Escolha um número aleatório entre 1457 e 1542 inclusive.
Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
1457 – E riremos inteiras alegrias
E riremos inteiras alegrias
Quando os senões dementes
Forem tão inocentes
Que nem valham da desculpa as fantasias.
Riremos as atitudes e os dias
Quando as ausências forem tão presentes
Que até as palavras tu comes entre dentes,
Não valem o esforço que farias.
Riremos quando tão pecos nos sentimos
Para o apelo dos cimos
Que, afinal, rir é o que todo o mundo queria.
Riremos,
Porque a rir é que nós vemos
Que a Festa, afinal, já principia.
1458 – Calor
A medida do calor
Dum dia em pleno Verão:
Só do corpo a extensão
Dum gato a espalhar torpor.
1459 – Celeiro
Qualquer burro derrubar
Poderá qualquer celeiro.
Porém, pô-lo no lugar,
Só se houver um carpinteiro.
1460 – Livro
Um livro é o melhor presente:
Brinquedo sem avaria,
Nem preciso, de repente,
De a pilha mudar um dia!
1461 – Fresco
De manhã por que será
Que fica mais fresco o ar?
- É que a noite passou lá
Fora inteira a refrescar!
1462 – Pele-vermelha
Por que é que o pele-vermelha
Olha de mão sobre os olhos?
- Se a põe à frente, sem telha,
Não dá conta dos escolhos!
1463 – Orvalhar
De manhã por que será
Que a terra fica a orvalhar?
- É que, de noite, a correr
Andou de cá para lá
E, no alvor, fica a suar
De tanta fadiga ter!
1464 – Pardais
Será mesmo que, pardais,
De tão cansados, na via
Sobre os fios repousais
De lá roubando a energia?
1465 – Cão
Por que é que tantos amigos
Consegue fazer um cão?
- É que ao rabo dá e perigos
Só do que à língua der são!
1466 – Estatística
Três peritos de estatística
Foram caçar de arco e flecha.
Arde-lhes a visão mística
Dum veado com a mecha.
Fazendo mira, um atira
E falha à esquerda três palmos.
Logo outro a lição retira,
Três falha à direita, calmos.
O terceiro, vendo o efeito,
Grita aos saltos, como os gamos,
Plenamente satisfeito:
- Acertámos! Acertámos!
1467 – Demais
Irei deixar de estudar!
É que li pelos jornais
Que vão matando, ao azar,
Tipos que sabem demais…
1468 – Pomar
Um avô contava à neta,
Indo do pomar nas franjas:
- Laranjeira dá laranjas,
Isto aqui, maçã reineta…
E tu gostas mais de qual,
Que fruta melhor tu sentes?
- Quero árvores de Natal,
Que são as que dão presentes!
1469 – Homens
Dois homens vão a descer,
Diz um ao outro, hesitante:
- Vem aí minha mulher
Junto com a minha amante!
O outro olha-as além:
- Oh, não! As minhas também!
1470 – Universitário
Aluno universitário
Tudo vai ter de saber.
Um assistente, ao contrário,
Só em que livros houver
O que o professor quiser.
Este é só manter-se atento
E do lugar tomar tento
Onde o assistente estiver.
E de férias quanto ao resto,
Sempre manter pronto o apresto.
1471 – Metade
Metade da nossa vida
Temos a capacidade
Que a divertir nos convida,
Sem ter a oportunidade.
Na outra metade temos
A oportunidade doce,
Embora então reparemos
Que a capacidade foi-se…
1472 – Educar
Nunca os pais aprenderão
A educar uma criança.
Não tem sono à noite e vão
Pô-la à cama: “Aí! Descansa!”
E de manhã, quando o tem,
É que a acordarão ligeiros…
- Como é que se pode então
Conviver com tais parceiros?!
1473 – Trela
Um político passeia
Uma avestruz pela trela.
- Onde vais nesta viela
Destes babuínos cheia?
- Não é um babuíno! – diz
O político, ao abrigo
Da sombra, na sequela.
- Não meta aqui seu nariz!
Não ‘stava a falar consigo
Mas a dirigir-me a ela!
1474 – Ovos
A partir ovos no chão,
A criança de três anos,
Com gestos que muito a exaltam,
Responde à grande questão
Dos primeiros desenganos:
“Estas bolas, mãe, não saltam!”
