NONO  VERSO

 

 

EM  VERSO  INCERTO  TROCAREMOS  LEMAS

 

 

 

Escolha um número aleatório entre 790 e 881 inclusive.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

790 – Em verso incerto trocaremos lemas

 

Em verso incerto trocaremos lemas

Curtos como frechas

Que nos rasguem brechas

Onde teimem as noites dos teoremas.

 

Saltaremos escombros onde as gemas

Rebrilhem como mechas,

Seguir-lhes-emos as deixas

O canto até ouvir de nossos temas.

 

Por fim,

Será que em ti me encontro a mim

E começamos a ser nós?

 

Ou o encanto

Dura apenas se durar, entretanto,

Este eterno trepar pela corda de nós?

 

 

791 – Coisas

 

Às coisas vê que valores

Nelas poisas:

- Na vida, as coisas melhores

Não são coisas!

 

 

792 – Optimismo

 

Uma potência em nós infrene

Do optimismo inaugura as frequências

E um optimismo perene

É o multiplicador de tais potências.

 

 

793 – Inferno

 

Se o inferno é o teu lugar

Já,

Não te ponhas a pensar:

- Dá!

 

 

794 – Deus

 

Definharam sonhos teus?

Coração ao alto:

Dos semideuses no catafalco

Nasce Deus!

 

 

795 – Rigor

 

O aumento da sabedoria

Medi-lo-ei com rigor

Pela diminuição que abrevia

No mau humor.

 

796 – Imprevisto

 

Há três certezas na vida,

Desde que existo:

A morte, o erro e a mais esquecida,

- O imprevisto!

 

 

797 – Duvida

 

Afirma a ignorância

Ou nega, convencida.

A ciência, em ânsia,

Duvida!

 

 

798 – Visão

 

Quem melhor nos deu avisos

Foi o coração:

Os olhos não são precisos

Para a visão.

 

 

799 – Por quê?

 

“Eu por quê?”

- Perguntei e ninguém me respondeu.

É que a verdadeira pergunta é:

“E por que não eu?”

 

 

800 – Madrugada

 

Como a madrugada

Cresceu:

- A Terra está recheada

De Céu!

 

 

801 – Presa

 

São os momentos de felicidade

Que nos vêm de surpresa.

Não os prende a Humanidade:

Eles a nós é que nos tornam presa.

 

 

802 – Acredita

 

Acredita, vale a pena

Viver:

Tal crença, mesmo pequena,

Fá-lo-á acontecer!

 

 

 

 

 

 

803 – Óbvio

 

A preguiça ressuma

Ao miasma do atoleiro:

- Jamais assuma

Que o óbvio é verdadeiro!

 

 

804 – Importante

 

Não somos nada assim tão importante…

Claro, quem duvida?

- Mas, se em nada importa nossa vida,

Que é que importa doravante?

 

 

805 – Falar

 

Nunca te ouvi,

Como irás dar-me calor?

Falar de si

É também fazer amor!

 

 

806 – Sentidos

 

Qualquer que seja a voz,

Toda a voz se cala

Em nós

Quando a dos sentidos fala.

 

 

807 – Envelhecer

 

É preciso envelhecer,

Envelhecer terrivelmente,

Para murchar a vaidade premente

De perante alguém viver.

 

 

808 – Caminho

 

Ao futuro preparar caminho

Quando sempre hoje começa,

Quando sabe preparar-se sozinho?

- E chega tão depressa!

 

 

809 – Acorda

 

- Admiro-te,

Acorda então!

- Não durmo, não:

Respiro-te!

 

 

 

 

 

 

810 – Aleijão

 

Às vezes é tamanho o aleijão

Que em nada o prevê-lo lhe muda o cariz.

Nem sempre ter tido razão

É razão de estar feliz.

 

 

811 – Nesga

 

Fito-me, fito

Nos céus de que me touco.

Como uma nesga de terra é pouco

A quem visa o infinito!

 

 

812 – Pedaços

 

Quem ama os seus

Anda de Deus dividido?

- Todo o amor é amor de Deus

Aos pedaços repartido.

 

 

813 – Inventor

 

“Da moral destruidor!”

Te irão gritar,

- Basta ousar

Ser de ti próprio inventor.

 

 

814 – Males

 

Oa males que nos consomem

Não são crentes nem ateus:

Sê homem

E deus será Deus!

 

 

815 – Possível

 

“A felicidade é possível!”

- É o segredo das revoluções.

E é o explosivo mais irreprimível

Que inventam as multidões.

 

 

816 – Negridão

 

Na noite como na vida,

Quando a negridão é maior,

Solidifica, ocorrida,

Barrando-me os caminhos em redor.

 

 

 

 

 

 

817 – Fuga

 

A fuga é uma humilhação

Cujo tormento

Imprime no chão

Pegadas de ressentimento.

 

 

818 – Paraíso

 

Após a tortura e a incomunicável solidão

Do ergástulo que nos quebrou o juízo,

- Até uma comum prisão

Tem sabor a paraíso!

 

 

819 – Ideia

 

Podem matar quem o pendão passeia,

O pensamento aprisionar secreto:

Nunca se deu cabo duma ideia

Pela violência ou por decreto.

