SÉTIMO  VERSO

 

 

EM  NOME  DAS  LONJURAS  NÓS  VIEMOS

 

 

 

Escolha um número aleatório entre 610 e 700 inclusive.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

610 – Em nome das lonjuras nós viemos

 

Em nome das lonjuras nós viemos,

Arrostando com ventos e marés,

Tentando equilibrar nos próprios pés

As serranias das brumas que mal vemos.

 

Apostámos nas crenças e nas fés:

Nos gestos e atitudes nós erguemos

Em cada passo a vida a quem amemos,

À espera que dê certo este talvez.

 

Sabemos que a lonjura ao nosso grito

Esboroa na amplidão dum infinito

Que teima em negacear sem se dar nunca.

 

Mas a esperança aposta nas primícias

Por onde antegozamos as delícias

Do termo do caminho que ela junca.

 

 

611 – Avatar

 

Agarra-te bem ao sonho

Porque, quando se evolar,

Devém a vida o medonho

De asa quebrada avatar

Das aves, onde me exponho

A incapaz ser de voar.

 

 

612 – Artes

 

Tal como o pão, como o vinho,

De prima necessidade

São as artes que adivinho,

Dão mais do que linimentos:

O imo come-as com vontade

Como o estômago, alimentos.

 

 

613 – Leitura

 

A leitura dá prazer,

Prazer de qualquer idade,

É também necessidade

E disciplina de ser.

 

Nem todos podem valer,

Os livros, o que vale um.

Porém, um livro qualquer

É melhor do que nenhum.

 

E por quê? Porque a leitura

Abre o apetite de mais.

De cordel literatura

Se é o sendeiro que trilhais,

 

 

 

Conduzirá, tarde ou cedo,

A uma leitura mais nobre,

É a rampa de perder medo

À medida que o chão cobre.

 

Ninguém descobre a receita

De lhe abrir o apetite.

Se ao pronto-a-comer é atreita,

Logo a fome quer desquite,

 

Passa a gosto de gastrónomo:

Das obras no mapa vário

Escolherá rumo autónomo

- E nunca ocorre o contrário.

 

 

614 – Contabilistas

 

Tornam-se contabilistas

De presentes, pelas festas,

As pessoas e nas listas

Aprestam-se a escolher, lestas,

 

Dispêndios concomitantes

Aos do que lhes querem dar:

Os presentes importantes

São os do custo a pagar.

 

Assim, presente é presente

E jamais um testemunho

De quão profundo se sente,

Do amor doutrem qual o cunho.

 

O que é importante é a mensagem

De amor inscrita por trás

Do presente e não a imagem

Nem o preço que ele traz.

 

 

615 – Prato

 

Um prato de rabanadas,

Um odor a leite-creme

Recordam velhas estradas

Dum tempo mágico estreme.

 

Mesmo num quarto vazio,

Se o ar fica deles cheio,

É o Natal: vede, senti-o,

É o Natal que por fim veio!

 

 

616 – Ouvir

 

O que é mais fundamental

Num tipo de relação,

Qualquer que seja, afinal,

Ouvir é com atenção.

 

 

E, num negócio qualquer,

Competitivo ambiente,

Prevalece quem souber

Ouvir, tornar-se presente.

 

Ouvir cuidadosamente

Descobre o desconhecido,

Revela a tendência ausente,

Cria o novo inatendido.

 

Depois, audição atenta

É o que ajuda a construir

A relação que surgir

No labor que se implementa.

 

 

617 – Já

 

Quando atingimos um ponto

Crendo que já conseguimos,

Entramos logo em desconto,

Perdemos o que atingimos.

 

Temos de ter sempre em mente

O que é viável a mais,

P’ra que alcançá-lo se tente:

- Ter alma é querer demais.

 

 

618 – Instruído

 

Se músico devieres,

Poderão quebrar-te os dedos,

Se atleta um dia te queres,

Quebram-te os joelhos os medos…

 

Mas, se fores instruído,

O que houveres na cabeça

Dura para além do olvido,

- Faz que a vida não te esqueça.

 

 

619 – Nunca

 

Se a porta não se te abrir,

Salta lá pela janela.

Se, trancada, de ti rir,

Tenta da cave a tramela.

 

Se estiver fechada à chave,

Trepa então pelo telhado,

Que a chaminé não te entrave…

Há sempre aqueloutro lado

 

Para tudo em quanto invistas

- Desde que nunca desistas!

 

 

 

 

620 – Mais

 

Quanto mais a gente lê,

Mais esperto então se fica.

Quanto mais esperto se é,

Mais à escola se dedica.

 

Quanto mais escola houver,

Maior vitória se ganha.

Se mais vitórias tiver,

Mais notas seu filho apanha.