1475 – Avarento
Quem será tão avarento
Que de manhã verifique
Sob a cama, a seu contento,
Se um sono esquecido fique?
1476 – Preguiçoso
Tão preguiçoso e ronceiro
Quem há que na bicicleta
A rapidez de cruzeiro
Ponha em comando e vinheta?
1477 – Cuidado
Tem de ter muito cuidado
Se não souber onde irá,
Que se perde em qualquer lado,
Que pode não chegar lá!
1478 – Meteoro
A TV conta, feliz,
Reportagem fascinante.
“Um meteoro gigante
Falha a Terra por um triz!
Apenas por uma hora
Ao desastre se escapou…”
- Ainda bem – diz agora
Alguém – que a hora mudou!
1479 – Militar
O militar é uma planta
Cuidada por mão de muitos
Para que, enquanto encanta,
Não dê frutos!
1480 – Pechincha
É a pechincha aquela coisa
De que nunca precisamos
Mas com tal preço na loisa
Que, irresistível, compramos!
1481 – Nível
O trabalho é sempre feito
Por aquele que, credível,
Não atingiu a preceito
De incompetência o seu nível!
1482 – Êxitos
Muito homem deverá, prestes,
À sua primeira esposa
Os êxitos. E a estes,
A outra de que hoje goza!
1483 – Macacos
Feitos são de nãos e sins,
Conforme são os patacos:
Se pago em amendoins,
Produzirei só macacos!
1484 – Tribunal
Ao tribunal conta o réu
Que o agente deu-lhe um murro.
- Eu?! De bêbado bateu
Num poste, deu mesmo um urro!
- Bêbado, eu?! Olhe que não!
E a testemunha de idade
Que ia atrás? Sabe a verdade…
- Ia atrás era o meu cão!
1485 – Namorado
- Que género de pessoa
É o namorado que tens?
Vê lá, filha, a intenção boa
Já demais criou reféns!
- É um homem muito poupado,
Não fuma nem bebe, mãe.
Além disso está treinado,
Uma vez que é já casado,
Até três filhos já tem!
1486 – Inferno
Pelas palavras cruzadas
Fanático, um homem morre.
Do inferno às quentes arcadas
Duma biblioteca acorre.
Fascinantes, as charadas
Por lá espalhadas a esmo
Erguem enorme montão.
Um lápis busca às entradas…
- Um inferno é isto mesmo:
Charadas há, lápis, não!
1487 – Fera
Um cristrão da Roma antiga,
Perseguido dum leão,
Enfrenta a fera inimiga:
- Senhor, tornai-o cristão!
Logo e fera se empertiga
E ajoelha ali no chão:
- Senhor a que a fé me liga,
Para comer com a unção
Do santo que mais te siga,
Abençoa-me a refeição.
1488 – Telefone
Porta a porta, o vendedor
Mete o pé portas adentro,
Sem me deixar contrapor
Que minha casa é meu centro.
O telefone, adiante,
Muda a invasão de sentido:
O vendedor, doravante,
Mete o pé no meu ouvido!
1489 – Político
Político: se a luz viu
Do túnel quase acabado,
A comprar do trem saiu
De túnel mais um bocado!
1490 – Desarrumado
Alguém ser desarrumado
Traz-lhe as vantagens instantes
De ter sempre, em todo o lado,
Encontros emocionantes!
1491 – Medo
Para quem se acoite
À noite que o guarde
Do medo,
Nunca é tarde
Antes da meia-noite…
E depois disto é cedo!
1492 – Hereditariedade
A hereditariedade
É aquilo que faz que os pais
Perguntem pelos sinais
Um do outro de verdade.
1493 – Fraquezas
De nada vale o alarido:
Se uma mulher tem fraquezas,
Que é que importa que o marido
Tenha paço e fortalezas?
1494 – Turistas
Os turistas comuns são os mais
Optimistas:
Querem todos juntos visitar locais
- Onde não haja turistas!
1495 – Empresa
Nos negócios uma empresa sempre vai
Aos céus afeita:
- O filho senta-se do pai
Sempre à direita.
1496 – Limpeza
Numa sazonal limpeza
Chegaram à biblioteca:
- Há livros que é só despesa,
Lê-los até a gente peca!
