DÉCIMO  TERCEIRO  VERSO

 

 

TRANSPOREMOS  SARCASMOS  E  IRONIAS

 

 

 

 

Escolha um número aleatório entre 1363 e 1456 inclusive.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1363 – Transporemos sarcasmos e ironias

 

Transporemos sarcasmos e ironias

Com que medimos

Os troços que traímos

De amores escondidos atrás das gelosias.

 

Transporemos pés botos, noites frias,

Quando zurzimos dos cimos

Todo o mal que imos

Cevar, porcos nojentos, pelas pias.

 

Transporemos tempo novo,

Que, quando quero, me inovo

E agarro com alma os remos.

 

Atrás deixo o rasto

Que me foi nefasto

E transpor-nos-emos!

 

 

1364 – Casamento

 

Um casamento é aceitar

Passar o resto da vida

No meu quarto a tiritar

Junto à pessoa querida

Que, de calor, fica a assar!

 

Neste desencontro unidos,

Aqui mantas e cobertas

E acolá delas despidos,

É que então há descobertas.

 

 

1365 – Até

 

O casamento é tal como

Fazer uma pirueta,

Com fachis comer um pomo:

Quando nele repararmos,

Parece fácil receita,

Facílima… Até tentarmos!

 

 

1366 – Controlo

 

- Controlo de nascimentos?!

Os filhos são Deus quem dá!

- Também a chuva e os ventos,

E o guarda-chuva aqui está…

 

 

1367   - Rugas

 

Se rir muito, muito rir,

Quando for velho, decerto,

As rugas que então curtir

Curtirão no lugar certo.

 

1368   – Organizado

 

Aquele que é organizado

É que a preguiça é demais

Para andar por todo o lado

À procura dos dedais.

 

 

1369   – Inteligentes

 

Os que são inteligentes

Por experiência te falam.

Os que o são mais é que sentes

Que, por experiência, calam.

 

 

1370   – Destino

 

O destino é a mais fecunda

Imagem do desatino:

É que há muito quem confunda

Má cabeça com destino.

 

 

1371   – Nostalgia

 

A nostalgia é lembrar

Os preços de ontem, porém,

Esquecendo de hoje, a par,

O salário que se tem.

 

 

1372   – Riso

 

O riso é como a compota

Na torrada que é a vida:

Doutro sabor dá-lhe a nota,

Fica a secura delida

E, a quem enfrenta o porvir,

Mais fácil o é de engolir.

 

 

1373   – Mexer

 

Travando a vida a correr

Quantos asnos há que zurrem?

- Se acaso não se mexer,

Não espere que o empurrem!

 

 

1374   – Vizinhança

 

Toda a vizinhança espera

Ver-me envolvido em sarilhos.

Que prazer que isso lhe dera,

Quantos ditos para os filhos!

 

 

 

 

Um saco de caranguejos,

Todos lá dentro amarrados,

Andando ao acaso, vejo-os

Tolhidos de muitos lados.

 

Decide um tentar a fuga

E então os mais, de repente,

Tal do sono quem madruga,

Correm a fazer-lhe frente.

 

Andavam fazendo nada.

Doravante, porém, acho

Que deram rumo à jornada:

- É puxá-lo para baixo!

 

Toda a vizinhança espera

Ver-me envolvido em sarilhos:

Que labor que tal lhe dera,

Que sentidos para os filhos!

 

 

1375   – Conservar

 

Aos vinte anos temos só

Roupas, orgulho e apetite.

Dos vinte aos cinquenta o pó

Nem tempo tem que espevite

 

Quanto p’ra casa acarreto.

Aos sessenta delicio-me,

Desde o chão até ao tecto,

Com tanta tralha! Após rio-me

 

E, dos sessenta aos setenta,

O maior prazer é dar.

Depois disto o que alguém tenta

É só os dentes conservar!

 

 

1376   – Além

 

Meça além quanto haverá

Depois do gesto primeiro:

Coce um cão e encontrará

Um trabalho a tempo inteiro!

 

 

1377   – Dinheiro

 

O dinheiro nunca pode

Comprar a felicidade

Mas ajuda, quando acode,

A achar-lhe a localidade.