 

Por isso, ao habituar

Quaisquer crianças a ler,

Abro-lhes de par em par

O porvir que mais houver

 

E levanto assim do chão

A próxima geração.

 

 

621 – Empresas

 

Este mundo das empresas

É uma montanha a subir:

Se o tempo é bom, como prezas,

A qualquer é fácil ir.

 

Mas, se as condições pioram,

Em todo e qualquer lugar

Só os mais aptos se assenhoram

Das montanhas a trepar.

 

 

622 – Visualiza-te

 

A ti próprio visualiza-te

Vencendo teu objectivo.

O derrotismo escraviza-te,

Mata em ti quanto for vivo.

 

Enquanto o que é derrotista

Dele antecipa o fracasso,

O vencedor já conquista

A vitória ao ler-lhe o traço.

 

 

623 – Persistente

 

Entre o êxito e o fracasso

Não medeia normalmente

O talento, sempre escasso,

Mas quem é mais persistente.

 

Muitos brilhantes desistem,

Não querem ser derrubados

Vezes sem conta, se insistem,

Pela vergonha vergados.

 

 

Quem tem vantagem maior

Ergueu-se mais uma vez

Que os caídos, com o ardor

De quem sempre finca os pés.

 

 

624 – Empenho

 

Sem empenho verdadeiro

Não ganha raiz o sonho:

No grande êxito requeiro

Os riscos a que me oponho.

 

Se quero vencer na vida,

O princípio-mor que apuro

É não poder, na partida,

Jogar mais pelo seguro.

 

 

625 – Caça

 

Hoje um administrador

É tal piloto de caça.

Ao mudar tudo em redor,

Tão rápido o mundo passa

Que ninguém pode tomar

Sempre a decisão certeira:

- O que é preciso é ajustar

E corrigir à primeira.

 

Quando tudo é tão complexo,

Vence quem vence o reflexo.

 

 

626 – Prefácio

 

Primeiro o mar abriu a porta ao mundo,

Depois com o saber é que o fecundo.

 

Primeiro, os seus portais escancarou;

Segundo, o saber todo partilhou.

 

O mar estreita os laços, finda a guerra:

Aprende novos céus na nova Terra.

 

Prefácio do que sou e do que penso,

O saber é tão mar, tão mar imenso!

 

Sem o mar o saber estagnaria,

Isolado num povo, ilha vazia.

 

O mar nos fertiliza a Terra inteira

Do saber na lavoira e na canseira.

 

Deixámos com o mar de ser mais ilha:

O mar é do saber toda a partilha.

 

 

 

 

627 – Alegria

 

As paragens do deserto

Dão pastagens abundantes.

As colinas, longe e perto,

De alegria estão pujantes.

 

Os campos pelos rebanhos

Andam todos recobertos.

Enchem-se os vales de ganhos

Com trigais de lucros certos.

 

Explode farta a alegria

Com os gritos e os cantares

- Quando nasce um novo dia

Do porvir com os lugares.

 

 

628 – Nem

 

Não tem nem finalidade,

Nem rumo, nem objectivo,

Nem significa, em verdade,

Esta vida que em mim vivo.

 

E, contudo, sou feliz!

Não consigo compreender:

- Que é que estarei, por um triz,

A fazer certo sem ver?

 

 

629 – Vizinho

 

Do desgosto dele conta

Pode alguém tomar sozinho.

 

A alegria a tanto monta

Que, para ter bem lugar,

Tenho de ter um vizinho

Com quem a irei partilhar:

 

A alegria já inaugura

Toda a Comunhão futura!

 

 

630 – Lei

 

Há uma lei da natureza

Mística e maravilhosa

Em que o que mais alguém preza,

A liberdade que goza,

A felicidade e a paz,

Aquilo que no-las traz

É que são sempre alcançadas

Quando aos mais por nós são dadas.

 

 

 

 

631 – Final

 

Se eu tivera de escolher

O dia final da Terra,

Um pardal o amanhecer

Cantaria sobre a serra.

 

O rescender dos pinheiros

No calor do meio-dia,

Libelinhas nos canteiros,

Tudo ao sol cintilaria!

 

A voz do melro na mata

Ao escurecer da noite

Um luar brando desata

Que as estrelas leve acoite.

 

Nuvens cúmulos, por fim,

Encobririam num véu

De catedrais o confim

Dos passeios que há no céu.

 

Depois disto, então a Terra

Outra ser não buscaria,

O dia final a encerra,

Cumpriu que baste a poesia.

 

 

632 – Nunca

 

Quando tudo é contra ti

Na inviável situação

Até parecer que não,

Não te aguentas mais aí,

Nunca desistas, que então

É exactamente o momento,

Exactamente o lugar,

Em que ocorre ao movimento

De tua maré  mudar.