Ali, um drama sangrento
De assassínios, suicídios…
Mata um tipo o irmão, cruento,
E os benefícios divide-os,
Toma o emprego e a mulher dele.
Um paranóico sobrinho,
Dum detective na pele,
Ouve vozes de adivinho,
Mata o pai da namorada,
Depois o irmão, mais o tio
E no fim, duma assentada,
Vai suicidar-se a frio!
- Literatura moderna,
Tudo apenas violência…
Vais ver, há-de ter à perna
Para um filme a concorrência.
- Oh! Já teve e é uma fita
A que aconselham a ir.
A gente nem acredita!
É o Hamlet, de Shakespeare…
1497 – Dano
Há pior dano
Que uma chamada
Às quatro da madrugada
Por engano:
- É não ser engano tal chamada!
1498 – Alarme
A mulher quer brincadeira,
Pode nem sequer amar-me.
Se outra comigo emparceira,
Soa, porém, logo o alarme.
E, por mais que use lisura,
Modo não há que resista
À prevenção da postura
Do grito: “ladrão à vista!”
1499 – Trombetas
Dia do juízo Final,
Dos quatro cantos reboam as trombetas.
O arcanjo Gabriel dá o sinal,
Abrem-se as portas brancas, abrem-se as portadas pretas.
Os nazis, os fascistas
E todos os demais racistas
Cantam hinos de louvor
Ao Senhor.
Mas, quando se abre, por todos os lados,
Da luz o infinito tecto,
Descobrem, apavorados,
Que o Senhor é preto!
1500 – Diabo
Com tempo, aprendendo acabo.
O diabo sabe mais
Mas não é por ser diabo,
É por ser velho demais.
1501 – Funcionário
Um funcionário perfeito
Tem barriga e não tem olhos:
A refeição toma a peito,
Que o país são só abrolhos.
Uma guerra mundial
Pode o mundo pôr em cacos,
Que nele só dão sinal
Dum estômago os buracos.
Memória, sim, irá tê-la,
Não das questões do poder,
Mas daquela boa estrela
Que a gula satisfizer.
Assim é que se eterniza
O bom estado do Estado:
A barriga por baliza,
- Barriga por todo o lado!
1502 – Porco
Dum porco a propriedade
Fere tanto os deputados
Que a ordem do dia invade
Em discursos inflamados.
E pode de vez cair
Em bancarrota o País,
Que o porco é que importa ouvir,
A ver o que ele nos diz.
É que um parlamento a sério
Duma guerra mundial
Não trata: não tem mistério!
Ao que importa dar aval,
De que depende um império,
É quanto é que um porco vale!
1503 – Buraco
Quando alguém cai num buraco
Que ele mesmo anda a escavar,
De que será feito o naco
De mão-de-obra do lugar?
1504 – Púbere
Púbere, a idade com o bocado
De sossego a que me acoite:
Velha demais para me acordar de noite;
Nova demais para pedir carro emprestado!
1505 – Defeito
Tem grande defeito
Esta mocidade.
- Já não tenho jeito
De ser dessa idade!
1506 – Fechadura
Na mulher como na porta,
Ao forçar a fechadura,
Não é mais força que importa,
O que importa é mais brandura.
1507 – Relógio
Ao relógio não atarda
Um povo conservador:
Matará mas é, não tarda,
Do relógio o inventor.
1508 – Infelicidade
De alguém a infelicidade
Não provém do que lhe falta
Mas de ver a quantidade
Das coisas doutrem em alta.
1509 – Colesterol
Para o espírito é o orgulho
Tal como é o colesterol:
Na alma acumula o entulho,
Na veia a ideia não bole.
1510 – Perito
Um perito é aquele alguém
Que mando chamar ao fim,
Partilhando (que convém)
Culpas do que não é assim.
1511 – Brinquedo
A diferença maior
Entre o adulto e a criança
É que o brinquedo que for
Para o adulto, só o alcança
Quem o pagar, pontualmente,
Mês a mês, à confiança:
- É caro a mais de repente.
1512 – Vestido
- Andar assim mal vestido
A profissão não te empece?
- Cá pouco isso faz sentido,
Toda a gente me conhece…
- Mas, então, na capital
Vais vestido assim também!
