DÉCIMO QUARTO TROVÁRIO
DE MIL FORMAS RIREI VIDAS DE GRAÇA CHEIAS
Escolha um número aleatório entre 1454 e 1543 inclusive.
Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu
dia de hoje.
1454 - De mil formas rirei vidas
de graça cheias
De mil formas rirei vidas de graça cheias
E num qualquer modelo de poema irónico
Vou contar humorístico de rir as teias
Ou zurzir com sarcasmo estas verdades meias
Que a mentira mais são e com acento tónico.
Que a rir é que os costumes castigar se podem
Com aquela eficácia de jogar na lama
As pretensões balofas que ao correr acodem
Do dia em pedestais que um oco dentro trama.
Cultivo então saúde neste verso alegre,
No que ri, no que é rido, ao atear a chama
Que há-de queimar na festa a lenha má que integre.
No final, divertidos, congraçamos já
Os ramos da fruteira que Amanhã trará.
1455
– Generoso
Do generoso
mar não te queixes,
Vives dele no
que adoras:
No Inverno, há
peixes:
No Verão,
nadadoras!…
1456
– Riqueza
Da riqueza os
implementos
Felicidades
não tornam viáveis,
Apenas permitem
escolher os aborrecimentos
Mais
agradáveis.
1457
– Ético
O sentido
ético nada
Põe tanto à
prova
Como quando,
antes da nova,
Vendo uma
viatura usada.
1458
– Serão
São, em
Espanha, espanhóis.
Serão, na
Rússia, rissóis?
Na Suécia são
suecos.
E em Marrocos,
são marrecos?
Em Marrocos,
marroquinos.
Serão, na
Suíça, suínos?
1459
– Ramo
Leva a
rapariga o noivo
Para
apresentá-lo aos pais,
Ramo de rosa e
de goivo
De sonhos com
mil sinais.
“Então quais são
os projectos?”
- Pergunta o
pai ao rapaz.
“Da Teologia
os conceitos
Estudo no que
Deus faz.”
“E como
providencia
A casa para
viverem?”
“Estudo e
Deus, dia a dia,
Vela pelos que
se querem.”
“E com os
filhos depois?”
“Deus vai
velar por nós dois.”
Pergunta a mãe
ao marido,
Já os pombos
voam nos céus:
“Que tal
correu? É um querido?”
“Dinheiros que
sejam seus
Não os tem nem
tem emprego.
Por mal dos
pecados meus,
Para meu
desassossego,
- Parece crer
que eu sou Deus!”
1460
– Visita
Durante a visita
a Cuba
Perde o Papa o
solidéu,
Um pé de vento
o derruba,
Tomba do mar
no escarcéu.
Fidel Castro o
recupera
Caminhando
sobre as águas.
A cubana
imprensa lera:
“Nas
espirituais fráguas
O Papa
descobre Castro
Sucessor de
Jesus Cristo.”
No Vaticano
outro é o astro:
“Ao Papa o
poder benquisto
De Deus Pai
lhe recupera
O perdido
solidéu.”
Em Miami
prepondera
A lição de
quem perdeu
A pátria, a
família, o lar:
“Fidel nem
sabe nadar!”
1461
– Cão
O cão é
sincero,
Portanto
gostamos dele.
Digo-lhe a
idiotice que quero
E ele fita-me
com aquele
Olhar que quer
dizer:
“Tens razão!
Quem o diria?!
Não querem lá
ver!
Nunca de tal
me lembraria!”
1462
– Gato
Quando algo em
ti andar morto,
Ouve do miado
o apelo aflito:
O gato é
perito
Em conforto.
1463
– Momento
O momento
exacto
Em que os
donos acordar irão
Sabe por
instinto o gato.
Dez minutos
antes acorda-os então!
1464
– Dezoito
Dezoito meses
a tentar
Que os filhos
andem de pé e falem.
Dezoito anos
depois a tentar
Que se sentem
e calem,
Para que oiçam
Enquanto pela
vida retoiçam.
1465
– Suja
Só o
verdadeiro amigo
Discreto
repara
E te avisa ao
ouvido
Que tens suja
a cara.
1466
– Ninguém
Ninguém vive
para ser feliz,
Uma angústia
para suportar,
Com o destino
para medir forças de raiz,
- Vivem na
estatística para entrar!
É o que
cuidam, pelo menos,
Mil políticos
pequenos.
1467 – Electrónico
Correio
electrónico é a casa chegar
À noite, após
um longo dia,
E com setenta
pessoas deparar
Na cozinha
aguardando estadia.