 

 

633 – Solidões

 

As minhas aspirações

Poderei não alcançar,

Mas serei capaz de olhar

Delas no alto as solidões.

 

E ver-lhes-ei a beleza,

Nelas acreditarei:

Meu rasto é seguir a empresa

Que as tornará minha lei.

 

 

634 – Usufruir

 

Não há quem se agrade

Por só possuir.

A felicidade

Quer usufruir

Sempre mais além:

Quer o que convém,

- Quer a imensidade!

 

 

635 – Devida

 

Deve-nos bem pouco a vida

E tudo nós lhe devemos.

Toda a alegria é devida

De aplicarmos quanto temos

Do vigor de quanto é vivo

A apostar num objectivo:

Que qualquer um rasga os céus

Para um dia sermos Deus.

 

 

636 – Destino

 

Se o destino é rastejar,

Rastejarei satisfeito;

Se for voar pelo ar,

Voarei, ao ar afeito.

 

Enquanto, porém, tiver

O poder para evitar,

Infeliz não hei-de ser

Jamais em nenhum lugar.

 

 

637 – Quotidiana

 

A história quotidiana

Revela que o dia-a-dia

É donde a história dimana.

Tal encorajar devia

A viver intensamente

O nada que em nós se sente.

 

 

638 – Lutar

 

Criança, não percebia

Porque era de lutar tanto.

Hoje, adulto, é na agonia

Dos saltos do que transpomos

Que vejo nascer o dia

Para além do desencanto:

Mudo lento no que somos.

 

E o mistério que isto alcança

É haver mais e mais encanto

Em me tornar mais criança.

 

 

 

 

 

 

 

639 – Conselho

 

As portas se vão fechando

Porque um homem fica velho,

Há um azar de vez em quando…

Mas o que é de bom conselho,

 

Em lugar de se morrer

Quando o tempo vai tão lindo,

É ficar atento e ver

Quantas portas vão abrindo.

 

 

640 – Universal

 

Minha pátria fez de mim

Cidadão universal,

Meu caminho é rumo ao fim,

O sempre-em-frente fatal.

 

Voltar atrás? Impossível!

Será um tredo desengano

Relançar-me, imprescindível

Semente que sou de humano.

 

Somos a Terra emigrante

De eterno Sol fugitivo:

Rola a bola, rola adiante,

Só morto se calhar vivo.

 

 

641 – Voragem

 

Volta a casa, à profissão,

Abandona essa voragem

De trepar no corrimão,

Vem juntar-te, calmo, aos mais!

 

Companheiros de viagem

É o que só terei e não,

Nunca dois serão iguais!

Se atropelas, então sais

Desta estrada em contramão.

 

 

642 – Carne

 

Receio que o inimigo

Não descanse até matar

Na carne de alguém a ideia,

Convencido que o abrigo

Que um corpo deu ao luar

É a fonte da lua cheia.

 

Porém, a carne apodrece,

Mistura-se com a terra,

Fátuo no ar torna-se em fogo.

A ideia não morre: esquece

Dos potentados a guerra,

Deita-se ao caminho logo.

A ideia não morre, não:

É que as diferenças, ela

Entre os mais filhos de Adão

Nivela, sempre nivela,

- Até lavrar todo o chão!

 

 

643 – Banca

 

Encher-me das criaturas

É esvaziar-me de Deus.

Na banca das sinecuras

Torno-me avaro dos meus.

 

Vazio das criaturas,

Ficarei cheio de Deus:

- Então é que elas, de puras,

Rasgam os portais dos céus.

 

 

644 – Límpido

 

Ai, quando eu fico sem nenhum desejo,

Torno-me límpido até à raiz,

De além a majestade eu entrevejo,

O imenso de tudo de que ao fim me fiz,

 

Senhor de quanto foi, do que será…

A eternidade embebe no tinteiro

A cor e o modo inteiro de quanto há,

- É eternidade do que é passageiro.

 

 

645 – Peristilo

 

A consciência daquilo

Que sempre à fé faltará

Para abarcar o divino

Constitui o peristilo

Dum abraço que não há

Entre o repicar do sino

E o almuadem de Maomé.

- E só isto acorda a fé.

 

 

646 – Meta

 

Com o saber e a escolha dos fins

Humanizado devirá o trabalho,

Precede a meta a decisão dos sins,

Pondero nisto, afinal, o que valho.

 

Um homem é um animal

Que modela a ferramenta:

É do rodeio o sinal

Do espaço e tempo que inventa.

 

 

 

 

É meio de atingir fim:

Chamamos-lhe consciência

Que cresceu, cresceu e assim

Moderna atinge a ciência.

 

Hoje o que um túmulo atesta

É que o homem não permite

Que se acabe ali a festa

Nem que haja nenhum limite.