- Olha lá que grande mal,
Não me conhece ninguém!
1513 – Janelas
Quantas pessoas trabalham
Do Governo nas janelas?
De quantas lá se atrapalham,
Nem sequer metade delas!
1514 – Fresta
- Estes marcos de correio
Requerem fresta maior.
- Apenas anda a propor
O senhor mudar tal meio.
- Como é que pode saber?
- Em todo o marco que junca
As ruas, não há sequer
Um em que alguém possa ver
Nada maior dentro nunca!
1515 – Sapo
Concentra-se o jogador,
Murmura o sapo, discreto:
“Joga o bispo, que o teor
Do xadrez é deste jeito.”
Joga e ganha o jogador.
Diz o sapo: “põe-me ao peito,
Vai ao casino, que um ror
De dinheiro ali te espreito.”
Foi lá, ganha uma fortuna.
- Tudo então se coaduna,
Senhor juiz: à janela,
Beijo o sapo e, de repente,
Transmuda-se o sapo em gente,
- No meu quarto entra assim ela!
1516 – Etiqueta
A etiqueta imita o ar
De quem tem cara lavada:
Aprender a bocejar
Com a boca bem fechada.
1517 – Sequelas
Do sonho errado a divisa
Tem de andar nestas sequelas:
- Quem de férias mais precisa
É quem acabou de tê-las!
1518 – Tropeços
Guilherme da Normandia,
Com tanto poder, riqueza,
Armas que o mundo temia,
Duma sanita a presteza,
Com autoclismo, nem via
Que até pudera existir,
Quanto mais vi-la a fruir!
E Creso coberto de oiro
De que é que lhe valeria?
Nem uma fotografia
Pôde tirar ao tesoiro!
E mesmo Alexandre, o Grande,
Meio mundo sob os pés,
Nunca teve a quem comande
Que um vídeo lhe traga às três!
E aonde Ivan, o terrível,
Podia, em corte tão tétrica,
Para o seu dente sensível,
Dar com uma faca eléctrica?
Todo o famoso de outrora
Vivia muito pior
Do que, pobre, vivo agora.
Sinto-me, então, o maior?
O problema é que tal qual
Como quase toda a gente,
Prosperidade, afinal,
É, comparando, o que sente
Cada qual de seu vizinho
Ao listar-lhe pão e vinho,
As casas, os adereços
E todos os mais tropeços…
De antanho que importa o rei
Que nem saiba o que terei,
Se o meu vizinho da frente
Tem um tampo lá de mesa
Que é do meu tão diferente,
Uma autêntica beleza?
Não lhe chego lá por ora?
Não perde pela demora!
1519 – Inteligente
A mulher inteligente
Cujo marido vai ter
De lutar em guerra ingente
O fim desta é o que só quer.
Mas esta mesma mulher,
Se vier a escravidão,
A primeira vai querer
Na luta o marido então.
Por quê discutir em vão?
- Mulher tem sempre razão!
1520 – Velhote
- O velhote nem se lembra de mim…
- Mas lembro-me de vocês,
Não de ti como tu és,
Tal como és agora, assim…
É que na minha memória
Tu nunca, nunca cresceste!
Tens de presidente a glória?
Revejo em ti, porém, este
Rapazinho divertido,
Cabelo espetado ao alto,
Que não vê que quanto envido
É que dê de homem o salto
E que sempre baralhou,
De discernimento falto,
Quanto verbo conjugou…
Bem podes ser grande e velho
Que o que eu vejo é tal fedelho!
1521 – Esperar
- Era capaz de esperar
A vida inteira por ti!
- E depois? Quando eu chegar,
É tarde a mais, já vivi…
1522 – Barriga
Na vida, como no mar,
Quem tiver maior barriga
Acaba por mastigar
O que a ser pequeno obriga.
1523 – Perfeito
Tão perfeito é, tão perfeito
Que nem as rugas lhe assomem?
Falta-lhe ter um defeito
Para, afinal, ser um homem.
1524 – Sacrifício
O dever do sacrifício
É por todos acatado
Enquanto for exercício
Do vizinho só do lado.
1525 – Vezes
A vida carrega ao lombo
O que vale e a sombra fátua:
Ou sou, às vezes, o pombo,
Ou dele a latrina – a estátua.