 

 

820 – Leme

 

Devia ser uma comunidade

Como o barco onde alguém reme:

- Todos deviam ter habilidade

Para ir ao leme.

 

 

821 – Diferença

 

Entre a mão que ajuda

E a mão estendida

A diferença é um nada que apenas muda

Do pulso a volta escolhida.

 

 

822 – Medo

 

O medo da morte

Muito muda a sorte:

- Impede-nos de viver,

Não de morrer!

 

 

823 – Grande

 

Ser grande, não ignores,

Como o melhor sempre interpretas:

Ora, os girassóis não são melhores

Que as violetas!

 

 

 

 

 

 

824 – Deserto

 

Olha adiante

O que de ti mora tão perto:

Todo o sol fulgurante

Cria um deserto.

 

 

825 – Bagatela

 

Quando a vida dum ser humano

É uma bagatela,

A revolução tornou-se num engano:

Revolucionário é quem se livrar dela.

 

 

826 – Flor

 

A vida civilizada

Assenta numa pedra,

A da cadeia aferrolhada:

- É a nossa flor mais negra.

 

 

827 – Crime

 

O crime

Tem uma idade que ilude:

Como jamais se redime,

Nunca conheceu juventude.

 

 

828 – Cemitério

 

Um velho no quotidiano eremitério,

Relembrando o cônjuge, os amigos, antigas aventuras,

É mesmo um cemitério

Pejado de sepulturas.

 

 

829 – Alegria

 

Depois dos ricos e das festas, nem sequer

Uma réstia de sol nesta abulia:

- Temos ainda e sempre que aprender

As artes ignoradas da alegria.

 

 

830 – Sob

 

Sob as correntes da história da humanidade

Decorre outra história:

Deus desenha-a de memória

De acordo com a própria vontade.

 

 

 

 

 

 

831Homem

 

Aquilo a que chamamos homem

É um ser

Que, quando em mira os vários vectores dele se tomem,

Ainda está por nascer.

 

 

832 – Narrar

 

De ser amado e de amar

Temos tanta precisão

Que artes como a de narrar

Ainda são uma forma de comunhão.

 

 

833 – Livro

 

Um livro é um pedaço da vida,

Uma parcela,

Como um cavalo, uma pedra, uma ermida…

- Como uma estrela!

 

 

834 – Sementes

 

O amor é como a vida:

As sementes andam aí por todo o lado.

Uma pinga de chuva caída,

E fica o mundo inteiro transformado.

 

 

835 – Invento

 

O invento de maior ganho,

Que mais trabalho economizaria,

Nada tem de estranho:

É de amanhã o dia!

 

 

836 – Ingresso

 

Ter o poder de sonhar

É o primeiro ingresso

No caminho para o lugar

Do sucesso.

 

 

837 – Alfarrábio

 

A sabedoria o que diz

Não o encontras no alfarrábio:

Sê feliz,

- É a maneira de ser sábio!

 

 

 

 

 

 

838 – Fogo

 

O que me distingue

Dum deus, em suma:

O fogo se extingue

Qaundo a obra se consuma.

 

 

839 – Luz

 

Luz é fogo rarefeito,

Espiritualizado.

Alma é luz que trago no peito,

Com que penso e sinto em todo o lado.

 

 

840 – Jamais

 

Ensinar não é vitupério,

Que educar abre o porvir.

…Só que jamais logra atingir

O mistério!

 

 

841 – Devagar

 

Tenho de dar

Corpo ao corpo, devagar.

Assim, com calma,

Tomo alma.

 

 

842 – Oposição

 

Na política e na vida, a oposição

É fatalmente assim:

Sempre diz não,

Faz sempre sim.

 

 

843 – Diferido

 

Por terem esta espera sempre adiada

Muitos perdem o sentido,

Desesperando donde leva a estrada…

- Diferido, porém, não é perdido.

 

 

844 – Fim

 

As águas do rio correm para o mar

E sabem para onde vão.

Só os homens, não.

…Ao mesmo, porém, no fim vão dar!

 

 

 

 

 

 

845 – Boas

 

Todas as coisas são boas:

Seja onde fores,

Mesmo as que por más ecoas,

É apenas que há outras que são melhores.

 

 

846 – Esperar

 

A esperança nos conserva no lugar,

Desmascarando, persistente, o que é disfarce.

Esperar

É saber preparar-se.

 

 

847 – Cego

 

A custo, sempre tão a custo

E como o Homem é cego!

Deus, porém, é sempre justo:

Nisto é que sossego.

 

 

848 – Patamar

 

A cobiça decerto encontrarias

Sempre do amor no patamar:

Cobiça haverá todos os dias,

Amor não é vulgar.

 

 

849 – Grandeza

 

Da grandeza o sinal maior

Que de nós podemos dar

É à grandeza das ideias dum opositor

Reconhecer e dar lugar.

 

 

850 – Ódio

 

Ódio incurável

É uma maligna maleita:

Tal um cancro inoperável,

Mata a quem faz a desfeita.