 

 

647 – Criação

 

Vou-me poder transcender

Através da criação:

Germinar e florescer

Do homem só pelo homem.

Idade, época, estação,

Enquanto eras se consomem,

Erigindo assim a História:

A história das ferramentas,

Das técnicas a memória

Que a geriram nas tormentas.

 

Não os domínios da guerra

Que incessantes devastaram

Marcas de Homem pela Terra.

 

Mas projectos que vingaram

(Mesmo os que deram aborto),

Quando buscaram o porto

Por onde emerge o sinal

Do vindoiro homem total.

 

 

648- Mutante

 

As pessoas mortas

Dão que reviver:

O homem da epopeia

Abre-nos as portas

Dum mutante ser

Que ao porvir ameia:

O futuro habita

Naquilo que pinta

De forma restrita,

Acaso indistinta:

- Prenhe de porvir,

Já nos diz como ir.

 

 

649 – Percurso

 

De arte o percurso da obra

É o caminho do sagrado

Que o meu mundo me desdobra:

Salto para o outro lado.

 

Meu real trespasso e o modo,

- Vou já sendo um com o todo.

650 – Deveras

 

Ou Deus, a força de paz,

É deveras transcendente

E nenhuma igreja faz

Ideia de quem é crente,

 

Ou não é e desde então

Qualquer pode pretender

Ter dele a total visão

E erro é o diverso que houver.

 

É por tomar consciência

Das falhas, limitações,

Que doutrem a experiência

Me colmata as precisões.

 

Por outras crenças e fés

Com a minha me aproximo

Da presença a cujos pés

Vislumbro chegar ao cimo.

 

 

651 – Pintura

 

Os olhos sempre seguiam

Quem a pintura fitara.

 

Por isso todos temiam,

Vendo a pintura preclara,

Que do retrato fugira,

Na mão cada qual pegara

E secreta conduzira,

Em passo furtivo e mudo,

- Ao lado de lá de tudo.

 

 

652 – Casulo

 

A esperança ao nosso alcance,

Mudar a face do mundo,

O casulo abrir que lance

Fora o novo homem fecundo!…

 

A labuta começou,

Tudo pode ainda falhar,

Tudo pende do que sou,

Do que for capaz de andar.

 

Tanta esperança não houve

Jamais à face da Terra

Como quando ao homem coube

Ser raiz que a desenterra.

 

 

653 – Espontâneo

 

É de pôr-me comovido

A espontânea penitência

De quem, sem qualquer motivo,

Injusto foi p’ra comigo

- E humilde ata a convivência.

 

 

654 – Janela

 

À janela aberta à lua

Pode a vida destruí-la,

Jogá-la o tirano à rua,

Cerrar portadas à vila.

 

Pode ao fim ser um montão

De pedra informe, tijolos,

Caliça, ferros no chão,

De poeira envolta em rolos.

 

Pode, que após as lesões

Permanecerão intactas

As nossas aspirações

Ao porvir que não tem datas.

 

 

655 – Mesa

 

Modificar por inteiro

Dos homens os sentimentos,

Só com este alvo certeiro:

- Juntos tomar alimentos.

 

Comer à volta da mesa

Qualquer generosidade,

Gera, quase de certeza,

Sabor a fraternidade.

 

 

656 – Rumores

 

Árvores, pardais e flores,

As crianças e as donzelas

São palavras, são rumores

 

Onde Deus abre janelas

Com murmúrios de esperança,

Dos males contra as sequelas.

 

E o Homem que nunca alcança!

Mas da vida as coisas belas

Continuam: Deus não cansa…

 

 

657 – Pegada

 

Pegada além da fronteira,

Depois do mundo, as estrelas,

Somos nós desta maneira,

Sempre a desfraldar as velas.

 

 

 

 

Escalamos as montanhas,

Descemos fundos marinhos,

Os recordes com mais sanhas

Batemos como maninhos.

 

E depois não entendemos

Que a sério o mais importante

É uma raia que em nós temos

Que ninguém rompe adiante.

 

Da mulher vai à conquista

E do homem, que melhor

Nesta fronteira é o que invista

O que fora houver de pôr.

 

Aqui é que importa o medo

Vencer duma vez por todas

E pôr fim ao arremedo

De ser ao sabor das modas.

 

 

658 – Extremamente

 

Um país, (grupo, pessoa…)

Quando extremamente rico,

Não é rico nunca à toa.

O que são, são-no, acredito,

Porque, pobres em extremo,

Pessoas, grupos, países

Vegetam pelo terreno.

Disto é que somos juízes

Em nome dum mundo pleno

Que assente noutras matrizes,

Na justiça com raízes:

Este outro é que não condeno.

 

 

659 – Topo

 

Há bem mais do que uma estrada

Para o topo da montanha.