1526 – Desculpas
O mais estranho em política
É que tudo são desculpas
A acerar a mira crítica
Sobre quem vão passar culpas.
1527 – Valetas
Os adultos são crianças
Perdidas pelas valetas:
No ferro-velho os alcanças,
São crianças obsoletas.
1528 – Férias
“Se for eleito, um só dia
Por mês se trabalhará!”
- O comício prometia.
E a voz do povo exigia:
“Então e férias, não há?”
1529 – Travão
Quando no porvir me movo,
Afinal por cá me fico:
O meu travão é que o povo
É a carneirada do rico.
1530 – Afamado
Diz o médico afamado:
“Este olho ficou perdido.
Se fora o do outro lado,
Jamais um tão desgraçado
Final houvera ocorrido!”
Porém, em meio ao regresso,
Por si rebenta o abcesso,
Fica o doente curado.
Logo o clínico escreveu
Um livro em que demonstrava,
Por quanto houvera de seu,
Que tal cura brada ao céu,
Não pode ser nem se dava!
E o curado, pelo meio
Dos papalvos em passeio,
Vê que o povo acreditava!
1531 – Fidalgo
Pelejou mal o fidalgo,
Mas ao truão que o louvou
Logo então ofertou algo
A mais lhe inspirar o voo.
O que não ofertaria
Se afinal fora verdade
O que é mera fantasia
Dum mestre da falsidade!
1532 – Revés
Ao pobre nada o persuade
De que escapa do revés:
É da carne a caridade,
Vem o cão, come-a de vez!
1533 – Pêro
Um dia de desespero
Em que não amo ninguém…
Basta na macieira um pêro:
- Que beleza o mundo tem!
1534 – Vantagem
Noutrem vejo uma vantagem?
- Não é vantagem, é um mal.
Lamento-o: torcida a imagem,
Não invejo nada igual.
1535 – Cidade
É uma forma de viver
Que à cidade corresponde
A de andar tudo a correr
Ninguém sabe para onde.
1536 – Poeta
Como ela amava o poeta,
Um amor cheio de versos,
A manta dos céus completa!
Mas não são irmãos conversos.
De arte ela ficou repleta,
Ele, da paga dos berços
Em que a embalou enganada:
- Dela a fortuna e diversos
Lhe comeu duma assentada!
1537 – Bacilo
A sabedoria
De quem não vive apaixonado
É que um homem de espírito só devia
Ser infeliz
Por quem valera ao menos tal enfado.
Como seria o cariz
Do espanto bem terreno
Por alguém se dignar de tuberculose sofrer
Por mor dum ser
Como um bacilo tão pequeno!
1538 – Malvado
O problema é que o malvado
Crê que quem fizer sofrer
É tão malvado, o danado,
Que já tem sorte em viver!
1539 – Interesse
Como sou interesseiro
Se meu interesse és tu?
Tivera eu mais dinheiro,
Punha-te o interesse a nu!
1540 – Cura
Por cada cura com medicamentos
Provoca o médico dez doenças
Com este vírus de infindos tormentos:
- De que se é doente as mil e uma crenças.
Uma janela fechada,
Dita aberta em suas costas,
São espirros de enxurrada,
Se calhar uma pontada,
Que num paciente apostas.
E, se na sopa magnésio
O convences que juntaste,
Então é pior que o césio:
O responso reze-o, reze-o,
Que de cólica o mataste!
Se o convences de o café
Mais forte ser que o costume,
Vai ficar a noite em pé,
Sem descobrir quanto é
Vítima só de azedume.
Com tristeza ou com descaro,
Para que ela me convença,
Uma cura de doença
Terá por efeito raro
Só de gerir o que a vença.
1541 – Pressa
Pelos erros meus
Muito mal começa:
Cria o tempo Deus,
O homem, a pressa!
1542 – Talentos
Quando crês que teus talentos
Deveras insignificantes
Para eficazes intentos
Serão,
Por uns instantes
Repara então
Na eficácia do mosquito:
Quando te deitas na cama,
Com um zumbido, não um grito,
Deveras te põe aflito,
Do sono desmancha a trama,
E, se te pica,
Para além da comichão,
Até malária aí fica
De morte com certidão.
E é um frágil mosquito apenas
Que te impõe o armagedão
De todas aquelas penas!