 

 

 

 

 

 

 

1378   – Xadrez

 

A tua cor favorita,

De tão indeciso que és,

Não fala nem geme ou grita,

A tua cor é o xadrez!

 

 

1379   – Fragrância

 

Económico, concentro

Duma pechincha a fragrância

Pelo menos a um centro

Comercial de distância.

 

 

1380   – Sarno-os

 

Melhor é evitar tormentos

(Muitos, viciosos, eu sarno-os)

E saltar à contramão:

- Pois com certos alimentos,

Nós podemos viciar-nos

Em boa disposição.

 

Alimentar-me equilibrado e bem,

Mais que alimento é festa que tem.

 

 

1381   – Truques

 

Os truques com a ilusão

Do desaparecimento

Mais rápidos jamais são

Que as oito horas que aumento

Às do trabalho outras oito,

Mais as oito em que pernoito:

- Duram, sem truque, um momento!

 

 

1382   – Propósitos

 

Bons propósitos dirão

Que nos servirão de cura…

- Os bons propósitos são

Mais cheques sem cobertura!

 

 

1383   – Organização

 

A organização atinge

O ponto de perfeição

No momento em que não finge,

- Cai em colapso no chão!

 

 

 

 

 

 

1384   – Nariz

 

Se tu tens o teu nariz

Só no trabalho enfiado,

A vida passa-te ao lado,

Do que vês não és feliz.

 

No teu mundo de não-ser

Apenas a ti terás

De teu nariz bem atrás…

E o trabalho por fazer!

 

 

1385   – Diferente

 

Pobre, rico, é diferente

Mais do que a bolsa lhes meça:

O pobre vai para a frente

Só quando mesmo tropeça!

 

 

1386   – Cego

 

Bem gostava de ser velho,

Sendo o novo que aqui vou,

Descansando o perro artelho

Atrás a ler longo o voo.

 

Crendo repentinamente

Que tinha feito e cumprido,

Que importara a muita gente,

Era o velho em novo erguido.

 

Ser, porém, um velho velho,

Deus me livre, te arrenego:

Não é mais que o mau conselho

De quem me quer de vez cego.

 

 

1387   – Festas

 

As festas infantis

São mais que cantos e danças,

Nelas é que descobris

Que mais que as vossas crianças

Outras há bem imbecis:

Como são aborrecidas!

 

- E é por isso que as convidas:

Como então te recompensa

Constatar a diferença!

 

 

1388   – Incenso

 

Nas espirais de incenso escuto os coros,

Reencontro ali dentro a mesma entrega,

O mesmo entressonhar distantes louros,

Fé que não se interroga e a que se apega

 

Um desejo obcecado do seguro,

De o responsável ser fumigação,

Tornado mais suave e talvez puro,

De esquecer a Cruzada, a Inquisição…

 

- Quando deixou de ser a perseguida

A Igreja usou da espada e da foguueira,

Com as torturas fez desde então vida

E é doravante o fruto desta asneira.

 

 

1389   – Lagostim

 

Nós somos o lagostim

Na panela de água fria

P’ra cozer, cozer sem fim,

Até que a morte sorria.

 

Chegam os cinquenta graus,

Gritamos todos em coro:

Como os tempos correm maus,

Quem nos dera o antigo choro!

 

Quando vêm os sessenta:

Ai que bem que nos faria

Retornarmos aos cinquenta

Que ainda há um nada se sofria!

 

E sempre assim por diante

O que nos marca a saudade

É que é o passado o garante

Da mais ínvia eternidade.

 

 

1390   – Sacrifício

 

Afinal a que conduz

O sacrifício de Cristo?

Sangrentas mortes na cruz,

Fanatismo jamais visto,

Às câmaras de tortura

E morte da Inquisição,

Ao suplício da fartura

De bruxas que inventarão,

Dos heréticos à morte…

- E tudo em nome do amor

Do próximo, cuja sorte

Salvou Deus Nosso Senhor!

 

Valha-nos Deus, Deus nos valha

Mais a sorte que nos calha!