De noite ou de madrugada,

Dos sendeiros na maranha,

De leste como de oeste,

Do norte como do sul,

Ora vem a estrada agreste,

Curva a perder-se no azul,

Ora o atalho cujo escopo,

Como o dos mais, é que alguém,

E nunca interessa quem,

Atinja de vez o topo.

 

- Como Deus seja que o tomem

Ou como o cume do Homem.

 

 

660 – Solitário

 

Deus é o grande solitário

Que com solitários fala:

Dele ao poderio vário,

Ao saber imaginário,

À alegria que em nós cala

Só se vai encaminhar,

Qualquer que seja a função,

- Quem encontrar um lugar

Nesta eterna solidão.

 

 

661 – Penteados

 

Os bem penteados

Do palco da história,

Mui acorrentados,

Trazem à memória

Selvagens peados

Que seremos nós,

De civilizados

Atados aos nós.

 

Ai quanta mentira!

Nunca tu ateias

O fogo da pira

Através de peias,

Algemas, correntes

Que sobre ti sentes.

 

Aquele que for

Capaz de criar

Sabe que o valor

Lhe vem de voar,

Não de condenado

Ser em todo o lado

A ter de ocupar

O canto da cela.

O que o revela

É o grito de alerta

Duma sentinela:

Do sono o desperta,

Não lhe tranca a porta

Numa vida morta,

Lança-lhe uma ponte

Para o horizonte.

 

São de madrugadas

Jamais percorridas

As fundas pegadas

Que imprime nas vidas.

 

 

662 – Pista

 

A beleza e a verdade

Não as procura o artista,

O além delas é o que invade

Perseguindo ignota pista.

 

 

 

 

Então, como subproduto

Da busca que nunca encontra,

Dá-lhe a beleza o conduto

Desta viagem na montra.

 

Assim é que o viandante

Na intérmina caminhada

Sempre alcança mais distante

O fim sem fim da jornada.

 

 

663 – Obsessão

 

Não é a verdade, não.

Não pode ser a verdade

Apenas pela razão

De que ela é nele obsessão

Que o encegueira e persuade,

Problema fundamental

Do artista quando procura:

É uma luta sem igual

Que o fere e jamais tem cura,

Luta de qualquer autor

Por se libertar de vez

Da maldição deste horror

De não ver a própria tez…

 

Procura, em vez da verdade,

Livrar-se desta obsessão

Pela verdade que o há-de

Um dia, quando o degrade,

Matá-lo de vez no chão.

 

 

664 – Eterno

 

Terminou a inquirição,

Finda o processo e a tortura,

É atingida a absolvição.

O eterno que se procura

Para sempre em todo o lado

E que jamais é encontrado

Breve aqui se configura.

 

Estamos perante o mundo

Como diante do espelho,

Não vemos nosso eu mais fudo

Por causa do mau conselho,

Por causa da prevenção:

Olhamo-nos como actores,

Mas não começa a função

Nos palcos de luz e cores.

 

Para se ver o espectáculo

Só se morrer ante o espelho

Ofuscado num pináculo

De luz de que me retelho,

Perdendo a máscara, o traje,

A carne e os ossos que ocultam

Meu eu secreto, o qual age

A expensas dos que o indultam.

 

Só por iluminação,

Descendo directo à morte,

No ventre do tubarão

Me acharei entregue à sorte.

 

Quando me vir condenado

A tal aniquilamento,

De repente projectado

Me vejo no envolvimento:

O tubarão da verdade

É minha incapacidade.

 

O tubarão permanece

Mas mudado em vasto mundo

Com estrelas, estações,

Banquete, festa, quermesse,

Com tudo quanto é jucundo

De ver, tocar nos salões.

 

Já não sigo dele após,

Tornou-se no inominável,

Dentro e fora está de nós,

Como o que há mais inefável.

 

Ao longo da eternidade

Podemos, se nós quisermos,

Devorar o tubarão.

Por mais que o comamos, há-de

Sempre haver mais dele, em termos

De homem que terei à mão:

Aquilo que dele aufiro

A ele retorna em breve,

Transformamo-nos no giro

Do tempo que nos conteve.

 

Vivemos da relação,

Não do acto, da viagem,

Quem come é comido então,

O que persiste é a voragem

Do infinito rumo à imagem

Do além, da ressurreição.

 

Assim é que na passagem

Daqui para o outro lado

Se inaugura um infinito

Que jamais se encontra dito,

Por mais que o haja lavrado.

 

Assim quem desperta e vive

Inaugura na palavra

A nova leiva da lavra

Nos campos que nunca tive.

 

E assim tudo canta e dança

Até onde a vista alcança.

 

 

 

665 – Tom

 

Homens bons de todo o lado,

O que de vós pretendia

É que erguêsseis um bocado

O tom de contar o dia.