1468
– Bodas
Nas bodas de
oiro perguntam ao casal
O segredo de
tanto persistir:
- Quando
casámos, bem ou mal,
Ignorávamos
que podíamos desistir.
1469
– Podre
Por que é que
podre e poder
Com iguais letras
se escrevem?
- O português
quer dizer
O que os
demais nem se atrevem!
1470
– Descanso
Lá fui de novo
ao engano:
O que os galos
querem é poleiro!
…E eu que só
descanso, atrás do pano,
Quando a todos
os escaqueiro.
1471
– Acendem
Há mulheres
que os arrebóis
Acendem em
cada abrigo.
Têm decerto
rouxinóis
No umbigo…
1472
– País
Por um triz
Não é, não
está:
- Este país é
um país
Como só há cá!
1473
– Recanto
No País não
tens
Recanto
despoluído de politicães
E são cada dia
mais escassos
Os não
demarcados por tecnocrassos.
Até a natureza
em bruto,
Povoada de
bestas,
É de quejandas
gentes destas
Um produto.
1474
– Crítica
Crítica que se
obstina em rebaixar
Grandes
homens, grandes pensamentos,
Rapariga que
se diverte em aviltar
Amantes,
aniquilando sentimentos,
Tudo são
animais
Malfazejos e
iguais.
Ocorre, porém,
na prática,
Que a segunda
é mais simpática.
1475
– Jovem
Jovem
milionário
Anarquista
Nega a
sociedade, perdulário,
Supremo luxo
em vista
Quando se tem
tudo.
Modo de se
livrar do que deve a ela,
É o ladrão
sortudo
Que, após
roubar o transeunte,
Sacode o pó da
farpela
E lhe
pergunte,
Refece:
“Que fazes
ainda aqui?
Desaparece,
Já não preciso
de ti!”
1476
– Fanático
O fanático
reproduz
Vieira da
Silva com tal rigor
Que até as
manchas de bolor
Com que o
tempo ao quadro tolda a luz
Transpõe,
veneradas,
Que, na obra
sagrada surgidas, devêm sagradas.
Pátina e
decrepitude
Para o
fanático fazem parte
Da virtude
Da obra de
arte.
Como de tudo o
mais
Onde infecta
tremedais.
1477
– Nada
Nada mais
internacional
Se há-de
Encontrar,
afinal,
Que a
mediocridade!
1478
– Livre
Espírito mais
livre não há
Que o que não
conhece o assunto
De que aqui
fala ou acolá:
Em qualquer
lugar onde poisa,
É-lhe
indiferente, por junto,
Contar uma ou
outra coisa:
Por cima do
tremedal
Qualquer fedor
se equivale.
1479
– Saber
Para saber o
que pensa
Tem de saber o
que pensa o vizinho
Na candura
dele imensa,
A fim de pensar,
comezinho
E sumário,
Ou o mesmo que
ele,
Ou o
contrário.
- E do génio
crê que veste a pele!
1480
– Perigoso
“Ele é
perigoso, confesso,
Instila
veneno,
Mas de
talento, que excesso!”
Como se o
juiz, no tribunal pleno,
Declarara do
bandido:
“É um
assassino cruento
Mas, tudo
medido,
Revela tanto
talento!”
1481
– Rigor
A burguesia
Para todo o
rigor da lei
De bom grado
apelaria
Contra quem
disser,
Fugindo ao
padrão da grei,
Este escândalo
alvar:
“Não há
desgraça que compare
À de convosco
viver!”
1482
– Bastante
Bastante há
sempre quem fale…
Então, que
felicidade
Quando, até
contra vontade,
Alguém houver
que se cale!
Como então
falará bem:
Por fim diz o
que convém!
1483
– Pobres
Os pobres são sempre
os mais generosos
E compram os
livros na praça.
Os outros
julgam-se desonrados se, gananciosos,
Os não logram
obter de graça.
1484
– Séculos
Séculos
educados
A por vós
mesmos não fazerdes nada,
Eis-vos de
boca aberta, aparvalhados,
À espera do
milagre da jornada.
E há um
milagre na via
Do porvir:
- Seria
Decidirdes
agir!
1485
– Jornalista
Responder ao
jornalista que me contradiz
É desperdiçar
tinta na lavra:
Sempre um
jornalista diz
A última
palavra.
1486
– Génio
Quando todos
se convencem
Dum génio no
meio deles,
O costume é
que comecem
A abafá-lo a
coberto de mil peles.