 

 

1391   – Ocioso

 

Liberdade de ocioso:

Não tem qualquer profissão,

É um homem desocupado.

Todo inteiro entregue ao gozo,

Dia e noite na função…

…É como a pega do lado!

 

 

1392   – Esterco

 

Como é rude

Chamar de esterco a um filho!

E como o amor ilude!

Por mais que ofusque o brilho,

Que mais é que um poio de imundície

Que apenas tem dele em abono

Os brocados da superfície?

 

Somos um monte de esterco

Arreado de oiro e prata.

Se pelas sedas me perco,

Este é o erro que me mata.

 

 

1393   – Fogo

 

Dia de fogo na aldeia

É um palco de actuação:

À tragédia dar a mão

No prazer da dor alheia…

Depois cada qual é herói

A contar como é que foi.

 

 

1394   – Temas

 

As mulheres nunca tardam

A chegar aos grandes temas:

Vida, morte, liberdade, amor…

 

Os homens, só quando lhes ardam

Nas mãos os problemas.

O resto é política, futebol e a avaria no motor…

 

 

1395   – Poder

 

Quando um homem conquista o poder

A desgraça é que o poder é seu:

Até as galinhas e os cães que tiver

Sobem ao céu,

Como se não bastara a desgraça de a ele

Inchar-lhe de sapo a pele!

 

 

1396   – Civilizado

 

Num país civilizado

Eu caminho protegido,

Mas ai de mim se, de lado,

Rumo a um rumo proibido.

 

 

 

 

Se quero a verdade toda,

Troca o guarda a identidade,

Ata-me os grilhões em roda,

- Carrasco da liberdade!

 

Mas porque é civilizado,

Este discreto tropismo

Nem sequer mesmo é notado:

- De paraíso é que o crismo!

 

 

 

1397   – Político

 

Um político, em mercado,

Deteriora-se e se iguala

Ao que, podre, no passado,

Rejeitado fez a mala.

 

 

1398   – Prisão

 

Tem o mérito a prisão

De tornar deliciosos

Os dias que aí virão

Da vida livre e de gozos.

 

 

1399   – Desejo

 

O desejo carnal, mesmo escasso,

É um inimigo secreto, avassalador:

Quando não fora devasso,

É mesmo devassador.

 

Quer saltar da cerimónia

Ao rito da intimidade,

Da casca ao cerne sem acrimónia,

Da sala à alcova com alacridade.

 

Enquanto vai da rua ao quarto,

A deliciosa fatia inicial

Que me reparto,

Assim tão empenhado,

É um mero naco de animal

Sublimado.

 

 

1400   – Greve

 

A greve uma grande arma tem de ser

Para ter a fabricação

Por conta dela do pão

Que o grevista, afinal, deixa de comer.

 

 

 

 

 

 

1401   – Peles

 

Polícia, guarda, um soldado qualquer

Alugam peles vivas, as suas peles.

Depois outros convencem-nos a morrer

Por uma causa que não é a deles.

 

E, ao fim de tantos anos,

Nunca os convenceram de que são humanos.

 

 

1402   – Fome

 

A beleza como o mais

Que mundo além me retome

Só existe quando o anotais

Com a barriga sem fome.

 

 

1403   – Desculpa

 

Aos cacos da loiça partida

Com supercola os grudo.

Assim opera a desculpa na vida:

- Repara quase tudo.

 

 

1404   – Televisão

 

A televisão

Muito pode dar,

Porém tempo, não

Para alguém pensar.

 

 

1405   – Celebridade

 

Os heróis revelarão

A humana potencialidade:

A celebridade

Apenas é dos meios de comunicação.

 

 

1406   – Difícil

 

É fácil no lugar

Ficar sentado a observar.

Difícil, a seguir,

É levantar-se e agir.

 

 

1407   – Mapa

 

O mapa da estrada indica

Os caminhos do regalo,

Mas não te dá qualquer dica

De como deves dobrá-lo.

 

 

 

1408   – Saber

 

Devias casar com ele,

Que sabe bem o que quer.

O outro prefiro: aquele

Que o que eu quero quer saber.