 

É que o mundo em que vivemos,

Este meu mundo anda falto

Do sabor de quanto temos,

De que ele fale mais alto.

 

 

666 – Privado

 

Se não te conquistas

Teu tempo privado,

Não entras nas listas

De quem talha o fado.

 

Ninguém tem de estar

Permanentemente

Em nenhum lugar

Ao dispor da gente.

 

Não serves tu nada

Da nada a ninguém?

- Perdes-te na estrada

Como um pedro-sem!

 

 

667 – Vencedor

 

Verdadeiro vencedor

No desporto, escola ou vida

É aquele a quem o falhanço,

Longe duma despedida,

Reacender tal ardor

Que tenta, sem mais descanso,

Novamente e toda a vez

Até vencer o entremez.

 

 

668 – Campeão

 

Por mais que ensaie e preveja

Nunca atinjo o planeado.

Campeão que a sério o seja

Dum desaire põe ao lado

O caminho alternativo

E da queda sai mais vivo.

 

 

669 – Assombração

 

Quem te grita :”é assombração!”

E te não deixa espiar

Quer a parte de leão,

Manter firme seu lugar.

 

Vai-se a ver, a luz distante

Em que a escuridão se esvai,

Candeia que vai adiante,

É a do rumo que te atrai.

 

De repente, quando espreito,

Descubro que quem lá vem

É meu passo à estrada afeito,

Sou eu indo sempre além.

 

E quem medo me metia,

Dele me mantendo escravo,

De mim medo é que teria,

Que eu tenha da luz o travo.

 

 

670 – Não

 

Hinduísta não sou: não creio

Que os homens tenham poder

De arrancar do próprio seio

Os deuses em que irão crer.

 

E budista não serei,

Que não posso convencer-me

Que um nada de que nem sei

A alma morta venha a ser-me.

 

Xintoísta era baixar

A fé à filosofia,

Com ambas emparelhar,

Esquecendo a dupla via.

 

Não sou judeu, já que Deus

Ama a todos igualmente,

Que todos são filhos seus:

Povo eleito é toda a gente.

 

Se islamita, olhando o céu,

Em lugar de encontrar Deus

Encontro o profeta seu

Encimando os coruchéus.

 

Não poderei ser cristão,

Pois creio que Deus é Deus:

E assim é que dou a mão

A quantos abrem os céus.

 

Então, a todos unido

E sem ser de nenhum deles,

Encontro o comum sentido

Por onde Tu nos impeles.

 

 

671 – Deus

 

O nosso Deus criou tudo.

Pôs-se então a descansar,

Com a tarefa cumprida.

 

O porvir fica ali mudo,

Já que, para ter lugar,

Só com quem vier de seguida.

 

- Cabe-nos agora a vez

De jogar neste entremez.

 

 

672 – Decide

 

Atende às finalidades

E não apenas aos meios.

Explica mais que as verdades,

Decide, que de actos cheios

É que teu gesto é fecundo.

- E transformarás o mundo!

 

 

673 – Inéditos

 

Viver será conduzir

Rumo a inéditos possíveis.

Ao mais humano erigir,

Vou-me lento assemelhar

Ao sonho bem milenar

De os deuses serem vivíveis.

 

Quem poderá limitar

A fronteira de meus níveis?

 

 

674 – Hierarquizado

 

Muito bem hierarquizado

Aqui vivo atrofiado

Nos meus pendores humanos.

Ao correr destes meus anos,

Toda a minha transcendência,

O meu poder de ruptura,

Por condições, com a ausência,

A margem de autonomia

Nada apura, nada apura…

Sou degrau de hierarquia,

Acabou-se a fantasia.

 

E eu a sonhar em ter asas

E saltar do patamar

A voar, sim, a voar

Sobre estas malditas casas!

 

 

675 – Visão

 

A razão quantitativa,

Meramente operatória,

A minha visão arquiva

Num mundo-máquina, o qual,

Repetido sem história,

Me trabalha, industrial,

Nas vertentes suicidas,

Dum lado trabalhador,

Do outro consumidor.

 

Nesta vida sem mais vidas

Que é do sonho, que é do amor,

Das esperanças perdidas?

 

Onde é que, afinal, me ponho:

Nestas desmedidas lidas,

Sempre as mesmas, repetidas,

Ou no coração do sonho?

 

Onde é que chega meu grito:

Aos portões de meu patrão,

Dele às pistolas e ao cão,

Ou dos céus rasgo o infinito?

 

 

676 – Rival

 

Ciência rival da fé,

Só quando a religião,

O Deus que ela pôs de pé

For, afinal, aldrabão:

 

Um matemático chão,

Ou um taumaturgo físico,

Ou um alquimista tísico…

 

Técnica da fé rival,

Só quando esta fez de Deus,

Não de mundos um fanal,

Mas fabricante de céus.