O vulgo apenas
tem uma ideia:
Ao ver uma
flor, colhê-la do ramo,
Ao ver um
pássaro, prendê-lo na teia,
Ao ver um
homem livre, dar-lhe um amo,
- Perante um
aio,
Torná-lo
lacaio.
1487
– Estúpido
É muito
estúpido o mundo:
Fazendo
sofrer, sofremos
E, quando em
auxílio fecundo
De alguém ir
pretendemos,
Este então de
nós suspeita:
Só pode ser
por engano!
Tudo sofre tal
maleita,
Este mundo não
é humano!
1488
– Doses
O público ao
génio não suporta
Senão em doses
infinitesimais,
Raspado,
Limado,
Depilado,
Untado
Com os óleos
que se vendem à porta,
Habituais.
Um génio da
moda
É de rebentar
de riso!
Mas é o siso
Da humanidade
toda.
1489– Espermatozóides
Espermatozóides
aos milhões
E apenas um a
fertilizar!
São
masculinos, os maganões:
Negam-se o
caminho a perguntar…
1490
– Pagam-se
Neste mundo
tonto,
Há mais
automóveis que peões!
- Sapatos
pagam-se a pronto,
Automóveis, a
prestações…
1491
– Trepa
Vendendo a
vida a pataco
Quão mais se
ela leva a cabo,
Quanto mais
trepa o macaco,
Melhor se lhe
vê o rabo.
1492
– Prefiro
Riso e
lágrimas, responde
Cada qual à
frustração.
Prefiro o
riso, que é donde
Não há que limpar
no chão.
1493
– Companhia
Quem consigo
se aborrece,
Consigo traz a
medida:
É sempre (e
nunca se esquece)
Companhia
aborrecida.
1494
– Erros
Os próprios
erros um médico pode enterrar,
Um arquitecto,
não. Como o pudera?
Pode, quando muito,
aconselhar
O cliente a
plantar hera…
1495
– Tese
O geógrafo
está de acordo
Com o bêbado
que delira
Na tese que
recordo:
- A Terra
gira!
1496
– Criança
Começo-me a
aperceber
De que a
criança está a crescer,
Em meio
A quanto, lento,
se esvai,
Quando pára de
perguntar donde veio
E começa a não
querer dizer para onde vai…
1497
– Pontapés
Se de nossos
problemas o responsável pela maioria
Pudéramos a
pontapés correr,
A vida
passaria
Sem
sentarmo-nos poder.
1498
– Fundo
Quando tocas o
fundo da desilusão,
Do outro lado
repara nos respingos:
- Melhores
dias virão,
Chamam-lhes
sábados e domingos.
1499
– Relator
Como a carne
persuade
O cão,
A
singularidade
Atrai o
relator de ocasião.
1500
– Cama
Toda esta
pobre gente
Em vão berra,
ameaça tudo exterminar.
Só têm uma
ideia em mente:
O rico
expulsar
Para,
finalmente,
Poderem
descansadamente
Ir-se deitar
Dele na cama
ainda quente.
É sempre vão,
sempre vão
O desvio para
a contra-mão.
1501
– Barrigas
Ninguém
acredita na imortalidade,
Por mais que
dela converse.
São apenas
barrigas de voracidade,
Só cuidam de
encher-se.
1502
– Teórico
O teórico,
como o meteorologista,
Não diz,
científico, o tempo que fará,
Mas antes o
que na lista
De momento
está,
São ambos o
cata-vento
A indicar de
que lado sopra o vento.
Quando giram
não estão longe, porém,
De acreditar
Que eles é que
farão também
O vento mudar.
1503
– Nunca
Quando alguém
nos vem dizer
Que nos
compreende,
Então entende:
- É porque
nunca nos há-de compreender!
1504
– Perdoam
Os jovens não
perdoam aos mais velhos
O facto de os
obrigarem a ver,
No trôpego dos
artelhos,
O que dentro
de alguns anos irão ser.
1505
– Desperta
Na mais
honesta mulher,
Na mais sã,
Desperta
sempre, num momento qualquer,
A cortesã.
1506
– Lei
É a lei: os
jovens atiram
Os velhos para
a sepultura.
Outrora
aguardavam que os decénios insiram
Em alguém de
velho a gravura.
Hoje, porém,
tudo começa
A andar muito
depressa:
Não tarda, um
recém-nado
É já um velho
fanado
Ante a nova
geração
Ainda em
fabricação!
1507
– Fatalista
O fatalista é
sempre quem se ilude,
A verdade nua
a crua
É que a teoria
dele é que perde:
Sempre que ele
atravessa a rua
Espera que o
semáforo mude
Para verde.
