdida em meio ao atropelo,

Nunca encontrou na vida

O modelo!

 

 

1081 – Ditadura

 

Mesmo quando ela cai aos pedaços,

Numa ditadura ninguém escreve, cifra

E, a escapulir-se de embaraços,

Não lê, decifra.

 

 

1082 – Vive

 

Na realidade da vida, a pessoa perfeita,

É a que, mais tarde ou mais cedo,

Vive a vida afeita

Ao medo.

 

 

1083 – Crimes

 

O que faz a grande história

Não é o herói, nem o sábio nem o santo sequer.

O que fica na memória

São incontáveis crimes a coberto do dever.

 

 

1084 – Bússola

 

É uma bússola o artista

Que, durante a tormenta,

Sempre o norte tem em vista

Que nos orienta.

 

 

1085 – Milagre

 

O milagre mora em toda a parte,

Como o fogo na pedra,

E um choque, dado com arte,

Fá-lo irromper e medra.

 

 

1086 – Repousa

 

A vida repousa na desdita

E ninguém pode viver,

Ante a crueldade infinita,

Sem fazer sofrer.

 

 

1087 – Arte

 

Tal é qualquer arte, afinal,

Como o sol donde provém,

Nem moral nem imoral,

É o que é e vence a noite também.

 

 

1088 – Tratar

 

A vida ensina a não ser exigente,

Ninguém lhe deve pedir demais:

Já é uma grande coisa tratar com boa gente,

Desde que dela nada esperemos jamais.

 

 

1089 – Comum

 

O comum entre dois entes

Que se amam e são muito diferentes

É que, quando juntos não estão,

Mais unidos se encontrarão.

 

 

1090 – Alegria

 

Que maior alegria, entre as vis

Teias, do mundo na trama,

Que tornar feliz

A quem se ama?

 

 

1091- Sorve

 

Sorve o nevoeiro que te trespassa,

Retoma teu destino.

Nada passa para quem não passa,

Eterno peregrino.

 

 

1092 – Estéreis

 

As árvores estéreis ninguém as maltrata,

Apanham pedradas

As que as frondes têm coroadas

Da fruta de oiro que a fome nos mata.

 

 

1093 – Treinaram

 

Mais bem na vida me fizeram

Os inimigos

Que os amigos que tudo me deram,

Pois não me treinaram para os perigos.

 

 

1094 – Seguir

 

Quando não fica para trás a amada,

A eternidade não é demais

Para seguir a jornada

Na companhia que amais.

 

 

1095 – Dois

 

O tempo foge

Entre esperas vãs,

Sempre hoje

Vale por dois amanhãs.

 

 

1096 – Criado

 

Que importa quem cria?

O criado é que é real.

Marrais na capa vazia,

Vós, os que nos quereis mal.

 

 

1097 – Grandeza

 

O homem jamais logra compreender

Devidamente

A grandeza e o poder

Da própria mente.

 

 

1098 – Resolver

 

Filosofar não é apenas ter ideias,

Mesmo fundar uma escola.

É resolver problemas de que as vidas andam cheias,

Nos termos práticos em que qualquer se desenrola.

 

 

1099 - Prova

 

Nada prova que a imperfeição

Seja uma anormalidade real:

A perfeição

É que é anormal.

 

 

1100 – Ferramenta

 

Não é nunca assim tão singelo

O modelo a que prendo meus sossegos:

Se a única ferramenta disponível é um martelo,

Coisas demais começam a parecer pregos…

 

 

1101 – Aliviar

 

Se não aliviar nenhum sofrimento

Vivido,

Do filósofo o argumento

Não faz sentido.

 

 

1102 – Distingue

 

Distingue o que é de ti função

Daquilo que for de fundo o pano:

Estar mergulhado na ondulação

Não é o mesmo que ser o oceano.

 

 

1103 – Ofensa

 

Se te não queixares

Dizendo: “fui ofendido”,

A ofensa que enfrentares

Desaparece no olvido.

 

 

1104 – Tornar-nos

 

Não é aquilo a que se alude

Que dá de que gozo os gozos.

Pouco importa saber o que é virtude,

O que importa é tornar-nos virtuosos.

 

 

1105 – Natureza

 

A natureza é uma estrada,

À partida:

Para ser dominada

Tem de ser obedecida.

 

 

1106 – Vemos

 

Seguem as coisas o próprio padrão,

Não o que nelas nós pomos.

Não as vemos, com efeito, como são,

Mas como somos.

 

 

1107 – Cremos

 

Cremos que a verdade vem

Da confrontação,

Contudo, o efeito que se obtém

É a balbúrdia à roda da questão.

 

 

1108 – Arte

 

Qualquer arte de encontrar

Segura

É a de procurar

Sem andar à procura.

 

 

1109 – Respostas

 

Viver

É a única maneira de respostas vir a achar

E, mesmo assim, ninguém pode ter

A certeza de encontrar.

 

 

1110 – Acaso

 

O acaso arbitra a primeira metade

Dos nossos actos.

Da outra, na totalidade,

Somos nós donos dos factos.