 

 

1409   – Adolescente

 

Instruir o adolescente

Sobre os eventos da vida

É dar ao peixe, demente,

O banho com que ele lida.

 

 

1410   – Jornalistas

 

Outrora, os jornalistas

Falavam de acontecimentos,

Hoje correm noutras pistas:

De Deus são novéis portentos.

 

As novas que irão ser nosso amanhã

Clamam agora, omniscientes.

Mas, se a pretensão resultar vã,

Do nada criam tais entes,

E assim, sendo omnipotentes,

O acontecimento inventado

Comentam por todo o lado.

 

Fazem mal e caramunha,

Ninguém contratestemunha.

 

São deus:

Quem pode tocar nos céus?

 

 

1411   – Obelisco

 

Um obelisco,

Imponente falo artificial

De pedra, em que risco

Um complexo de castração:

Sinal

Em alta

Duma potência de erecção

Que à civilização falta.

 

 

1412   – Latinos

 

Latinos, a maioria

Como gosta de falar!

Que bom convívio seria

Se escutaram tanto a par!

 

 

 

 

1413   – Fuzilaria

 

A eterna posição do democrata:

Dos extremistas a fuzilaria

Se conjuga, baleia e o maltrata

Apenas porque traz a luz do dia

E só de escuridão vive a barata.

 

 

1414   – Porcelana

 

Pensamentos eróticos nutrir

Por uma donzela tão frágil e tão lhana

É querer dormir

Com uma boneca de porcelana.

 

Embora haja a considerar

Que um minúsculo transístor oriental

É tanto ou mais operacional

Que um rádio vulgar…

 

Tudo vem do que o pretendente

Quiser,

Jamais de ser

Oriente ou ocidente.

 

Quem disseca

O erotismo que emana

Duma boneca

De porcelana?

 

 

1415   – Demais

 

Quem não teve pai nenhum

Buscará segundos pais.

Contudo, pai há só um

E, às vezes, um é demais!

 

 

1416   – Patife

 

Na vida nunca encontrei

Um patife

Com a cara que é de lei

E corpo mesmo de esquife.

 

Isto é que jamais é prático,

Torna a imagem perigosa:

- Todo o patife é simpático,

Pessoa mesmo amorosa!

 

Caso o não fora,

Bem fácil era a justiça

Que nele se enguiça

A toda a hora.

 

 

 

 

1417   – Semi

 

Em tudo serei semi:

Semi-poeta, semi-artista,

Semi-gente, semi-cientista…

Semi-satisfeito aqui

Porque além me semi-falta.

E o pior de tudo

É que assim também sou semi-sortudo.

Depois cá vou, semi-ave pernalta,

Ambulando em todo o lado

Só semi-envergonhado!

 

 

1418   – Fêmeas

 

Duas fêmeas em disputa

Pelo mesmo homem

Apontam os seios em luta,

Canhões armados,

Para que de assalto o tomem,

Finalmente, os couraçados.

 

Uma da outra diante,

Aprestando-se à batalha,

Ora é a cena canalha,

Ora, a cena galante.

 

Silentes embora, clamam,

São um grito,

Em ambos os casos pelos homens chamam:

Este é o derradeiro fito.

 

A diferença de cariz

É mero verniz:

Cairá logo se, na estrada,

Tiverem de disputar à bofetada.

 

 

1419   – Preto

 

- Apresentou-me, indiscreto,

A um preto! Deu-me uma gana!

- Não será que, antes de preto,

Ele é criatura humana?

 

 

1420   – Nostalgia

 

O mundo ainda haveria

De sentir a nostalgia

De quando o Sol se não punha

Do colono onde ia a unha.

 

Os culpados indirectos

Dos políticos fantoches

Intelectuais são selectos,

Imperitos em deboches.

 

 

Defendem, mui liberais,

A autodeterminação

Sem que prevejam jamais

O que requer tal função.

 

Sem responsabilidade,

Que liberdade haveria?

Senso comum persuade

A não ter fé na magia.

 

Que nações deformações

São viáveis onde as tribos

Se comem às refeições,

Umas doutras feitos cibos?