1508
– Avós
Ninguém órfão
é nem viúvo dos avós.
Duma forma
natural
Abandonam-nos
sós
Pelo caminho,
Como, por
distracção ocasional,
Enquanto
descalças as luvas,
Ficam
esquecidos, arrumados num cantinho,
Os
guarda-chuvas.
1509
– Lágrimas
As lágrimas
que não saem
Depositam-se
no coração.
Com o tempo,
como não caem,
Vão formando
crosta e paralisá-lo-ão
Como o
calcário se encrosta e vai parar
As engrenagens
da máquina de lavar.
E vamos para o
lixo
Como a máquina,
por tal capricho.
1510
– Hábito
Mau hábito do
homem moderno
É a leitura do
jornal diário.
Ergo-me do
canto onde hiberno
Com o espírito
aberto e perdulário
E logo me
despejam em cima o mal maior
Que o mundo
produziu no dia anterior.
Na antiga
geração,
Não ler
jornais era a salvação.
Hoje em dia,
A rádio, a
televisão,
O computador,
Mal se lhes
carregue num botão,
Sobre nós de
imediato cachoarão
Tudo o que no
mundo houver ou haveria
De pior.
Haveria, digo
bem:
Já lhes não
basta o mal
Real,
A maior parte
dele provém
Doravante da
fantasia!
1511
– Pago
Pago em
cheque, ordem bancária,
Electrónica
transferência,
De crédito ou
débito cartão,
Multibanco
porta-moedas…
Que confusão
Mais
perdulária!
Urge que a uma
nova ciência
A todo o momento
Procedas,
Pioneiro:
- Inventar o
pagamento
Em dinheiro!
1512
– Saltitam
Saltitam as
crianças,
Raiozinhos de
sol.
Mil razões
nelas alcanças
Para tudo o
que bole,
Mormente
quando a hora reclama
Ir para a
cama.
Dormir?! Mas
que falta de juízo!
Está na altura
de dar pulos,
De ter ataques
de riso,
Correr à casa
de banho,
Deixando os
pais
Fulos
Demais,
Na gaveta ver
se apanho
Umas roupas de
mudar,
E o
frigorífico, ali,
Será que ainda
está no lugar?…
Qual dormir!
Iupiiii!
- O raiozinho
de sol,
Tão pequeno e
quanto bole!
1513 – Charneira
Algo
diferencia,
À primeira
vista,
Democracia
E democracia
socialista.
A charneira
Não é métrica:
É o que
diferencia uma cadeira
Duma cadeira
eléctrica.
1514
–
Caso-limite
Nada impede que
o adorável
Em caso-limite
morda:
A forca é o
mais desagradável
Instrumento de
corda!
1515
– Presunção
Cheio de
presunção e vanglória,
Aos dezoito
anos sabia tudo de enfiada.
Como é que aos
sessenta não sei nada?
- Deve ser
falta de memória…
1516
– Pensar
Pensar é o que
cuido andar
A fazer,
quando, pelos jeitos,
Ando apenas a
reorganizar
Meus
preconceitos.
1517
– Nó
Usar gravata:
Começar a
transpor do dia o fosso
Atando, por
bravata,
Um nó à volta
do pescoço.
1518
– Imitar
As crianças
tendem a imitar os pais,
Dos
professores pesem embora as canseiras
Para lhes
ensinarem reais
Boas maneiras.
1519 – Mortais
É o Homem
sempre o bicho
Que engendra
mortais impérios:
Hoje são as
praias caixotes de lixo
De
continentes-cemitérios.
1520
– Tornou
Quando a tua
porcaria
Se tronou tua
vaidade,
Então tua
vaidade,
Que porcaria!
1521
– Milagre
De Santo
Isidro o milagre, o fastígio
Mais
fascinante é o quimérico
Invento da
sesta, prodígio
Do génio
ibérico.
1522
– Debatem
Debatem na
televisão
O médico gago
E o
bem-falante charlatão.
Ora, o falso
mago
Tem o condão
De a medicina
transmudar numa treta.
Então,
Para a muda
ser completa,
No dia
seguinte,
Toda a gente,
como por acinte,
A farmácia
troca mais o hospital
Por rezas e
charlatanices na cura do mal.
E
proclamamo-nos racionais…
Animais!
1523
– Operários
“Onde diabo
emprega os operários velhos?”
- Pergunta o
jornalista ingénuo, porém sério.
“Vamos dar uma
volta por escusos quelhos
E então visitaremos
nosso cemitério!”