 

Revolução que é rival

Da fé das religiões,

Só quando esta for sinal

De tiranos e caixões.

 

A fé nunca marca passo

Quando o sentido a comanda,

É rumo onde me ultrapasso:

- Ela, ao fim, é o Homem que anda!

 

 

677 – Força

 

A força que mora em mim

E que em mim não tem origem,

Que vem de além de meu fim,

Não das margens que em mim vigem,

 

Recebe o nome de Deus:

O absoluto vem quebrar

Os quadros de pensar meus

E as rotinas de actuar.

 

Aqui é que principio:

- Além das margens do rio!

 

678 – Mais

 

Deus é sempre aquele mais

De inédito, inesperado,

Força em criar que jamais

Tem coração açaimado.

 

Um homem deveras homem

É humano quando se dá,

Quando os limites se somem

Sempre além do que houver cá.

 

O crescimento germina

Quando neste Eu atingimos

A fonte do ser que inclina

A trepar até aos cimos.

 

 

679 – Árvore

 

Cresce à vontade, à vontade!

Como árvore, devagar,

Sem jamais te ultrapassar:

Lugar de maturidade

De experiência é lugar,

Que fruta madura à pressa

Ou fica peca ou depressa

Perde o sabor que lograr.

 

 

680 – Diferença

 

Nesta vida a diferença

Entre um êxito e o fracasso

É a vontade, sem detença,

De erguer com desembaraço

Da lama qualquer pendão

Quando caímos no chão.

 

 

681 – Erradas

 

Os homens livres da história,

De fazer guerras erradas

Sempre tiveram, na inglória

Senda de ignotas estradas.

 

Tão erradas são as guerras

Quão erradas estas terras.

 

É o que tem a liberdade

De mais fatal: a verdade.

 

A quem for livre, porém,

Nem esta nem outra morte,

Da guerra em qualquer desnorte,

De livre ser o detém.

 

 

 

682 – Estupidez

 

A guerra é uma estupidez

E o que temos a fazer

É o melhor que se puder

Para liquidar de vez

Toda a estupidez que houver.

 

 

683 – Fundo

 

Podemo-nos ir abaixo,

Mas lá no fundo mais fundo

Lembro aqueles de quem acho

Que o medo é bem mais profundo

E que, aposto, vão cumprir

As missões mais impossíveis.

 

Por isso, a todos os níveis,

Ficamos. – E há porvir!

 

 

684 – Sofri

 

Porque sofri, aqui estou!

E porque fui humilhado.

Porque creio na justiça

Das madrugadas que sou,

Num mundo em que, nalgum lado,

Alguém esqueça a preguiça

E dê lugar aos que a domem

- E que haja lugar ao homem!

 

 

685 – Manhãzinha

 

Acordar de manhãzinha

Com a certeza que o sono

É, de quem nele caminha,

Este longo corredor

Que atravessa dele o dono

Para chegar e se pôr

Do outro lado da noite…

Ao acordar sinto o abraço

Dos bons-dias por que passo:

- Tenho abrigo onde me acoite

Do dia no breve espaço,

Para tudo a que me afoite.

 

 

686 – Perguntas

 

Custa-me fazer perguntas,

Sabem-me a um julgamento.

Atiras uma: o que juntas

É a avalanche, num momento.

 

 

 

 

Sentas, calmo, na colina,

Solta-se a pedra do chão,

Quanto mais se à queda inclina,

Mais outras atrás irão.

 

Quando em cachoeira tombam,

O que vai acontecer

É que as cabeças arrombam

De quem por baixo estiver.

 

Quanto mais vejo os demais

Num beco já sem saída,

Tanto menos questões tais

Que os matarão de seguida.

 

As perguntas inocentes

São apenas as que vão

Mundo fora rasgar frentes

Nas quais as mãos se darão.

 

 

687 – Vivível

 

A vida só é vivível

Com o futuro na frente:

Um futuro imprescindível

É já presente ao presente.

 

E se o presente me dói,

Terei calmante seguro

Não no antanho que já foi

Mas no porvir que inauguro.

 

 

688 – Empolgar

 

Não te deixes empolgar

Das palavras pelo amor,

Não vá não haver lugar

Ao que nos tens a propor.

 

Optimismo ou pessimismo,

O vero, alegre ou atroz,

Em nós rasga o mesmo abismo,

Caminha para igual foz.

 

Não te esqueças, sobretudo,

Que existe um valor cimeiro

Para todos, para tudo:

A liberdade é o primeiro.

 

A dificuldade, às vezes,

É não se estar com ninguém,

Aguentar quaisquer reveses

Só para livre ser bem.

 

A liberdade se alcança

À custa de dor malsã,

Mas nela mora a esperança,

Fé nos homens de amanhã.