 

O pior é que, com isto,

Eternos se comerão

Sem jamais terem o visto

De que devirão nação.

 

Que chatice! Que chatice!

Se não fora coisa séria,

Não passara de sandice,

Tudo ria da pilhéria!

 

 

1421   – Três

 

Cada qual são três pessoas:

O que insulta com a raiva,

O insultado, sempre às boas,

E o que nunca entre ambos caiba.

 

 

1422   – Imprensa

 

Onde é livre a livre imprensa?

No Estado totalitário

O poder nela condensa

O poder discricionário.

 

Porém, na democracia,

O económico poder

Nos controla a fantasia,

Conta o facto e o dever-ser.

 

Quando não mexe no ter

Aqui resta a liberdade

De dizer quanto quiser,

Seja mentira ou verdade.

 

Acolá, nem esta faixa:

Tudo na monotonia

Do idêntico acorde encaixa.

A mentira? É todo o dia.

 

 

 

 

 

1423   – Pouco

 

A gente pode inventar

O que o Senhor esqueceu.

Seis dias para aprontar

Um mundo, como é que deu?

 

Seis dias é muito pouco,

Por isso de tempo a falta

Deu com este mundo em louco.

- De nós pende dar-lhe a alta.

 

 

 

1424   – Estábulo

 

No estábulo nasceu Cristo.

Por no estábulo nascer

Não quero dizer com isto

Que alguém Cristo venha a ser.

 

Esse é o erro permanente

Que perde a revolução:

Crer que alguém fecunde a gente

Só porque é estrume do chão.

 

Quando na terra enterrado,

O estrume então fertiliza

E jamais quando é jogado

Nas ventas de quem se visa.

 

 

1425   – Vergonha

 

Vergonhoso é descrever

As vergonhas da Nação

Ou é uma vergonha haver

Vergonhas dela em função?

 

 

1426   – Patas

 

Com a cabeça e as mãos

O que ergues, o que desatas,

Se não medes os teus chãos

Desfarás com tuas patas.

 

 

1427   – Bem-aventurados

 

Bem-aventurados os mansos

Porque possuirão a terra?

- Coitados dos tansos!

Pelos rebentamentos cavos

Da guerra,

A terra é dos bravos.

Os mansos terão de seu,

Quando muito, o céu.

E, mesmo assim, mesmo assim,

É o que se há-de ver no fim:

- Ou então as igrejas,

Sempre aliadas e donas do poder,

Que rumo nisto dão ao que almejas

Vir a ser?

 

 

1428   – Assim

 

O nacionalismo é assim:

Pela pátria, honra e tradições,

Vai pôr fim

À pátria, honra e tradições

Duma nação afim.

 

E nisto não verá quaisquer senões.

 

O partidarismo é assim:

Ao vencer, ajeita o ninho

Cortando as cabeças que, enfim,

Pertencerão ao partido vizinho

E reina solitário no confim.

 

E o crime chama augúrio de adivinho.

 

O clubismo é assim:

Em lugar do desporto,

O adversário é, para mim,

Um homem morto,

Morto, sim!

 

Nenhum vê qualquer senão

No que atropele.

E tem razão:

- O senão

É ele!

 

 

1429   – Cretino

 

Bem conhece as mulheres, diz o cretino,

Realista indivíduo terra a terra:

Dormir com a mulher é o mais divino

Saber de quem viveu a pior guerra.

 

Contudo, só colisões

Teve com o outro sexo.

Da maquilhagem as sobreposições

É que dum saber passam por nexo.

 

Careca de ideias até à nuca,

Confrontado com uma mulher,

Enfia a psicológica peruca:

É tão ridículo como qualquer

Velho a tentar parecer jovem.

 

E tais trejeitos nem sequer

Já nos comovem.

 

 

 

1430   – Pensar

 

Pensar é aquilo que dá mais trabalho.

Talvez seja por isso que tão poucos

Se meterão a tal. O valor dá-lho

Isto de sermos, afinal, bem loucos!

 

 

1431   – Preocupação

 

A preocupação

Custa menos do que quanto

Vier resolver a situação.