1524
– Tempo
Quando o tempo
cremos puro
E, portanto,
inamovível,
O homem tem
coração duro
E a tripa
muito sensível.
1525
– Vias
Tolerar a
prostituição,
Deificar as
prostitutas:
Duas vias no
mesmo chão
Onde se
eternizam as lutas.
Mediterrânica
canalha,
Entre quem a
venda do gado
Devidamente
perfumado
Não foi nunca,
não, quando calha,
Antes, ao
invés, por sinal,
Foi sempre
indústria nacional!
Falam depois
de liberdade…
- E não é que
a tantos persuade?!
1526
– Salvar
“Vamos salvar
o país,
Decerto é o
que mais convém!”
- Mas se
salvar-vos também
Vós, porém,
não conseguis…
1527
– Doce
É doce poder
chorar
Doutrem pela
dor na pele.
- Menos
infeliz provar
Vou que afinal
sou do que ele!
1528
– Vale
Arte vale
quanto vende,
Não vale por
qualidade:
Nulidade que
bem rende
Não é nunca
nulidade…
1529
– Subsistem
Arte,
literatura, religião
Subsistem pelo
fogo dos candentes
Que delas são
gratuitos, fiéis crentes,
- E dos que as
mercadejam em leilão.
1530
– Doutor
Porque um
doutor é um burro carregado
De livros, os
mentores das crianças
Carregam-lhes
então, por todo o lado,
Quilos de
livros, de doutor fianças!
Queixamo-nos
depois do País frouxo.
Mas que esperar
de tanto doutor coxo?
1531
– Portas
Que os bois as
leivas te lavrem
Antes que a
vida te emburre!
Há duas
palavras que abrem
Muitas portas:
“puxe” e “empurre”.
1532
– Pessimista
De ser
pessimista o bom
É confirmar-me
constante
Que eu estou
certo ou que então
Tenho a
surpresa adiante.
1533
– Perito
Se eu for
perito, destoo
Dos que ao bom
senso comprazem:
“Eu não
barbeio, ensaboo,
Ao lado é que
a barba fazem.”
1534
– Paciente
À paciente que
inferniza,
Crendo sofrer
toda a ofensa:
- Que saúde
lhe é precisa
Para aguentar
tanta doença!
1535
– Antes
Antes de minha
mulher
Quero morrer,
que a não quero
Antes de mim
por lá ver
A contar-lhes
o que espero…
1536
– Muitos
Se quer muitos
a ajudá-lo
E não por motivo
reles,
Não repique no
badalo,
Tente não
precisar deles.
1537
– Douto
Como é grande
a autoridade
Dum douto de
profissão
Quando
demonstra a verdade
Aos que
convictos já estão!
1538
– Asno
O rico escolhe
parceiro
Às alturas que
entender:
Carregado de
dinheiro
Um asno trepa
onde quer.
1539
– Cadeira
Se na cadeira
estiver
Um gatarrão
invisível,
Parece
desocupada.
Ora, como
podem ver,
Desocupada, é
visível,
Eis a cadeira
falada.
E
portanto, em conclusão,
Está lá o tal gatarrão.
De alguma
análise a avença
É paga com tal
sentença.
Todos somos
uns doentes
De abismos
inconscientes
Tão na mentira
escondidos
Que ninguém vê
tais bandidos:
Eis, pois, a
prova acabada
De a peste nos
ser pegada,
Fazemos parte
da lista…
- Só escapa,
claro, o analista!
1540
– Raiva
Há uma raiva
indescritível
Quando a gente
rica, avara,
Perde, acaso,
um consumível
Que tinha mas
nunca usara.
1541
– Redes
Ante tantas
redes vis
Pouco tenho a
que me arrime.
Portugal não é
um país,
Mais parece
antes um crime.
1542
– Rei
“Para onde
vão? Não sei…
Como seu chefe
e senhor
Devo
chefiá-los, rei,
Seja lá para
onde for!…”
1543
– Sarilho
Meus pais, ó
Deus, abençoa
E contigo tem
cuidado,
Que, se Te
ocorre algo à toa,
É um sarilho
deste lado!
1544
– Madames
Compreendo por
que motivo
Algumas
madames finas
Têm de arejar
do arquivo
O sapato de
tom vivo,
As sedas mais
peregrinas…
Não logro
compreender
É porque terão
de usar
Prepotências
de poder
Para a tão
pouco chegar.
De valor a
hierarquia,
Com a cegueira
de ter,
Mudou-se-lhes
em mania?
- Dum capricho
a sinecura
Justifica a
ditadura?