 

 

851 – Pertenças

 

O que o mundo nos desfaz

É que em convenções e crenças

Já ninguém encontra a paz

Das pertenças.

 

 

 

 

 

 

852 – Círculos

 

No infinito os círculos se consomem

Enchendo, pejados, os céus:

O nascimento de Deus no homem

É o nascimento do homem em Deus.

 

 

853 – Acto

 

A Grécia enclausurou dos factos todo e qualquer

No conceito, na finidade.

Para além do ser e do não-ser,

Eis, porém, o germe: o acto, - a Liberdade!

 

 

854 – Alheia

 

Ciência alheia à sabedoria,

Sem reflectir sobre os fins,

Incônscia dos postulados que teria,

Nem razão é, são dela uns vagos afins.

 

 

855 – Contenta

 

A fé nunca se contenta

Só com o mundo explicar:

É a força viva que o tenta

Transformar.

 

 

856 – Ramos

 

O que o porvir porá de pé

Serão apenas os nossos ramos:

É o homem o que for a sua fé,

- Tornamo-nos naquilo que adoramos.

 

 

857 – Palavras

 

As palavras em nossa boca consomem

Uma talhada dos céus:

Se a linguagem é a casa do Homem,

É o Homem a casa de Deus.

 

 

858 – Corpo

 

Morta a ilusão individualista,

Descobre o homem que aos mais é comum,

Que é um com o mundo a perder de vista:

O Universo inteiro é o corpo de cada um!

 

 

 

 

 

 

859 – Primordial

 

Quando a vida inteira forma uma harmonia,

Ouço da primordial idade

A melodia:

Passo do tempo à eternidade.

 

 

860 – Reino

 

Plantar o reino divino

Na Terra quer que se somem

A talhar este destino

Deus e o Homem.

 

 

861 – Fé

 

Senhor

Ou ralé,

- O homem é o que for

Dele a fé.

 

 

862 – Elo

 

De Deus acolhendo o apelo,

O povo partilha a glória

De criar, contínuo elo,

Deus na história.

 

 

863 – Figura

 

É o homem a criatura

Que a ordem teve dos céus

De mudar de figura:

- Tornar-se Deus!

 

 

 

864 – Espelho

 

Deus é o espelho no qual

Te vês a ti próprio como ser total.

Tu és o espelho no qual ele

Contempla os inúmeros nomes que toma na pele.

 

 

865 – Sombra

 

Conheces o mundo na medida

Em que toda a sombra pode ser conhecida.

Ignoras Deus na medida em que ignoras

A pessoa em cuja sombra te demoras.

 

 

 

 

 

866 – Cancro

 

O cancro que nos invade

E mais persistente nos ilude:

Adaptar a juventude à sociedade

Em vez da sociedade à juventude.

 

 

867 – Inimigo

 

Cada qual em si tem o seu inimigo.

A libertação requer, no fim,

Que todo o joio separe do trigo:

Que me liberte duma parte de mim.

 

 

868 – Marca

 

Só de humano tem a sina

Qualquer homem aqui

Quando consciente for da marca divina

Que traz em si.

 

 

869 – Circunstâncias

 

O homem formam-no as circunstâncias

E, como das circunstâncias é formado,

Convém que humanamente, em todas as instâncias,

As formemos como convier a nosso fado.

 

 

870 – Lavras

 

O que importa

Da fé não são as palavras,

Mas como lhe abres a porta

E a semeias pelas lavras.

 

 

871 – Grama

 

Uma corça frágil mas deveras corça

Vale mais que em tigres de papel uma manada:

Um grama de verdade tem mais força

Que de mentiras uma tonelada!

 

 

872 – Lar

 

Depois de quanto um homem almeja,

Não há lugar que se compare

Ao lar,

Por mais humilde que seja!

 

 

 

 

 

 

873 – Mestra

 

A história, mestra da vida,

Tem dos homens na memória

Que a lição mais aprendida

É que os homens não aprendem com a história!

 

 

874 – Ciúme

 

Ciúme, sentimento de agravo

Com a contradição malquista:

Chicote e labéu do esclavagista,

Afinal, este é o escravo.

 

 

875 – Sofrer

 

Sofrer

Não é nenhuma excelência:

É da vida espremer

A experiência.

 

 

876 – Malvado

 

Ao malvado,

Louvado por toda a gente,

Põe-no o remorso de lado:

- A consciência não mente.

 

 

877 – Cabeça

 

Que fulgor

A cabeça dum amante por amor!

E a mesma cabeça, que enfado

Quando é depois a do amante enganado!

 

 

878 – Triz

 

É a Terra aquela região

Que apenas por um triz

Não é o chão

De ser feliz.

 

 

879 – Macula

 

A vulgaridade

Do ruído

Macula a castidade

Do silêncio ouvido.

 

 

 

 

 

 

880 – Engana

 

Um inimigo não se engana,

Um amigo, sim:

- Nunca espera um sacana

De mim!

 

 

881 – Hora

 

Um homem cuja hora não chegou,

Não morre nem varado pela milésima flecha.

Aquele, porém, cuja hora soou

Não vive nem que só um sopro de erva lhe mexa.