E tanto

Que escolhemos o problema que mais aterra

Para que nossa preocupação o mundo oiça:

Todos queremos salvar a Terra;

Ninguém ajuda a mãe a lavar a loiça!

 

 

1432   – Cortesão

 

A primeira qualidade

De quem quer ser cortesão

Sempre é que a memória lhe há-de

Falhar em cada questão.

 

Cortesão quer um saber

Que é o de saber esquecer.

 

 

1433   – Fome

 

Quem come

Não tem fome.

A quem não come

O come a fome.

 

Da fome em redor

Se tece das vidas o teor.

 

Afinal,

Esquecemos depressa

Que tudo começa

Por que o homem é mesmo um animal!

 

 

1434   – Jumento

 

O sacerdote é tal qual seu paramento

Que o tempo não perturba.

Diante da turba

Ventrudo jumento,

Caminha à frente da manada

De camelos obedientes.

As seitas desviam grupos da estrada

A incitar estes azelhas

Dementes

A puxarem a corda,

A puxarem ao jumento as orelhas

- A ver se acorda.

 

 

1435   – Loucos

 

Há loucos e loucos.

Se todos o somos,

Há loucos com juízo

E sem juízo loucos.

Daqueles os gomos

Contam-se bem poucos

Na laranja do siso.

 

Quando o louco com juízo

Responde ao louco parvo,

Onde se lhe nota o aviso

Não é no garbo,

É que decora com cuidado

O termo com que lhe moldou o fado.

 

 

1436   – Partido

 

Um partido político

Em toda a parte

É o negócio já paleolítico

De camuflar com arte

Os membros nele envolvidos

Com interesses pessoais

Como sendo os mais destemidos

Cavaleiros das causas nacionais.

 

Queixam-se então,

Quando caem no esgoto

Que são,

Da infidelidade do voto

Que lhes dão.

 

Já têm muita sorte!

Por muito menos

Foram outrora levados à morte

Criminosos bem mais pequenos!

 

Político sem mentira

É tão raro

Que quem o crê é que o faro

Lhe delira.

 

 

1437   – Cruzada

 

A cruzada contra o aborto

Ocupa bem mais lugar

Do que o que mais nos tem morto:

A corrida a nos armar.

 

O objector de consciência

Que se recusa a matar

Não tem nenhuma eminência

A defendê-lo do altar.

O respeito pela vida

É só no estado fetal?

Fica a do adulto esquecida…

…Que é que era fundamental?

 

 

1438   – Excepto

 

As ciências humanas ensinam

Do homem tudo em redor,

Quantos mundos nele se combinam…

- Tudo, excepto o que o homem for!

 

 

1439 – Borra

 

O psicanalista lê

Na borra de café

Do inconsciente

Que a pintura de Picasso é

Uma pulsão erótica.

 

Como se tal pulsão não estivera presente

Em qualquer de nós,

Sem nos obrigar à anedótica

Sorte, de destino deveras escasso,

De cada qual ter de ser um Picasso!

 

 

1440– Cimeiro

 

Aquilo que o mundo mais esquece

E que deveria ocupar em todas as actas

O lugar cimeiro:

- O que conhece

Não é um cérebro montado em duas patas,

É o homem inteiro!

 

 

1441 – Sacrifício

 

Vai pedir-me sacrifício

Um absoluto à medida:

O da Igreja, o Santo Ofício;

O do dinheiro, uma vida.

 

A nação, a classe, a raça,

A seita, seja o que for,

Em mim faz qualquer que nasça

Sempre um grande inquisidor.

 

Se em posse estou da verdade,

Duma verdade acabada,

Quem ma conteste então há-de

 

Ou ser doente, de entrada,

Ou um rebelde que engrade

Nas prisões que ergo na estrada.

 

 

1442 – Perseverar

 

Perseverar é o trabalho

Árduo que é feito em vez

Da canseira do trabalho

Árduo que já se fez.

 

 

1443 – Vingança

 

A vingança tem o efeito

Mitigador de emoções

Que, de água salgada, ao peito,

Se os bebo, fazem galões.