 

 

1111 – Liberdade

 

Muito embora a liberdade tomem

Com frenesi,

Não é livre o homem

Que não mande em si.

 

 

1112 – Tudo

 

No jardim de infância aprendemos talvez

Tudo de que iremos precisar:

- Esperar a nossa vez

E partilhar.

 

 

1113 – Escolha

 

O Bem

É a primeira escolha do que vales.

A segunda, porém,

É aceitar o melhor de dois males.

 

 

1114 – Juro

 

Juro que nunca viverei

Apenas para proveito de alguém

Nem pedirei a ninguém

Que meu proveito só tome por lei.

 

 

1115 – Obediência

 

Quando a obediência à lei se transforma

Em mil e um danos,

É a hora dos desenganos:

- Muda a norma!

 

 

1116 – Liberta

 

Quem se liberta da ideia

De que não há liberdade

É, de verdade,

Um ser livre de mão cheia.

 

 

1117 – Guerra

 

A guerra nada tem de mítica

Nos custos a que orça

E continua a política

Pela força.

 

 

1118 – Paz

 

Quando há paz na família,

Toda a relação comunitária faz,

Apesar da indispensável vigília,

Ficar em paz.

 

 

1119 – Torna-te

 

Acata

A boa sorte:

O que te logo não mata,

Torna-te mais forte.

 

 

1120 – Conforme

 

Não vás querer

Que tudo ocorra conforme teu matiz,

Deixa-o correr como ocorrer

E viverás feliz.

 

 

1121 – Tratamento

 

O melhor tratamento para quem está triste

É aprender algo, descortinar:

Aprender por que razão o mundo existe

E o que é que o faz girar.

 

 

1122 – Trabalho

 

O trabalho afasta-nos, de início,

De três males que a história reza:

Tédio, vício

E pobreza.

 

 

1123 – Livre

 

Livre é o homem nado

E aprisionado o vemos

Por todo o lado:

- Perdemos?…

 

 

1124 – Suspires

 

Não suspires pelo passado nem pelo futuro,

Nem pelo que entre passado e futuro estiver:

- Salta, seguro,

Para a outra margem que por trás houver.

 

 

1125 – Mando

 

O mando maior

Vem de como o impeles:

De homens o melhor utilizador

Mantém-se abaixo deles.

 

 

1126 – Permanente

 

O tempo não é mais que o rio

Permanente a perpassar,

Sempre a fazer-me o desafio

De ir pescar.

 

 

1127 – Novo

 

O novo é a porta aberta

Para outro mundo que houver.

A descoberta

Faz parte da alegria de viver.

 

 

1128 – Muitos

 

Há muitos tons,

Há muitos jeitos:

Para sermos bons

Não precisamos de ser perfeitos.

 

 

1129 – Projecto

 

O que traça

Um projecto de vida bem sucedido

É preencher cada minuto que passa

Com sessenta segundos de caminho percorrido.

 

 

1130 – Reis

 

Os reis martelam os cravos

Da memória:

Não mandam, são escravos

Da História.

 

 

1131 – Morte

 

Não é com a morte que lida

O idoso, como qualquer um:

Apenas liga à vida,

A mais objecto nenhum.

 

 

1132 – Questão

 

A morte, irremediável,

É de tempo questão, num qualquer dia.

Ora, o que é inevitável

Não deve lamentar-se em demasia.

 

 

1133 – Vazio

 

Um vazio singular

É o que o luto sente:

O luto é por nós mesmos, em primeiro lugar

E principalmente.

 

 

1134 – Cumprimos

 

Cumprimos com algum valor

Quando deixamos

O mundo um pouco melhor

Do que o encontrámos.

 

 

1135 – Ultrapassar

 

O sofrimento é um cadinho

Se o logras ultrapassar sem remorso.

Os sábios só te podem indicar o caminho,

Tu próprio é que tens de fazer o esforço.

 

 

1136 – Pesam

 

Os mortos pesam, acredito,

Menos pela ausência que nos deixa sós

Que por aquilo que entre eles e nós

Jamais foi dito.

 

 

1137 – Alvo

 

A vida não é uma corrida

Mas ao alvo um tiro:

Conta, não de poupar tempo a medida,

Mas um centro a que me refiro.

 

 

1138 – Foguetes

 

Quando reparo em tantas vidas que à vida acodem

E que tão poucas trepam em luz a explodirem

Lamento tantos foguetes que implodem

Em vez de subirem.

 

 

1139 – Erros

 

Erros são nossa sina intrometida.

Partir sem os ter entendido

É que inutiliza o sentido

Duma vida.

 

 

1140 – Sabemos

 

Todos sabemos que iremos morrer,

Queiramo-lo ou não,

Mas uma coisa é com a mente o saber,

Outra com o coração.

 

 

1141 – Ornamentação

 

Numa casa o que configura

A ornamentação dela

É o mesmo que a assinatura

Numa tela.

 

 

1142 – Errar

 

Errar não é surpresa

Em humanos vales, picos nem cerros.

Ciência não é culto da certeza,

Mas dos erros.

 

 

1143 – Alfinete

 

Uma pessoa,

Alfinete que é má peça,

De pouco serve quando, à toa,

Perde a cabeça.