689 – Vergonha

 

O que é vergonha é pensar

Alguma vez saber tudo.

Admitir, em seu lugar,

Que ignoramos o conteúdo

 

Daquilo que nos rodeia

É que amanhãs choca em ovo:

Paro a pensar e o que ameia

O meu dedo é um mundo novo.

 

Tenho de tomar a peito

O escuro que há no porvir,

Será sempre o insatisfeito

Que o mundo faz progredir.

 

 

690 – Sabedoria

 

Cem vezes ao dia

Oportunidades

De mal haveria.

 

Uma só por ano

De abalar as grades

Há do desengano.

 

Quem dos palcos guia

- Do céu ou do hades –

Faz subir o pano?

 

 

691 – Areia

 

Houve outrora um grão de areia

Queixoso de ser apenas

Um átomo à lua cheia,

Vago entre coisas pequenas.

 

Porém, uns anos depois

Tornou-se num diamante,

É um ornamento de sóis

Que a coroa ao rei garante.

 

Por isso, não desesperes:

Quando mal te precatares

E quando menos esperes

Já voarás pelos ares.

 

 

692 – Livro

 

Um livro não haverá,

Por pior que se anteveja,

Que só tenha coisa má

E de bom lá nada esteja.

 

 

 

Os gostos não são iguais

E aquilo que este não come

Faz as delícias dos mais,

Deles vai matar a fome.

 

Vemos coisas desprezadas

Por uns mas que o não serão

Por outros cujas pegadas

Marcam desvios no chão.

 

Assim, pois, coisa nenhuma

Se deve então desprezar,

Que ali pode uma verruma

Abrir a porta a algum lar.

 

 

693 – Caminho

 

A ciência está no meio,

Que importa princípio e fim?

Mas o que vivo em meu seio

É que me importam a mim.

 

O caminho é estéril, seco,

Por demais aborrecido.

Para lá do muro, o beco

É que eu sonho ver corrido.

 

Para além mora a verdade,

A beleza, mora Deus…

Cismo até na identidade

Dos pés que lá serão meus.

 

Precisamos de ideal,

Meu dedo toca o infinito

E, se as mãos o agarram mal,

Queima-me o peito o que fito.

 

Ninguém assalta um castelo

Sem armadura, no fundo,

Nas pedras rasgando o pêlo…

- Mas conquista-se o outro mundo!

 

 

694 – Factos

 

Os factos nunca penetram

Onde vivem nossas crenças,

Não são eles que as perpetram

Nem lhes destroem as tenças.

 

Podem-lhes mesmo infligir

Bem constantes desmentidos,

Que não jogam ao nadir

Os sonhos nelas contidos.

 

E quem no fundo caiu

O que tenta humildemente

É trepar donde desceu

Em busca do sonho ausente.

695 – Crença

 

Só imaginação e crença

Podem diferenciar

Um objecto, uma pertença

Até dar-lhe um novo ar.

 

Então, por todos os lados

Brotam os montes sagrados.

 

 

696 – Transparente

 

Quando um autor se tornou

Tão transparente, tão cheio

Daquilo que interpretou

Que a si próprio se apagou,

Perdeu-se lá pelo meio,

 

Não é mais que uma janela:

Já não o vemos lá em cima,

É janela e através dela

O que podemos é vê-la,

Ver apenas a obra-prima!

 

 

697 – Asilo

 

O pior dos sofrimentos

Tem sempre um lugar de asilo:

Se mais não há linimentos,

Há o repouso. Aqui, tranquilo,

Vou curar meus pensamentos.

 

 

698 – Meio

 

O meio influi e permeia

Pelo flanco intelectual:

É cada qual uma ideia

A soprar no vendaval.

 

Como os homens não são mais

Do que as ideias que têm,

Todos se tornam iguais

Ante aquela que os retém.

 

Como a ideia não tem nunca

Dimensão material,

Toda e qualquer que o chão junca

Dum homem para o qual vale

 

Nele nunca, nunca muda.

Como a ideia aos interesses

Humanos jamais se gruda

Nem deles goza as benesses,

 

 

 

 

Um homem filho da ideia

Que por inteiro a perfilha

Vantagens não negoceia,

Negoceia a maravilha.

 

 

699 – Voo

 

Trabalho a cada momento

A dar forma à minha vida

Mas, ao invés do que intento,

Copio o traço e a medida

Da pessoa que aqui sou,

Sem nunca encontrar a via

Onde levantar o voo

Daquela que gostaria.

 

 

700 – Custo

 

O custo da vida

É muito elevado,

Mas nele é incluída

A viagem de agrado,

Grátis totalmente,

Que todos os anos

Leva toda a gente,

Sem quaisquer enganos,

Mais que ao arrebol,

 

- A dar volta ao Sol!