 

 

1444 – Retrato

 

A vida sempre a chamar-nos

E nós a virar-lhe as costas,

Para depois lhe tirarmos,

À vida, o retrato às postas.

 

 

1445 – Está

 

O que está, está bem,

Pelo facto de que está.

Porque ignora e desconhece,

Quem

De tal duvidará?

O dever moral aquece

O que está porque está lá.

E ao governo o que acontece,

O que à nação não esquece

É que assentam acolá.

Todo e qualquer bem pensante,

O lúcido, o inteligente,

São a raça confiante

Em que o mundo roda em frente.

E das calhas no carril

Lá corremos sempre além,

Aos bandos, de mil em mil,

Que o que está sempre está bem.

 

 

1446 – Bornal

 

Cabo, sargento, oficial

São feras e não pequenas:

Levam à morte centenas

Pela medalha e o bornal.

 

 

1447 – Louros

 

Os louros tanto procura

A Humanidade cansada!

Não vê que lhe não dão cura

Nem sequer boa almofada!

1448 – Moleza

 

O dinheiro atrai dinheiro,

Pobreza arrasta pobreza:

Se não fores do primeiro,

Cuidado com a moleza!

 

 

1449 – Podar

 

Sempre há quem chore no lar

Por se podar a fruteira

E a mãe vai abandonar

Morta à fome ou de canseira!

 

 

1450 – Desconhecido

 

Ocorre, por vezes,

Não ver um amigo

Uns meses…

- Quando o reencontro, que desconhecido!

 

 

 

1451 – Mitologia

 

Numa aldeia, uma pessoa

Que antes ninguém conhecia

É como a chegada à toa

Dum deus da mitologia.

 

 

1452 – Carne

 

Um beijo, qualquer carícia,

Tão medíocres, banais

Numa carne sem delícia

Aforrada aos cabedais!

 

Porém, se esteticamente

Deveio numa obra-prima

Para a rotineira mente

Que desde então a sublima,

 

A mesma carne é motivo

De celeste adoração,

Peça de museu, de arquivo,

Divinal coroação.

 

E o amante já não perde

O tempo, sempre enfadado,

Amadura um olhar verde,

Raro e desinteressado

 

De artista a ver o exemplar

Raríssimo que vislumbra,

Coleccionador sem par…

- E a peça então o deslumbra!

 

1453 – Espanto

 

O espanto do mar, o marulho das ondas,

Sei lá quão

Deliciosos

Serão!…

Convenço-me dos gozos,

Do valor das escolhas e das mondas,

Dos gostos desinteressados,

- Meus vectores, meus lados –

Convenço-me da beleza

Quando caríssimo pago o quarto de hotel

Que perante a janela ma oferta, presa

Fiel.

 

Deriva pela beleza o enorme apreço

- Afinal, do preço!

 

 

1454 – Galope

 

Enquanto o mundo for mundo

Sempre veremos patrões

No galope mais jucundo

Sobre os criados poltrões.

 

E sempre haverá criados

A rastejar como bichos,

Dispostos a ser montados

A saciar tais caprichos.

 

 

1455 – Neurasténicos

 

Aos neurasténicos há

Quem cansaços redobrados

Provoque ao lembrar que já

Andam muito fatigados!

 

 

1456 – Mobília

 

A opinião que uns dos outros temos,

Os laços de amizade,

Mesmo a família

Não têm a rigidez que neles vemos,

Fixa aparência de realidade,

Numa mobília

Pelas assoalhadas a trocar

Permenentemente de lugar,

Eterna mobilidade

Flutuante do mar.

 

Tantos divórcios, daí,

Entre esposos tão perfeitos

Que logo após, se os revi,

Um ao outro se revelam tão atreitos.

 

Tanta infâmia dum amigo

Sobre outro amigo jogada!

Quão depressa esta levada

Se estancou e, no pascigo,

Lobo do cordeiro abrigo,

Ambos encontro, pacatos,

Nos convívios mais cordatos!

 

A muda tem tal presteza

Que ninguém

Sequer o tempo tem

De recompor-se da surpresa!