 

 

1144 – Neurónios

 

Pelo número de neurónios não acertas:

Importa é que apeles

Às combinações certas

Entre eles.

 

 

1145 – Difícil

 

Não é que não nos atrevamos

Ao que difícil for.

É por não nos atrevermos que tornamos

Difíceis desafios de qualquer teor.

 

 

1146 – Preza

 

Aquilo que o homem preza,

A todo o momento,

Não é o conhecimento,

É a certeza.

 

 

1147 – Preciso

 

A um homem qualquer

Podemos avaliá-lo

Pelo que é preciso fazer

Para desencorajá-lo.

 

 

1148 – Conta

 

Dum homem a medida-

-Padrão

É o que mais conta na vida:

- A intenção.

 

 

1149 – Setembro

 

Setembro dá o melhor de si

Na estação

Para nos fazer esquecer logo ali

O Verão.

  

 

1150 – Cede

 

Quando alguém cede ao medo

De fazer má figura, de repente,

Qualquer oportunidade perde cedo

De agir heroicamente.

 

 

1151 – Dinheiro

 

Dinheiro para aqui, dinheiro para acolá,

E o dinheiro faz que tudo se atropele.

Ora, a felicidade que o dinheiro dá

É só a de não termos de nos preocupar com ele.

 

 

1152 – Amigos

 

Amigos são jardim em teu redor,

A brisa a perfumar,

E um amigo carenciado é uma flor

À espera de desabrochar.

 

 

1153 – Imo

 

Pende ao ganho fácil o sentimento

E a meia perfeição o persuade.

Ao invés, a insaciabilidade

É o imo do talento.

 

 

1154 – Beleza

 

Porque o belo inaugura uma outra era,

Dum mundo novo fermento,

A beleza gera

Constrangimento.

 

 

1155 – Palavra

 

Crês vê-lo

Quando na palavra o perfilo.

Ora, a palavra apenas pode enaltecer o Belo,

Não logra reproduzi-lo.

 

 

1156 – Fora

 

Quem está fora de si

Nada pode mais detestar,

No frenesi,

Do que a si voltar.

  

 

1157 – Simultaneamente

 

A humana sina

Não é de todo inatingível:

A beleza é divina

E simultaneamente visível.

 

 

1158 – Miséria

 

A identidade

Não é o derradeiro esquema:

Os corpos diluem a idade

Quando na miséria extrema.

 

 

1159 – Molda

 

É irrefragável

O fado que nos molda singular:

Não interpretar é tão inviável

Como é inviável impedir-me de pensar.

 

 

1160 – Ínfimo

 

Cremos ter sorte, ante o destino fero,

Quando um ínfimo evento qualquer

Nos retém à beira do desespero

E nos permite viver.

 

 

1161 – Entre

 

Quando entre vítima e culpado

A diferença ninguém alcança

É o inferno desolado

E morreu toda a esperança.

 

 

1162 – Política

 

A política é a espuma suja

No espelho do rio

Enquanto a vida a sobrepuja

Das profundezas no corropio.

 

 

1163 – Semelhantes

 

Quem deseja ser admirado

Dele aos semelhantes vive ligado,

Dá-lhes importância, sejam nobres ou reles,

- Não pode viver sem eles.

  

 

1164 – Compreende

 

Compreende doutrem o suor

E o lugar.

Compreender melhor

É melhor perdoar.

 

 

1165 – Rasto

 

Quando as pessoas nos deixam,

Atrás deixam, sidéreo,

Um rasto que enfeixam

De mistério.

 

 

1166 – Lema

 

Eis o lema singular

Para deveras vencer:

Menos cuida dos bens que podes cumular

E mais do bem que poderás fazer.

 

 

1167 – Circo

 

A vida é um circo gratuito

Aqui à mão.

O que tens a fazer não é muito:

- Apenas prestar atenção.

 

 

1168 – Oxalá

 

Oxalá talhásseis

Do que é simples as vossas estradas!

Mas as consciências fáceis

São também as mais complicadas.

 

 

1169 – Vulnerabilidade

 

A vulnerabilidade natural dos imbecis

Torna precária da autonomia a dispersão:

O rebanho inquieto reconstituís

Na primeira ocasião.

 

 

1170 – Juventude

 

Da juventude a febre é que mantém o mundo

À normal temperatura

E quando a juventude arrefece, infecundo,

Bate o resto do mundo os dentes de friura.

 

 

1171 – Imprescindível

 

Para além do trabalho e coisas sérias

Imprescindível é sempre a medida

De semear, entre as misérias,

Poesia na vida.

 

 

1172 – Dar

 

Quem dar mais não puder

Do que recebe

Começa a apodrecer

E nem percebe.

 

 

1173 – Desconcertante

 

A vida,

Sempre fácil de contar,

É desconcertante, em seguida,

De praticar.

 

 

1174 – Acorrenta

 

A propriedade

Acorrenta a quem se aferra:

- Garante é da liberdade

Como é garante da guerra.

 

 

1175 – Prática

 

Vera religiosidade

Proporcionalmente é inversa

À qualidade

Da prática religiosa que versa.